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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sábado, 11 de junho de 2022

WHY NATIONS FAIL


O livro é de de 2012 e parecerá datado a quem ler a introdução, que menciona a a Primavera Árabe quando esta estava, sabêmo-lo hoje, votada ao fracasso. Mas a tese central continua convincente: a pobreza das nações não é causada pela geografia, nem pela composição genética dos seus habitantes, nem por factores culturais como a ideologia ou a religião, mas sim pelo maior ou menor défice democrático e pelo nível de corrupção. Os exemplos são abundantes e a argumentação sólida. A corrupção é o mais oneroso dos impostos, e também o mais insidioso, porque não inside sobre os rendimentos e a riqueza que temos mas sobre a que teríamos sem ela. E é também o mais injusto, porque se recolhemos alguns benefícios em trocva dos impostos que pagamos ao Estado, não recebemos nada pelo tributo que pagamos às oligarquias.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

48.800.000 / 1

São mais dois números a acrescentar às contas da desigualdade: em 2008 o património da família Walton, proprietária da cadeia de hipermercados Walmart, era "só" igual à soma da riqueza dos 35 milhões de famílias norte-americanas mais pobres. Hoje, decorridos quatro anos de crise, é igual à dos 48,8 milhões de famílias mais pobres.

Nada nestes números impressionará ou fará mudar de ideias (diz-mo uma longa experiência) um neoliberal convicto. Confrontado com eles, recorrerá a uns tantos argumentos-padrão a favor da desigualdade económica, a saber:

1. A desigualdade económica é benéfica porque desencadeia mecanismos de emulação, estimulando os mais pobres a trabalhar mais e a empreender mais, com benefício para si próprios e para a economia em geral. A desigualdade é, além disso, o preço da liberdade: escolhas diferentes levam a resultados diferentes, e qualquer tentativa de corrigir politicamente os resultados levaria a uma restrição "totalitária" das escolhas individuais, que são "livres" por definição.

2. Os críticos da desigualdade acreditam ingenuamente que a distribuição da riqueza é um jogo de soma zero em que o enriquecimento de uns corresponde exactamente ao empobrecimento dos outros; quando na "realidade" o jogo é de soma positiva, ou seja: o enriquecimento dos poucos apenas reflecte o enriquecimento geral resultante da liberdade dos mercados.

3. A indignação que a desigualdade provoca é apenas inveja; as políticas de esquerda são políticas da inveja que defendem a mediocridade e a preguiça contra o mérito. Se os pobres não gostam de ser pobres, que façam como os ricos.

Quanto ao primeiro destes argumentos, há uma pergunta que fiz centenas de vezes em foruns variados sem nunca conseguir que um defensor do neoliberalismo se comprometesse com uma resposta: Se a desigualdade económica é benéfica, haverá um nível óptimo de desigualdade que permita tirar dela o benefício máximo reduzindo ao mínimo os seus custos? No caso de esse nível óptimo existir, por que critérios pode ser determinado? Sobre estes pontos, o obstinado silêncio dos neoliberais com quem tenho debatido só pode significar que não ousam dizer aquilo em que verdadeiramente acreditam: quanto mais desigualdade, melhor. Uma desproporção de 48,8 milhões para um ainda é pouco, e se fosse de 488 milhões para um tudo correria bem na mesma no melhor dos mundos possíveis. E no entanto há um critério óbvio para definir um limite para a desigualdade económica: enquanto a riqueza e o poder forem reciprocamente convertíveis, ninguém deverá ser tão rico que as suas preferências políticas prevaleçam sobre as escolhas democráticas, ou que a sua liberdade limite gravemente a liberdade dos outros.

Quanto ao segundo argumento: enquanto a riqueza da família Walton aumentou, e a desproporção entre ela e a média das famílias mais pobres subiu de 35.000.000 : 1 para 48.800.000 : 1, a riqueza média dos habitantes dos EUA diminuiu, tendo recentemente ficado abaixo, pela primeira vez na História, da riqueza média dos canadianos. Os neoliberais têm razão quando dizem que a distribuição da riqueza não é necessariamente um jogo de soma zero, mas esquecem-se de dizer que é frequentemente um jogo de soma negativa. É o que está a acontecer desde 2008 nos EUA e na União Europeia. E isto não representa o falhanço das políticas de austeridade recessiva, mas o seu êxito, uma vez que é o objectivo que presidiu à fabricação da crise.

Resta a questão da inveja. Pelo que temos visto, designadamente em Portugal, as políticas da inveja não são típicas da Esquerda, mas da Direita. Não está geralmente na natureza humana invejar quem aparentemente habita outro universo. Os bilionários mediáticos, as estrelas do futebol e da música popular, o jet set, os aristocratas vistosos, os membros das famílias reais suscitam mais admiração e adulação do que inveja. As pessoas invejam o que está próximo delas, não o que está longe: invejam os funcionários públicos por terem empregos mais estáveis (mesmo que os não tenham): invejam os professores por terem mais tempo livre (mesmo que tenham menos); invejam os trabalhadores que se mobilizaram de modo a formar sindicatos fortes e conseguem assim defender-se um pouco melhor contra os roubos e as espoliações de que todos são vítimas. Invejam quem ganha, por hipótese, 4,88 vezes o que elas ganham; mas não invejam, nem condenam, quem tem 48,8 milhões de vezes mais.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pobreza, desigualdade e sofrimento económico (3)

III
O Sofrimento Económico

No primeiro artigo desta série defendi que a pobreza não pode ser definida só pelo rendimento ou pelo património, mas inclui também o estatuto social. No segundo artigo, aventei alguns critérios para a definição de um nível de desigualdade económica a partir do qual ela se torne socialmente intolerável. Propositadamente, não declarei que preferia um destes critérios a quaisquer outros, uma vez que o grau de tolerância social, quer à pobreza, quer à desigualdade, varia de sociedade para sociedade e de conjuntura para conjuntura, sem que nunca seja zero e sem que nunca seja ilimitado.

Se a redução da pobreza, medida em termos absolutos e só no aspecto económico, fosse justificação moral ou pragmática suficiente para o modelo neoliberal, então os seus defensores poderiam reclamar vitória- ou melhor, vitórias limitadas e localizadas. Há hoje menos pobres na China do que há trinta anos; em Portugal, a percentagem não mudou durante este período, mas mudou a noção de pobreza: um trabalhador pobre dos nossos dias tem mais acesso à satisfação das suas necessidades básicas do que um trabalhador pobre há trinta anos (embora também tenha, provavelmente, e devido à menor valorização das suas capacidades pessoais, um estatuto social mais baixo). Para que a parte mais pobre duma população saia da pobreza não basta, portanto, que num dado período o seu rendimento disponível aumente em termos absolutos: é necessário que esse aumento seja pelo menos proporcional ao avanço tecnológico e à maior produtividade que dele resulta; é necessário que o aumento de rendimento não seja anulado por uma degradação no estatuto social; e é necessário que o acesso a bens civilizacionais absolutos como o lazer e a segurança económica não seja restringido com base na vontade política de uns poucos. Em suma, é necessário que o aumento do rendimento não seja acompanhado dum aumento do sofrimento económico.

O sofrimento económico não afecta só a minoria dos mais pobres, mas também muitas pessoas cujo rendimento absoluto é médio ou alto. Traduz-se na precariedade do trabalho e do rendimento, nos horários de trabalho incompatíveis com a vida familiar, na sujeição a métodos de gestão neo-tayloristas, na tortura psicológica no local de trabalho (com origem, muitas vezes, não em vícios de personalidade dos quadros intermédios que a praticam, mas em procedimentos cientificamente estudados e decididos ao mais alto nível nas organizações), no consumo, que não pára de aumentar, de medicamentos anti-depressivos e tranquilizantes.

As vítimas mais visíveis do sofrimento económico são, em Portugal, a geração mil-eurista; os trabalhadores precários; as pessoas que desejam ter filhos e não os têm porque o próprio facto de os terem reduziria a probabilidade de os poderem sustentar no futuro; os que têm dois ou três empregos para sobreviver; os que trabalham de graça para além do horário contratado; os que se vêem obrigados a escolher entre um mau emprego e emprego nenhum; os que sacrificam contra sua vontade as suas aspirações, os seus afectos, as suas idiossincrasias, a sua individualidade, a sua dignidade a um trabalho concebido, não como parte da vida, mas como ele próprio a vida. São todos aqueles que, não podendo fazer greve ao trabalho, fazem greve à parentalidade, à família e à intervenção cívica e política. São, em todo o mundo, os que não têm acesso ao trabalho; e são, de entre os que lhe têm acesso, aquela imensa maioria a quem o trabalho não dignifica, mas degrada.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Pobreza, desigualdade e sofrimento económico (2)

II
Desigualdade


Durante vários anos, até deixar de ter prazer em polemizar com os blogues neoliberais, houve uma pergunta que fiz repetidamente, sem nunca obter resposta, nas suas caixas de comentários. Não exagero se disser que a fiz centenas de vezes, formulada das mais diversas maneiras, procurando sempre a maior clareza possível. Nunca ninguém me respondeu: nem no "Blasfémias", nem no "Insurgente", nem no mais inteligente e menos famoso de todos: o "Semiramis", infelizmente já desaparecido da blogosfera.

A pergunta, dividida em três alíneas, era esta:

a) Se a desigualdade económica, ao promover a competição, conduz a uma maior produção de riqueza, haverá um nível óptimo de desigualdade que assegure este benefício sem custos que o excedam?

b) No mesmo pressuposto, haverá um nível a partir da qual a desigualdade se torne inútil ou contraproducente para a produção de riqueza?

c) Presumindo a existência deste nível óptimo, como pode ele ser definido - quer em termos quantitativos, quer em termos descritivos?

Nunca nenhum neoliberal me respondeu a esta pergunta. Não me custa a acreditar, no caso dos dois blogues que citei em primeiro lugar, que a não tivessem compreendido, apesar de ela ser perfeitamente clara: não há estupidez mais profunda do que a que resulta da cegueira ideológica. Já no caso do "Semiramis", não pude deixar de notar o incómodo que esta pergunta causava à autora, que aparentemente compreendia a pergunta mas não queria ou não podia responder-lhe.

Há silêncios que são eloquentes. Se alguém, defendendo a desigualdade económica, se recusa a considerar sequer a hipótese de haver um nível óptimo de desigualdade, das duas uma: ou vê o mundo em termos dicotómicos - opondo uma desigualdade arquetípica, inexistente no mundo real, a uma igualdade igualmente arquetípica e igualmente inexistente - ou pensa, mas não quer dizer, que considera a desigualdade económica um valor em si mesma, da qual quanto mais, melhor.

Como George Bush ("I don't do nuance"), também os meus interlocutores neoliberais eram incapazes de, ou estavam indisponíveis para, reconhecer matizes. Sucede, porém, que quem não vive em Nefelococígia pode facilmente verificar, pelo simples expediente de olhar à sua volta, que entre igualdade e desigualdade a variação é contínua. Não faz sentido, portanto - quer em termos morais, quer políticos, quer sociais, quer económicos - discutir politicamente dois arquétipos opostos e intrinsecamente impossíveis como se entre eles não houvesse toda uma gama de possibilidades reais.

A querela entre igualdade e desigualdade encaradas em termos abstractos e absolutos não é uma discussão política: é uma discussão metafísica, se quisermos, ou teológica. A opção política, situada necessariamente no âmbito do possível, só pode ser entre mais igualdade e menos igualdade. E é neste âmbito do possível, que os teólogos do mercado não podem ou não querem ter em conta, que talvez encontrem resposta as perguntas que ponho no início deste artigo.

Ou melhor: resposta não, respostas. Não há um critério único para determinar o grau óptimo de desigualdade económica, mas uma variedade de critérios que poderão levar a soluções diferentes.

Um destes critérios, de um pragmatismo puramente económico, é o seguinte: uma sociedade saudável é suficientemente desigual para que os seus membros sejam motivados a subir na vida, mas não tão desigual que sejam impedidos de o fazer. Por este critério, a Suécia é uma sociedade mais saudável que Estados Unidos da América ou o Reino Unido, uma vez que a ascensão social é estatisticamente mais provável para os suecos do que para os americanos ou para os britânicos.

Um segundo critério é pragmático do ponto de vista social: a desigualdade económica não deve atingir níveis que causem ou agravem disfunções sociais como as que se enumeram neste livro, a que já me referi em posts anteriores.

Um terceiro critério é moral: numa sociedade de abundância não deve ser permitido que ninguém, por mais reduzidas que sejam as suas capacidades ou o seu mérito, desça a um nível degradante de pobreza.

Um quarto critério decorre do imperativo democrático: sendo a riqueza e o poder reciprocamente convertíveis(1), a desigualdade económica nunca deve chegar a um nível tal que dela decorra uma desigualdade política. Mesmo dando de barato a hipótese extremamente improvável, e certamente inverificável, de que há uma boa justificação moral ou económica para que o gestor duma empresa ganhe 466 vezes mais do que a senhora subcontratada que lhe limpa o gabinete, nada justifica que o gestor tenha mais poder sobre si próprio e sobre as políticas da República do que a senhora da limpeza. O gestor não pode ter, como na prática tem, uma prerrogativa de veto sobre os programas políticos que o voto da senhora sufragou.

Estes critérios, e outros que possam ser aventados, levarão provavelmente a que se definam como toleráveis níveis de desigualdade diferentes; mas nenhum deles está perto sequer de justificar as desigualdades obscenas que caracterizam as sociedades actuais.

Quase tudo o que escrevi acima foi sobre a desigualdade económica. Muito mais haveria a dizer sobre a desigualdade social, ou de estatuto - ou seja, desigualdade na integração social, na dignidade pessoal, na liberdade de escolha, na participação política, na influência social e no usufruto do Estado de Direito. Mas isto, que parece outra história, não o é.

(1) Quanto mais êxito uma dada sociedade tiver na redução desta convertibilidade, mais elevado se torna o nível de desigualdade económica que pode sustentar politicamente. Daqui decorre, por exemplo, que para a sociedade portuguesa ser politicamente saudável, corrupta como é, não lhe bastaria atingir um grau de igualdade económica semelhante ao da Suécia, mas teria provavelmente necessidade dum grau de igualdade maior.