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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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domingo, 16 de agosto de 2009

José Sócrates não é Barack Obama

Um excerto dum artigo de Obama no New York Times: «We are already closer to achieving health-insurance reform than we have ever been. We have the American Nurses Association and the American Medical Association on board, because our nation’s nurses and doctors know firsthand how badly we need reform.»

Não seria bom que tivéssemos, em Portugal, um primeiro-ministro com menos autoritarismo e mais autoridade? Com autoridade suficiente para poder dizer sobre o Ensino e os professores o que Obama diz sobre a Saúde, os enfermeiros e os médicos?

sábado, 18 de julho de 2009

Ciências da Educação, Economia e Filosofia das Ciências

As ciências experimentais têm mecanismos e protocolos de validação conhecidos de todos: a apresentação de resultados em publicações idóneas, a avaliação cega por pares, a replicabilidade, a falsificabilidade. As aplicações práticas dos seus resultados são sujeitas a filtros adicionais: a avaliação económica e política da sua viabilidade, a avaliação técnica e deontológica por parte das associações profissionais relevantes. Graças a estes mecanismos, nós, os leigos, se tivermos algumas noções básicas de Filosofia das Ciências, podemos afirmar com um razoável grau de confiança que certas teorias pretensamente científicas, como o criacionismo, a homeopatia ou a negação do aquecimento global, são tretas sem qualquer credibilidade.

A Matemática é um caso singular: é a única ciência exacta que não é experimental. Mas também os seus resultados se sujeitam a uma validação científica rigorosa, graças à qual os leigos podem confiar nos matemáticos.

No caso das Ciências Humanas, a validação é muito mais problemática. Não posso, na minha qualidade de filólogo, pedir aos leigos um grau de confiança nas minhas formulações que seja suficiente para basear nelas práticas ou técnicas consensuais. Isto não me dispensa, porém, como não dispensa o sociólogo, o politólogo, o filósofo ou o historiador, de praticar o rigor possível nem de me sujeitar à validação possível - quando mais não seja (e pode ser mais), a que resulta duma avaliação da coerência interna do discurso, da cogência dos argumentos e da congruência entre as conclusões e os modelos da realidade provenientes das outras áreas do saber. Não posso, enquanto filólogo, dispensar a psico-linguística; esta não pode dispensar a psicologia experimental; e o psicólogo não pode, por sua vez, desprezar os dados da Neuropsicologia.

Nas Ciências Humanas o rigor é possível, mas é muito mais difícil do que nas ciências exactas ou experimentais: os protocolos de validação não estão estabelecidos com a mesma segurança, e por outro lado o investigador vê-se obrigado a trabalhar fora da sua área de competência, aumentando assim a probabilidade de erro.


A tentação sempre presente nas Ciências Humanas é prescindir dos métodos e protocolos da validação científica a favor duma validação político-administrativa; e, se as suas teorias tiverem implicações na estrutura de poder e nas relações de força presentes no corpo político, o poder tenderá a encorajar esta dependência.


Não admira, portanto, que as Ciências da Educação e a Economia se encontrem em circunstâncias semelhantes no que toca a sua relação com o poder político. De entre todas as teorias pedagógicas, os Estados escolhem, sobretudo nos países em que a tradição política é o centralismo napoleónico, as que são politicamente mais favoráveis aos grupos dominantes, conferindo-lhes o estatuto de pensamento único e relegando as alternativas para o plano da inexistência. Deste modo, o combate de muitos professores contra o pensamento único nas Ciências da Educação passa a ser apresentado, na propaganda oficial, como um combate contra as próprias Ciências da Educação.

Esta politização do saber, a sua degradação em ideologia e a violência que é o "pensamento único" são patentes também no campo da Economia. Os economistas "heterodoxos", mesmo quando da craveira de um Paul Krugman (ele próprio refere aqui este facto), vêem dificultado o seu acesso à Comunicação Social ou, se são referidos, são apresentados como anti-economistas ou não-economistas. A Alemanha inclui na sua Constituição normas que favorecem uma escola de pensamento económico em detrimento de outras, procurando assim condicionar as escolhas politico-económicas, não só dos seus dirigentes políticos actuais, como dos futuros. O Tratado de Lisboa consagra e constitucionaliza, contra a vontade até agora expressa dos povos europeus, o neoliberalismo.

As instituições têm, é claro, a sua legitimidade. Mas é bom que se compreenda que nem o Ministério da Educação em Portugal, nem a Comissão Europeia, nem o
Bundesbank na Alemanha têm autoridade científica que lhes permita validar certas escolas de pensamento em detrimento de outras, e muito menos blindá-las de modo a comprometer com elas as gerações futuras.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

As Ciências da Educação

Quem está por fora do sistema de ensino tende a partir do princípio que as Ciências da Educação são ciências como as outras, sujeitas a mecanismos rigorosos de validação - avaliação cega por pares idóneos, aplicação dos princípios da replicabilidade e da falsificabilidade, fundamentação, quando possível, em dados experimentais, avaliação de resultados, escrutínio deontológico e técnico por parte dos profissionais encarregados de pôr em prática as suas teorias.

Não admira que partam deste princípio. A quem ocorreria como possível, ou sequer pensável, que um qualquer ramo do saber prescindisse da validação científica a que os outros saberes estão sujeitos a favor duma validação burocrática?

E no entanto é isto que se passa. As pedagogias hegemónicas em Portugal e na generalidade dos países ocidentais dependem, para manterem a sua posição dominante sobre as políticas públicas de educação, da acção do Estado; e esta, como se vê
aqui, chega ao ponto de censurar resultados experimentais que sejam contrários à ortodoxia vigente.

Uma Ciência de Estado não é ciência: é ideologia e propaganda. Este facto, que se está a tornar óbvio na Economia, está a tornar-se igualmente óbvio na Pedagogia.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

What neuroscience can tell us about teaching

Parece que a neurociência favorece mais a pedagogia tradicional do que as pedagogias modernas. Mas o melhor é ver este link e, eventualmente, encomendar o livro a que ele se refere.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Cultura instantânea (1)

Victoria Beckham orgulha-se de nunca ter lido um livro na vida. José Sócrates, que é uma espécie de Victoria Beckham da política, dá a nítida impressão de se assemelhar a ela também neste ponto.
Já Maria de Lurdes Rodrigues dá uma impressão diferente: a de nunca ter lido um livro que não lhe fosse imediatamente útil. Das duas condições, não sei qual é a mais desoladora.
Movido pela pena sincera que tenho de ambos, decidi fornecer-lhes um conjunto de citações que os podem ajudar na tarefa de governar o País e a Educação (ou pelo menos permitir-lhes dar a impressão que leram alguma coisa).

Aqui vão as primeiras:

A burocracia é um mecanismo gigantesco operado por pigmeus.
Honoré de Balzac
(Esta é para os técnicos, especialistas e funcionários de gabinete do Ministério da Educação)

A democracia consiste em escolhermos os nossos ditadores depois de eles nos dizerem o que pensamos que queremos ouvir.
Alan Coren
(Dedicada a Vital Moreira e Fernanda Câncio)

A democracia é o que acontece quando dois lobos e um cordeiro votam para decidir o que há-de ser o jantar. A liberdade é o que acontece quando um cordeiro bem armado impugna o voto.
Benjamin Franklin
(Também para Vital Moreira e Fernanda Câncio)

A História da Humanidade é cada vez mais uma corrida entre o ensino e a catástrofe.
H. G. Wells

A humanidade está dividida, como sempre esteve, em escravos e homens livres. Qualquer pessoa que tenha menos de dois terços do seu dia para si própria é um escravo, mesmo que se trate de um estadista, de um homem de negócios, de um oficial ou de um académico.
Friedrich Nietzsche

A imaginação é mais importante que o conhecimento porque o conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abrange o mundo inteiro.
Albert Einstein
(Adenda minha: quanto ao conhecimento, compete à escola construí-lo; quanto à imaginação, compete-lhe não a destruir.)

A política é a arte de impedir as pessoas de se meterem nos assuntos que lhes dizem respeito.
Paul Valéry
(Mais uma para Vital Moreira e Fernanda Câncio)

A sociedade valoriza muito as pessoas normais. Educa as crianças para se tornarem absurdas, ou seja, normais. As pessoas normais mataram talvez 100 milhões doutras pessoas normais nos últimos cinquenta anos.
R. D. Laing
(Onde se escreve "normais", não consigo impedir-me de ler "normalizadas." Assim ao estilo OCDE.)

Dominar uma segunda língua é ter uma segunda alma.
Carlos Magno

É horrível pensar em quão poucos políticos são enforcados.
G. K. Chesterton

Longe de ser a raiz de todo o mal, o ócio é o único bem verdadeiro.
Kierkgaard


Não basta estar ocupado. Ocupadas estão as formigas. A questão está naquilo em que se está ocupado.
Henry David Thoreau
(Para quem encarrega os professores de todas as tarefas excepto ensinar)

Não consigo impedir-me de dizer a mim mesmo, quarenta vezes por dia:"Meu Deus, como estou certo!"
Metternich

Não temas os teus inimigos. O pior que podem fazer é matar-te. Não temas os amigos. Na pior das hipóteses, podem trair-te. Teme os indiferentes; não matam nem traem, mas a traição e o assassínio existem graças ao seu consentimento silencioso.
Bruno Jasienski
(Esta vai direitinha aos adesivos)

Noventa por cento dos políticos dão má fama aos outros dez por cento.
Henry Kissinger

(Com os professores, esta proporção é invertida)

Nunca acredites em nada antes de ter sido oficialmente desmentido.
Otto von Bismarck

O Estado da Califórnia não tem nada que subsidiar a curiosidade intelectual.
Ronald Reagan, enquanto Governador da Califórnia
(Afinal, J. Sócrates e MLR têm a quem sair.)

O homem superior compreende o que está certo; o homem inferior compreende o que se vende facilmente.
Confúcio
(Esta é para José Sócrates.)


domingo, 15 de fevereiro de 2009

18 medidas para melhorar a educação

1. Abolir ou reduzir drasticamente o Ministério da Educação:

O Ministério segrega burocracia como o fígado segrega bílis. Ao multiplicar-se em dependências centrais e regionais, comporta-se como um tumor que produz metástases e acaba por matar o organismo hospedeiro. Pelo simples facto de existir, dá origem à ideia falsa e perniciosa que o Estado ensina os alunos, sendo os professores simples agentes desta actividade (agentes de ensino, como se diz em «eduquês»). Ora os professores não são agentes, são autores: privados da autoridade que lhes é própria e natural, não podem ensinar. Acresce que a enorme burocracia do Ministério e das suas dependências absorve recursos financeiros que fazem falta nas salas de aula.


2. Revogar a Pedagogia de Estado actualmente em vigor:


Nenhuma doutrina pedagógica está cabalmente validada por qualquer critério científico. Não há nenhuma maneira de ensinar ou de educar que seja, demonstravelmente, «pedagogicamente correcta» ou «pedagogicamente incorrecta». Em matéria de ensino e educação, «correcto» é o que funciona caso a caso para uma dada escola, uma dada turma, um dado aluno ou um dado professor. Além dos professores individuais, só as instâncias de validação deontológica e científica que eles possam organizar têm autoridade para determinar o que é ou não é «correcto». O Estado não tem esta autoridade: o sufrágio popular confere aos eleitos legitimidade democrática, mas não lhes confere, nem autoridade científica, nem o poder exclusivo e irrestrito de determinar o bem comum. A existência duma Pedagogia de Estado é uma usurpação de autoridade e um abuso de poder.


3. Permitir a formação de instâncias autónomas de validação profissional:

Estas instâncias terão autoridade científica, deontológica e disciplinar, e deverão ser independentes do poder político ou económico.


4. Reformular os currículos:

O Currículo Nacional, a existir, deve contemplar apenas os conhecimentos estruturantes e contextualizantes (a Língua Materna, a Matemática, uma ou várias Línguas Estrangeiras, a História, a Geografia, as Ciências Naturais, a Filosofia, a Gramática, o Pensamento Crítico, a Literatura, a Música, as Artes, a Geografia e o Desporto). As disciplinas «qualificantes» de banda estreita devem ser adoptadas escola a escola em função das suas circunstâncias.


5. Reduzir a carga horária semanal dos alunos e o tempo que passam na escola
:

A frequência da escola não pode ter o horário dum emprego em full-time. Sobrecarregar os alunos, tirar-lhes todo o tempo livre, privá-los da sua infância, da sua adolescência, das suas brincadeiras e das suas formas espontâneas de socialização, tudo isto para que os pais (e mais tarde, em grau ainda maior, eles próprios) possam ser tratados como escravos nos empregos, é um crime duplamente hediondo.


6. Encontrar o justo equilíbrio entre a inovação e as práticas testadas:


A inovação não é um fim em si mesma, não pode ser imposta, e é sempre um subproduto: acontece naturalmente quando alguém procura fazer melhor. O que interessa não é se uma técnica é tradicional ou inovadora, mas sim se funciona ou não. Se os ditados, as cópias, as traduções e retroversões, a memorização de factos ou tabelas, a recitação de cor de poemas funcionarem para determinados alunos ou para determinados professores, não há razão nenhuma para que não sejam utilizados.


7. Privilegiar a relação professor-aluno:

Onde houver um professor e um aluno, mesmo no meio do deserto, há uma escola. Tudo o resto é incidental, acessório e instrumental. A escola não é uma circunferência e portanto não tem um centro: é uma elipse e tem dois focos.


8. Subordinar a escola e o sistema de ensino aos direitos básicos dos alunos enquanto alunos e dos professores enquanto professores:

O principal direito e o principal dever do professor é ensinar. O principal direito e o principal dever do aluno é aprender. Todos os normativos a que uns e outros estejam sujeitos devem ter nestes direitos e nestes deveres o seu fundamento. Quaisquer normativos que limitem estes direitos ou absolvam destes deveres são ilegítimos, subvertem a escola e devem ser eliminados. Estes direitos devem ser, não só reconhecidos e respeitados, como protegidos, se necessário, contra os próprios alunos e os próprios professores, e por maioria de razão contra terceiros.


9. Encarar as tecnologias como um meio e não como um fim:


O teorema de Pitágoras tanto se ensina e aprende riscando o chão com um pau como fazendo uma apresentação em Powerpoint.


10. Não perder de vista as condições materiais:

As escolas têm de estar sempre limpas e em bom estado de conservação, e têm que ser aquecidas no Inverno: deve-se poder andar lá descalço. Não basta comprar equipamentos, é preciso (embora renda menos votos) fazer a sua manutenção. Assegurar as melhores condições materiais possíveis não deve ser a principal função das autoridades educativas exteriores à escola: deve ser a única.


11. Assegurar a paz e o civismo:

A segurança de alunos e professores prevalece sobre a escola inclusiva: doutro modo, na ânsia de incluir os piores, acabamos por expulsar os melhores. Se um único aluno tiver medo de ir à escola, a escola fracassou e o melhor é fechar.


12. Autorizar os professores:

Os professores têm sido responsabilizados por tudo o que se passa na escola e fora dela. No que toca o que se passa fora da escola, é responsabilidade a mais. No que toca o que se passa dentro dela, a sua responsabilidade terá de ser acompanhada da autoridade concomitante, caso contrário tanto a autoridade como a responsabilidade serão puro espectáculo.

12. Responsabilizar os alunos:

Não há aprendizagem sem esforço: esse esforço deve ser premiado e a sua ausência punida. O aluno que, por actos de indisciplina, boicote o esforço de aprendizagem dos seus colegas deve ser penalizado, uma vez que os está a lesar num direito fundamental. O delinquente tem direito a ser apoiado, mas o apoio vem depois: primeiro, é preciso proteger os outros.


13. Responsabilizar os pais:

Pela mesma razão que não se pode dar aos professores responsabilidade sem autoridade, também não se pode dar aos pais autoridade sem responsabilidade. Compete aos pais educar os filhos para a Escola. O trabalho não é desculpa: há valores mais altos que o trabalho, e um deles é a educação dos filhos. Outro, é o dever moral que cada um de nós tem de não se deixar escravizar. Quando um aluno falta ou é indisciplinado, os pais devem sofrer consequências que poderão ir, conforme a gravidade dos casos, de coimas ligeiras até penas de prisão, como se faz em toda a Europa.


14. Orientar os alunos à entrada do Secundário com base no percurso escolar:

Para um aluno se matricular num curso do Ensino Secundário orientado para prosseguimento de estudos teria de ter concluído o 3º Ciclo do Básico na idade própria e com resultados superiores à média. Concomitantemente, não se poderia matricular em nenhuma disciplina que não fosse de iniciação sem ter passado um exame nacional em que demonstrasse estar em condições de a frequentar.


15. Dar liberdade aos pais para escolher a escola dos seus filhos e às escolas para escolher o seu corpo docente.16. Integrar a avaliação formativa dos professores na avaliação das escolas, dos alunos e do sistema educativo:

Qualquer avaliação teria em conta, tanto as causas endógenas como as exógenas dos bons ou maus resultados apurados, de modo a que nenhum professor fosse prejudicado na sua avaliação por trabalhar numa má escola, nenhuma escola fosse prejudicada por ter alunos problemáticos e nenhum aluno fosse prejudicado, em provas nacionais, por ter tido maus professores; e que nenhum aluno, professor ou escola fosse penalizado pelos vícios do sistema.


17. Identificar as escolas mais difíceis e pagar melhor aos professores que trabalhassem nelas.


18. Fazer depender a progressão nas carreiras, não da avaliação formativa referida no ponto 16, mas duma avaliação sumativa cujas duas únicas vertentes seriam a apreciação do currículo e a prestação de provas públicas:

A apreciação curricular teria como objectivo avaliar a competência pedagógica do professor e os resultados obtidos pelos seus alunos, tendo em conta as condições favoráveis ou adversas em que estes resultados fossem obtidos. Não haveria cotas para as classificações resultantes desta avaliação. Não haveria cotas, a nível de escola, para os diferentes escalões. Poderia haver cotas para os escalões a nível nacional ou regional. Deste modo, ao recrutar professores de proveniências diversas, cada escola teria mais um elemento para os comparar entre si.


quarta-feira, 9 de abril de 2008

Esquerda tontinha, direita cegueta

I.

É frequente que se atribuam os males do ensino à influência duma esquerda tontinha, herdeira de Rousseau, ingénua na sua concepção do ser humano, avessa à disciplina e ao esforço, relativista no plano ético e propensa a dissociar a noção de autoridade da noção de poder. Esta esquerda tontinha encara os jovens como naturalmente "bons", o que dispensa qualquer espécie de coacção no processo educativo, e naturalmente "criativos", o que lhes permite construir os seus próprios "saberes" sem necessidade, por parte do professor, de qualquer "dirigismo" na transmissão de um património intelectual ou cultural. Não reconhece qualquer diferenciação entre um aluno e outro em termos de inteligência ou talento, de modo que as discrepâncias em matéria de desempenho só se podem dever às diferentes formas de segregação social, à falta de empenho do professor ou à deficiente aplicação das técnicas pedagógicas promotoras da igualdade. Do mesmo modo que não há hierarquização de capacidades entre os alunos, também não há hierarquização entre aluno e professor, uma vez que todos os "saberes" se equivalem e nenhum deles confere autoridade especial ao seu detentor. Deste modo, não podendo o professor construir a sua autoridade sobre o seu estatuto de "mais sabedor", nem podendo baseá-la num poder de coacção delegado pelo Estado, resta-lhe apoiá-la no seu próprio carisma, natural ou adquirido - o qual, sendo decerto uma perna indispensável do tripé, tem a enorme desvantagem de ser apenas uma.


II.

Atribuir responsabilidades à esquerda tontinha é assim perfeitamente justificado, mas incide apenas sobre uma das faces da moeda. Igual responsabilidade tem uma certa direita que mergulha as suas raízes no ancestral anti-intelectualismo português e hoje vê na educação e no ensino um mero instrumento de formação profissional. Perante uma qualquer área do conhecimento a pergunta quase instintiva desta direita é "para que serve"; e não lhe ocorre que a cultura, o conhecimento, o pensamento crítico podem ser fins em si mesmos; nem que, a servirem para alguma finalidade, esta finalidade pode ser não só a economia e o trabalho, mas qualquer outra dimensão da vida. Esta direita vê na escola uma fábrica em que entram crianças e de onde saem recursos humanos - como se fosse possível prever, à data em que uma criança de seis anos entra para a escola, as competências profissionais específicas de que vai precisar passados quinze ou vinte anos. A décadas de distância, a capacidade de compor um soneto ou de ler a Ilíada no original pode ter consequências económicas mais vastas e mais ramificadas do que o domínio duma qualquer técnica profissional de banda estreita que por essa altura já estará mais do que desactualizada.
A esquerda tontinha e a direita de vistas curtas e excessivamente pragmática que determinam as políticas educativas têm em comum o horror ao passado, que consideram inútil e irrelevante. Só lhes interessa o futuro, que uns e outros têm a ilusão de conhecer e do qual se consideram donos. Nem uns nem outros compreendem a absoluta impossibilidade de ensinar a uma criança o mundo em que ela há-de viver: o mais que podemos fazer, se formos realistas, dedicados e competentes, é ensinar-lhe o mundo tal como é hoje e tal como o passado o moldou. A mudança do presente para o futuro não pode ser ensinada: o que nos prepara para ela é o conhecimento crítico das mudanças que deram origem ao presente. Tão utópica é a esquerda tontinha como a direita pragmática. Uma situa-se para lá do humano, no reino da perfeição; outra para cá do humano, no reino da técnica; e deste modo ambas recusam uma educação centrada no homem e à medida do homem como a que preconizava Wilhelm von Humboldt.

A coligação esquizofrénica entre a esquerda tontinha e a direita cegueta é desconfortável para ambas as partes, mas não deixa por isso de ser uma coligação que bem ou mal vai funcionando. Opera na tecno-burocracia educativa, opera nas escolas, opera nos currículos e nos programas. Opera na profusão legislativa, onde os preâmbulos tendem a ser de esquerda e os articulados a ser de direita; e não sei se não operará também na idiossincrasia da actual ministra da educação. A metáfora de Dr. Jekyll e Mr. Hyde só não se aplica aqui porque, enquanto a personagem do romance tinha um lado nobre, as personalidades desavindas da ministra são ambas perniciosas e vis.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sucesso, eficácia, honestidade

Um dos professores que mais me marcaram, o saudoso Prof. Paulo Quintela, não gostava que lhe falassem em «sucesso» na acepção de «êxito». Isso é anglicismo, dizia. Em Português, sucesso é parto! Peço perdão à memória do meu querido Professor, mas nesta mensagem, em cedência à pressão do jornalês, do politiquês e do empresarialês, vou usar a palavra «sucesso» como sinónima de «êxito».

Erram os jornalistas, os políticos e os empresários quando falam de sucesso em abstracto. O sucesso é sempre concreto. Somos bem-sucedidos (ou não somos) num empreendimento que sabemos qual é. Se temos sucesso, temos sucesso nesse empreendimento. Se andamos na escola e aprendemos, temos sucesso. Se andamos na escola e não aprendemos, fracassamos. A não ser que andemos lá para outra coisa.

Outra noção muito concreta e relativa que é usada, na língua de trapos das nossas elites, como se fosse abstracta e absoluta, é a eficácia. A quem me fala abstractamente em eficácia, costumo perguntar o que é mais eficaz: um martelo ou uma aspirina. Para pregar um prego é o martelo, para combater uma dor de cabeça é a aspirina, mas não há nenhum critério de eficácia abstracta e universal pelo qual seja possível comparar as duas coisas.

O sucesso e a eficácia são preocupações inseparáveis da profissão docente. Se o seu emprenndimento, o seu propósito, consistem em ensinar, então os instrumentos e os métodos que utiliza são tanto mais eficazes quanto melhor lhe permitem que ensine. E o sucesso do professor é a aprendizagem dos alunos.

Ou pelo menos era assim no tempo em que a profissão docente era uma profissão nobre e honesta, antes de sucessivos ministros, com destaque para a actual titular, a terem transformado num ignóbil e bisonho carreirismo. Agora, com o Estatuto da Carreira Docente, com a avaliação dos professores tal como está decidida, com as certificações «de aviário», os cursos profissionais e as passagens administrativas, com a nova gestão, e com um Estatuto do Aluno que nem a ser assíduo o obriga, tudo mudou. E mudou para pior.

Em lugar do ensino e da aprendizagem, temos hoje em vigor uma meretriciosa encenação do sucesso, na qual a tutela espera que todos os professores colaborem. E quem se recusar a colaborar por querer exercer honestamente a profissão pagará essa veleidade com a estagnação na carreira.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Trabalhar menos, ensinar mais

Já antes deste governo tomar posse e de esta ministra entrar pelas escolas dentro como Bush pelo Iraque os professores trabalhavam demais.

Não era essa a percepção popular: era apenas a verdade. Trabalhavam demais; e apesar disso, ou por causa disso, alguns ensinavam de menos.

Também havia os que ensinavam muito - e que por isso pagavam o preço de trabalhar, não só demais, como para lá de demais. Eram os que não tinham vida própria e existiam apenas para a escola.

Quando Maria de Lurdes Rodrigues entrou em funções sabia que a situação era esta. Podia, se quisesse, ter adoptado como prioridade o ensino. Podia ter proposto aos professores um programa de acção muito simples, muito eficaz, que se poderia resumir na frase «trabalhar menos, ensinar mais». Teria com isto ganho os professores, não teria perdido a população, e teria talvez começado a tirar Portugal da cauda das estatísticas educativas.

Mas a prioridade de Maria de Lurdes Rodrigues nunca foi o ensino: foi, e é, tirar poder e prestígio a um grupo social que em ambas as vertentes faz sombra à classe política. Por isso não se esforçou por corrigir a percepção popular de que os professores trabalham pouco. Pelo contrário, alimentou-a, recorrendo para tal à primeira das muitas mentiras descaradas que são hoje a sua imagem de marca. Baixa política, guerra suja.

Trabalhar menos, ensinar mais: teria sido tão simples, não teria? Bastaria que por uma vez tivesse tomado assento num governo português um ministro que fosse realmente da Educação. Mas em vez disso a palavra de ordem é trabalhar mais, trabalhar muito, trabalhar demais, trabalhar sem se saber para quê. Mesmo que para isso os professores deixem de todo de ensinar.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Se eu fosse Ministro da Educação

Não, não me estou a candidatar. Nem sequer (abrenúncio) a sonhar acordado. Chamemos-lhe uma hipótese retórica e passemos ao assunto.

Se eu fosse Ministro da educação, a primeira coisa que faria a seguir à tomada de posse seria aquilo que todos os políticos têm que fazer: identificar aliados e adversários. Faria essa identificação tendo em conta os três problemas principais do sistema a que me referi noutros posts: incivismo, burocracia, delírio pedagógico.

Para combater estes males procuraria aliar-me aos pais e aos professores, e logo aqui encontraria um obstáculo difícil: se é certo que há uma importante zona de intersecção entre os interesses dos dois grupos, também é verdade que há uma zona de contenda inevitável que resulta da dificuldade cada vez maior que as famílias têm em desempenhar cabalmente a sua função educativa e da tendência a exigir da escola que as substitua em detrimento da função específica de ensinar. Como Ministro da Educação não teria poder para influenciar, nem as condições de trabalho dos portugueses, nem os níveis salariais, nem as consequências da globalização - e portanto, não podendo eliminar esta zona de conflito entre os meus dois aliados principais, teria que a gerir. Não ficaria refém, nem das associações de pais, nem dos sindicatos de professores. Procuraria os meus interlocutores, quer no que respeita um dos grupos, quer o outro, num leque de organizações tão diversificado quanto possível. Daria atenção à representatividade sem fazer dela fetiche. Promoveria, em vez de combater, a instituição duma Ordem dos Professores.

Identificados os aliados, teria que identificar os meus adversários. Ao contrário do que têm feito os outros Ministros da Educação, elegeria como adversários principais a burocracia do meu Ministério e sobretudo a caterva de especialistas em pedagogia que o infesta. Isto, por várias razões: os recursos materiais e financeiros são escassos e fazem mais falta nas salas de aula do que nos gabinetes; o Estado não tem que ter teorias pedagógicas, tem que permitir que as escolas as tenham; e se a escola não existe para servir os professores (que em todo caso são parte constitutiva dela a título tão legítimo como os alunos), muito menos existe para servir gestores, burocratas, assessores e políticos.

Faria a vontade, temporariamente, ao Professor Nuno Crato e a todos os que exigem exames nacionais no fim de cada ciclo. Temporariamente, repito: esta seria uma medida de emergência e não uma solução definitiva. Os exames nacionais têm duas enormes desvantagens: pressupõem um currículo único pormenorizado, quando o necessário seria a coexistência de um currículo mínimo nacional com vários currículos definidos a nível local ou mesmo escola a escola; e implicam, já hoje, um verdadeiro pesadelo logístico e um enorme gasto de tempo que seria bem melhor empregue em mais aulas e mais férias. Seria necessário livrar a época de exames da obsessão securitária que a caracteriza, com duplos e triplos anonimatos, aparato policial, o diabo a quatro, com centenas ou milhares de pessoas a trabalhar por Agosto dentro a corrigir, a rever, a instruir recursos, a elaborar estatísticas, a formar e desfazer equipas, etc.

Numa segunda fase instituiria exames à entrada de cada ciclo, elaborados pelas próprias escolas de acordo com os seus próprios projectos. A partir do diferencial entre os resultados obtidos pelos alunos nestas provas e os resultados testados por amostragem no fim do ciclo seria possível fazer uma avaliação objectiva e simples da eficácia de cada escola enquanto estabelecimento de ensino.

Se eu fosse Ministro da educação exigiria às escolas que fossem estabelecimentos de ensino. Nada mais do que isto, mas também nada menos.

Instituiria quatro modelos principais de escola, e a partir destes quatro tantas variantes quantas fossem necessárias e quantas a iniciativa local fosse capaz de criar: escolas base que teriam por função principal tirar do «lumpen» as crianças que vivem nele; escolas gerais que dariam uma educação de qualidade, incluindo algumas competências profissionais de banda larga, a quem não tivesse especial vocação, capacidade ou apetência académica; escolas profissionais de altíssima qualidade, das quais os alunos saíssem realmente preparados (e não só formalmente) para o exercício duma profissão, sem prejuízo de poderem prosseguir estudos superiores de cariz técnico; e liceus (não tenhamos medo das palavras) orientados para o prosseguimento de estudos superiores nas Ciências, nas Humanidades e nas Artes.

Instituiria mecanismos de migração entre estes modelos de escola, de modo a que fosse possível aos alunos passarem de um para outro conforme os seus projectos de vida se fossem definindo ou alterando e conforme as suas capacidades e talentos se fossem revelando. Um aluno que não tivesse aproveitamento num dado modelo de escola não repetiria, regra geral, o ano: frequentaria o ano seguinte numa escola mais de acordo com as suas capacidades e com os seus projectos.

Daria tudo por tudo para que os professores fossem cada vez mais uma elite social e profissional e cada vez menos uma reserva proletarizada e humilhada de «recursos humanos». Não contaria o esforço financeiro do Estado com o ensino em pontos percentuais do Orçamento de Estado, mas sim em Euros por aluno; e não me contentaria com ficar, a este respeito, ao nível da média dos outros países, porque quem parte de trás tem que andar mais depressa.

Penalizaria com multas, cortes de subsídios e até, em casos extremos, com penas de prisão os pais que não contribuíssem minimamente para melhorar o desempenho escolar dos seus filhos. Penalizaria os professores que não ensinassem ou ensinassem mal e recompensaria os que ensinassem bem, independentemente do seu desempenho nas vertentes acessórias da sua profissão (nomeadamente as de índole burocrática, administrativa, psicológica e de animação social). Penalizaria severamente os alunos que desrespeitassem o direito/dever dos outros alunos a aprender, e o direito/dever dos professores a ensinar.

Reduziria o Ministério da Educação e as Direcções Regionais a uma pequena fracção do que são hoje. Diria aos especialistas em pedagogia que arranjassem emprego nas escolas, se estas os quisessem e lhes pudessem pagar, porque não o teriam mais nos gabinetes.

Mas é claro que nunca vou ser Ministro da Educação. Nem eu, nem ninguém que faça a mais pequena ideia do que é o ensino.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Escola autoritária, escola totalitária e escola democrática

O texto seguinte foi publicado como comentário a um artigo de Hugo Mendes no Peão.

Caro Hugo:

Não me compete defender Francisco José Viegas, mas creio que onde você vê um ataque às Ciências da Educação não há ataque nenhum.

O que há é a ideia, que vai fazendo o seu caminho, que as inovações suscitadas por essas ciências devem ser aplicadas à prática concreta das escolas com a mesma extrema prudência com que são aplicadas à prática da medicina as descobertas da bioquímica e da farmacologia. Isto é exigir demais?

Também ninguém diz, que eu saiba, que a indisciplina e a violência são causadas pela pedagogia moderna. Agora que são facilitadas pelas pedagogias pós-modernas, lá isso são. A este propósito deixe-me discordar frontalmente da sua afirmação de que a violência e a indisciplina não são a mesma coisa. A indisciplina é sempre uma violência: exercida sobre os alunos que querem aprender e são impedidos pela força de o fazer.

Também não concordo com uma coisa que está implícita tanto no seu post como em alguns dos comentários: que os opositores das teorias pós-modernas da educação querem o regresso à escola autoritária do passado. Não querem tal; dão-se simplesmente conta que essa escola não foi substituída no presente pela escola democrática que todos queríamos mas por uma escola totalitária - e totalitária, desde logo, porque se arroga o direito e a missão de intervir sobre a «globalidade» do aluno. Uma escola verdadeiramente democrática terá que deslocar o seu foco da educação para o ensino. E se isto lhe parece demasiadamente conservador, responder-lhe-ei, com Hannah Arendt, que a escola, porque lhe compete antes de mais transmitir um património, tem em certa medida que ser conservadora para poder funcionar.

Concordo consigo quando diz que não vamos lá com mais reformas, mas tenho as minhas dúvidas de que possamos resolver a coisa com uma mudança de filosofia. Não é possível, numa sociedade complexa, basear uma política de ensino sobre uma filosofia única que seja suficientemente consensual para que as resistências geradas não a inviabilizem. A alternativa é estender a autonomia das escolas até ao ponto em que cada uma possa ter a sua própria filosofia educativa - o que implicaria a inexistência duma filosofia de ensino oficial imposta administrativamente; e isto implicaria, por sua vez, o quase desmantelamento da burocracia educativa que pesa sobre as escolas.

Finalmente: talvez você tenha razão sobre a percepção que existe de que as pedagogias modernas estão ligadas à esquerda. Mas essa percepção, se existe, não corresponde à realidade. O «pedagogicamente correcto», tal como o «politicamente correcto», é um falso humanismo e articula-se muito bem, como eu escrevi num post recente no meu blog, com as ideologias neoliberais que cultivam a desumanidade como estilo e como ética.