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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 29 de março de 2013

Demos

Estou convencido de que estamos em plena guerra e que Portugal não é o principal campo de batalha, nem aquele em que sairemos, isoladamente, vitoriosos ou derrotados. Não há solução para Portugal que não faça parte duma solução para a Europa e para a América do Norte.

Há lutas locais a travar, evidentemente - demitir o governo actual é uma delas - mas estas lutas valem mais pela repercussão que possam ter na Europa e no Mundo do que pelos seus efeitos imediatos na vida dos portugueses.

O que está em causa é permitirmos ou não que se instale no Mundo um fascismo global. Uso a palavra fascismo conscientemente e no seu sentido próprio: segundo a definição de Mussolini, o regime em que o poder do Estado se funde com o poder das corporações. Tal como o projecto fascista global, também a resistência anti-fascista tem que ser exercida de forma coordenada; e talvez sejam os activistas norte-americanos, de entre todos os resistentes, os que mais sucintamente capturam o espírito desta luta: "Corporations Are Not People".

Na Europa, a luta é antes de mais pela democracia. Desde logo porque nem a CEE, nem a UE foram alguma vez, nem sequer formalmente, espaços democráticos. Fundada na expectativa de que a democracia viesse por acréscimo e por consequência da união económica e da prosperidade partilhada, a União Europeia esbarrou, na sequência da crise financeira mundial de 2007/2008, no muro até então invisível que é a ausência de um "Demos" europeu que pudesse ser titular duma soberania europeia que por sua vez legitimasse democraticamente uma governação.

Pois bem: o "Demos" europeu, que não foi construído a partir de cima, pode estar a emergir da luta anti-fascista em curso na Europa. "Todos somos cipriotas", grita-se na Alemanha; e este grito, vindo embora duma minoria activista, é ouvido pelas classes médias de toda a Europa - que entenderam, desde a primeira hora, que aquilo que os seus ministros das finanças decidiram por unanimidade fazer às contas bancárias dos cipriotas abre um precedente que nos afecta a todos. Somos todos cipriotas, somos todos gregos, somos todos espanhóis, somos todos até - quem diria! - luxemburgueses. "Nós" quer dizer cada vez menos "nós, os portugueses" ou "nós, os alemães" e cada vez mais "nós, os 99%" - como na América - contra "eles, os fascistas financeiros."

É por isso que tudo faço - dentro das minhas modestíssimas capacidades, e pedindo desculpa pelo atrevimento - por puxar os meus compatriotas para fora de Portugal e para o centro da Europa. Não para que desistam da sua luta cá, que é imprescindível, mas para que saibam que não estão - não estamos - sozinhos contra o Mundo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Austeridade como Arma na Luta de Classes


Já passou tempo suficiente para que quem tinha dúvidas deixe de as ter: a austeridade não é uma estratégia para relançar a economia. É uma estratégia com outros objectivos: resgatar os bancos, sobretudo os alemães, que provocaram a crise, permitindo-lhes transferir para os contribuintes europeus os prejuízos em que incorreram antes de 2008; perpetuar esta crise e utilizá-la como arma do poder contra a sociedade; destruir as classes médias e o estado social; e transformar os países periféricos da Europa numa zona de trabalho "ultra-low-cost", que permita aos países do centro concorrer com a Ásia e ao mesmo tempo pressionar para baixo os salários que eles próprios praticam. 
Quem ainda há poucos anos assistia, atónito e indignado, às políticas da fome usadas contra os povos africanos pelos Senhores da Guerra, dificilmente acreditará nos seus olhos quando vê políticas semelhantes usadas contra os europeus por senhores respeitáveis com gravatas de seda italianas e doutoramentos em Economia.

A austeridade como estratégia contra a sociedade não pode ser compreendida nem combatida no âmbito exclusivo das políticas nacionais. O seu âmbito é europeu e, em última instância, mundial. A título de exemplo: a obstinação de Angela Merkel em obrigar os trabalhadores do Sul da
Europa a cobrir as perdas especulativas dos bancos - autorizando-os a pedir empestado ao BCE a 1% ou menos, para depois emprestar aos governos a juros usurários que inviabilizam o investimento público - encontrará menos obstáculos numa eventual Administração Romney do que na actual Administração Obama, que mantém sobre os bancos europeus um olhar vigilante.

Compreender a estratégia austeritária num contexto europeu e mundial não significa, porém, que não devamos exigir à classe política portuguesa que nos preste as devidas contas. Compreende-se que o governo dum pequeno país tenha a sua margem de acção severamente limitada por circunstâncias externas que não controla. O que não se compreende nem perdoa é a colaboração voluntária e activa do governo português, vagamente justificada por opções ideológicas mal digeridas, com interesses hostis a Portugal e aos portugueses.

Colaboracionismo é uma feia palavra, mas é a palavra exacta para designar as políticas económicas de Pedro Passos Coelho e do seu governo. É por isso que as responsabilidades com que nos cabe confrontá-lo não são apenas políticas, mas também criminais. Não basta que a junta golpista em que este governo se transformou saia do poder: é preciso que não saia dele para uma dourada impunidade.
 
 
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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Justified Resistance

Escrevi o texto que se segue na caixa de comentários deste ensaio publicado em "Der Spiegel" em que se afirma que a França é um país profundamente nostálgico, narcisista e resistente às "reformas". Mais afirma o ensaísta, com intolerável paternalismo, que é isso que a torna um país "encantador."

France resists reform as defined by others. This is the rational thing to do if you believe, as France has every reason to believe, that "reform" is going in the wrong direction. This is what most reputed economists all over the world have been saying for the last four years, with the exception of the Goldman Sachs-trained hacks currently in charge in the EU. It is also what an increasing amount of empirical evidence is confirming.

We should therefore ask ourselves if the real problem is France's resistance to "reform" or Germany's resistance to basic economic rationality.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Delenda est Germania não é opção

A "Alemanha" está em guerra contra a "Europa". Entenda-se aqui por "Alemanha", assim entre aspas, não o Povo alemão nem Estado alemão, mas sim a teia de interesses económicos, políticos e financeiros centrada nas oligarquias alemãs e na tecno-burocracia da União Europeia. Desta "Alemanha" fazem parte não apenas os partidos da Direita alemã, a imprensa tablóide alemã, os bancos alemães e o Bundesbank; nem sequer apenas aquela grande fracção da opinião pública alemã que se deixou intoxicar pela propaganda xenófoba contra aos europeus do Sul e pela narrativa que lança sobre eles as culpas duma crise planeada e posta em prática pelas elites políticas, económicas e tecno-burocráticas da Europa e do Mundo. Nesta acepção, Passos Coelho e Rajoy são tão alemães como Merkel, Vítor Gaspar tão alemão como Schäuble, e Barroso ou Van Rompuy mais alemães que os outros todos.

Esta "Alemanha" também se podia chamar "Áustria", em reconhecimento dos seus mestres Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Joseph Schumpeter, Karl Popper ou Peter Drucker. Mas isto seria do mesmo modo um termo de conveniência, e, como termo de conveniência, "Alemanha" funciona melhor. Foi esta "Alemanha", e não o Estado Alemão em si, que moveu e move ainda uma guerra não declarada contra a "Europa".

Também a palavra "Europa" é aqui usada como termo de conveniência. Não inclui, como é óbvio, a totalidade geográfica do continente europeu. Nem inclui as elites políticas e económicas dos Estados da União Europeia ou da Zona Euro, ou as tecno-burocracias de Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt - que são, nos termos que defini acima, "alemãs." Por "Europa" entendo aqui, por um lado, as classes médias e as classes trabalhadoras da União Europeia, incluindo obviamente as alemãs; e por outro lado o projecto de paz e prosperidade partilhada protagonizado por Jean Monnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer.

A guerra movida pela "Alemanha" à "Europa" é uma guerra civil que se desenvolve no contexto duma outra guerra, de âmbito mundial, movida pelos "mercados" contra a União Europeia. A crise do imobiliário nos EUA teve repercussões nos sistemas financeiros de todo o mundo. No Verão de 2008, a derrocada do Lehman Brothers sinalizou publicamente a crise e levou os governos a considerar certas empresas - maioritariamente do sector financeiro - como too big to fail. Politicamente apoiados pelos governos, os bancos responsáveis pela crise criaram uma ditadura de credores que lhes permite ressarcir-se das perdas sofridas cobrando tributo aos contribuintes americanos e europeus, restringindo o crédito à economia real e impondo juros artificialmente inflacionados aos devedores mais vulneráveis - nomeadamente àqueles países cuja participação na zona Euro impossibilitava de pôr em prática políticas que lhes permitissem defender-se.

E foi nesta conjuntura que as instâncias políticas da União Europeia tomaram aquela que é provavelmente a decisão mais estúpida - mais traiçoeiramente estúpida - da sua história. Com a União sob ataque externo, no preciso momento em que as mais elementares considerações estratégicas lhe exigiam que reforçasse os sectores mais fracos da sua periferia, escolheu em vez disto atacá-los por trás e deixá-los entre dois fogos.

Em qualquer guerra a primeira baixa é a verdade. A propaganda que a "Alemanha" utiliza contra a "Europa" baseia-se em duas mentiras fundamentais. A primeira é a narrativa do esbanjamento, da indisciplina, da irresponsabilidade fiscal e dos défices crónicos dos países devedores. Esta mentira tem a sua parcela de verdade (mais no que toca a Grécia e Portugal do que no que toca a Itália, a Espanha e a Irlanda); mas esta parcela é imputável às forças políticas e económicas que nestes países constituem a "Alemanha", e não às classes médias e trabalhadoras ou aos contribuintes que constituem neles a "Europa."

A segunda mentira está em que as transferências financeiras necessárias a uma política de crescimento económico constituiria um jogo de soma zero, em que qualquer ganho para os cidadãos do Sul da Europa corresponderia a um prejuízo equivalente para os contribuintes do Norte. Em nome desta mentira, foram rejeitadas todas as políticas que pudessem funcionar como um jogo de soma positiva. Mesmo perante o que já é uma evidência - que os equilíbrios financeiros pro-cíclicos e as políticas de austeridade em vigor estão a resultar num jogo de soma negativa para todos os povos da UE - continua a insistir-se na mentira. Porque esse é o interesse da "Alemanha." Porque esse é o interesse das instituições bancárias de âmbito mundial que formataram e nomearam os ministros das finanças, quando não os primeiros-ministros, e os governadores dos bancos centrais da União Europeia.

Sabe-se sempre como as guerras começam; nunca se pode prever como acabam. A guerra civil entre a "Alemanha" e a "Europa" poderá ter um de muitos desenlaces, dos quais só consigo imaginar três. Num deles, a "Alemanha" entregará à Alemanha um império que esta terá que assumir mesmo que o não deseje. No centro deste império subsistirão, talvez, os vestígios dum Estado Social, mas nas periferias as condições "normais" de vida e de trabalho estarão próximas da escravatura ou da servidão feudal.

Outro desenlace possível é a vitória da "Europa," com o regresso da União Europeia aos princípios fundadores da CEE e com avanços significativos numa integração política legitimada no processo democrático.

Finalmente o mais provável, que é o fim do projecto europeu. A Europa dividir-se-á de novo num mosaico de estados independentes e insignificantes, envolvidos em querelas perpétuas e num constante fazer e desfazer de alianças precárias. E no seu centro, como uma locomotiva enorme à solta no porão dum navio, o monstro inviável que Bismarck criou. Tão elevado será o preço de o destruir como o de deixar que se destrua.

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domingo, 22 de julho de 2012

Para ler à vez

Caí no hábito de ler à vez dois blogues sobre política económica: Kantoos Economics, dum economista alemão de 31 anos, e Yanis Varoufakis, do economista grego deste nome. As entradas de Kantoos são publicadas em alemão ou inglês, com predominância do inglês nas mais recentes. As de Varoufakis são em inglês. 

Os dois blogues entram frequentemente em diálogo, e mais recentemente numa polémica que acabam de dar por terminada. Os comentários pendem, parece-me, mais para o lado de Varoufakis, mesmo quando faz afirmações tão extremas, e tão ofensivas para Kantoos, como "a maioria dos alemães está disposta a incorrer num custo desde que os gregos incorram num custo maior." Interessante é ver como a mesma disciplina académica pode levar a propostas políticas tão diferentes conforme a nacionalidade.

E daí, talvez não. As propostas de política económica também variam muito no âmbito interno de cada país. Será só uma questão de escola? Ou também de classe?