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domingo, 2 de novembro de 2014

OLISIPÓGRAFOS

MARINA TAVARES DIAS

em

prefácio a

HISTÓRIAS DE LISBOA

[...] Mercê do seu estatuto de anfíbio (é preciso não esquecer que muitas zonas urbanizadas da Lisboa actual foram, num passado remoto, rios e esteiros), o olisipógrafo sabe, sobretudo, remar contra a maré. E pouco se importa que as manhas centenárias raramente lhe paguem mais do que uma casa muito pequena, no centro de um bairro popular, riquíssimo de história e ostensivamente desprezado pela Polícia e pela vereação. Hoje como ontem, o olisipógrafo está só, perante o passado e o futuro, com Lisboa aos pés.

Como qualquer outro mortal, também o olisipógrafo é um anão aos ombros de gigantes. A sabedoria que tenta conquistar bebe inspiração no trabalho de milhares de autores, anónimos ou não, que escreveram muito antes de a palavra olisipografia ter sido inventada. Autores de relatos e de relatórios, de escritos e de descrições, de rotas e de roteiros, de registos, de assentos, de escrituras, de notícias curtas ou longas, assinadas ou não. Autores de poesia e de prosa, de ficção e de ensaio, de boa e de má literatura. Autores aparentemente imortais e autores totalmente esquecidos. A todos o olisipógrafo recorre, na sua insana busca de um dado concreto para uma homenagem, para um inventário, para uma simples cronologia. E a todos a seu modo ressuscita – ou gosta de pensar que tal faz – esperando dar-lhes, em troca do apoio prestado, um público de novas gerações, entre os escassos privilegiados que sabem ser a memória a mãe de todas as musas.


(CONTINUA NO LIVRO)


Em baixo:
Júlio de Castilho, 
o «pai» da olisipografia,
na sua casa do Lumiar
(fotografado pelo amigo José Artur Leitão Bárcia)
e
o seu busto no miradouro de Santa Luzia
(fotografado por Marina Tavares Dias)








sábado, 18 de outubro de 2014

A Câmara Municipal de Lisboa trata assim os olisipógrafos


Marina Tavares Dias nem um agradecimento recebeu, por 30 anos a escrever sobre a cidade. Júlio de Castilho, o seu Mestre, tem a casa onde viveu neste estado.
Património municipal!







                 
    Fotografia: FST para Arquivo Marina Tavares Dias


Júlio de Castilho, o Mestre que trouxe Marina Tavares Dias para a olisipografia, ou seja, para Historiadora de Lisboa, morreu pobre, obrigado a vender a sua própria biblioteca. Ainda assim, deixou tudo o que conseguiu preservar ao Estado: Torre do Tombo, Biblioteca Nacional, etc. A casa, agora destruida, era o seu refúgio e a sua paixão. Aqui está o seu cantinho preferido em 1904. Agora, destruído, sem papel de parede, sem janelas, nem tecto ou telhado. Casa pertencente à CML! Ou, ainda mais grave, pela Câmara vendida há pouco tempo, e pela calada.




 Fotografia: FST 
para Arquivo Marina Tavares Dias


sábado, 1 de março de 2014

Na cidade em que Júlio Castilho teve de vender a biblioteca para sobreviver

"[.../...] Neste momento, a casa onde morreu Júlio de Castilho, o pioneiro da olisipografia, está a cair, esquecida e emparedada, com placa de homenagem e um letreiro a dizer «Património Municipal». Este é, senhoras e senhores, o destino do olisipógrafo depois de morto. Enquanto vivo, a sua missão é a História em forma de ferroada. É pouco. Mas se pouco é, para mais não chega cada curta vida. Especialmente num país onde as cidades nunca tiveram os historiadores que merecem, tendo de contentar-se com aqueles que as amam sem sentido da mesura. Aqueles cuja vocação mostra, no mundo do lucro fácil, todos os indícios daquilo que saiu de moda há muitos e muitos anos: raízes, memória, estudo, contemplação, paredes barrocamente repletas de papéis e, sobretudo, andar pelas ruas sem automóvel.  Castilho, por exemplo, teve de vender a sua biblioteca pessoal para poder alimentar a casa. Disso mesmo se queixa em carta a Thomaz de Mello Breyner. Carta essa que comprei há décadas, e que mandei emoldurar. Para que a vida de olisipógrafa nunca me surpreendesse até ao desespero."

MARINA TAVARES DIAS