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Tapasya

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 09:05

Siva, o rei das tapasyas

Swami Krishnapriyananda Saraswati


Om namo bhagavate narayanaya!
Om namo bhagavete vasudevaya!
 Om Namah Sivaya!



É necessário alguém ficar preso a vida toda em uma pessoa, como um guru ou mestre espiritual, prestando serviço devocional, para poder liberar-se? Bhakta

O serviço devocional é Karma-jñana-bhakti, ou seja, é ação consciente da devoção. Não há nenhuma necessidade de formalizar nada além da sua vontade de servir ao Dharma e ao Supremo. Krsna não nos deu ordens para seguir nenhuma instituição nem mesmo religião; Ele simplesmente nos deu o caminho da liberdade do amor pelo Supremo. É claro que uma ciência tão complexa como a da filosofia do Veda não se aprende de um dia para outro, muito menos se realiza tão em repente. O mestre espiritual é quem esclarece as dúvidas do iniciante, aponta o caminho para seguir adiante, mas jamais escraviza o discípulo. O Mestre Espiritual verdadeiro não é um simples negociante, que em troca de alguns trocados dá algum conhecimento, um mantra fajuto, ou coisas do gênero. Por outro lado, convém salientar, que nem todas as traduções dos textos disponíveis do Brasil ou no mundo são fidedignas, quer pela precariedade das interpretações dadas por seguimentos sectários e religiosos, quer pela má tradução e má formação no Sânscrito daquele que interpretou este ou aquele verso. Então, é aconselhado estudar a escrita original dos textos para saber o que realmente está sendo dito. Aprenda-se o Sânscrito, e fique-se livre das interpretações pessoais de pessoas sem cultura védica, sem formação acadêmica, etc. A edição que temos no Brasil de muitos textos como o Bhagavatam, por exemplo, foi mal traduzida, além de ter sido comentada por um autor sem formação em Sânscrito, sendo uma mera cópia apressada da edição da Gita press, além de ser tendenciosa ou conduzir tudo para visão da seita do autor. Há um exemplo muito hilário num blog brasileiro onde o postador coloca o Kalisantarana Upanisad como aconselhando Narada Muni a cantar o Mantra Hare Rama Hare Krsna, descrevendo-O ao contrário, ou seja, iniciando com Hare Krsna e depois Hare Rama. Mas ele colocou o texto em devanagari, a escrita original do Sânscrito, e o mesmo está na forma correta, Hare Rama Hare Krsna. Sendo um sinal bem evidente e claro que não sabe ler o sânscrito. Isso é muito engraçado, e ele coloca-se como se fosse um erudito. Que hilário!

Outro exemplo, o sloka 6.1.16, do Bhagavatam que é referido pelo Bhakta da pergunta, a qual deu início a esta missiva. É temerário o que diz ali, na escrita daquele autor. Por exemplo, a tradução do Bhagavatam do autor citado, diz:

Meu querido rei, se uma pessoa pecaminosa engaja-se num serviço a um bona fide devoto do Senhor, e assim aprende como dedicar a sua vida aos pés de lótus de Krsna, ele pode purificar-se completamente. Alguém não pode se purificar meramente por submeter-se a austeridade, penitência, brahmacharya e outros métodos de expiação que eu descrevi anteriormente”. Será desnecessário colocar aqui a interpretação de palavra por palavra conforme o autor se refere, porque vemos claramente tratar-se de uma interpretação ou leitura através do viés doutrinário do mesmo, e não é nada fiel ao que está escrito no Sânscrito. Ideologia não nos interessa discutir aqui.

O verso que citado está no Bhagavata-purana, 6.1.16 (texto antigo dos ensinamentos de Bhagavam – ou o mestre ou Senhor) é bem claro e objetivo. Apesar de não ser adequado citar-se versos isolados de um texto, o qual refere-se a uma conversa entre dois personagens, e, portanto, o sentido pode ficar fragmentado ou descontextualizo se não for colocado em totum. Para a sabedoria da verdade, a tradução correta do mesmo é a seguinte, conforme o texto sânscrito (podendo ser conferido por qualquer um que leia Sânscrito corretamente, e que esteja livre de visão ideológica ou sectária):

na tatha hy aghavan rajan puyeta tapa-adibhih
yatha krsnarpita-pranas tat-purusa-nisevaya

na= não; tatha= assim; hy= (no sentido de “no passado”); certamente; aghavat= impuro; rajan= rei; puy= fede; pústula; eta= assim; tapah= austeridade; adhibhih= sendo primeiro; yatha= deste modo como segue; krsna= Krsna; arpita= firme; fixo; pranas= banha-se; tat= assim; purusa= a pessoa; ni= com; sevaya= prestando serviço; nisevaya= prestando seva.


Nem o rei número um das tapasias (austeridades) purifica o purusa como o banho firme de Krsna Seva.

O Brahmacharya é considerado o mais elevado tapasya. No Rig Veda, Tapasya é apontado como filho de Manyu (posteriormente chamado Rudra, e depois Siva), e Tapo-Raja (rei por sobre as austeridades), é um nome da Lua. A Lua, na cultura védica, é masculino e não feminino, sendo o rei da mente, e o Brahmacharya, controle dos sentidos, o mais elevado tapasya. Portanto este verso rememora que grandes seres, capazes de austeridades elevadas, conforme a mitologia indiana, se rendem ao Seva, que é o serviço abnegado ao Supremo. Também, antigamente o Yogi era chamado de “tapaswin”, significando “miserável´´; “mendigo”, “pobre”, no sentido de asceta, ou quem praticava alguma austeridade. A atividade de tapasya tem em vista o foco em algum esforço ou manter-se num empreendimento levando algum tipo de austeridade corporal tendo em vista alcançar algum tipo de iluminação ou benesse do tipo espiritual. No sentido amplo, os Niyamas descritos nos textos védicos, e posteriormente colocados por Patañjali nos Yoga Sutras, são autocontroles, nos quais tapasya implica na autodisciplina que tanto significa um aspecto físico como a busca de um elevado propósito na vida. Os tapaswin defende que através de Tapas se pode “queimar” ou então prevenir acúmulo de karma ou energias negativas acumuladas, limpando o caminho que leva na direção da “evolução” da consciência espiritual.

No mais das vezes, as traduções que temos no Ocidente dos textos védicos estão impregnadas do “ethos” ou forma de pensar Ocidental. Por exemplo, inexiste a noção ou significado de “pecado” no Sanatana dharma, e quando aparece esta palavra nos textos védicos ela é totalmente equivocada. A palavra “papa”, quase sempre é traduzida como “pecado”, mas o sentido correto é “impureza”; “inconsistência”. Uma pessoa é “impura” pelo nascimento; devendo submeter-se aos Samskaras ou rituais purificatórios conforme orientação de Manu. Mas este “impuro” não é de cunho moral, mas objetivo, ou seja, ligado ao corpo e à matéria. Na verdade, quem não se submete aos ritos de Manu nem mesmo é considerado “pessoa” para Manu. Um dos processos de alcançar a liberação ou Moksa é a realização de austeridades, as quais o sr. cita algumas: não fumar, não beber, não comer carnes, etc. Mas isso não é suficiente. Se olharmos bem de perto, os animais não fumam, não bebem, muitos jamais comerão carnes, vivem em condições muito difíceis na natureza, são totalmente castos, e, mesmo assim, não alcançam a liberação e jamais a devoção pelo Supremo. Portanto, nossa condição de meros animais no mundo não nos garante a qualidade de “humanos”. Uma pessoa nasce no mundo como um animal qualquer; ela deverá seguir os passos de purificação indicados pelo Manusmriti. A condição de “devoção ou Bhakti” somente é alcançada na plataforma de “humano”. Esta palavra é interessante, ela quer dizer “seguir os princípios de Manu; hu= sacrifícios como indicado; manu= por Manu= humanu!;. seguidor das purificações do Manu). O primeiro passo é seguir os tais princípios, porém alguém pode ser um grande devoto e não seguir principio algum. A plataforma de consciência do Supremo é a mais elevada das plataformas. Regra e regulações, nascidas da própria experiência particular e idiossincráticas, típicas de seitas e coisas do gênero, são tão danosas quanto regra alguma. É por isso que o candidato a Sadhaka deverá realizar os rituais purificatórios.

O processo de namakarana diksa ou “iniciação” é um processo interno e pessoal. Diksa significa seguir o Dharma, ser respeitoso ao mestre espiritual, e seguir as orientações que Ele lhe dá, sendo a superior das instruções aquele que liberta o discípulo até mesmo do guru. Amar ao mestre espiritual e tê-lO como um amigo é mais importante do que mera formalidade. A cerimônia de fogo, que segue os rituais védicos, é mera formalidade. O conteúdo é mais importante do que a forma. O Sr. Krsna nos instruiu: Sarva Dharma Mam ekam (Gita. 18.66), ou seja, “seja devotado a Mim e tenha a Mim como o Uno”, o resto é mera “perfumaria”. Isso é o mais importante. Abandone as religiões e obrigações mecanicistas para com o Supremo, e atue como um devoto em tudo. Então estará bem. Livre-se de seitas, religiões e dogmas sem sentido.

Procure seguir o canto dos Santos Nomes, iniciando por Hare Rama e depois Hare Krsna, isso irá purificar e servir de abrigo nesta era de trevas, Kali-yuga. Louve Narayana e Vasudeva. Om namo bhagavate narayanaya! Om namo bhagavete vasudevaya! Om Namah Sivaya! Cante o Mantra do Senhor Krishna, “Sri Krsna govinda hey murari| henata narayana vasudeva”; este é o mais poderoso mantra para alcançar amor de Krsna.

Procure ser bom e fazer o bem, sem abrir mãos da Justiça. Ser pacífico é diferente de ser passivo. Então se estará seguindo o Dharma. Leia e releia o canto 12 do gita todos os domingos, então Krsna irá se encarregar de lhe mostrar a Verdade.


om hari hara om tat sat 
(source)

Mulheres sem o Cristianismo

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , | Posted on 10:45

 O que seria das mulheres sem o cristianismo?


Muito se fala sobre a situação da mulher na sociedade moderna. Acreditam não poucos que há um grande desnível – ou abismo mesmo – entre os direitos e deveres do homem e os da mulher, sendo que essa última tem sido historicamente prejudicada. E não faltam candidatos a carrasco do sexo feminino. A última moda agora é acusar as religiões de forma geral, e o Cristianismo, em especial. Não há a menor dúvida de que existem religiões no mundo que cerceiam os direitos da mulher. O Islamismo é um bom exemplo desse tipo. Tanto seu livro sagrado como sua literatura teológica discrimina e rebaixa gravemente a mulher a ponto de torná-la um objeto de propriedade, primeiramente do pai, e depois do marido. Contudo, neste texto quero provar que não há razão por que colocar o Cristianismo no mesmo cesto das religiões que pejoram a mulher. Mais do que isso, vou mostrar como o Cristianismo colocou a mulher em uma situação muito melhor do que qualquer outro sistema religioso ou filosófico que já existiu.

Um pouco de história. A vida da mulher não era fácil nas culturas antigas. Em geral, eram propriedade dos maridos. Não eram consideradas capazes ou competentes para agir independentemente. Vejamos a Grécia antiga. Aristóteles disse que a mulher estava em algum lugar entre o homem livre e o escravo (considerando que a situação do escravo não era nem um pouco auspiciosa, perceba a pobre situação feminina), e que era um “homem incompleto” (Política). Platão, por sua vez, entendia que se o homem vivesse covardemente, ele reencarnaria como mulher. E se essa se portasse de modo covarde, reencarnaria como pássaro (A República, Livro V).

A sorte das mulheres não era muito melhor na Roma antiga. Poucas famílias tinham mais de uma filha. O casamento romano era uma forma de trazer mais material humano para formação do exército, e assim permitir a Roma a continuidade de sua expansão; por isso, o interesse estava em ter filhos homens. Daquelas, porém, que sobreviveram ao infanticídio, eram-lhes reservadas as tarefas do lar, mas não o exercício da cidadania e a participação política, coisa reservada apenas aos patrícios homens.

Na China, até bem recentemente, o infanticídio era uma prática comum. Os bebês do sexo feminino eram entregues como alimento aos animais selvagens ou deixados para morrer nas torres dos bebês. Adam Smith escreveu sobre essa prática no seu famoso livro A Riqueza das Nações, de 1776. Ele fala inclusive que o descarte de bebês indesejados era mesmo uma profissão reconhecida e que gerava renda para muitas pessoas.

Vejamos outros casos. Na Índia, viúvas eram mortas juntamente com seus maridos – a prática chamada de sati (que significa a boa mulher). Também havia tanto o infanticídio quanto o aborto feminino. Além disso, meninas eram criadas para serem prostitutas cultuais – as devadasis. Nessa prática religiosa, a menina era “casada com” e “dedicada a” um dos deuses hindus. Nos rituais de adoração a esses deuses, havia dança, música e outros rituais artísticos. Conforme iam crescendo, as devadasis se tornavam servas sexuais, de homens e dos “deuses”. Ainda hoje, famílias pobres entregam suas filhas para essas deidades com o objetivo de alcançar delas algum favor, ou ainda obter algum meio de renda com os frutos da prostituição.

Na África, o problema era semelhante à prática do sati da Índia. Quando um líder tribal morria, as esposas e concubinas do chefe eram mortas juntamente com ele. Mesmo hoje, no Oriente Médio, o valor da mulher é mínimo.

A mudança trazida pelo Cristianismo. Que diferença trouxe a vinda de Jesus Cristo entre nós? Muita, em vários pontos. Na verdade, foi uma revolução. Muito do que Jesus Cristo ensinou já era praticado pela sociedade judaica (que era muito diferente das nações à sua volta), e outros pontos tiveram seus termos desenvolvidos por Ele. Mas mesmo os judeus tinham um tratamento discriminatório em relação às mulheres; Jesus, entretanto, Se relacionava de forma saudável com elas. De forma geral, o Cristianismo colocou a mulher em pé de igualdade com os homens. Como ele fez isso?

– Dizendo que ambos foram criados por Deus, à Sua imagem e semelhança (“E criou Deus o homem à Sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” [Gn 1:27]. Para Deus, homens e mulheres têm o mesmo valor [Gl 3:28]).

– Que ambos deveriam dominar e sujeitar a natureza (“E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” [Gn 1:28]). Não há nada que impeça a mulher, tanto quanto o homem, de explorar a criação em cumprimento ao mandato cultural.

– A decisão de Deus criar a mulher a partir de Adão declara que ambos provêm da mesma essência (Gn 2:22), mostrando que a mulher em nada é inferior ao homem, nem tampouco lhe é superior. E a declaração de Adão mostra que sua mulher, Eva, é parte de si mesmo, tendo o mesmo valor que ele próprio (Gn 2:23).

– Que o casamento, como instituição divina, implica que o homem foi feito para a mulher, assim como a mulher foi feita para o homem, e dessa forma ambos andam como uma unidade em dois corpos (Gn 2:24), o que destrói a ideia de que a mulher é escrava do marido, ou vice-versa. São complementares.

– O Cristianismo também evitou que a mulher fosse injustiçada, não permitindo a poligamia, que é inerentemente prejudicial a elas (1Co 7:2).

– O Cristianismo ensinou o cuidado com as viúvas. Elas, se não tivessem recursos, deveriam ser cuidadas e sustentadas pela igreja (1Tm 5). Se o marido morre, ela é livre para continuar viúva ou casar novamente, se quiser.

– O Cristianismo condenou a prostituição ao declarar que o corpo não pertence a nós mesmos, mas a Deus, e que ele é templo do Espírito Santo (1Co 6:13,19). O corpo do homem pertence à mulher, e o da mulher ao homem (1Co 7:4).

– O Cristianismo aprova a instituição do casamento, que não só protege a mulher da exposição aos males sociais, como provê um ambiente seguro material, espiritual e sentimentalmente para seu desenvolvimento integral (Ef 5:28, 29).

– O Cristianismo protege a vida, que entende começar no momento da concepção. Dessa maneira, nenhuma criança deixa de nascer devido a características indesejáveis (pelos pais) que ela tenha ou seja. A vida é direito inviolável, outorgada por Deus, sendo que somente Ele tem direito de reavê-la (1Sm 2:6; Jó 1:21).

– O Cristianismo também proíbe a pornografia, pois entende que ela é equivalente ao adultério. Com isso, a mulher deixa de ser vista como um objeto aos olhos do homem, e reserva o sexo e a nudez para aquele que tem direito a essas coisas, a saber, o marido (Mt 5:28).

Uma palavra sobre o movimento feminista. Se há algum direito, de qualquer pessoa que seja, que deva ser assegurado, sou completamente a favor da luta por ele. A sociedade falha em tratar as mulheres adequadamente porque ela não é uma sociedade moldada exclusivamente pela moral cristã. Muitos dos direitos pelos quais o movimento feminista luta são justos: direitos trabalhistas iguais aos do homem, proteção contra violência física e emocional, igualdade de direitos civis, entre outros. Porém, alguns pontos pelos quais ele luta não são bons, como, por exemplo, o aborto. Ora, o aborto sempre foi uma ferramenta usada pelo homem – e geralmente usado para evitar nascimento de mulheres! O aborto se refere a algo além do corpo da mulher; é outro ser vivo. Ocorre que, ao lutar por esse “direito”, a mulher trata um bebê ainda não nascido como algo menos que humano, tal como um objeto: ou seja, do mesmo modo que ela própria já foi tratada na história. [E muitas feministas não percebem que estão se oferecendo como objeto às ávidas câmeras de TV, quando protestam usando o corpo nu.]

Outro problema que eu vejo é que algumas feministas mais exaltadas não querem simplesmente uma equiparação de direitos; desejam ocupar o lugar do homem que as explorava, transformando-se em exploradoras. Almejam uma inversão de papéis. Em lugar de uma sociedade patriarcal, sonham com uma matriarcal. E algumas feministas ainda descambam para a misandria – o ódio pelo sexo masculino.

Concluindo. O que o paganismo faz para proteger a mulher? Nunca fez nada, e nunca fará. E essas outras religiões não cristãs? Normalmente, colocam o sexo feminino em uma posição inferior à do homem. E o humanismo? Nada trouxe de bom para as mulheres. Na prática, uma vertente humanista (evolucionista) ensina que nada há de especial na humanidade; tudo que há é resultante de acaso. Somente o mais forte sobrevive (ou domina). Se for o sexo masculino, assim deve continuar a ser. É natural que seja assim. Não há justificativa moral (do ponto de vista evolucionista) para proibir a violência física, sexual, emocional à mulher, nem mesmo por que condenar posicionamentos machistas. A máxima é “o que agora é, é o certo”.

Mas não é assim com o Cristianismo. Em todos os lugares em que ele chegou, as condições das mulheres melhoraram. Onde ele não chegou, veem-se coisas terríveis, como a eugenia sexual, o infanticídio e a prostituição. Contudo, podemos ver que algumas sociedades, que já foram declaradamente cristãs, hoje estão decaindo moralmente com o avanço do antigo paganismo – legalizando o aborto, o homossexualismo e a prostituição. Seria interessante que algumas feministas, que falam ousadamente contra o Cristianismo, aprendessem um pouco mais da história da humanidade e assim se apercebessem de que, se não fosse por essa religião que elas tanto condenam, talvez elas sequer estivessem vivas hoje.

(Leandro Márcio Teixeira , Napec)

Prosas Bárbaras - Eça de Queirós

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , , , , , , | Posted on 20:43

Prosas Bárbaras 

  Eça de Queirós

Trechos

Houve um tempo em que andavam exiladas dos lugares humanos as estátuas, que tinham feito a legenda da beleza antiga. Eram de mármore pálido, e a sua nudez era. doce, melodiosa e velada.
Outrora, no tempo dos idílios divinos, quando ainda vivia o grande Pã, e havia deuses debaixo das estrelas elas viviam entre os jogos, as coreias, e todas as flores do bem: brancas, como as espumas iónias; serenas, como a lua de Delos; melodiosas, como a voz das sereias.
Agora andavam perseguidas, e errantes pelas florestas sonoras, e envolvidas na consolação imensa, que sai do canto das aves e da humidade das plantas.
As vezes um cavaleiro, batalhador escuro, que voltava das cidades de ouro e de coral, encontrava uma das brancas peregrinas, como uma aparição de languidez e de tristeza, evocada pela música das ramagens. E se ele por acaso deixava mergulhar nos seus olhos os raios brancos e aveludados dos olhos de mármore, ao outro dia os caminheiros, os que vão de noite cantando à mole claridade das estrelas, encontravam, junto das grandes árvores pensadoras, um corpo inanimado e lívido, como aquelas crianças das legendas, a quem as bruxas chupam o sangue!
Esta história é de há seiscentos anos, e de ontem à noite.


(...) Esta transfiguração da Arte foi na Alemanha. Quando veio Lutero. Nesses tempos a alma alemã, que estava na lei católica como numa solidão lívida, desfalecia naquelas melancolias imensas que Alberto Dürer revelou.
Nem ao menos se podia refugiar na grande Natureza sonora, e embalar-se nas consolações vivas, cheias de mel, de frescura e de sóis. A Igreja condenava os arvoredos, as devezas, as eflorescências, as verduras – todas aquelas vidas, verdes, louras e esplêndidas, como as formas do mal em que o Diabo era visível. Naquele tempo de terror, o carvalho era um espectro, e a flor uma maculação. E a alma, para ficar pura, devia passar na vida sem ouvir a voz docemente profunda da velha Natureza – voz que o catolicismo dizia terrível como a das antigas sereias.
Assim a alma alemã tinha toda a sorte de penumbras, de desfalecimentos, de pálidos silêncios, que se exalaram divinamente no canto..
Lutero concorreu para este alívio divino e livre da alma germânica, libertando a música.
A meiga consoladora tivera sempre até aí uma atitude hierática: havia só salmos, cânticos e versículos segundo o rito litúrgico: era a velha melopeia grega esfarrapada pelas asperezas do latim dos versículos. 
 Palestrina, Allegri, Pergolesi foram apenas reveladores de madrigais seráficos e de subtilezas eucarísticas. Ela estava envolta no dogma, vestida de latim, embaraçada de dificuldades, presa, como uma estátua, nas escuridades do santuário.
Lutero tomou aquela bela e fria estátua, despiu-a do latim, desprendeu-a das subtilezas, desligou-lhe os braços descamados, tirou-a do santuário, levou-a para o ar livre – para as largas palpitações. E a estátua delicada, rosada, meiga, consoladora, tomou pela mão a triste Alemanha e levou-a como a Beatriz mística pela orla das moradas santas.
Foi o momento de lirismo e de paixão da Reforma. Aqueles braços que se tinham erguido por entre as constelações caíram logo como asas molhadas. A música teve um momento o rosto aceso nas iluminações divinas, mas ficou de novo fria, hierática – mármore pálido.
A música que é a alma, o espiritualismo, o vapor da Arte – sumiu-se com a aproximação da Renascença, que vinha cheia de rebeliões da carne.
A Reforma tinha sido feita em nome do idealismo, em nome da alma escarnecida: a Europa tinha-se esquecido da alma, da pureza, das castidades, do olhar da Virgem cor de violeta; ela caminhava nas púrpuras e nas fulgurações, seguida das pombas lascivas, com as brancas nudezas cobertas de veludos, escutando os contos da rainha de Navana, acompanhando em serenata profana as cantigas de Ariosto, entre os mármores frescos e os seios macios, desfalecida nas molezas da carne.
O magro Martinho Lutero veio bradar em nome da alma, contra as púrpuras daquele pálido paganismo.
E a Europa assustou-se: os papas tomaram atitudes severas e lívidas; e voltou-se a Deus como no tempo de Dante. Foi momentâneo este puritanismo da velha Europa. O sensualismo tinha visto pela primeira vez a Igreja, sua velha inimiga, tremer, e encaminhou-se feroz com as vinganças da carne.
A Renascença vinha depois daquelas lívidas castidades góticas, dos jejuns transparentes, das faces maceradas, daquelas chagas roxas de Cristo. Vinha com toda a sorte de livres palpitações e de rebeliões soberbas. Vinha cheia da Natureza e em nome dela; sentiam-se-lhe as sonoridades e os acres cheiros das florestas, e as vivas humidades dos mares. A carne ia aparecendo, tremenda, João de Leyde ressonava de noite, cansado de gulas, entre as suas catorze mulheres: começava a surgir o ventre imenso de Gargântua: sentiam-se fumegar as bodas de Gamacho; e para as bandas do Norte já se ouvia o riso do velho Falstaff.
A atmosfera da Renascença, pesada de aromas fortes e de sensualidade, das vaporações da languidez, não podia conservar a vitalidade àquela vaga Ofélia, que se chama a música.
A época da música ainda não tinha vindo: a Arte é como a vegetação – só cresce, só tem coloridos e sombras e repousos dadas certas circunstâncias de vitalidade: mas dadas essas condições, ela nasce espontaneamente, e vem então cheia da alma dessa época, da sua inteligência, da sua fé, das suas tristezas, das suas desesperanças. A música, toda alma, não achou essas condições na Renascença, toda carne. A nossa época é que devia produzir a música como a Grécia produziu a escultura, como a Europa gótica a arquitectura e a era das monarquias e das academias a tragédia raciniana.
Com efeito, nunca, como neste tempo, as profundidades da alma, cavadas e alargadas pelas revoluções, estiveram tão fundas e tão ilimitadas. Durante a lei católica e os embrutecimentos monárquicos, a alma movia-se lenta como o mar, unida, calma, pesada, opaca e coberta de brumas. De repente as revoluções passaram pela noite sacudindo os seus fachos severos, donde saltavam constelações. A alma alumiou-se entre repelões brutais: iluminaram-se longes surpreendentes: houve um desencadeamento de brados, de vontades, de violências: daquela claridade viva saíam desejos, sentimentos, paixões, amores, imaginações, epopeias nos livres turbilhões. Toda a sombra se ia retirando da alma, em amontoações rápidas e cobardes, com o ruído distante de um desabamento de bastilhas. Era uma ressurreição mais cheia de seiva e de violência que a vida flamejante das constelações, que a vida desvairada dos mares. Saíam daquelas profundidades santas, como evaporações de luz, as criticas, as histórias, as filosofias, as medicinas, as químicas, as imaginações, os dramas, toda uma vegetação divina.
A alma começou a entrever cimos luminosos, erguidos por entre os astros, que se chamavam Homero, Ésquilo, Dante, Miguel Angelo, Rabelais, Cervantes e Shakespeare. A alma queria subir àqueles escarpamentos divinos, para colher a pequena flor do ideal. Fia via moverem-se ali mil figuras, voluptuosas e sinistras. disformes. irónicas, apaixonadas, ciosas e lívidas: e nas claridades e nos círculos de um vento divino subirem por entre as irradiações dos astros, os tremores das tormentas, os gritos das andorinhas e os luares silenciosos, subirem gritos, lágrimas, soluços, risos, cantos, suspiros, bênçãos e imprecações. A alma via aquela vida flamejante acesa no espaço
Como uma Jerusalém humana erguida na luz, ao sopro dos fortes peitos. E queria subir à montanha sagrada e andar por entre aquelas imaginações que sofrem, que sangram, que deliram, que são Romeu, Hamlet, D. Quixote, Orestes, Prometeu, Francesca de Rimini e Ofélia! Era um Patmos estranho aquilo, um promontório do pensamento, donde se avistava um mar, ora embalando-se sereno nos silêncios alumiados, ora dando-se lascivo aos beijos do vento, ora indolente e melodioso, depois cheio de iras, de esguedelhamentos, de farrapos lívidos de água, de trágicos soluços do abismo.
Os que não se aventuravam naquela passagem ficavam sossegadamente na sua fé ordinária, na sua virtude, na sua sonolência; mas os que as atravessavam entravam nos sofrimentos infinitos: quase que ficavam fora da medida humana: o que quer que fosse de ilimitado entrava neles, com bruscos desvairamentos. O homem sente-se como possuído pelo demónio Legião. Sente as inquietações descoradas, os abati mentos dolorosos, os amores infinitos, as ambições nevrálgicas, as imaginações lívidas, toda uma amontoação apocalíptica de estranhas vitalidades interiores. Vai pálido. Quem é ele? É aquele que sofre. E o infinito que ele tem em si tortura-o como a presença de Deus torturava as sibilas antigas.
E depois, ao mesmo tempo, viu-se que os prometimentos das revoluções tinham mentido. Tinham-se visto tantos derrubamentos, tantas forças desvanecidas, tantos direitos divinos assoprados, tantas fulgurações de Sodomas apagadas, que não se acreditava que ainda pela sombra pudesse estar de pé. e actuante, alguma antiga fatalidade. Pensava-se que a miséria, que a fome, que o erro, que a mentira, que as bruxas e as negruras históricas tinham fugido. como um fumo: mas aqueles lobos trágicos ainda andavam pela noite mordendo as almas.
O mal passava ainda, nas suas façanhas fulgurantes enredando nos vícios e nas tentações, fixando no homem o seu olhar fúnebre através das transparências doentias da noite, batalhando com as almas e fazendo-lhes a chaga incurável do pecado. E então, como que nasceu uma convicção tenebrosa: a impossibilidade do libertamento..
Erguiam-se os braços magros e suplicantes: olhava-se pela Terra, a ver se não viria alguém da parte da Natureza, um monte, uma floresta, um mar, um vulcão, que tomasse o homem pela mão e lhe dissesse com a bonomia dos monstros: Vem, eu te protejo.  (...)

Entrevista a Harold Bloom

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 21:51



Entrevista a Harold Bloom


Edição 1 685 - 31 de Janeiro de 2001


Revista Veja


Leio, logo existo

O mais polêmico dos críticos literários diz
por que ainda se deve ler num mundo
dominado pelas imagens

Flávio Moura


Não falta quem considere o americano Harold Bloom, de 70 anos, o mais importante crítico literário em atividade. Autor de mais de vinte livros sobre literatura e professor há mais de quarenta anos – leciona nas universidades Yale e de Nova York –, ele é, no mínimo, uma figura polêmica. Sem pruridos em atacar seus pares acadêmicos, ele não se cansa de chamá-los de ressentidos e os acusa de estarem matando a literatura com a mania do politicamente correto. Ferrenho defensor dos "valores estéticos", Bloom autoproclamou-se guardião solitário da cultura clássica e exalta os grandes nomes da literatura mundial com uma energia admirável. No ambicioso O Cânone Ocidental, livro lançado há sete anos, ele mapeia o que há de fundamental na história da literatura do Ocidente. Com o controverso Shakespeare – A Invenção do Humano, defende a tese de que seríamos criaturas diferentes se o famoso dramaturgo inglês não houvesse existido. Agora Bloom quer ensinar a ler. É isso que faz no livro Como e Por que Ler (Editora Objetiva), que chega às livrarias do país nesta semana. De sua casa em New Haven, nos Estados Unidos, ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA:

VejaPor que ler?
Bloom – A informação está cada vez mais ao nosso alcance. Mas a sabedoria, que é o tipo mais precioso de conhecimento, essa só pode ser encontrada nos grandes autores da literatura. Esse é o primeiro motivo por que devemos ler. O segundo motivo é que todo bom pensamento, como já diziam os filósofos e os psicólogos, depende da memória. Não é possível pensar sem lembrar – e são os livros que ainda preservam a maior parte de nossa herança cultural. Finalmente, e este motivo está relacionado ao anterior, eu diria que uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si próprias. E ninguém faz isso sem ler.

VejaComo ler?
Bloom – Tente ler sem considerações políticas, compromissos ideológicos ou preconceitos. Para o livro que estou escrevendo agora, por exemplo, estou relendo a Divina Comédia, de Dante Alighieri, em italiano. Há certos moralismos em Dante que me irritam. Além disso, há seu compromisso com a visão de mundo católica, e eu não confio em nenhum tipo de religião institucionalizada. Mas, ao lê-lo, procuro me manter aberto. O frescor da língua e a força das metáforas me obrigam a deixar todas as minhas opiniões de lado e me render à força daquele texto. É assim que se deve ler.

VejaO livro Como e Por que Ler foi muito criticado na época do lançamento. Houve quem dissesse que o senhor simplificou demais a questão, outros o acusaram de posar de guardião da "alta cultura". Como responderia a seus críticos?
Bloom – A maior parte das críticas negativas é proveniente de acadêmicos anglo-americanos. Somos inimigos mortais. Há 25 anos venho denunciando esse pessoal. O ensino de literatura no mundo de língua inglesa foi para o inferno. É dominado por ideólogos, por integrantes daquilo que eu chamo de "escola do ressentimento". É gente comprometida com assuntos extraliterários, com mania de desconstruir e relativizar tudo. Eles não se importam com o valor estético. É o politicamente correto que interessa a eles. Por isso, não estou nem aí, nem leio as críticas. Se você tenta ser independente, se não adere a nenhum tipo de moda, se fala honestamente e emite opiniões próprias, se recusa ideologias, inevitavelmente será atacado. É como diz o escritor americano Ralph Waldo Emerson, um dos meus heróis: "O mundo tenta castigar os que não se conformam". Minha maneira de responder aos críticos é escrevendo outros livros.

VejaQual o papel da literatura num mundo dominado pelas mídias visuais?
Bloom – Há grandes autores, como William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Jane Austen e Charles Dickens, que conseguem sobreviver nas adaptações para as mídias visuais. Mas há outros, como Dante Alighieri, John Milton, James Joyce, Marcel Proust ou Franz Kafka, cujo futuro é completamente incerto. O grande autor português José Saramago é outro por quem eu temo. Somos amigos, escrevi um ensaio sobre o magnífico O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Ele é dos melhores romancistas que conheço, não deixa nada a dever aos grandes nomes da literatura. Mas, sinceramente, acho que num mundo dominado pela imagem livros difíceis como os dele poderão deixar de ser lidos em vinte ou trinta anos. As crianças estão crescendo cercadas por telas. A longo prazo, não sei qual pode ser o efeito disso sobre a capacidade das pessoas de ler para buscar não apenas informação, mas sabedoria e autoconhecimento.

VejaLivros como os da série Harry Potter não são uma boa porta de entrada, um meio de despertar nas crianças o interesse pela literatura?
Bloom – Você realmente acha que as crianças vão ler coisas melhores depois de ler Harry Potter? Eu acho que não. E um dos piores escritores da América, Stephen King (ele é terrível, não consigo ler nem dois parágrafos do que escreve), confirmou minhas suspeitas numa resenha que escreveu para o jornal The New York Times. Segundo ele, as crianças que aos 12 anos estão lendo Potter aos 16 estarão prontas para ler os seus livros. Preciso dizer mais? Os Estados Unidos são um país em que a televisão, o cinema, os videogames, os computadores e Stephen King destruíram a leitura.

Veja Por que não ler os livros de J.K. Rowling, a autora de Harry Potter?
Bloom – Li apenas uma das obras dessa autora. A linguagem é um horror. Ninguém, por exemplo, "caminha" no livro. Os personagens "vão esticar as pernas", o que é obviamente um clichê. E o livro inteiro é assim, escrito com frases desgastadas, de segunda mão. Escrevi uma resenha para o Wall Street Journal falando mal de Harry Potter. A polêmica foi imediata. Foram enviadas mais de 400 cartas me xingando de todos os nomes. A defesa de livros ruins como esses, que vem de todos os lados – dos pais, das crianças, da mídia –, é muito inquietante e nem um pouco saudável.

VejaEm seu livro anterior, Shakespeare – A Invenção do Humano, o senhor afirma que o dramaturgo William Shakespeare "inventou o humano". Poderia explicar um pouco melhor essa idéia?
Bloom – Grande parte do que hoje consideramos uma personalidade humana foi invenção de Shakespeare. Há hábitos que desenvolvemos, como o de parar de repente e escutar a nós mesmos, que só passaram a existir depois dele. Preste atenção na literatura anterior, em forma de verso, prosa ou teatro. Você simplesmente não encontra monólogos interiores como os que vemos em Shakespeare. Aquilo que gostamos de chamar de nossas "emoções" surgiram pela primeira vez como pensamentos de Shakespeare. Nele, mais do que em qualquer outro escritor, parece que os personagens não foram inventados. É como se eles existissem desde sempre. Assistir a uma peça de Shakespeare na China, em termos de identificação do público com o que se passa no palco, não é muito diferente de assistir em Nova York ou Londres.

VejaNo século XX, tornaram-se muito comuns as leituras psicanalíticas de Shakespeare. O próprio Freud escreveu a respeito da peça Hamlet. Mas o senhor costuma fazer pouco dessas interpretações. Por quê?
Bloom – O romântico Percy Shelley costumava dizer que o demônio deve muito ao poeta John Milton, já que este o retratou de maneira magnífica no livro Paraíso Perdido. Pensaríamos no demônio de maneira diferente se não fosse Milton. Acho que o mesmo ocorre com Freud: ele deve tudo a Shakespeare. Freud é essencialmente Shakespeare em forma de prosa. Se você ler atentamente o que ele fala sobre complexo de Édipo, verá que no fundo não está falando de Édipo, mas de Hamlet. Por isso defendo uma leitura shakespeariana de Freud, e não uma leitura freudiana de Shakespeare. Não podemos negar a Freud, contudo, um lugar entre as quatro ou cinco maiores figuras intelectuais do século XX. E também entre os maiores escritores. Ele era um ótimo ensaísta. Foi o Montaigne de nossa era.

VejaNum de seus livros mais famosos, A Angústia da Influência, de 1973, o senhor dizia que, para uma geração de autores se constituir, tinha de "matar" a anterior. Isso ainda vale para os autores contemporâneos?
Bloom – Sim. A menos, é claro, que a literatura passe por uma mudança radical, o que por enquanto acho muito difícil. Essa mania atual de cyberliteratura, cyberpoema, jogos verbais etc., tudo isso são erupções tardias do que os dadaístas e surrealistas fizeram, aliás muito melhor, 100 anos atrás. Saramago, por exemplo, parece estar sempre envolvido numa complexa competição com Eça de Queiroz e com Fernando Pessoa, os dois grandes autores portugueses que o precederam. Ainda acho que a literatura caminha por meio de um confronto direto com a produção da geração anterior. Isso não vai mudar. Arte é competição.

VejaCrítica também?
Bloom – Acho que toda crítica equilibrada, mais do que competitiva, tem de ser pessoal e excêntrica. É o que Oscar Wilde, outro de meus heróis, costumava dizer: a crítica é a única forma civilizada de autobiografia. Não tenho pretensões de fazer crítica científica. Gostaria muito que meus livros, lidos em conjunto, fossem considerados minha autobiografia.

VejaEm 1979, o senhor publicou The Flight to Lucifer – A Gnostic Fantasy (Vôo para Lucífer – Uma Fantasia Gnóstica), sua única tentativa de escrever ficção. Por que não voltou a ela?
Bloom – Foi um erro.  Não devia ter publicado esse livro. Você o conhece? É uma ficção científica na qual o protagonista, uma espécie de Prometeu, vai em busca de seu destino num planeta chamado Lúcifer. Reli a obra numa noite dessas e vi que ela era realmente horrível, fria, sem vida. Os personagens eram todos sobrecarregados. Era pesado, não tinha nada da "vida local" que uma narrativa de verdade deve ter. E aí percebi que eu não era um contador de história, que não podia criar bons personagens. Gostaria que esse livro fosse esquecido de vez. Todo mundo tem a chance de errar uma vez. Essa foi a minha.

VejaTemas religiosos, como a cabala e o gnosticismo, aparecem também em seus livros de ensaios. Onde termina o crítico e começa o místico?
Bloom – Cresci como judeu ortodoxo, mas continuo achando, e isso já irritou muita gente, que o judaísmo ortodoxo não é mais do que uma leitura equivocada da Bíblia hebraica, feita há 1.800 anos. Foi uma forma de adequar a religião à realidade dos judeus que viviam sob ocupação romana. Hoje não vejo por que agir da mesma forma que naquele tempo. Considero as tradições religiosas como produto de uma época – e a criação do universo como uma grande separação, o criador distanciando-se irremediavelmente de suas criaturas. Até imagino, para além do sistema solar, algo parecido com um deus de verdade. Mas ele, ou ela, certamente não pode nos ouvir. É como diz a máxima: se as preces do homem são uma doença da vontade, então seus credos são uma doença do intelecto.

VejaO enfoque literário na leitura da Bíblia é mais interessante do que o religioso?
Bloom – Sem dúvida. O texto original do que hoje chamamos de Gênesis, Exodo e Números é trabalho de um narrador magnífico, certamente um dos maiores contadores de história do mundo ocidental. Aliás, em O Livro de J, observo que o autor desses textos foi uma mulher que viveu 3.000 anos atrás, na corte do rei Salomão, um lugar de alta cultura, ceticismo e muita sofisticação psicológica. Pense em figuras como José, Jacó e Jeová. São todos personagens maravilhosos. E os efeitos poéticos do texto são extraordinários, comparáveis a Píndaro. Os profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel também eram grandes escritores, assim como os autores do Evangelho de Marcos e do Livro de Jó. A Bíblia é uma vasta antologia da literatura de toda uma cultura.

VejaE hoje, há algo que preste nesse filão crescente de literatura religiosa e new age?
Bloom – Não. Não temos um grande místico. Haveria espaço para um, sem dúvida, e até clamo por isso em meu livro Presságios do Milênio, mas não há quem se salve. Só lixo, em qualquer língua que conheço. É preciso deixar claro que nos últimos trinta ou quarenta anos não surgiu nenhum autor religioso com alguma força ou originalidade.

VejaComo o senhor situaria a literatura brasileira em relação à literatura mundial? Que nomes destacaria?
Bloom – Comecei a estudar português não faz muito tempo, e ainda não consegui me familiarizar direito com a língua. Não posso dizer que conheço a produção literária contemporânea do Brasil. Quanto aos autores mais antigos, como Machado de Assis, só agora começaram a aparecer boas versões de suas obras para o inglês. Foi por isso, também, que não o incluí em O Cânone Ocidental.

Veja No fim desse livro, o senhor faz uma longa enumeração daqueles que seriam os autores mais importantes do Ocidente, em todas as épocas. Qual o sentido desse tipo de lista?
Bloom – Nenhum. Fiquei muito arrependido de incluir essa lista no livro. Ele ficaria melhor sem ela. Fiz sob protesto, por insistência do meu editor e da agente literária, que achavam que assim o livro venderia mais. Acho perniciosas todas as listas de "melhores livros". São baseadas em leituras apressadas, em premissas equivocadas e sempre acabam deixando de lado algo importante. Portanto, sou completamente contra listas. Inclusive a minha.



 (...) o crítico literário norte-americano Harold Bloom descreveu "Os Maias" como "um dos mais notáveis romances europeus do século 19, comparável, na sua totalidade, às melhores obras dos grandes mestres russos, franceses, italianos e ingleses da prosa de ficção".(...)


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