Da Azarujinha a Cascais, Portugal
O paredão tem 2,7 quilómetros. Ou 5,4, porque o fazemos nos dois sentidos. Descida a exígua e traiçoeira escadaria que conduz à praia da Azarujinha, Moustaki diria que on part avec le cœur qui tremble / du bonheur de partir ensemble / sans savoir ce qui nous attend. Antes de mais, há que auscultar o ritmo da respiração do mar, a batida cardíaca de cada nuvem e o compasso escolhido pelas gaivotas para o seu piar, algures entre o guincho e o choro.
O paredão tem 2,7 quilómetros. Ou 5,4, porque o fazemos nos dois sentidos. Descida a exígua e traiçoeira escadaria que conduz à praia da Azarujinha, Moustaki diria que on part avec le cœur qui tremble / du bonheur de partir ensemble / sans savoir ce qui nous attend. Antes de mais, há que auscultar o ritmo da respiração do mar, a batida cardíaca de cada nuvem e o compasso escolhido pelas gaivotas para o seu piar, algures entre o guincho e o choro.
Canta-se quase sempre. A dois, a três ou a solo. Quando é a solo, os outros tentam descobrir que música é que o solista está a estragar, ou se estará apenas a fazer coro com as gaivotas. Fala-se quase sempre. De muita coisa. Daquilo que é importante e daquilo que passa a ser porque nos seduz à passagem. Mas, acima de tudo, olha-se - sempre, e como não? - para quem passa. O paredão é um viveiro. Famílias nas esplanadas, casais a passear bebés lindos, grávidas a prometer igualar-lhes o feito, miúdos a correr ou a azucrinar os crescidos com os porquês tipicos da idade que têm, adolescentes no namorico ou a arrastar as horas em grupo (que bom!), velhos com energia de atletas e, inevitavelmente, caras amigas com quem pôr em dia a vida, as preocupações e as utopias.
Azarujinha, Poça, Piscina Alberto Romano, Tamariz, Moitas, Duquesa, Conceição, Rainha. O prémio para quem chega a Cascais é um petisco ou outro, cerveja ou Coca-cola, seguidos de Santini se a fila não for proibitiva. Se for, paciência. Paciência e um palavrão a escapar-se-nos pelo canto da boca. Depois de callejar um pouco pela vila - livros usados, roupa inacessível, jornais estrangeiros, pormenores arquitectónicos e geográficos -, o eterno debate: alguém protesta cansaço, fala-se em voltar de comboio, cede-se ao marulhar das ondas e ao bronze dos últimos raios de sol e acaba-se por decidir que o caminho será feito a pé até onde der e com todas as paragens que as pernas ou as costas pedirem.
Mas não pedem. Distraem-se com a espuma, que desafia a balaustrada nos troços em que a há e que mina o equilíbrio dos andarilhos quando se espraia pela largura da pista de dança. Quando damos por nós a pedir tréguas, já a torre cor-de-rosa de São João do Estoril está demasiado perto para que valha a pena pensar em alternativas (quando muito, o consolo de um gelado Olá se o Santini tiver falhado). A penantes, pois, até à minúscula enseada onde tudo começou. Fotografando tudo o que provar merecê-lo. Algures a meio do périplo, um mergulho que sabe melhor porque alguém fica a ver. O mar impregna-se-nos na pele e desconfio que é por isso que voltamos sempre a responder ao apelo do paredão. Estou convencido até de que é a pensar nisso que mergulhamos.