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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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segunda-feira, 25 de abril de 2011

O medo de ouvir dizer não

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

Alexandre O'Neill





Os poderosos têm medo. Porque têm mais a perder, diz uma amiga minha, sem dúvida com razão; mas as raízes do seu medo são certamente muito mais diversas do que isto, ao ponto talvez de ninguém as conhecer todas.

Do medo em si, podemos aperceber-nos com maior ou menor facilidade. Por mim, tive esta percepção já perto da meia-idade, e lamento não a ter tido mais novo. De repente, perante alguém que tinha poder sobre mim, apercebi-me: este tipo está com medo! Desde então, desde que aprendi a reconhecer o cheiro do medo, a experiência foi-se repetindo amiúde: «eles» têm medo de nós. Medo de quê, não sei bem. Acho que têm medo, sobretudo, de não ser obedecidos. De ouvir dizer «não». Porque sabem que contra o «não» não têm defesa.

O medo é a emoção base dos poderosos. É o substrato sobre o qual constroem todas as outras emoções de que são capazes. E sobre o qual constroem as suas virtudes, mesmo a coragem. (O medo vai ter heróis!), espanta-se O'Neill no poema de que tirei a epígrafe deste artigo. Previu bem, o O´Neill: o medo até já tem heróis, ébrios de suicídio e sacrifício.

De todos os poderosos, os que têm mais medo são os comissários políticos. Como entender doutro modo a reacção malcriada de Olli Rehn a uma declaração inócua de Cavaco Silva? A declaração inócua foi esta, se bem me lembro: «precisamos de encontrar soluções imaginativas». Inócua, porque tão geral que na prática não significa nada. Mas tanto bastou para irritar o Sr. Rehn, que pelos vistos não quer a imaginação no poder em Portugal, como já não está na Finlândia. Compreende-se: a «ajuda» que nos querem «dar» consiste em impor-nos a ortodoxia, e para mais uma ortodoxia que está por todo o mundo a cair aos bocados; e a imaginação tem uma lamentável tendência a desviar-se da «linha justa».

Os comissários políticos do neoliberalismo têm medo de nos ouvir o mesmo «não» que já ouviram à Islândia. Portugal não é a Islândia: é trinta vezes maior em população. O «não» deles provocou um terramoto; um «não» nosso provocaria um terramoto muito maior, e na sequência deste um tsunami que varreria toda a Europa, como varreu todo o mundo o que comemoramos hoje.

Este «não» não virá dos nossos políticos, que têm tanto medo do Sr Rehn como o Sr. Rehn tem de nós. A vir, virá da arraia miúda, como em 1385 e tantas vezes depois disso. Para o dizer, basta que votemos BE ou PC, nem que seja com a mão no nariz. Quem julgar que isto não serve de nada, olhe para o medo do Sr. Rehn, para a sua pressa em criar factos consumados antes que o eleitorado português vá a votos: ficará elucidado sobre a utilidade ou inutilidade deste voto.

Basta que não aceitemos o que «tem que ser»; que não nos verguemos ao «inevitável»; que saiamos à rua e defenestremos o Bloco Central - os Condes de Andeiro que infestam os palácios - antes que «matem o Meestre». Basta, em suma, que não sejamos ratos.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Declaração de voto

Carlos Santos, n'O Valor das Ideias, faz a sua declaração de voto a favor do PS. O texto merece ser lido pela alto nível de reflexão que revela - que aliás é timbre do autor - pela honestidade intelectual da argumentação e pela articulação do discurso. Só discordo dele em duas matérias: a confiança que ele põe na pessoa de José Sócrates, e outra, crucial, que exporei adiante.

O meu voto vai ser na esquerda e na modernidade. Não vai ser no PS pelo seguinte:

1. O neoliberalismo

Carlos Santos declara-se consciente da «deriva» neoliberal do PS na legislatura que agora termina e declara-se contrário a ela. Eu não creio que se trate apenas duma deriva: foi muito mais do que isso, foi uma política. E, se é certo que as políticas podem mudar, eu não confio no PS, enredado que está na mesma teia de interesses que enreda o PSD e o CDS, como agente desta mudança.

2. O Tratado de Lisboa

O neoliberalismo é mais que uma deriva, é uma política; e, com o Tratado de Lisboa, será mais que uma política: será um regime que condicionará todas as políticas europeias. Pior ainda: será um regime imposto contra a vontade expressa dos eleitorados (se os irlandeses votarem «sim» no próximo referendo, como fazem prever as sondagens, será caso único e não fará esquecer que, em todas as outras ocasiões em que foi permitido aos eleitores pronunciar-se, disseram «não»). A entrada em vigor do Tratado de Lisboa blindará o neoliberalismo contra todas as mudanças presentes ou futuras. Tratar-se-á, portanto, não duma opção política, mas duma opção de regime, de natureza constitucional, tomada sem o consentimento dos povos e sem a maioria qualificada que normalmente se exige em questões de regime - seja no Parlamento Europeu, seja em qualquer um dos Parlamentos nacionais. Ao sonegar aos portugueses o referendo que lhes tinha prometido, José Sócrates fez muito pior do que deixar uma promessa por cumprir: colaborou num golpe de estado à escala europeia, pois outra coisa não se pode chamar à instituição habilidosa de um regime que nem os actuais cidadãos, nem os futuros, poderão facilmente modificar por meios democráticos. José Sócrates tem responsabilidades neste golpe de estado: a sua actuação, tal como a dos seus congéneres europeus, não configura uma mera deriva, nem sequer uma política que os cidadãos possam um dia mudar; configura, sim, um novo regime a que todos os europeus estarão sujeitos, quer queiram, quer não. Restam-nos apenas duas ténues esperanças: que os irlandeses, apesar do que prevêem as sondagens, acabem por votar «não»; ou que David Cameron, vencendo as eleições no Reino Unido, sujeite a questão a referendo. (Nunca me imaginei a torcer por um Partido Conservador, mas é bem verdade que a política dá muitas voltas).

3. A corrupção

Não sou juiz, sou eleitor. Consequentemente, não defino a corrupção juridicamente, mas politicamente: corrupção é tudo aquilo, legal ou ilegal, que favoreça a convertibilidade recíproca entre riqueza e poder. A história do PS no Parlamento durante os últimos quatro anos é confrangedora neste particular. Desde as propostas do Engº Cravinho às do Bloco de Esquerda, tudo o que pudesse ser eficaz no combate à corrupção foi bloqueado pela maioria; e tudo o que partiu do PS foi no sentido oposto. Foram os PIN, foram os ajustes directos, foi o finca-pé no segredo bancário, foi um Código de Processo Penal que parece expressamente concebido para deixar impunes os crimes de colarinho branco... Já se sabe que a corrupção não pode ser eliminada, especialmente na definição que dei dela acima; mas pode ser diminuída, e a impressão que fica é que o PS fez tudo o que podia, não para a diminuir, mas para a favorecer.

4. Os grandes bloqueios da sociedade portuguesa

O diagnóstico está feito há muito tempo e é relativamente consensual: os grandes bloqueios que impedem o nosso desenvolvimento são a corrupção, que discuti acima, e a falta de eficácia da Justiça e do Ensino. Foi esta a situação que José Sócrates encontrou quando chegou ao poder; e agora, no fim da legislatura, deixa tudo pior do que estava.
Em vez de encontrar soluções reais para problemas concretos, este governo optou por soluções virtuais para problemas em larga medida inventados.
O problema principal da nossa justiça é o formalismo e a excessiva preocupação com a correcção técnica em detrimento da justiça substancial. Não interessa o que se prova, mas o que se dá por provado. Quod non est in acta non est in mundo: este princípio é justo, mas levado ao extremo leva às demoras e às burocracias de que todos nos queixamos e, pior que isso, contribui para a percepção generalizada de que a justiça é injusta. O governo, porém, em lugar de atacar o verdadeiro problema, decidiu convocar um pogrom contra os privilégios, reais e supostos, dos juízes. A sociedade não se tornou mais justa, a justiça não passou a fazer-se em tempo útil, mas Sócrates ganhou popularidade: era isto que interessava.
No ensino, os professores andam há décadas a alertar contra os três bloqueios principais do sistema: pedagogia delirante, incivismo endémico e burocracia asfixiante. Tudo isto piorou com Maria de Lurdes Rodrigues: produto do ISEG, criada no caldo de cultura do pedagogismo, a própria palavra "ensino" lhe queima os lábios. Em quatro anos, não moveu uma palha para que nas escolas portuguesas se ensinasse melhor. Não moveu uma palha para que diminuíssem o incivismo, a indisciplina e a violência nas escolas, nem para que os alunos e os encarregados de educação assumissem as suas responsabilidades; pelo contrário, fez aprovar um "Estatuto do Aluno" que só agrava a situação. Não desburocratizou: pelo contrário, transformou a vida dos professores num inferno burocrático que não lhes deixa nem tempo, nem disposição para exercer aquilo qque eles acham (mas a ministra não) que é a sua verdadeira função: ensinar.
Na corrupção, na justiça, no ensino, este governo não fez política, mas sim espectáculo; não trabalhou para o país real, mas para o país virtual dos técnicos de marketing político. Deixou tudo pior do que estava antes. Hostilizou potenciais aliados e criou tantos anticorpos que qualquer solução futura para os problemas da corrupção, da justiça e do ensino vai ser mais difícil, mais demorada e mais incerta do que era há quatro anos.

É possível, é mesmo provável, que tudo o que escrevi atrás esteja enviesado pela minha condição de professor. A quem me lê, peço que desconte o eventual viés e meça o que afirmei pelo conhecimento que tem dos factos. O que o PS fez aos professores, fez também a outros portugueses; e fá-lo-á a muitos mais se lhe dermos oportunidade para tal. O que está fora de causa, para mim, é votar PS. Desejo que o PS tenha mais votos que o PSD, mas não que tenha muitos mais. Desejo que o PS governe, mas não com maioria absoluta, e não com o meu voto. Esse vai para o Bloco de Esquerda.