Paulo Portas, enfim, falou. Depois de realizada a manifestação do 15 de Setembro, cujos resultados havia naturalmente que ter em conta. E falou como um homem cujas palavras têm que ser entendidas a mais que um nível.
Quando um homem destes fala, a própria escolha do assunto é já de si uma mensagem. O assunto foi a TSU e só a TSU, e isto diz-nos desde logo que nada mais esteve em causa nas ruas e nada mais estará em causa no debate político do Orçamento de Estado. Dum só golpe, Portas tentou desarmar a rua, ao menos parcialmente, e armar o seu partido contra o parceiro de coligação.
E que nos disse Portas sobre a TSU? Que tinha discordado; que tinha proposto alternativas (ainda vamos ouvir falar muito delas, ou ele não se chame Paulo); mas que tinha optado por não lhe levantar obstáculos que pusessem em causa a coligação governamental. Também isto tem que ser entendido a dois níveis. A coligação mantém-se, para já, pelo beneplácito de Paulo Portas; e as medidas respeitantes à TSU, anunciadas como definitivas por Pedro Passos Coelho, são afinal susceptíveis, não só de meras "modulações", mas das mudanças que o evoluir da situação política nas instituições, nos partidos, na sociedade civil e na rua tornarem convenientes. As mudanças na TSU são a moeda com que Paulo Portas negociará: e negociará com todos os que vierem excepto Passos Coelho.
O tudo que fica na mesma é o não-dito. O silêncio de hoje é um manto que se estende sobre as manifestações de ontem. Que se lixe a troika? Queremos as nossas vidas? Sons sem sentido, ruído que esmorece. O futuro? A esperança que falta? Qual futuro, qual esperança. É a TSU, estúpidos!
O futuro é o regresso aos mercados. A esperança de "Portugal" é o regresso aos mercados. Se muitos dos manifestantes de ontem se estão nas tintas para os mercados, ou nem sequer sabem o que isso é; ou se param de ouvir ao ouvir "regresso" e imaginam que o que foi roubado será devolvido pela munificiência de Portas; ou se sabem muito bem o que é o regresso aos mercados mas preferem o regresso à decência - tudo isto é problema deles. Os que não puderem ser enganados terão que ser calados. Não é a decência, estúpidos. Não são os salários, estúpidos. Não é o estado social, estúpidos. Não são as pessoas, estúpidos. Não é a vossa vida, estúpidos.
É a troika. São os mercados. É o regresso aos mercados. O regresso aos mercados: é isto e só isto que Paulo Portas promete mesmo quando parece prometer muito mais. E promete sem prazo, naturalmente, para que a promessa nunca possa ser desmentida. É isto que tem que ficar na mesma. Custe o que custar. E se Passos Coelho não entender, a troika entenderá.
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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.
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domingo, 16 de setembro de 2012
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
Justified Resistance
Escrevi o texto que se segue na caixa de comentários deste ensaio publicado em "Der Spiegel" em que se afirma que a França é um país profundamente nostálgico, narcisista e resistente às "reformas". Mais afirma o ensaísta, com intolerável paternalismo, que é isso que a torna um país "encantador."
France resists reform as defined by others. This is the rational thing to do if you believe, as France has every reason to believe, that "reform" is going in the wrong direction. This is what most reputed economists all over the world have been saying for the last four years, with the exception of the Goldman Sachs-trained hacks currently in charge in the EU. It is also what an increasing amount of empirical evidence is confirming.
We should therefore ask ourselves if the real problem is France's resistance to "reform" or Germany's resistance to basic economic rationality.
segunda-feira, 25 de abril de 2011
O medo de ouvir dizer não
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e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
Alexandre O'Neill
Os poderosos têm medo. Porque têm mais a perder, diz uma amiga minha, sem dúvida com razão; mas as raízes do seu medo são certamente muito mais diversas do que isto, ao ponto talvez de ninguém as conhecer todas.
Do medo em si, podemos aperceber-nos com maior ou menor facilidade. Por mim, tive esta percepção já perto da meia-idade, e lamento não a ter tido mais novo. De repente, perante alguém que tinha poder sobre mim, apercebi-me: este tipo está com medo! Desde então, desde que aprendi a reconhecer o cheiro do medo, a experiência foi-se repetindo amiúde: «eles» têm medo de nós. Medo de quê, não sei bem. Acho que têm medo, sobretudo, de não ser obedecidos. De ouvir dizer «não». Porque sabem que contra o «não» não têm defesa.
O medo é a emoção base dos poderosos. É o substrato sobre o qual constroem todas as outras emoções de que são capazes. E sobre o qual constroem as suas virtudes, mesmo a coragem. (O medo vai ter heróis!), espanta-se O'Neill no poema de que tirei a epígrafe deste artigo. Previu bem, o O´Neill: o medo até já tem heróis, ébrios de suicídio e sacrifício.
De todos os poderosos, os que têm mais medo são os comissários políticos. Como entender doutro modo a reacção malcriada de Olli Rehn a uma declaração inócua de Cavaco Silva? A declaração inócua foi esta, se bem me lembro: «precisamos de encontrar soluções imaginativas». Inócua, porque tão geral que na prática não significa nada. Mas tanto bastou para irritar o Sr. Rehn, que pelos vistos não quer a imaginação no poder em Portugal, como já não está na Finlândia. Compreende-se: a «ajuda» que nos querem «dar» consiste em impor-nos a ortodoxia, e para mais uma ortodoxia que está por todo o mundo a cair aos bocados; e a imaginação tem uma lamentável tendência a desviar-se da «linha justa».
Os comissários políticos do neoliberalismo têm medo de nos ouvir o mesmo «não» que já ouviram à Islândia. Portugal não é a Islândia: é trinta vezes maior em população. O «não» deles provocou um terramoto; um «não» nosso provocaria um terramoto muito maior, e na sequência deste um tsunami que varreria toda a Europa, como varreu todo o mundo o que comemoramos hoje.
Este «não» não virá dos nossos políticos, que têm tanto medo do Sr Rehn como o Sr. Rehn tem de nós. A vir, virá da arraia miúda, como em 1385 e tantas vezes depois disso. Para o dizer, basta que votemos BE ou PC, nem que seja com a mão no nariz. Quem julgar que isto não serve de nada, olhe para o medo do Sr. Rehn, para a sua pressa em criar factos consumados antes que o eleitorado português vá a votos: ficará elucidado sobre a utilidade ou inutilidade deste voto.
Basta que não aceitemos o que «tem que ser»; que não nos verguemos ao «inevitável»; que saiamos à rua e defenestremos o Bloco Central - os Condes de Andeiro que infestam os palácios - antes que «matem o Meestre». Basta, em suma, que não sejamos ratos.
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