e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
Alexandre O'Neill
Os poderosos têm medo. Porque têm mais a perder, diz uma amiga minha, sem dúvida com razão; mas as raízes do seu medo são certamente muito mais diversas do que isto, ao ponto talvez de ninguém as conhecer todas.
Do medo em si, podemos aperceber-nos com maior ou menor facilidade. Por mim, tive esta percepção já perto da meia-idade, e lamento não a ter tido mais novo. De repente, perante alguém que tinha poder sobre mim, apercebi-me: este tipo está com medo! Desde então, desde que aprendi a reconhecer o cheiro do medo, a experiência foi-se repetindo amiúde: «eles» têm medo de nós. Medo de quê, não sei bem. Acho que têm medo, sobretudo, de não ser obedecidos. De ouvir dizer «não». Porque sabem que contra o «não» não têm defesa.
O medo é a emoção base dos poderosos. É o substrato sobre o qual constroem todas as outras emoções de que são capazes. E sobre o qual constroem as suas virtudes, mesmo a coragem. (O medo vai ter heróis!), espanta-se O'Neill no poema de que tirei a epígrafe deste artigo. Previu bem, o O´Neill: o medo até já tem heróis, ébrios de suicídio e sacrifício.
De todos os poderosos, os que têm mais medo são os comissários políticos. Como entender doutro modo a reacção malcriada de Olli Rehn a uma declaração inócua de Cavaco Silva? A declaração inócua foi esta, se bem me lembro: «precisamos de encontrar soluções imaginativas». Inócua, porque tão geral que na prática não significa nada. Mas tanto bastou para irritar o Sr. Rehn, que pelos vistos não quer a imaginação no poder em Portugal, como já não está na Finlândia. Compreende-se: a «ajuda» que nos querem «dar» consiste em impor-nos a ortodoxia, e para mais uma ortodoxia que está por todo o mundo a cair aos bocados; e a imaginação tem uma lamentável tendência a desviar-se da «linha justa».
Os comissários políticos do neoliberalismo têm medo de nos ouvir o mesmo «não» que já ouviram à Islândia. Portugal não é a Islândia: é trinta vezes maior em população. O «não» deles provocou um terramoto; um «não» nosso provocaria um terramoto muito maior, e na sequência deste um tsunami que varreria toda a Europa, como varreu todo o mundo o que comemoramos hoje.
Este «não» não virá dos nossos políticos, que têm tanto medo do Sr Rehn como o Sr. Rehn tem de nós. A vir, virá da arraia miúda, como em 1385 e tantas vezes depois disso. Para o dizer, basta que votemos BE ou PC, nem que seja com a mão no nariz. Quem julgar que isto não serve de nada, olhe para o medo do Sr. Rehn, para a sua pressa em criar factos consumados antes que o eleitorado português vá a votos: ficará elucidado sobre a utilidade ou inutilidade deste voto.
Basta que não aceitemos o que «tem que ser»; que não nos verguemos ao «inevitável»; que saiamos à rua e defenestremos o Bloco Central - os Condes de Andeiro que infestam os palácios - antes que «matem o Meestre». Basta, em suma, que não sejamos ratos.