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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

AS CHUVAS DA PRIMAVERA



Em breve virão as chuvas da Primavera,
As chuvas da primavera
Vão descer sobre os campos,
Sobre as árvores pobres,
Sobre os rios degelando.

As chuvas da Primavera
Cairão sobre os jardins perdidos,
Sobre os rosais desnudos,
Sobre os canteiros sem flor.

As chuvas da Primavera anunciarão
Os grandes dias próximos,
E a cantiga das águas escorrendo
Dos beirais
Nos dirá do tempo próximo,
Das primeiras flores,
Dos primeiros ninhos,
Das primeiras palpitações
Dos brotos,
Das esperanças,
Da vida que se insinua em tudo,
Nos ramos,nas penugens,
Nos céus limpos.

Em breve virão as chuvas da Primavera.
Os rios já estão degelando
O frio já não é tão mau.
Adormece, pois, meu amor,
E esquece este inverno,
Deixa que o sono te leve,
Como as águas levam flores
E folhas soltas.

Augusto Frederico Schmidt




O FIM DA SOLIDÃO



A borboleta amarela e preta 
Se agitava, dançava, tremia
Em torno do ser esguio, mortificado
Pelo frio do mundo.

Era já na hora indecisa, mas um sol
Retardatário manchava de ouro o chão sombrio.

Revejo a face escura e pálida
Manchada pelo líquen, pelo pó
Das velhas folhas.

Revejo o olhar inocente e duro
Subitamente surpreendido pela ternura,
O olhar prisioneiro do tempo cruel,
Tocado pelo amor, animado pelo espanto do amor,
O olhar de fugitivo do abandonado,
De repente vencido pela certeza de que
Findara sua longa solidão.

Augusto Frederico Schmidt




VAMOS: O MAR ESPERA...



Vamos: o mar espera e vai levar-nos
No seu dorso a essas ilhas suspiradas;
Vai levar-nos, nos nossos frágeis barcos,
Até onde sonhamos, lá bem longe...

Os caminhos do mar, hoje tão verdes,
Lembram campos em flor, que o vento leve
Faz ondular com as suas mãos macias.
Vamos, aos nossos barcos, marinheiros!

O momento chegou de, enfim, seguirmos
À procura das ilhas encantadas
Que estão adormecidas, entre as brumas...

Vamos rever as filhas dessas terras,
Essas flores morenas inocentes,
E nelas encontrar o esquecimento.


Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’


MAR DESCONHECIDO




Sinto viver em mim um mar ignoto,
E ouço, nas horas calmas e serenas,
As águas que murmuram, como em prece,
Estranhas orações intraduzíveis.

Ouço também, do mar desconhecido,
Nos instantes inquietos e terríveis,
Dos ventos o guaiar desesperado
E os soluços das ondas agoniadas.

Sinto viver em mim um mar de sombras,
Mas tão rico de vida e de harmonias,
Que dele sei nascer a misteriosa

Música, que se espalha nos meus versos,
Essa música errante como os ventos,
Cujas asas no mar geram tormentas.


Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

QUANDO EU MORRER




Quando eu morrer o mundo continuará o mesmo,
A doçura das tardes continuará a envolver as coisas todas.
Como as envolve agora neste instante.
O vento fresco dobrará as árvores esguias
E levantará as nuvens de poesia nas estradas...

Quando eu morrer as águas claras dos rios rolarão ainda,
Rolarão sempre, alvas de espuma
Quando eu morrer as estrelas não cessarão de acender-se
no lindo céu noturno,
E nos vergéis onde os pássaros cantam,
As frutas continuarão a ser doces e boas.

Quando eu morrer os homens continuarão sempre os mesmos.
E hão de esquecer-se do meu caminho silencioso entre eles,
Quando eu morrer os prantos e as alegrias permanecerão
Todas as ânsias e inquietudes do mundo não se modificarão.
Quando eu morrer os prantos e as alegrias não permanecerão.
Quando eu morrer a humanidade continuará a mesma.
Porque nada sou, nada conto e nada tenho.
Porque sou um grão de poeira perdido no infinito.

Sinto porém, agora, que o mundo sou eu mesmo
E que a sombra descerá por sobre o universo vazio de mim
Quando eu morrer...


Augusto Frederico Schmidt
in Poesia Completa

domingo, 15 de setembro de 2013

ROSAS



Frágeis filhas da Aurora e do Mistério
Rosas que despertais virgens e frescas,
Sorrindo entre os espinhos e as folhagens,
Nos roseirais sadios e viçosos.

Rosas débeis, que os ventos assassinaram,
Sois a forma e a expressão do próprio efêmero.
Na luta natural incerta e cega.
Sois o instante de Pausa e Sutileza.

Rosas que as mãos da noite despetalam,
Sois o triunfo do Amor e da Harmonia,
Sois a imagem tranqüila da Beleza.

Rosas que alimentais meu olhar enfermo,
Rosas, vós da terra humilde e escura
Um gesto puro, um alto pensamento!


Augusto Frederico Schmidt 
In ‘Um Século de Poesia’

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O AMOR



O amor é frágil
O amor é humilde
O amor é claro
O amor é simples
O amor se vai
Foge e se perde
Subitamente
De repente
O amor é insólito
E inseguro
Surge e se esvai
É cinza 
É ouro
É ardência, é fogo
E é nada

Augusto Frederico Schmidt
In Um século de poesia

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DESCONHECIDA



De repente é a viagem! É o vento que brinca com as últimas árvores visíveis.
E há um pássaro que segue longamente meu navio
E que depois, exausto, retorna.

Quem és tu que, outrora, não conhecia
E que me levas nos teus braços,
Para onde, não sei?

Quem és tu que ainda há pouco não existias
E que me olhas com esses olhos antigos e íntimos
Que contemplaram comigo o nascimento do tempo?

Quem és tu?


Augusto Frederico Schmidt
em O Caminho do Frio

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

PRIMAVERA II



Dia para quem ama
Dia límpido e claro!
O azul do céu, o azul da terra, o azul do mar!
Dia para quem é feliz e sem tormento
Dia para quem ama e não sofre de amor!
Dia para as felicidades inocentes.

Em mim, a mocidade acordou violentamente
Porque o sol expulsou as trevas e inundou-me!
Uma pulsação de vida enche meu ser doentio e incerto.

Vejo as águas correndo
Vejo a vida e o espaço
Vejo as matas e as grandes cidades líricas
Vejo os vergéis em flor!
É a primavera! É a primavera!
Desejo de tudo abandonar e sair cantando pelos caminhos!

Augusto Frederico Schmidt
In: UM SÉCULO DE POESIA

terça-feira, 17 de julho de 2012

SONETO



Eu queria chorar pelos que não choram.
Eu queria chorar pelos olhos secos,
Pelos olhos que são fontes
Onde as mágoas se purificam e se libertam.

Eu queria chorar pelos corações feridos
E que sangram obscura e silenciosamente.
Eu queria chorar pelas almas mártires
Que estão invisivelmente entre nós.

Eu queria chorar pelos indiferentes
E pelos que escondem num sorriso
As decepções de uma incompreendida bondade.

Eu queria chorar pelas almas fechadas,
Pelas almas que são como os desertos
E que não conhecem a libertação das lágrimas...


Augusto Frederico Schmidt

quarta-feira, 20 de junho de 2012

NÃO FUJAS




Não fujas
Quero apenas
Que me deixes derramar
A minha escura tristeza
No teu coração.

Quero apenas que recebas em ti,
No teu ser,
No teu espírito,
A minha tristeza escura,
A tristeza que me deste,
Que veio de ti,
Que nasceu das tuas imagens,
E da tua pérfida doçura.

Quero que bebas a minha tristeza
Como um vinho antigo.
E o que foi amargo
E se formou de lágrimas,
De angústias,
E o que foi para mim desespero,
Inquietação
E sofrimento,
Serás doce, aos teus lábios,
Como um vinho generosos
E antigo.

Quero que bebas a minha tristeza.




Augusto Frederico Schmidt,
in O Caminho do Frio

quinta-feira, 31 de maio de 2012

CHAMADO DA POESIA


Ouço a poesia que me chama.
São vozes que passam numa estrada
Agitando lembranças
Que não moravam na lembrança.

Ouço a poesia que me acena.
E vejo alguém, um vulto ao longe,
Dançando.Quem dançará para os meus olhos,
já fatigados e desertos?
Quem dança assim, na noite ardente?
Ó corpo em flor, que o vento em música mudado
Como uma rosa despetala.

Quem canta, assim, na noite rouca?
Quem canta, assim , o amor do mundo celebrando?

Ouço a poesia que me acena!

É efêmero, é o amor da terra,
É o barro, é o limo,
É a forma frágil e mentirosa.
É o seio em flor,
É o cheiro quente,
É a juventude fugitiva,
É o que a poesia transfigura,
É o amor do mundo,
É o grande engano
Que dança

Ouço a poesia que me chama
E me dá a noite,
A noite cálida e exaltada,
Envenenada pela música,
A noite cheia de desejos
Que, como um corpo, se oferece.


Augusto Frederico Schmidt
In ‘Um Século de Poesia’