Mostrar mensagens com a etiqueta Deus. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Deus. Mostrar todas as mensagens

Essa História de Princípes Encantados

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , , , , | Posted on 13:44

As mulheres têm fios desligados.

( excerto )

e pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar (chichi, sede, fome, a janela de que se esqueceram de baixar o estore) ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas, pá, e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarradas à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo? 
Lembro-me de um sujeito que explicava:
- O maior prazer que me dá ter relações com a minha mulher é saber que durante uma semana estou safo e depois pegam-nos na mão no cinema, encostam-se, colam-se, contam histórias sem interesse nenhum que nunca mais terminam, querem variar de restaurante, querem namoro, diminutivos, palermices e nós ali a aturá-las.

António Lobo Antunes


Por isso, a NãoSouEuéaOutra, já não sonha e faz tanto tempo. Também, tanto tempo que não olha para um homem. O interesse se esfumou, virou pó. A vida, não permite e, também já não acredita. O Amor só é bom, quando há dois que se amam e compartilham a vida. 
Morreu o Homem, morreu o Sexo e, morreu o Amor, também com ele, o sonho! Porque a NãoSouEuéaOutra, enterrou-se. Hoje, vagueia pelo mundo. É uma Sombra de Verdade. Calada e pasmada!! Até as Palavras, vão perdendo a sua força.

Assassina Profissional da Mente

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , , , | Posted on 16:29


Maria de Castela
uma Assassina Profissional da Mente e dos seus Jogos

ponto fraco: detesta mentiras e homens; detesta mulheres másculas
ponto forte: capacidade de filtrar nos conteúdos sórdidos da mente Humana
trabalho: psicanalista de síndromes de grandezas e pequenezas 
frase habitual: sou psicanalista do Futuro. estou num outro lado da psique. a Suja.


são oito horas da manhã. em ponto,  Maria abre o consultório no cimo de um arranha-céus. escolheu as alturas, para poder  ver a vergonha humana; e também devido aos  tratamentos utilizados sobre os seus pacientes, que é a possibilidade de que os instintos atávicos não encontrarem raízes para fecundarem no solo. embora, o andar seja todo ocupado pelo consultório, ele encerra em si, jaulas. vejamos, não são jaulas para aprisionar. servem o papel de libertar o animal cru, misógino, traidor, compulsivo, vicioso. injurioso e predador que destrói a condição humana. esse animal que todos se recusam a aceitar. esse animal que mata lentamente aqueles que amam, aqueles que são caminhos, aqueles que são evolução em grande escala na humanidade e, não esses que evoluem em direcção ao Ego, aos prazeres puramente sensoriais sem consciência alguma, e às estruturas quase apocalípticas de César.  tudo em César é involução Humana... o esclavagismo que impõem, é o senhor das suas direcções e dele não nasce nada a não ser abortos putrificos e sodomizados, em que, julgam que a Merda se transformará em Ouro, pois fiquem cientes, que apenas ganharão prazer temporário e sem Dourado... o Alquimista sabe que o Ouro nasce do fundo da Terra por processos únicos, e não pelo ânus, mas também sabe que em termos mundanos isto simboliza o homem preso na mais profunda cratera do materialismo condensado, onde não habitará nenhuma Luz, Fé, Esperança ou Humanidade... 
nelas, as jaulas, entram mulheres e homens, e perante a sua própria Besta possam sentir o próprio veneno a interiorizar-se contra si mesmos até à consciência plena dos seus actos, e por fim, possam meditar a Grande tabuada do Cosmos! o Anjo Caído, Lúcifer, há muito ascendeu novamente ao céu, porque ficou chocado com a própria involução animal do homem. já que, o homem, pretende virar macaco, cão, boi, veado, burro e todos os animais de 4 patas; apenas se distinguindo dos outros, pela sua capacidade de racionalizar e comunicar. haverão de ouvir-se pela primeira vez a voz da raiva, da cólera, do ódio na forma de quatro patas humanas, porque  algo haverá de falhar neste processo rumo ao fim da raça actual. os grunhidos, os rugidos, os mugidos, serão tão dementes, que a Humanidade se aniquilará numa raiva desesperada por não saber mais de si, e nem nunca ter ouvido falar do espírito iluminado humano.

a tarefa desta psicanalista do futuro é travar a queda da humanidade... transformar os homonóides adormecidos no fundo das memórias, ou do, ADN conscientes da sua natureza Besta antes regresse a esse estado de uma outra forma. o estado dos primatas e dos homonóides naquele tempo, eram outros... faltavam-lhes o Verbo... esse Pensar Racional.
Maria de Castela tem uma árdua tarefa, o de conduzir os seus pacientes à plena consciência de quem são. nunca ninguém a vê para lá dos arranhas-céus, e ela arranha todos os pacientes à exaustão até vomitarem o próprio veneno e reconhecerem o seu instinto mais arcaico e atávico para poderem processar todas as tarefas de transformação celular e anímica, e assim libertar a Humanidade que são, eles mesmos sem terem consciência disso. uma Catarse Profunda e que vai além de tudo o que se tem dito e escrito até agora. não há escolhidos, há apenas os que acordam.
 atrás de si, há uma linhagem de Homens e Mulheres que intercedem neste mapa psicológico todo. uma linhagem oculta e poderosa e que nunca morreu desde os primórdios. estudaram este tempo todo a evolução terrestre e os seres. não são o Deus e nem o Diabo, são Universais/cosmológicos e que com eles não se brincam. são verdadeiros mediadores entre forças telúricas e cósmicas.

às 8:45:00 entra o primeiro paciente. é sempre um choque... o jejum é uma norma, apenas para obrigar as defesas a baixarem... pelo menos nos primeiros 20 minutos de psicanálise, e depois um sumo de fruto será concedido e lentamente irá se alimentando de uma forma organizada.

à esquerda, da porta do consultório, está uma personagem incógnita e que profere:

« abro-te boca gigantesca e arranco-te o veneno que está inoculado nas nervuras e esfrego-te o cérebro com a tua própria merda. não quero mais colocar  paninhos suaves e doces na língua e nas mãos. usurpador da condição amorosa, triste e pálida figura; filho do Diabo mais Preto que o Preto. mentiroso por nascença, falsa é a tua retórica... tens tanta fealdade nas palavras bonitas, apenas porque elas encerram humilhações e desprezos gigantes. não és humano  e não és nada!! furúnculo que transformas a vida interior num campo Auschwitziano... nunca devolves a vida e o melhor dela. na pertença da tua grandeza és um homem tão comum como esses que desprezas... enche-te os testículos com vontade de expelir o esperma em qualquer vagina, e numa outra perspectiva, deliras com a sodomia masculina, não há grandeza nenhuma na tua actuação... envergonhas-te a Ti Mesmo... não conheces o Principio que te rege!! Não és livre, e nem sabes o que é a verdadeira Liberdade, essa que nunca te deixará perder e faltar a nenhum respeito. Liberdade externa de ires para qualquer lugar e fazeres apenas o que os teus desejos cegos querem fazer, não é nada... nada de nada!!  achas que és livre por concretizares os teus desejos? Ou serás na verdade escravo dos desejos?»

Aos poucos continuo... quando me picar a fúria...

Dos Cátaros - The Cathars

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , | Posted on 15:02


Cátaros


Cátaros: Membros de uma seita religiosa de origem cristã que acreditam que o mundo visível e tudo que ele encerra são obra do diabo, ser supremo maléfico, rival de um Deus, ser Supremo e bondoso.

Na realidade, esta divisão entre os dois princípios, primeiro, pode ser moderada ou absoluta. Uns acreditam no Deus único, bom e eterno que permitiu que Satanás organizasse o mundo; os outros acreditam em dois princípios absolutos e rivais, igualmente criadores e eternos, perpetuamente em luta um contra o outro.

O catarismo, ao que se julga, nasceu em Constantinopla e teria sido trazido para a Europa Ocidental na sequência da segunda cruzada. Uma assembleia de cátaros albinenses e italianos reúne-se no castelo de Saint-Félix de Caraman, próximo de Toulouse, por volta de 1176. Estão aí representadas seis Igrejas, a do Norte Loire, de Albi, de Toulouse, de Carcassone, de Agen e da Lombardia. Nomeiam-se os bispos e fixam-se os limites das dioceses. No Languedoc, os cátaros viverão relativamente em paz entre si, ao passo que se produzem divisões em Itália.

O catarismo, que encontrou no Languedoc (França), no século Xl, uma terra de eleição, pretendia ser um retorno à pureza dos primeiros tempos do cristianismo. Surgiu no Limousin, no fim do século Xl e estendeu-se pela região francesa do Midi: Toulouse, Carcassonne, Narbonne, Foix e Béziers, foram os seus principais centros.

Esta doutina baseia-se num dualismo que afirma a existência de dois princípios fundamentais antagónicos, o do Bem, criador do mundo espiritual, e o do mal, criador do mundo material. O homem, despegando-se da matéria, escapa ao domínio de Satan , o deus do Mal, e une-se ao bom Deus. A vida dos cátaros, austera e impregnada de caridade evangélica, valeu-lhe numerosos adeptos, mas a Igreja dominante viu no catarismo um perigo para a sua unidade, doutrina e dogmas. A cruzada contra os albigenses, entre 1209 e 1229, pregada pelo papa Inocêncio 3º e levada a cabo por Simon de Montfort, em benefício dos capetos, desorganizou o movimento cátaro, protegido pelos senhores feudais do Sul. A cristandade nada lucrou com a repressão exercida contra os heréticos e o património cultural francês, com efeito, viu-se empobrecido



O Catarismo
O catarismo, do grego katharos, que significa puro, foi uma seita cristã da Idade Média surgida no Limousin (França) ao final do século XI, a qual praticava um sincretismo cristão, gnóstico e maniqueísta, manifestado num extremo ascetismo. Concebia a dualidade entre o espírito e a matéria, assim como, respectivamente, o bem e o mal. Os cátaros foram condenados pelo 4º Concílio Lateranense em 1215 pelo Papa Inocêncio III, e foram aniquilados por uma cruzada e pelas acções da Inquisição, tornada oficial em 1233.
Os cátaros, também chamados de albigenses, rejeitavam os sacramentos católicos. Aqueles que recebiam o baptismo de espírito, consolamentum, eram considerados os perfeitos e levavam uma vida de castidade e austeridade e podiam ser tanto homens quanto mulheres. Os crentes apenas eram os homens bons e tinham obrigações menores; recebiam o consolamentum na hora da morte.
Apesar desta hierarquia, os cátaros não restringiam a experiência transcendental, e/ou divina (no caso, também gnóstica) aos mais graduados, mas a qualquer um que assim desejasse e experimentasse estados alterados de consciência.
Essa concepção sem hierarquia da espiritualidade foi considerada pela igreja católica uma ameaça para a fé e a unidade cristã, já que atraiu numerosos adeptos. Assim sendo, o catarismo foi considerado herético e contra ele foi estabelecida a Cruzada albigense (1209-1229). A cruzada teve parte de interesses políticos, já que as localidades onde se praticavam o catarismo (nota: esta seita era conhecida por sua tolerância religiosa ao passo que conviviam, nos mesmos reinados, judeus, pagãos, e até mesmo católicos) encontravam-se ligadas ao reino da França, porém independentes do mesmo.
No início do século XII, a Igreja católica presenciará a difusão da heresia dos cátaros ("Kataroi", puro em grego) ou albigenses (nome derivado da cidade de "Albi", na qual vivia um certo número de heréticos) que se propagará no território do Languedoc, sudoeste da França (da língua occitâna da região - "Língua do Oc"; Oc= "Sim", em oposição à "Langue d'Oui", do norte da França). Também se designava frequentemente esta região por "Occitânia", que advém das mesmas raízes linguísticas.
Antes de tudo, é conveniente ressaltar que o catarismo não pertence exclusivamente ao Languedoc, nem o Languedoc deve ser visto exclusivamente sobre o prisma do catarismo. Aderentes à doutrina cátara recebem diferentes nomes no país em que se inserem: Na Itália, eram conhecidos como "patarinos", na Alemanha como "ketzers"; na Bulgária, como "bogomils". Existiram cátaros na França, na Catalunha, na Itália, na Alemanha e, ao que parece, na Inglaterra.
Os cátaros acreditavam que o homem na sua origem havia sido um ser espiritual e para adquirir consciência e liberdade, precisaria de um corpo material, sendo necessário várias reencarnações para se libertar. Eram dualistas e acreditavam na existência de dois deuses, um do bem (Deus) e outro do mal (Satã), que teria criado o mundo material e mal. Não concebiam a ideia de inferno, pois no fim o deus do bem triunfaria sobre o deus do mal todos seriam salvos. Praticavam a abstinência de certos alimentos como a carne e tudo o que proviesse da procriação. Jejuavam antes do Natal, Páscoa e Pentecostes, não prestavam juramento, base das relações feudais na sociedade medieval, nem matavam qualquer espécie animal.
Os cátaros organizaram uma igreja e seus membros estavam divididos em crentes, perfeitos e bispos. As pessoas se tornavam perfeitos (homens bons) pelo "ritual do consolament" (esta cerimónia consistia na oração do Pai Nosso; reposição da veste, preta no início, depois azul, substituída por um cordão no tempo da perseguição. Tocava-se a cabeça do iniciante com o Evangelho de são João, e o ritual terminava com o beijo da paz). Os crentes podiam abandonar a comunidade quando quisessem, frequentavam a Igreja Católica, eram casados e podiam ter filhos. Dessa forma, eles poderiam levar uma vida agradável, obtendo o perdão e sendo salvos.
Durante o período das perseguições as igrejas cátaras foram destruídas, os ofícios religiosos eram realizados em cavernas, florestas e casas de crentes. A doutrina cátara foi aceita por contrariar alguns dogmas cristãos, principalmente no que se refere a volta à pobreza e ao retorno do cristianismo primitivo.
Devido à propagação da heresia cátara a partir de 1140, a Igreja começa a tomar medidas para combate-la, sendo que no início tentava os heréticos a fé católica por meio da pregação, não adoptando trágicas medidas, pois isto não harmonizava com a caridade pregada pelo cristianismo. Vemos aqui um motivo político para investidas contra as comunidades cátaras e sua doutrina. Poderia haver outros motivos para tais investidas?
A maior parte das terras atingidas pela heresia pertencia à província de Narbona, somente a região de Albi ligada à província de Bourges. O Languedoc é anexado a França em 1229 pelo Tratado de Meaux. O êxito da propagação da heresia nos bispados do Languedoc pode ser explicado pela situação política da região, independente do reino da França, as altas autoridades eram os grandes senhores feudais, o conde de Toulouse e o visconde de Béziers, ambos simpatizantes da heresia cátara.
O movimento cátaro foi desencadeado pelas pregações do monge Henrique, embora este não fosse cátaro, muitos fiéis após ouvir suas palavras deixaram de pagar os dízimos e de comparecer as igrejas, seus ensinamentos foram combatidos por Bernardo de Clairvaux (São Bernardo).
Os cátaros a exemplo dos primeiros cristãos levavam vida ascética de alta espiritualidade, vivenciando na prática um cristianismo puro, numa total alta-renúncia a tudo o que era deste mundo, eram conhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo, a serviço do mundo e da humanidade, um verdadeiro exemplo de amor ao próximo.
Os cátaros galgavam o caminho da transformação ou da transfiguração.
Paz inverencial,
Franco



Os Cátaros  
Nos meados do século XII, iniciou-se na Itália um movimento religioso denominado Cátarismo (Albigenses), a doutrina dos cátaros era nitidamente diferente da Igreja Católica, numa reacção à Igreja Católica e suas práticas, como a venda de indulgências, e a soberba vida dos padres e bispos da época.
Eles eram extremamente radicais e dualistas como os maniqueístas, acreditavam que a salvação vinha em seguir o exemplo da vida de Jesus, negavam que o mundo físico imperfeito pudesse ser obra de Deus, acreditavam ser o mundo criação do príncipe das trevas, rejeitavam a versão bíblica da criação do mundo e todo o antigo testamento, acreditavam na reencarnação, não aceitavam a cruz, a confissão e todos os ornamentos religiosos.
Com medo da repressão da Igreja, os Cátaros mantiveram sua fé em segredo, porém em pouco tempo esta seita atraiu muitos seguidores. Cresceram bastante no sul da França e se estenderam a região do Flandres e da Catalunha, funcionaram abertamente com a protecção dos poderosos senhores feudais, capazes de desafiar até mesmo o Papa.
O chamado "Pays Cathare" (País Cátaro) se estendia pela zona chamada Occitania , atual Languedoc, em uma extensão fronteiriça com Toulouse até o oeste, nos Pirineus até o sul, e no Mediterráneo até o leste. Em definitivo, uma área política que, durante o século XIII, limitava-se com a Coroa de Aragão, França e condados independentes como o de Foix e Toulouse.
O mais curioso nesta cultura é a cautela por construir seus castelos e abadias em cima de precipícios e inacessíveis colinas, as mais elevadas possíveis, razão pela qual, na actualidade, os fazem muito atractivos por suas inabarcaveis vistas sobre o horizonte e pela observação de paisagens impressionantes.
Realizavam cerimónias de iniciação, suas cerimónias eram muito simples, consistia basicamente em um sermão breve, uma bênção e uma oração ao Senhor, essa simplicidade influenciou posteriormente uma gama de seguimentos protestantes. Possuíam duas classes ou graus.
Os leigos eram conhecidos como crentes, e a esses não eram exigidos seguir suas regras de abstinência reservada aos perfecti, ou bonhomes eleitos, que formavam a mais alta hierarquia do catarismo. Para ser um perfecti tinham que tanto homem quanto mulher, passar por um período de provas nunca inferior a 2 anos, e durante esse tempo, faziam a renúncia de todos os bens terrenos, abstinham de carne e vinho, não poderiam Ter contacto com o sexo oposto, e nem dormirem nus. Depois deste período o candidato recebia sua iniciação conhecida com o nome de Consolamentum que era realizada em público. Essa cerimónia parecia com o baptismo e continha também uma confirmação e uma ordenação.
Na idade média, marcada pela violência e pela sede de poder da igreja Católica Romana, o Catarismo chocou-se frontalmente com o dogmatismo da Igreja. A religião cátara propunha, como aspectos básicos, a reencarnação do espírito, a concepção da terra como materialização do Mal, por encher a alma de desejos e prende-la às coisas efémeras do mundo, e do céu como a do Bem, numa concepção dualista do mundo. Mas o principal ponto de discordância, e talvez o mais original, tenha sido a de que os cátaros não admitiam qualquer tipo de intermediação entre o homem e Deus.
Esta crença chocou-se frontalmente com a religião hegemónica em toda Europa, a base da estrutura social, cultural económica e religiosa do Feudalismo. Durante muito tempo os cátaros foram relativamente poucos, com o tempo, começou a entender-se pela Occitania, até chegar a um ponto cujo resultado era demasiado incómodo tanto para Roma como para a França.
Um bastião religioso no centro da Europa não fazia mais que estorvar a cristalização do cristianismo de Roma no continente, e um território não católico era um pretexto ideal da Coroa da França para anexar as terras do Languedoc e expandir-se.
Por esta razão, e também pela força que assumiu o catarismo, a Igreja Católica fez tudo para combater sua expansão, clarificando o movimento como heresia, em 1209, o infalível Papa Inocêncio II estimulou os fiéis a ir para as cruzadas contra os hereges, com cerca de 20.000 cavaleiros os cruzados massacraram o povo, muitos morreram torturados ou na fogueira, sendo esta a primeira cruzada feita contra cristãos e em território franco. O presente que o santo Papa prometeu em compensação para aqueles que participaram da campanha era a partilha e doação das terras aos barões que as conquistassem, ou seja, converter-se-iam em senhores feudais.
A Cruzada Albigesa (devido à cidade de Albi), comandadada por Simon de Montfort (1209 - 1224) e pelo Rei Luis VIII (1226-1229) durou 40 anos. A perseguição arrasou a região dos Cátaros, a resistência teve que enfrentar-se com duas forças enormes, o poder militar do Rei de França e o poder espiritual da Igreja Católica.
Na primeira fase da cruzada, foi destruída a cidades de Béziers (1209), onde 60.000 pessoas morreram. Destruída a cidade, os cruzados marcham para Carcassone, onde Simon de Montfort se apossa dos condados de Trencavel (carcassone, Béziers), conquistando também Alzonne, Franjeaux, Castres, Mirepoix, Pamiera e Albi.
Em 1216, ouve outra investida contra os cátaros. Simon morre em 1218, acabando também a cruzada, sem, entretanto, extinguir a heresia. Amaury, filho de Montfort, oferece as terras conquistadas por seu pai a Felipe Augusto, rei da França que as recusa, seu filho Luís VIII acabará aceitando as terras.
Em 1224 Luís VIII liderando os barões do norte, empreendeu uma nova cruzada que durou cerca de três anos alcançando muitas conquistas até chegar a Avignon, onde termina o cerco contra os hereges. O resultado dessa disputa foi um acordo imposto pelo rei da França aos Senhores feudais das áreas conquistadas e consequentemente os domínios disputados passariam para a coroa da França (Tratado de Meaux, 1229).
Militarmente, apesar de terem o apoio de pequenos condados, os cátaros não conseguiram resistir ao genocídio das cruzadas, mas elas não conseguiram erradicar o Catarismo de forma definitiva. Foi a Inquisição, a instituição que realmente conseguiu exterminar definitivamente o catarismo.
No chamado País Cátaro viviam outras pessoas cuja religião era o catolicismo, Perguntado sobre como distinguir entre os hereges e os outros, o legado papal (inquisidor) respondeu: "Matem-nos a todos. Deus se encarregará dos seus".



Quarta-feira, 16 de Março de 1244, aos pés de um penhasco da região de Ariège (Midi-Pyrenees) nos Pirinéus, 225 homens e mulheres são entregues à fogueira. O seu crime? Eram Cátaros. Entrincheirados na povoação fortificada de Montségur, a 1.200 metros de altitude, e capturados após dez meses de cerco tinham-se recusado a abjurar a sua fé.
O fenómeno Cátaro estendeu-se por toda a Europa Ocidental desde o Norte da Itália até à Borgonha, à Champagne, à Renânia, à Flandres e até mesmo à Inglaterra. No Norte a repressão foi tão rápida e violenta que nem deu tempo para que se implantasse qualquer tipo de organização. Em Itália, em contrapartida, o movimento desenvolveu-se durante muito tempo em total liberdade. O mesmo se passou no Languedoc, mas aí a aventura Cátara haveria de desembocar no maior drama jamais conhecido por estas partes da Europa.

A sociedade feudal é uma sociedade em pirâmide. Divide-se em três ordens e na base estão os que trabalham, todo o povo de camponeses e artesãos. Na ordem imediatamente acima ficam os que combatem, guerreiros e nobreza. No topo os que rezam: o clero. Esta sociedade foi abalada, ao longo dos séculos XII e XIII por surtos de dissidência religiosa e contestação que, conscientemente ou não, faziam perigar esta ordem tradicional. Fogueiras e forcas tentaram em vão erradicar as heresias, nomeadamente a mais importante de todas, a dos Cátaros.

A igreja de Roma não podia aceitar que se rejeitasse a autoridade do seu clero, especialmente numa altura em que essa autoridade ainda se estava a afirmar: o valor dos seus sacramentos e os artigos fundamentais do Dogma respeitantes à criação, a Cristo e à Salvação. Por mais de dois séculos a Santa Sé empenhou-se na luta contra a Hydra Innumera: o dragão da heresia Cátara.

Para os Cátaros Deus era a origem de todas as coisas. Mas, ao contrário dos católicos que entendiam a dualidade Bem e Mal como algo externo a Deus, sendo este a fonte do Bem, os Cátaros entendiam que ambos, Bem e Mal, emanavam de Deus. Deus era o criador de todas as coisas e como tal não se devia procurar a origem do Mal numa outra entidade. Rejeitavam assim o conceito de satanismo ou a existência de entidades de onde emanasse o mal. Os Cátaros, de qualquer forma, dissociam o Bem do Mal, o material do espiritual. E toda a sua crença gira em torno desta dualidade entre espírito e matéria.

Os Cátaros chamavam a si próprios "bons cristãos" ou "bons homens". Existia uma distinção entre aqueles que recebiam o Consolamentum, uma espécie de ordenação, e os cristãos normais. O grupo dos "ordenados" constituía a hierarquia cátara onde se incluíam os prefeitos que, usualmente, pregavam aos pares: o "filho mais novo" e o decano.Havia um ou vários "filhos mais novos" que se tornavam prefeitos itinerantes e coordenados por um bispo que tinha à sua responsabilidade uma determinada área geográfica restrita. Nas vésperas da cruzada anti-cátara havia seis bispados: Agen, Lombers, Saint-Paul, Cabaret, Servian et Montsegur. Entre as "decanonis" mais importantes havia Moissac, Cordes, Toulouse, Puylaurens, Avignonet, Fanjeaux, Montréal, Carcassonne, Mirepoix, Le Bézu, Puilaurens, Peyrepertuse, Quéribus, Tarascon-sur-Ariège.

Os Cátaros não admitiam que o mundo visível, por muito belo que pudesse parecer, tivesse sido criado por um bom deus. Se a Igreja de Roma podia considerar-se satisfeita pela maneira como a repressão fora conduzida nos países do Norte aqui tinha pela Frente um grave problema. A sólida implantação da heresia cátara em França e nas cidades italianas. No fim do séc. XII e início do XII a base social do catarismo é já muito vasta. Toca já todos os sexos e classes sociais inclusivamente os grandes senhores rurais. O catarismo era um grande fenómeno social na nobreza local. Uma vez que o papa tinha ordenado a confiscação de todos os bens e a morte dos heréticos e dos seus cúmplices, esta só era possível com uma grande cumplicidade social.

O Conde de Toulouse era então Raimundo VI. Era um grande senhor na medida em que administrava territórios mais vastos que muitos reinos da época. Possuía terras mais vastas que o próprio rei de França. Mas Raimundo VI tinha um carácter pacífico e tolerante o que na época não era considerado uma virtude num nobre especialmente pela Igreja. A Igreja pensa que um senhor deve saber impor a sua autoridade e a sua fé a todos os homens e mulheres que vivem sob a sua autoridade. Mas Raimundo é um homem que respeita a fé dos outros e que sente pelos cátaros alguma simpatia, mesmo não sendo cátaro e acreditando mesmo em ideias muito contrárias ao que os cátaros pregam. É um homem que gosta do amor e das mulheres. Teve várias mulheres. Por morte de algumas e porque abandonou outras, tinha amantes, filhos legítimos e ilegítimos. Se isto era escandaloso aos olhos da Igreja, aos olhos dos cátaros o seu comportamento era uma abominação. Mas, apesar de tudo, ele respeitava-os e protegia-os.

Houve, entretanto, um homem que tinha tentado combater pacificamente os cátaros e a sua religião dualista: um jovem cónego castelhano, o futuro S. Domingos. Alguns anos antes, Domingos obtivera do papa o reconhecimento da Ordem dos Frades Pregadores. S. Domingos nas suas viagens pela Europa fica tão chocado com a falta de liberdade de expressão como com a forma como o verbo é usado pelos vários povos europeus: com a espada. Defendia que a melhor forma de converter as pessoas ao catolicismo era pela força da palavra, pelo poder da expressão. E é assim também que encara as cruzadas e a luta contra a heresia, nomeadamente a cátara. Os êxitos de S. Domingos no combate à heresia cátara foram reais mas limitados. E, seja como for, não impediram a cruzada.
Esta guerra, contra os cátaros, que o rei de França não queria vão ser os barões do Norte a fazê-la. Normandos, flamengos, da liga de França, da Borgonha, Champagne e ainda alemães, bávaros e austríacos. Um exército maravilhoso e grande, como cantava um poeta da época. No comando um chefe temível: Simon de Monfort. Simon de Monfort é um guerreiro, um homem vigoroso que tem o sentido da batalha e o sentido estratégico mas é um Senhor modesto que possui apenas algumas propriedades na zona de Paris. Um homem com uma fé profunda mas também um homem demasiado brutal. Ora, acontece que uma lei papal dizia que a terra conquistada pertencia a quem a conquistasse (pagando alguns tributos à Igreja) e as terras cátaras era muito interessantes devido às construções aí edificadas e ao comércio mediterrânico a que davam acesso. Eram por isso terras ricas e cultivadas, terras que fascinam potenciais senhores. Para além do desejo natural que Simon de Monfort poderia ter tem uma outra coisa que outros não possuíam para o colocar na posição de escolhido para tomar as terras do Sul de França: a bênção da Igreja.

Mais tarde Simon de Monfort exorta os católicos da região a abandonarem a sua terra, abandonarem os heréticos antes que o seu exército avance. O conselho da terra reúne e os habitantes da região decidem - católicos e cátaros - que não abandonam as suas terras e que, sobretudo, não estão interessados em mudar de senhor.
A guerra vai infligir um rude golpe à sociedade cátara mas também à sociedade da Aquitânia e do Languedoc no seu conjunto: católicos e cátaros à mistura. Não será apenas em Béziers que será massacrada gente que se calhar nunca tinha ouvido falar da heresia. Promovido a Visconde de Carcassone três semanas depois do massacre de Béziers, Simon de Monfort consegue em apenas três anos isolar completamente Toulouse. Em 1215, o IV Concelho Ecuménico do Latrão, a maior assembleia reunida até então pela cristandade romana renova solenemente a condenação da heresia cátara, reforça o direito repressivo, destitui Raimundo VI e outorga os respectivos títulos e domínios a Simon de Monfort. Será, no entanto, preciso muito mais que a guerra e os concílios para restaurar a unidade da Igreja, impor a todos o baptismo católico e acabar com o baptismo de espírito dos heréticos. Os cátaros diziam que Cristo se ensombrou, escondeu a sua luz celeste à sombra da forma humana: "Senhor não tenhas piedade da carne mas sim da alma que ela retém como prisioneira".

Num belo dia de 1217, passando a vau o Garona, Raimundo VI consegue reentrar em Toulouse. Congrega em seu redor uma população numerosa que se subleva imediatamente e reconstrói as muralhas arrasadas pelos franceses. Nove meses mais tarde, ao cercar a cidade rebelde, Simon de Monfort tomba para sempre com a cabeça esmagada por uma bala de catapulta disparada por mulheres. "E a pedra caiu a direito onde devia cair. Em cheio no elmo de aço do conde acertou. E os olhos, miolos, dentes, fronte e queixada, tudo num ápice saltou. Caiu por terra. Morto. Lívido. Ensanguentado". O grande poema da Aquitânia, a canção da cruzada, retrata a alegria que se apossou da população de Toulouse e a dor que se abateu sobre o campo dos cruzados. A morte de Simon de Monfort é o sinal que faz disparar a guerra de libertação.

Os actores que sobram são Raimundo VI, o velho conde, Raimundo VII, seu filho e o jovem conde de Toulouse, e o filho de Simon de Monfort: Amouris de Monfort. Há uma diferença enorme de personalidades entre Raimundo VII e Amouris. Raimundo VII era muito combativo, enérgico e tinha sido o primeiro homem a provocar uma derrota a Simon de Monfort enquanto que Amouris de Monfort era um homem sem a capacidade militar de seu pai. Numa determinada altura Amouris encontra-se com o rei de França e devolve todos os títulos e propriedades recebidas do rei. E, nessa altura, a guerra muda de natureza. Nos próximos anos a guerra de libertação religiosa transforma-se numa guerra de conquista de bens e propriedades para a coroa francesa.

Mas, por enquanto, a contra-ofensiva do Sul marca pontos. E a igreja cátara levanta de novo a cabeça por todo o lado. O quotidiano das prefeitos cátaros é uma vida comunitária, não encerrada em claustros mas vivida em casas situadas no coração das vilas e aldeias. À imagem dos apóstolos trabalham mesmo quando são de nascimento nobre o que entra em ruptura total com a sociedade feudal. O prefeito cátaro é um religioso que observa uma regra mas que também tem almas a seu cargo. É ao mesmo tempo um monge e um cura de paróquia.

Tal como na Quaresma católica, o peixe ficava de fora das proibições alimentares. Acreditava-se então que nascia dentro de água por geração espontânea. Os cátaros rejeitavam o sacramento da Eucaristia. Para eles a hóstia não passava de um simples pedaço de pão. Jamais poderia ser o corpo de Cristo. No entanto, em memória da última ceia abençoavam ritualmente o pão quando o partilhavam.

À data da morte de S. Domingos, em 1221, os conventos Dominicanos já se tinham multiplicado por toda a Europa Ocidental. De Toulouse a Paris, de Valência a Bolonha.
Em 1227, a cruzada real está em marcha e pela frente encontram um país exangue devido a dezassete anos de guerra. Imediatamente a seguir à derrota da Aquitânia, em 1229, a Igreja Católica faz o balanço. Era necessária uma instituição que se encarregasse sistematicamente de reprimir e suprimir os heréticos. É a Inquisição que passa a exercer funções desde 1233 e que se encarrega desta missão. A Inquisição não só será totalmente independente do poder militar e político como também é totalmente independente das arquidioceses locais. Não depende senão do Papa e de si mesma. A Inquisição é entregue aos Dominicanos pois estes são opositores teológicos dos cátaros.

O catarismo não era a primeira heresia que atacava a Igreja. A Igreja sempre tinha sabido desenvolver novos anti-corpos. O trabalho da Inquisição vai ser o de um confessionário obrigatório itinerante. Os inquisidores não são muito numerosos e a inquisição não é uma instituição rica, sobretudo no seu inicio. Os inquisidores têm diante de si uma tarefa imensa. Têm que passar por todas as localidades, cidades, vilas e aldeias e interrogar as pessoas. Assim, a Inquisição terá que funcionar como um tribunal itinerante. Todas as confissões eram tratadas como confissões em sede de justiça. Os documentos eram devidamente preservados, e por vezes copiados ou recopiados para serem enviados para outro local onde teriam melhor guarda ou onde se poderia dar seguimento com celeridade ao processo. Todo o trabalho tinha como objectivo conseguir descobrir quem eram os ministros heréticos de qualquer seita e afastá-los.

Mas no Languedoc a tarefa da Inquisição não foi fácil pois as populações eram particularmente hostis ao seu trabalho. A violência das populações reflecte a vontade existente de fazer surtidas para roubar os documentos conseguidos pelos Inquisidores. Foi o que aconteceu em Avignonet durante a noite da Ascensão de 1242. Era de Montségur o comando que tinha descido para assassinar os inquisidores em Avignonet. Alpendurado a 1.200m de altitude sobre um esporão dos Pirinéus, Montségur é, por excelência, o símbolo emblemático do drama cátaro. Pequena localidade fortificada erguida à medida das necessidades da igreja cátara servia de refúgio à hierarquia que fugia da cruzada e da Inquisição. Mais de 200 prefeitos e prefeitas e outros tantos laicos, entre os quais uma guarnição de uma centena de homens, tinham-se aí instalado.

Um ano após o massacre de Avignonet, o exército real, apostado em cortar a cabeça do dragão apertava o cerco a este sítio. A praça forte não se rendeu senão ao fim de dez meses. Após o massacre das duzentas pessoas em Montségur, há registos de cátaros, fossem da hierarquia ou laicos, que fogem e se refugiam na Itália, sobretudo na Lombardia. A paz que aí encontram não dura muito.
As hierarquias cátaras acabam por se verem constrangidas ao reduto fortificado de Cirlien. Cirlien será um novo Montségur. Assediada a praça rendeu-se a 1276 e duzentos prefeitos e prefeitas foram queimados. Nos Balcãs, em contrapartida, a heresia dualista, transformada em religião de Estado na Bósnia mantém-se até à conquista turca no século XV. Recusando aliar-se, tanto à Igreja de Roma como à Igreja Ortodoxa, os bósnios, se bem que de etnia eslava, passam para o Islão. Os seus descendentes são os actuais muçulmanos da Bósnia.

O exílio, a prisão, a morte. A Inquisição no Languedoc quase conseguiu atingir inteiramente o seu objectivo. Podia julgar-se a heresia cátara completamente erradicada quando em 1300 aparece no condado de Fois um prefeito de verbo afiado, Pierre Auhtier.
"As igrejas são as casas dos ídolos porque as estátuas dos santos que lá existem são apenas ídolos e todos aqueles que adoram ídolos são idiotas pois foram eles próprios que os modelaram com uma chave e outros utensílios de ferro".

Em 1300 qualquer coisa tinha mudado. A pregação de Pierre Authier já não alcançava êxito junto dos nobres e dos burgueses. Nesta altura, ao invés do que se passava nos primeiros tempos do catarismo, a heresia dualista colhe mais adeptos junto dos camponeses e das massas de trabalhadores. O catarismo torna-se uma religião popular. Pierre Authier, em 1284 é um homem sem problemas. Trabalhava para o Conde de Fois e tinha uma carreira promissora. Um dia, após uma conversa com o seu irmão Guillaume sobre a heresia descobre em si uma vocação cátara e resolve partir da região para a Lombardia onde encontra comunidades cátaras. Durante quatro anos fica na Lombardia a estudar o catarismo e ao fim desse tempo torna-se prefeito. Poderia ter ficado na Lombardia e continuar aí a sua pregação. Mas decide voltar à região de Fois. Durante dez anos quase não vê a luz do dia uma vez que vive escondido em caves e grutas. Anda um pouco a pé apenas durante a noite e é à noite que faz os seus percursos das viagens que precisa fazer. Isto leva-o a ficar doente e fraco. E, no entanto, executa a sua decisão de voltar a Fois com uma força e uma fé extraordinárias. É verdadeiramente o último grande personagem do catarismo antes de Bernard Guy, o grande inquisidor tomar em mãos a tarefa de exterminar a heresia dualista.

Graças aos registos de Jacques Fournier, os registos da vida de certas aldeias é conhecida em todos os seus pormenores quase diários. Este cisterciense, bispo de Parmier foi um inquisidor fora do vulgar com uma paciência e uma curiosidade sem limites.



Os Cátaros  
- Edna da Silva -
 Fonte: Projeto PROLICEN

No início do século XII, a Igreja Católica presenciará a difusão da heresia dos cátaros (kataroi, puro em grego) ou albigenses (nome derivado da cidade de Albi, na qual vivia um certo números de heréticos) que se propagará no território do Languedoc, sul da França.
Os cátaros acreditavam que o homem na sua origem havia sido um ser espiritual e para adquirir consciência e liberdade, precisaria de um corpo material, sendo necessário várias reencarnações para se libertar. Eram dualistas acreditavam na existência de dois deuses, um do bem (Deus) e outro do mal (Satã), que teria criado o mundo material e mal. Não concebiam a ideia de inferno, pois no fim o deus do Bem triunfará sobre o deus do Mal e todos serão salvos. Praticavam a abstinência de certos alimentos como a carne e tudo o que proviesse da procriação. Jejuavam antes do Natal, Páscoa e Pentecostes, não prestavam juramento, base das relações feudais na sociedade medieval, nem matavam qualquer espécie animal.

Os cátaros organizaram uma Igreja e seus membros estavam divididos em Crentes, Perfeitos e Bispos. As pessoas se tornavam Perfeitos (homens bons), pelo ritual do congelamento ( esta cerimonia consistia na oração do pai nosso; reposição da veste, preta no início, depois azul, substituída por um cordão no tempo da perseguição. Tocava-se a cabeça do iniciante com o  Evangelho de S. João , o ritual terminava com o beijo da paz), faziam voto de castidade, cabendo-lhes a guarda, a transmissão e a vivência da fé cátara. Os Crentes participavam do ofício divino, escutando o sermão de um Perfeito, dividiam o pão entre si que não era considerado o corpo de Cristo. Os Crentes podiam abandonar a comunidade quando quisessem, frequentavam a Igreja Católica, eram casados e podiam ter filhos, contribuíam para a sobrevivência dos Perfeitos, recebiam o consolament nas vésperas de sua morte. Desta forma, eles poderiam levar uma vida agradável, obtendo o perdão e sendo salvos.

Cada Igreja Cátara tinha um bispo, o primeiro se estabeleceu no Norte da França por volta de 1149. O voto de pobreza ficou ameaçado pelo desenvolvimento de igrejas e bens materiais. Em 1167, realizou-se o Concílio de Saint-Felix de Caraman, no Languedoc, presidido pelo bispo Nicetas de Constantinopla (hierarca bogomilo), que exortou os heréticos a adoptar um dualismo absoluto, organizando os bispados do Ocidente.
Durante o período das perseguições as Igrejas Cátaras foram destruídas, os ofícios religiosos eram realizados em cavernas, florestas e casas de Crentes. A doutrina cátara foi aceita por contrariar alguns dogmas cristãos, principalmente no que se refere a volta à pobreza e ao retorno do cristianismo primitivo.

Devido a propagação da heresia cátara a partir de 1140, a Igreja começa a tomar medidas para combatê-la, sendo que no início tentava converter os heréticos a fé católica por meio da pregação, não adoptando medidas trágicas pois isto não harmonizava com a caridade pregada pelo cristianismo.
A Igreja Católica estabeleceu a repressão as heresias por meio de concílios, exigindo que o poder secular participasse do processo. Desta forma, através do estudo do cânone 27 do III Concílio de Latrão (1179) e do cânone 3 do IV Concílio de Latrão (1215), verificar-se-á os princípios adoptados pela Igreja Católica para reprimir a doutrina cátara. Embora o conteúdo desses cânones não tenham sido inteiramente obedecidos, percebe-se a necessidade que a Igreja Católica tinha de eliminar a heresia cátara, pois esta ameaçava seu poder. A Igreja só poderia manter-se no poder com a certeza de que era a verdadeira herdeira de Cristo e de que passavam por ela os caminhos que levavam a salvação.
Propagação do catarismo pelo Sul da França
A maior parte das terras atingidas pela heresia pertencia á província de Narbona, somente a região de Albi estava ligada a província de Bourges. O Languedoc é anexado a França em 1229 pelo Tratado de Meaux.
O êxito da propagação da heresia nos bispados do Languedoc, pode ser explicado pela situação política da região, independente do reino da França, as altas autoridades eram os grandes senhores feudais, o conde de Toulouse e o visconde de Béziers, ambos simpatizantes da heresia cátara.
O arcebispo Berengário de Narbona, da família real de Aragão, descuidará dos assuntos espirituais em favor de questões políticas. A justiça só era executada mediante pagamento e o clero permitia que os padres trabalhassem ou casassem.

Isto propiciou a difusão do catarismo, que clamava pela castidade absoluta, repelindo a autoridade papal, a culto às imagens e ao sacramento. Censuravam os poderes públicos e o direito de julgar e ordenar. Possuíam um ideal de Igreja Santa, com um sacerdócio purificado, vivendo em pobreza evangélica.

O movimento cátaro foi desencadeado pelas pregações do monge Henrique, embora este não fosse cátaro, muitos fiéis após ouvir suas palavras deixaram de pagar os dízimos e de comparecer as igrejas, seus ensinamentos foram combatidos por Bernardo de Clairvaux (São Bernardo). Henrique foi preso, porém , as maiores ameaças a Igreja se situavam em outras esferas. Os maiores aliados dos heréticos pareciam ser os cavaleiros, que os protegiam contra os ataques, da mesma forma agiam a maioria das casas nobres da região. A transmissão da heresia fazia-se de uma domus (casa) a outra, através da palavra falada. A palavra escrita era o meio mais elitista portanto de alcance reduzido.
Esta heresia foi extirpada com dificuldade, devido as relações de poder. As estruturas sociais e a cultura laica aceitavam as doutrinas propagadas pelos Perfeitos e os protegiam da repressão.

No início da repressão a Igreja lançava a excomunhão (pena espiritual que a Igreja aplicava ao pecado mortal da contumácia e da desobediência ao direito e ao juiz), como meio de  induzir  o poder secular a participar da perseguição e do combate aos hereges. Recorrendo mais tarde ao uso da violência, instituindo o Tribunal da Inquisição.   

 Os cátaros foram acusados de abalarem a ordem social existente, e de aspirarem a destruição da sociedade medieval e da humanidade. Pois condenavam o casamento, que teria como objectivo a procriação, porém os crentes podiam casar e ter filhos. Os padres não eram necessários, qualquer leigo poderia realizar um baptismo. Acreditavam na existência de dois deuses (um do Bem, outro do Mal), sendo que a Igreja Católica era monoteísta. Renunciavam aos bens materiais, pregando o retorno ao cristianismo primitivo, estas divergências levaram a Igreja Católica a combater os cátaros. 
  
 A repressão as heresias foi estabelecida através de concílios, será abordado neste trabalho o III Concílio de Latrão (1179), e o IV Concílio de Latrão (1215), pois ambos excomungaram os cátaros.   
 O III Concílio de Latrão, foi convocado pelo papa Alexandre III, tendo como objectivo principal por fim a dissidência dentro da Igreja e a briga entre o imperador Frederico I (Barbaroxa) e o papado. O acordo firmado em Veneza (1177), finalizou o conflito que durou quase 20 anos. Este concílio surgiu após a morte do papa Adriano IV (1159), pois os cardeais haviam nomeado dois papas (Alexandre III e Victor IV). O imperador Frederico I, apoiou o papa Victor IV, declarando guerra aos estados italianos e especialmente a Igreja Romana que desfrutava de grande autoridade. Alexandre III, acabou vencendo o conflito e convoca um concílio para estabelecer a conclusão da paz.  

  Além de resolver a dissidência entre o papado e o imperador, o concílio também reforçou a unidade e o poder da Igreja. O cânone 27 desse concílio excomunga os hereges chamados cátaros, patarinos e publicanos e faz um apelo aos príncipes para que defendam a fé cristã. Os cátaros e seus seguidores estavam sob anátema, ninguém poderia ajudá-los ou abrigá-los em suas terras, pois alguns senhores feudais os protegiam. Se alguma pessoa morresse como herege não poderia ser recebido ou enterrado entre os cristãos, os bens dos hereges serão confiscados. Porém os hereges que se arrependessem obteriam o perdão e a recompensa eterna, sendo concedido indulgências para quem colaborasse na descoberta de hereges. Os bispos e padres que não combaterem os hereges e seus erros, seriam punidos com a perda de seus cargos, até obterem o perdão.    
Neste concílio, também são excomungados no mesmo cânone os bandidos e mercenários que devastavam a província de Narbona, desrespeitando igrejas, maltratando crianças, viúvas e órfãos, como se fossem pagãos.    
Mesmo que este concílio não tivesse a intenção da repressão armada contra os heréticos, estes são excomungados e deveriam receber o mesmo tratamento dispensado aos mercenários, pois ambos interferiam no poder da Igreja. Contudo, as decisões tomadas durante este concílio não são aplicadas e os legados do papa não conseguem impedir os progressos do catarismo no Languedoc.    
Com a queda de Jerusalém em 1187, que passou as mãos dos infiéis, a heresia no Languedoc foi um pouco esquecida. Contudo, quando Inocêncio III assume em 1198 o trono pontifical enviaria novos legados a província de Narbona, recomeçando a repressão.    
Em 1215, realiza-se o IV Concílio de Latrão, presidido pelo papa Inocêncio III. Neste concílio, são anatematizados novamente todos os hereges, os condenados serão entregues as regras seculares, e confiscadas suas propriedades. Os suspeitos de heresias a menos que provassem sua inocência através de uma defesa, serão anatematizados e evitados por todos até se justificarem, mas se estiverem sob excomunhão por um ano serão condenados como hereges. Autoridades seculares deveriam combater a heresia, caso contrário poderiam ser excomungados pelo bispo da província e se não se justificassem no prazo de um ano, o problema passaria ao supremo pontífice, que poderá oferecer o território para ser administrado por católicos fiéis. Os acusados de heresia não poderão tomar parte da vida pública, nem julgar ou herdar, nem eleger pessoas ou dar testemunhos em um tribunal de justiça. Este concílio acabará confirmando o que já havia sido proposto no III Concílio de Latrão, tentara repreender os hereges, através da exclusão da sociedade, instigando seus membros a participarem da repressão em nome da fé cristã, a excomunhão seria o princípio de um processo que se tornaria violento. Um processo que eliminará qualquer tentativa de fé que diferencie dos dogmas instituídos pela Igreja Católica.
Em 1206, chegaram ao Languedoc o bispo espanhol Diego de Osma, acompanhado pelo subprior Domingos de Guzman, estes pretendiam instruir as massas ignorantes no catolicismo através da pregação. Obtiveram alguns êxitos, porém o assassinato de Pierre de Casstelnau (legado do papa), em 1208, precipitou uma mudança na condução política da Igreja.
O conde Raimundo de Toulouse, era suspeito do assassinato, sendo excomungado pelo papa Inocêncio III, que escreveu ao rei da França, Filipe Augusto, para  expulsar o acusado dos Estados do Languedoc, ordenando uma cruzada contra Raimundo VI.
O novo legado do papa, Amaury, anunciou a cruzada contra os cátaros e contra os senhores que os protegiam. Um exército mercenário comandado por Simão de Montfort, declarou guerra ao vice-condado de Trencavel, que estava sob protecção de Raimundo VI e Rogério de Trencavel. Raimundo VI, teve que se humilhar ante a Igreja, e acabou perdendo seus domínios.
Na primeira fase da cruzada, foram destruídas as cidades de Béziers (1209), onde 60.000 pessoas morreram. Destruída a cidade, os cruzados, marcham papa Carcassone, onde Raimundo VI foi preso, acabando por morrer na prisão. Simão de Montfort, se apossa dos condados de Trencavel (Carcassone, Béziers), conquistando também Alzonne, Franjeaux, Castres, Mirepoix, Pamiera e Albi. Minerve, foi sitiada em 1210,sendo queimadas 140 pessoas. A próxima conquista seria Corbiéres, chegando até a cidade de Puivert.
O conde de Toulouse, tinha como aliado o conde de Foix, o conde de Comminges e o visconde de Béarn. Em 1212, estabelece-se uma coligação entre Pedro de Aragão e Raimundo VI, Simão de Montfort derrotou-os na batalha de Muret (1213), onde Pedro acabou morrendo.
O IV Concílio de Latrão, confirmou as possessões de Montfort, além de propiciar a conciliação dos senhores do Sul com a Igreja, com o compromisso de perseguirem a heresia.
Em 1216, a Provença subleva-se e Montfort trava nova batalha contra os hereges. Com a morte de Inocêncio III, coube a Honório III, lançar uma nova cruzada. Raimundo VII, filho de Raimundo VI, obteve vitória sobre Montfort, na batalha de Beaucaire. Simão morre em 1218, acabando também a cruzada, sem entretanto extinguir a heresia. Amaury, filho de Montfort, oferece as terras conquistadas por seu pai a Filipe Augusto, rei da França que as recusa, seu filho Luís VIII acabará aceitando as terras.
Porém, Raimundo VII, entra em luta com Amaury, para retomar o seu feudo no Languedoc. Em 1224, Luís VIII, liderando os barões do Norte, empreendeu uma nova cruzada que durou cerca de três anos alcançando muitas conquistas até chegar a Avignon, onde termina o cerco contra os hereges. O resultado dessa disputa foi um acordo entre o rei da França e Raimundo VII, pelo qual a filha de Raimundo se casaria com um irmão do rei, consequentemente os domínios disputados passariam para a Coroa da França (tratado de Meaux, 1229). Raimundo VII, teve que se submeter ao rei da França, sendo coagido a reconhecer a vontade da Igreja e atacar a heresia.
A partir de 1240, verifica-se novas revoltas no Midi. Numa revolta em Avignoret, alguns inquisidores são assassinados, como consequência a cidade foi conquistada, e retomada a cruzada.
Montségur, o grande reduto dos cátaros, é atacado e tomado de assalto em 1243. Durante o ataque os cátaros, conseguiram retirar seu "tesouro" do castelo e escondê-lo (alguns acreditam que se tratava de riquezas, outros que o tesouro eram livros ou então apenas alusão a sabedoria dos Perfeitos). A queda de Montségur marca o fim da Igreja Cátara organizada. Alguns sobreviventes se refugiaram na Catalunha e na Itália. Uma outra fortaleza a de Quéribus, caíra em 1255.
Pierre Authié, adepto do catarismo, continua a divulgar a doutrina, sendo preso em 1310, quando se dirigia a Castelnaudary e condenado a morte na fogueira. Guillaume Bélibaste e Philippe d’Alayrac, ambos cátaros, fogem da prisão em Carcassone. Philippe acaba sendo capturado e queimado. Bélibaste refugia-se em Mosella, nas montanhas de Valença, e acaba sendo traído por Arnaud Sicre (de família cátara), que tentava reconquistar os bens de sua família, espionando para a Inquisição. O último ministro cátaro, fora queimado em Villerouge-Termenès, em Corbiéres, por ordem do arcebispo de Narbone, em 1321.
A instauração da Inquisição, está ligado ao momento em que a Igreja se torna parte de um sistema institucionalizado de dominação feudal. Com o triunfo do catolicismo no Baixo Império Romano, no século IV, a Igreja e o Estado se estabelecem com identidade de interesses, a heresia passa a identificar-se como crime político. Entre os séculos V e IX, a Igreja foi consolidando sua hegemonia, impondo uma unidade ritual, buscando unir as diversidades religiosas.     Em 1216, institui-se a ordem mendicante dos pregadores de S. Domingos. Com o objectivo de não só pregar a fé católica, mas de agir em sua defesa. Pouco depois, nasceria a ideia de um tribunal organizado no combate as dissidências religiosas. A heresia cátara fornece ao papado a oportunidade de transformar em realidade o seu poder político repressivo. No ano de 1233, o papa Gregório IX, promulga duas bulas, nas quais decide mandar monges dominicanos aos locais onde havia focos heréticos. E em 1252, uma bula do papa Inocêncio IV, completará o processo de institucionalização da Inquisição como tribunal.
Durante os processos inquisitórios, não era permitido a defesa legal, sendo proibido o apelo à sentença. A tortura seria aplicada não só aos acusados, mas também aos que os acorbetassem. S. Agostinho, considerava a tortura um meio útil para devolver ao rebanho as ovelhas desgarradas, já que estas só causariam dano a sociedade.
O papa era o inquisidor-mor, lhe cabendo a incumbência de designar inquisidores. Os inquisidores dominicanos, chegaram a França, em 1233, onde foi instalado o primeiro tribunal permanente da Inquisição. As violências e perseguições se salientaram entre os anos de 1277-1278, os inquisidores chegaram a ser repelidos em Béziers e Carcassone (1296), pelo povo e pelas autoridades municipais, havendo uma queda na simpatia popular da Inquisição.
O catarismo desaparecerá completamente do território francês, após ter sido extirpada de Montaillou, última aldeia francesa que ainda sustentava esta heresia no início do século XIV.

A Igreja Católica usou de vários meios para eliminar a heresia, no início tentou converter os hereges pela pregação dos monges, depois através da excomunhão dos pecadores, e finalmente o que obteve maior resultado a Inquisição. As heresias acabaram por alertar a Igreja para seus problemas espirituais e de que seria necessário uma reforma, principalmente no que se refere a corrupção do clero. Porém a maior crítica à Igreja da Idade Média, centrasse no abuso de seu poder, a opressão  à liberdade religiosa, à liberdade de consciência, ao direito de escolher.

O movimento herético cátaro (séc. XII-XIV), é importante para se compreender os processos utilizados pela Igreja na repressão. A instauração da Inquisição que ocorre nesse período, perpetua-se até o século XIX.



Durante o período das perseguições as igrejas cátaras foram destruídas, os ofícios religiosos eram realizados em cavernas, florestas e casas de crentes. A doutrina cátara foi aceita por contrariar alguns dogmas cristãos, principalmente no que se refere a volta à pobreza e ao retorno do cristianismo primitivo.
Devido à propagação da heresia cátara a partir de 1140, a Igreja começa a tomar medidas para combate-la, sendo que no início tentava os heréticos a fé católica por meio da pregação, não adoptando trágicas medidas, pois isto não harmonizava com a caridade pregada pelo cristianismo. Vemos aqui um motivo político para investidas contra as comunidades cátaras e sua doutrina. Poderia haver outros motivos para tais investidas?
A maior parte das terras atingidas pela heresia pertencia à província de Narbona, somente a região de Albi ligada à província de Bourges. O Languedoc é anexado a França em 1229 pelo Tratado de Meaux. O êxito da propagação da heresia nos bispados do Languedoc pode ser explicado pela situação política da região, independente do reino da França, as altas autoridades eram os grandes senhores feudais, o conde de Toulouse e o visconde de Béziers, ambos simpatizantes da heresia cátara.

O movimento cátaro foi desencadeado pelas pregações do monge Henrique, embora este não fosse cátaro, muitos fiéis após ouvir suas palavras deixaram de pagar os dízimos e de comparecer as igrejas, seus ensinamentos foram combatidos por Bernardo de Clairvaux (São Bernardo).

De acordo com este cenário, temos um motivo político para que a Igreja promova mais uma cruzada. Compondo as “Cruzadas do Ocidente”, a Cruzada Albigense vem por objectivo acabar com a heresia cátara no sul da França.
Em 1206, chegou ao Languedoc o bispo espanhol Diego de Osma, acompanhado pelo superior Domingos de Guzman, estes pretendiam instruir as massas ignorantes no catolicismo através da pregação. Obtiveram alguns êxitos, porém o assassinato de Pierre de Castelnau (legado do papa), em 1208, precipitou uma mudança na condução política da Igreja. Qual seria o motivo do assassinato? Seria os bispos apenas um ardil para um plano já definido de repressão violenta? Qual seria o real objectivo desta cruzada?
O conde Raimundo de Toulouse era o suspeito do assassinato, sendo excomungado pelo papa Inocêncio III, que escreveu ao rei da França, Felipe Augusto, para expulsar o acusado dos estados do Languedoc, ordenando uma cruzada contra Raimundo VI.
O novo legado do papa, Amaury, anunciou a cruzada contra os cátaros e contra os senhores que os protegiam. Um exército mercenário comandado por Simão de Montfort declarou guerra ao vice-condado de Trencavel, que estava sob proteção de Raimundo VI e Rogério de Trencavel. Raimundo VI teve que se humilhar ante a igreja, e acabou perdendo seus domínios.
Na primeira fase da cruzada, foram destruídas as cidades de Béziers (1209), onde 60.000 pessoas morreram. Destruída a cidade, os cruzados marcham para Carcassone, onde Raimundo VI foi preso, acabando por morrer na prisão. Simão de Montfort se apossa dos condados de Trencavel (carcassone, Béziers), conquistando também Alzonne, Franjeaux, Castres, Mirepoix, Pamiera e Albi.
Em 1216, ouve outra investida contra os cátaros. Desta vez, Raimundo VII, filho de Raimundo VI, obtém vitória contra Montfort, na batalha de Beaucaire. Simão morre em 1218, acabando também a cruzada, sem, entretanto, extinguir a heresia. Amaury, filho de Montfort, oferece as terras conquistadas por seu pai a Felipe Augusto, rei da França que as recusa, seu filho Luís VIII acabará aceitando as terras. Raimundo VII entra em luta com Amaury para retomar seu feudo em Languedoc. Em 1224 Luís VIII liderando os barões do norte, empreendeu uma nova cruzada que durou cerca de três anos alcançando muitas conquistas até chegar a Avignon, onde termina o cerco contra os hereges. O resultado dessa disputa foi um acordo entre o rei da França e consequentemente que os domínios disputados passariam para a coroa da França (Tratado de Meaux, 1229). Raimundo VII teve que se submeter ao rei da França, sendo coagido a reconhecer a vontade da Igreja e atacar a heresia.
As cruzadas contra os albigenses duraram em torno de 50 anos.





Erasmo
Desiderius Erasmus Roterodamus, conhecido como Erasmo de Roterdão ou Erasmo de Roterdã, (nascido provavelmente a 27 de Outubro de 1466 em Roterdão e falecido a 12 de Julho de 1536 em Basiléia) foi um teólogo e um humanista neerlandês.
Ele nasceu em Geert Geertsen, em Roterdão, Holanda do Sul, Países Baixos. Ele acreditava (erroneamente) que a raiz da palavra "Geert" tivesse origem em begeren (desejar) e traduziu isto para o latim e para o grego. A informação sobre a sua família e sobre a sua juventude é vagamente referida nos seus escritos. Ele era quase seguramente filho ilegítimo. O seu pai foi um padre chamado Gerard. Pouco se sabe sobre a sua mãe para além do nome: Margarete. Apesar de ilegítimo, os seus pais tomaram conta dele até às suas mortes prematuras, com a peste negra, em 1483. Nessa altura a sua educação ficou a cargo de uma série de mosteiros, e foi uma educação exemplar, a melhor possível a um jovem do seu tempo.
Realizou os votos monásticos aos 25 anos, aproximadamente. Contudo, diz-se que nunca viveu como tal, sendo inclusive um grande crítico da vida monástica e das características que julgava negativas na Igreja.
Frequentou o Collège Montaigu em Paris e continuou os seus estudos na Universidade de Paris, então o principal centro da escolástica, apesar da influência crescente do Renascimento da cultura clássica, que chegava de Itália. Erasmo optou por uma vida de académico independente, independente de país, independente de laços académicos, de lealdade religiosa, e de tudo que pudesse interferir com a sua liberdade intelectual e a sua expressão literária.
Os principais centros da sua actividade foram Paris, Louvain, Inglaterra e Basileia. No entanto, nunca pertenceu firmemente a nenhum destes sítios. O seu tempo em Inglaterra foi frutuoso, tendo feito amizades para a vida com os líderes ingleses, mesmo nos dias tumultuosos do rei Henrique VIII: John Colet, Thomas More, Thomas Linacre e Willian Grocyn. Na Universidade de Cambridge foi o professor da divindade de Lady Margaret e teve a opção de passar o resto de sua vida como professor de inglês. Ele esteve no Queens' College, em Cambridge e é possível que tenha sido alumnus.
Foram-lhe oferecidas várias posições de honra e proveito através do mundo académico, mas ele declinou-as todas, preferindo a incerteza, tendo no entanto receitas suficientes da sua actividade literária independente.
Entre 1506 e 1509 esteve em Itália. Passou ali uma parte do seu tempo na casa editorial de Aldus Manatius em Veneza. Apesar disto, teve uma associação com académicos italianos menos activa do que se esperava.
A sua residência em Louvain expôs Erasmo a muitas críticas mesquinhas por parte daqueles que eram hostis aos princípios do progresso literário e religioso aos quais ele devotava a vida. Ele interpretava esta falta de simpatia como uma perseguição e procurou refúgio em Basiléia, onde, sob abrigo de hospitalidade suíça, pôde expressar-se livremente e onde estava rodeado de amigos. Foi lá que ele esteve associado por muitos anos com o grande editor Froben, e aonde uma multidão de admiradores de (quase) todos os cantos da Europa o vieram visitar.
A produtividade literária de Erasmo começou relativamente tarde na sua vida. Apenas quando ele dominou o Latim é que começou a escrever sobre grandes temas contemporâneos em Literatura e em Religião.
A sua revolta contra as formas de vida da igreja não resultou tanto de dúvidas quanto à verdade da doutrina tradicional, nem de alguma hostilidade para com a organização da Igreja. Sentiu antes a necessidade de aplicar os seus conhecimentos na purificação da doutrina e na liberalização das instituições do cristianismo.
Como académico, tentou libertar os métodos da Escolástica da rigidez e do formalismo das tradições medievais, mas não ficou satisfeito. Ele viu-se como o pregador da rectidão. A sua convicção em toda a vida foi que o que era necessário para regenerar a Europa era uma aprendizagem sã, aplicada liberalmente e sem receios pela administração de assuntos públicos da Igreja e do Estado. Esta convicção confere unidade e consistência a uma vida que, de outra forma, pode parecer plena de contradições. Erasmo viu-se livre e distante de quaisquer obrigações comprometedoras; no entanto Erasmo foi, num sentido singularmente verdadeiro, o centro do movimento literário do seu tempo. Ele correspondeu com mais de quinhentos homens da maior importância no mundo da política e do pensamento, e o seu conselho em vários assuntos era procurado avidamente, se bem que nem sempre seguido.
Aquando da sua estadia em Inglaterra, Erasmo iniciou a examinação sistemática dos manuscritos do Novo Testamento, por forma a preparar uma nova edição e uma tradução para Latim. Esta edição foi publicada por Froben de Basiléia em 1516 e foi a base da maioria dos estudos científicos da Bíblia durante o período da Reforma.
Ele publicou uma edição crítica do Novo Testamento Grego em 1516 - Novum Instrumentum omne, diligenter ab Erasmo Rot. Recognitum et Emendatum. A edição incluiu uma tradução em Latim e anotações. Baseou-se também em manuscritos adicionais recentemente descobertos.
Na segunda edição, o termo mais familiar "Testamentum" foi usado em vez de "Instrumentum". Esta edição foi usada pelos tradutores da versão da Bíblia do Rei Jaime I de Inglaterra. O texto ficou conhecido mais tarde como o textus receptus. Erasmo publicou mais três edições - 1522, 1527 e 1535. Foi a primeira tentativa por parte de um académico competente e liberal de averiguar aquilo que os escritores do Novo Testamento tinham efectivamente dito. Erasmo dedicou o seu trabalho ao Papa Leão X, como patrono da aprendizagem, e considerou o seu trabalho como o seu principal serviço à causa do Cristianismo. Imediatamente depois, começou a publicação das suas paráfrases do Novo Testamento, uma apresentação popular do conteúdo de vários livros. Este, como todos os seus livros, foi publicado em Latim, mas as suas obras eram imediatamente traduzidas noutras línguas, com o seu encorajamento.




Lutero

Lutero Precursor da Reforma Protestante na Europa, Lutero nasceu na Alemanha no ano de 1483 e fez parte da ordem agostiniana. Em 1507, ele foi ordenado padre, mas devido as suas ideias que eram contrárias as pregadas pela igreja católica, ele foi excomungado.
Sua doutrina, salvação pela fé, foi considerada desafiadora pelo clero católico, pois abordava assuntos considerados até então pertencentes somente ao papado. Contudo, esta foi plenamente espalhada, e suas inúmeras formas de divulgação não caíram no esquecimento, ao contrário, suas ideias foram levadas adiante e a partir do século XVI, foram criadas as primeiras igrejas luteranas.
Apesar do resultado, inicialmente o reformador não teve a pretensão de dividir o povo cristão, mas devido à proporção que suas 95 teses adquiriram, este fato foi inevitável. Para que todos tivessem acesso as escrituras que, até então, encontravam-se somente em latim, ele traduziu a Bíblia para o idioma alemão, permitindo a todos um conhecimento que durante muito tempo foi guardado somente pela igreja.
Com um número maior de leitores do livro sagrado, a quantidade de protestantes aumentou consideravelmente e entre eles, encontravam-se muitos radicais. Precisou ser protegido durante 25 anos. Para sua protecção, ele contava com o apoio do Sábio Frederico, da Saxónia.
Foi responsável pela organização de muitas comunidades evangélicas e, durante este período, percebeu que seus ensinamentos conduziam a divisão. Casou-se com a monja Katharina Von Bora, no ano de 1525, e teve seis filhos.

A Igreja Católica vinha, desde o final da Idade Média, perdendo sua identidade. Gastos com luxo e preocupações materiais estavam tirando o objectivo católico dos trilhos. Muitos elementos do clero estavam desrespeitando as regras religiosas, principalmente o que diz respeito ao celibato. Padres que mal sabiam rezar uma missa e comandar os rituais, deixavam a população insatisfeita.
A burguesia comercial, em plena expansão no século XVI, estava cada vez mais inconformada, pois os clérigos católicos estavam condenando seu trabalho. O lucro e os juros, típicos de um capitalismo emergente, eram vistos como práticas condenáveis pelos religiosos.
Por outro lado, o papa arrecadava dinheiro para a construção da basílica de São Pedro em Roma, com a venda das indulgências (venda do perdão).
No campo político, os reis estavam descontentes com o papa, pois este interferia muito nos comandos que eram próprios da realeza.
O novo pensamento renascentista também fazia oposição aos preceitos da Igreja. O homem renascentista, começava a ler mais e formar uma opinião cada vez mais crítica. Trabalhadores urbanos, com mais acesso a livros, começaram a discutir e a pensar sobre as coisas do mundo. Um pensamento baseado na ciência e na busca da verdade através de experiências e da razão.
A Reforma Luterana
O monge alemão Martinho Lutero foi um dos primeiros a contestar fortemente os dogmas da Igreja Católica. Afixou na porta da Igreja de Wittenberg as 95 teses que criticavam vários pontos da doutrina católica.
As 95 teses de Martinho Lutero condenava a venda de indulgências e propunha a fundação do luteranismo ( religião luterana ). De acordo com Lutero, a salvação do homem ocorria pelos actos praticados em vida e pela fé. Embora tenha sido contrário ao comércio, teve grande apoio dos reis e príncipes da época. Nas suas teses, condenou o culto à imagens e revogou o celibato.
Na França, João Calvino começou a Reforma Luterana no ano de 1534. De acordo com Calvino a salvação da alma ocorria pelo trabalho justo e honesto. Essa ideia calvinista, atraiu muitos burgueses e banqueiros para o calvinismo. Muitos trabalhadores também viram nesta nova religião uma forma de ficar em paz com sua religiosidade. Calvino também defendeu a ideia da predestinação.
Na Inglaterra, o rei Henrique VIII rompeu com o papado, após este se recusar a cancelar o casamento do rei. Henrique VIII funda o anglicanismo e aumenta seu poder e suas posses, já que retirou da Igreja Católica uma grande quantidade de terras.
Preocupados com os avanços do protestantismo e com a perda de fiéis, bispos e papas reúnem-se na cidade italiana de Trento ( Concílio de Trento ) com o objectivo de traçar um plano de reacção. No Concílio de Trento ficou definido :
- Catequização dos habitantes de terras descobertas, através da ação dos jesuítas;
- Retomada do Tribunal do Santo Ofício - Inquisição : punir e condenar os acusados de heresias
- Criação do Index Librorium Proibitorium ( Índice de Livros Proibidos ) : evitar a propagação de ideias contrárias à Igreja Católica.
Intolerância
Em muitos países europeus as minorias religiosas foram perseguidas e muitas guerras religiosas ocorreram, frutos do radicalismo. A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), por exemplo, colocou católicos e protestantes em guerra por motivos puramente religiosos. Na França, o rei mandou assassinar milhares de calvinistas na chamada Noite de São Bartolomeu.






DAMIÃO DE GÓIS 
- Escritor, humanista - 1502-1574 -
 obra de Orlando Neves

Em 1502: Nasce Damião de Góis, em Alenquer. - 1511: Entra para o Paço da Ribeira como pajem do rei D. Manuel. - 1523: É mandado para a Flandres como escrivão da Feitoria; visita Friburgo para conhecer Erasmo - 1529: Parte em missão de D. João III para Dantzig, Vilna, Posen e Cracóvia: - 1531: De novo em missão real vai à Dinamarca; passa por Witemberg onde conhece Lutero e Melanchton; regressa a Antuérpia e fixa-se depois em Lovaina. - 1532: Publica em latim Legation Magni Indoru. - 1533: É chamado a Lisboa, convidado para tesoureiro da Casa da India, recusa o cargo e vai em peregrinação a Santiago de Compostela. - 1534: Viaja a Estrasburgo e depois a Friburgo onde é hóspede de Erasmo durante quatro meses; inscreve-se como estudante na Universidade de Pádua. - 1538: Publica em Veneza o Livro de Marco Tulio Cícero, em latim. - 1539: Casa em Lovaina com Joana van Hargen; matricula-se na Universidade de Lovaina; publica os Comentari Rerum Gestarum in India. - 1540: Publica Fides, Religio Moresque Aethiopum - 1541: Sai em Lovaina Hispaniae Urbis Ubertia et Potentia. - 1542: Lovaina é atacada pelos franceses; Damião de Góis é um dos que mais se distingue na defesa da cidade; é feito prisioneiro e libertado após intervenção de D. João III. - 1544: Publica Aliquot Opuscula. - 1545: Regressa a Portugal. - 1546: Sai em Lisboa, Urbis Lovaniensis Obsidio. - 1548: É nomeado guarda-mor da torre do Tombo. - 1554: Publica, em Évora, Urbis Olisiponensis Descriptio - 1559: O regente cardeal D. Henrique encarrega-o de escrever a Crónica de D. Manuel. - 1566: Saem, em português, a 1ª e a 2ª Partes da Crónica de D. Manuel. - 1567: Saem as 3ª e 4ª Partes da Crónica de D. Manuel e a Crónica do Príncipe D. João. - 1571: É preso pela Inquisição. - 1572: Em Outubro é condenado a prisão perpétua no mosteiro da Batalha. - 1574: Morre em sua casa de Alenquer, segundo parece, assassinado.

.

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal

Pepe Rodriguez e a Igreja e a mentira do CELIBATO

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , , , , , , , , , , , | Posted on 22:32

Links do Tema, retirada dos Véus às Religiões, no blog por ordem: 

 

Mentiras da Igreja Católica

Por Pepe Rodríguez   

PRÓLOGO
(source)

Igreja Católica de São Pedro - Mentiras Da Igreja Católica

Pepe Rodríguez nos desvela nesta magnífica obra as entranhas da Igreja Católica, de que modo, com o passar do tempo, mal interpretaram as sagradas escrituras em benefício e lucro de uma instituição que longe de divulgar fielmente os ensinamentos de Jesus os perverteram para encher suas arcas.

O autor nos demonstra, após uma exaustiva investigação, que aqueles supostos guardiões da palavra de Jesus a transformaram, obrigando de maneira sutil e enganosa muitos fiéis laicos e clérigos a crer na postura do “celibato” como estado ideal para a concepção do divino no ser humano. No entanto, evidentemente, segundo a exposição de Pepe Rodríguez, a idéia do celibato não é apoiada pelos Evangelhos nem muito menos pelo próprio Jesus.

Mostra também o espinhoso tema das más formações psicopatológicas sofridas pelos sacerdotes por estarem obrigados a reprimir a necessidade de uma sexualidade normal.

E se destapam os motivos pelos quais a Igreja Católica prefere manter uma postura tão distante do Cristianismo como a do celibato, ainda que isto pressuponha: danar a saúde mental dos seus clérigos, prejudicá-los no seu desenvolvimento emocional e impulsioná-los muitas vezes a cometer atos “sexuais” delitivos contra menores e adultos.


Capítulo I

COMO A IGREJA CATÓLICA MAL INTERPRETOU DE FORMA INTERESSADA O NOVO TESTAMENTO PARA PODER IMPÔR SUA VONTADE ABSOLUTA SOBRE O  POVO E O CLERO

A hermenêutica bíblica atual garante absolutamente a tese de que Jesus não instituiu praticamente nada e menos ainda qualquer modelo determinado de Igreja. Pelo contrário, os textos do Novo Testamento oferecem diversas possibilidades na hora de estruturar uma comunidade eclesial e seus ministérios sacramentais1.

Segundo os Evangelhos, Jesus só citou a palavra «igreja» em duas ocasiões e em ambas se referia à comunidade de crentes, jamais a uma instituição atual ou futura. Mas a Igreja Católica empenha-se em manter a falácia de que Cristo foi o instaurador de sua instituição e de preceitos que não são senão necessidades jurídicas e econômicas de uma determinada estrutura social, conformada a golpes de decreto no decorrer dos séculos.

Assim, por exemplo, instituições organizativas como o episcopado, o presbiterado e o diaconato, que começaram a formar-se nos fins do século II, foram defendidas pela Igreja como dadas “por instituição divina” (fundadas por Cristo)2, até que no Concílio de Trento, em meados do século XVI, foi mudada habilmente sua origem e passaram a ser «por disposição divina» (por arranjo, por evolução progressiva inspirada por Deus). E, finalmente, a partir do Concílio Vaticano II (documentos Gaudium et Espes, e Lumen Gentium), na segunda metade do século XX, a estrutura hierárquica da Igreja já não tem suas raízes no divino senão que procede “do antigo” (é uma mera questão estrutural que se tornou costume).

São muitas as interpretações errôneas dos Evangelhos que a Igreja Católica realizou e sustentou veementemente ao longo de toda sua história. Erros que, em geral, devem atribuir-se antes à malícia e ao cinismo e não à ignorância - nada depreciável, por outro lado -, já que, não por acaso, todos eles resultaram imensamente benéficos para a Igreja em seu afã de acumular dinheiro e poder. Mas neste capítulo vamos ocupar-nos só de duas mistificações básicas: a que corresponde ao conceito da figura do sacerdote e a que transformou o celibato numa lei obrigatória para o clero.

Os fiéis católicos levam séculos crendo de olhos fechados na doutrina oficial da Igreja que apresenta o sacerdote como um homem diferente dos outros - e melhor que os laicos -, “especialmente eleito por Deus” através de sua vocação, investido pessoal e permanentemente de sacro e exclusivo poder para oficiar os ritos e sacramentos, e chamado para ser o único mediador possível entre o ser humano e Cristo. Mas esta doutrina, tal como sustentam muitos teólogos, entre eles José Antonio Carmona3, nem é de fé, nem tem suas origens além do século XIII ou finais do XII.

A Epístola aos Hebreus (atribuída tradicionalmente a São Paulo) é o único livro do Novo Testamento no qual se aplica a Cristo o conceito de sacerdotehiereus -4 , mas se emprega para significar que o modelo de sacerdócio levítico já não faz sentido a partir de então. “Tu [Cristo] és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec - se diz em Heb 5,6 -, não segundo a ordem de Aarão”.

Outros versículos - Heb 5,9-10 e 7,22-25 - também deixam assentado que Jesus veio a abolir o sacerdócio levítico, que era tribal - e de casta (pessoal sacro), dedicado ao serviço do templo (lugar sacro) para oferecer sacrifícios durante as festas religiosas (tempo sacro) -, para estabelecer uma fraternidade universal que rompesse a linha de poder que separava o sacro do profano5. E em textos como o Apocalipse - Ap 1,6; 5,10; 20,6 -, ou a I Epístola de São Pedro - IPe 2,5 - o conceito de hiereus/sacerdote já se aplica a todos os batizados, a cada um dos membros da comunidade de crentes em Cristo, e não aos ministros sacros de um culto.

A concepção que a primitiva Igreja cristã tinha de si mesma - ser “uma comunidade de Jesus”- foi amplamente ratificada durante os séculos seguintes. Assim, no Concílio de Calcedônia (451), seu cânon6 era taxativo ao estipular que “ninguém pode ser ordenado de maneira absoluta –apolelymenos - nem sacerdote, nem diácono (...) se não lhe foi atribuído claramente uma comunidade local”. Isso significa que cada comunidade cristã elegia um de seus membros para exercer como pastor e só então podia ser ratificado oficialmente mediante a ordenação e imposição de mãos. O contrário, que um sacerdote lhes viesse imposto desde o poder institucional como mediador sacro, é absolutamente herético6 (selo que, estrito sensu, deve ser aplicado hoje às fábricas de curas que são os seminários).

Nos primeiros séculos do cristianismo, a eucaristia, eixo litúrgico central desta fé, podia ser presidida por qualquer varão - e também por mulheres - mas, progressivamente, a partir do século V, o costume foi cedendo a presidência da missa a um ministro profissional, de modo que o ministério sacerdotal começou a crescer sobre a estrutura sócio-administrativa que se denomina a si mesma sucessora dos apóstolos - mas que não se baseia na apostolicidade evangélica e muito menos na que propõe o texto joanino - em lugar de fazê-lo a partir da eucaristia (sacramento religioso). E daquelas poeiras vêm as atuais lamas.

No Concílio III de Latrão (1179), que também pôs os alicerces da Inquisição, o papa Alexandro III forçou uma interpretação restringida do cânon de Calcedônia e mudou o original titulus ecclesiae -ninguém pode ser ordenado se não é para uma igreja concreta que assim o demande previamente - pelo beneficium - ninguém pode ser ordenado sem um benefício (salário da própria Igreja) que garanta seu sustento-. Com este passo, a Igreja traía absolutamente o Evangelho e, ao priorizar os critérios econômicos e jurídicos sobre os teológicos, dava o primeiro passo para assegurar para si a exclusividade na nomeação, formação e controle do clero.

Pouco depois, no Concílio IV de Latrão (1215), o papa Inocêncio III fechou o círculo ao decretar que a eucaristia já não podia ser celebrada por ninguém que não fosse “um sacerdote válido e licitamente ordenado”. Havia nascido os exclusivistas do sacro, e isso incidiu muito negativamente na mentalidade eclesiástica futura que, entre outros despropósitos, coisificou a eucaristia - despojando-a do seu verdadeiro sentido simbólico e comunitário - e acrescentou ao sacerdócio uma enfermiça - ainda que muito útil para o controle social - potestade sacro-mágica, que serviu para enquistar até hoje seu domínio sobre as massas de crentes imaturos e/ou incultos.

O famoso Concílio de Trento (1545-1563), profundamente fundamentalista - e por isso tão querido para o papa Wojtyla e seus ideólogos mais expressivos, leia-se Ratzinger e Opus Dei -, em sua seção 23, referendou definitivamente esta mistificação, e a chamada escola francesa de espiritualidade sacerdotal, no século XVII, acabou de criar o conceito de casta do clero atual: sujeitos exclusivamente sacros e forçados a viver segregados do mundo laico.

Este movimento doutrinário, que pretendia lutar contra os vícios do clero de sua época, desenvolveu um tipo de vida sacerdotal similar à monacal (hábitos, horas canônicas, normas de vida estritas, tonsura, segregação, etc.), e fez com que o celibato passasse a ser considerado de direito divino e, portanto, obrigatório, dando o ajuste definitivo ao édito do Concílio III de Latrão, que o considerava uma simples medida disciplinar (passo já muito importante por si porque rompia com a tradição dominante na Igreja do primeiro milênio, que considerava o celibato como uma opção puramente pessoal).

O papa Paulo VI, no Concílio Vaticano II, quis remediar o abuso histórico da apropriação indevida e exclusiva do sacerdócio por parte do clero, quando, na encíclica Lumen Gentium, estabeleceu que “todos os batizados, pela regeneração e unção do Espírito Santo, são consagrados como casa espiritual e sacerdócio santo (...). O sacerdócio comum dos crentes e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, ainda que diferem em essência e não só em grau, no entanto se ordenam um ao outro, pois um e outro participam, cada um a seu modo, do único sacerdócio de Cristo”.

Em síntese - embora seja entrar numa chave teológica muito sutil, mas fundamental para todo católico que queira saber de verdade que posição ocupa dentro desta Igreja autoritária -, o sacerdócio comum (próprio de cada batizado) pertence à koinonía ou comunhão dos fiéis, sendo por isso uma realidade substancial, essencial, da Igreja de Cristo. Enquanto o sacerdócio ministerial, como tal ministério, pertence à diakonía ou serviço da comunidade, não à essência da mesma. Neste sentido, o Vaticano II restabeleceu a essência de que o sacerdócio comum, consubstancial a cada batizado, é o fim, enquanto o sacerdócio ministerial é um meio para o comum. O domínio autoritário do sacerdócio ministerial durante o último milênio, tal como é evidente para qualquer analista, tem sido a base da tirânica deformação dogmática e estrutural da Igreja, da perda do sentido eclesial tanto entre o clero como entre os crentes, e dos intoleráveis abusos que a instituição católica tem exercido sobre o conjunto da sociedade em geral e sobre o próprio clero em particular. Mas, como é evidente, o pontificado de Wojtyla e seus assistentes lutaram mortalmente para ocultar de novo esta proposta e reinstauraram as falácias trentinas que mantêm todo o poder sob as sotainas.

Dada a falta de legitimação que tem o conceito e as funções (exclusivas) do sacerdócio dominante até hoje no seio da Igreja Católica, repassaremos também, brevemente, a absoluta falta de justificativa evangélica que apresenta a lei canônica do celibato obrigatório.

No Concílio Vaticano II, Paulo VI - que não se atreveu a restabelecer a questão do celibato tal como solicitaram muitos membros do sínodo - assumiu a doutrina tradicional da Igreja ao deixar determinado - em (PO 16) - que “exorta também este sagrado Concílio a todos os presbíteros que, confiados na graça de Deus, aceitaram o sagrado celibato por livre vontade a exemplo de Cristo7, a que, abraçando-o magnanimamente e de todo coração e perseverando fielmente neste estado, reconheçam este preclaro dom, que lhes foi feito pelo Pai e tão claramente é exaltado pelo Senhor (Mt 19,11), e tenham também ante os olhos os grandes mistérios que nele se representam e cumprem”.

À primeira vista, na própria redação deste texto reside sua refutação. Se o celibato é um estado tal como se afirma, isto é, uma situação ou condição legal na que se encontra um sujeito, igualmente o será o matrimônio e ambos, quanto a estados, podem e devem ser optados livremente por cada indivíduo, sem imposições nem ingerências externas.

Em segundo lugar, o celibato não pode ser um dom ou carisma, tal como se diz, já que, do ponto de vista teológico, um carisma é dado sempre não para o proveito de quem o recebe mas para o da comunidade a qual este pertence. Assim, os dons bíblicos de cura ou de profecia, por exemplo, eram outorgados para curar ou para guiar a outros, mas não podiam ser aplicados em benefício próprio.

Se o celibato fosse um dom ou carisma, sê-lo-ia para ser dado em benefício de toda a comunidade de crentes e não só para uns quantos privilegiados, e é bem sabido que resulta uma falácia argumentar que o celibatário tem maior disponibilidade para ajudar os outros. O matrimônio, por outro lado, sim que é dado para contribuir ao mútuo benefício da comunidade.

Em todo caso, finalmente, em nenhuma das listas de carismas que transmite o Novo Testamento - Rom 12,6-7; 1 Cor 12,8-10 ou Ef 4,7-11- cita-se o celibato como tal. Logo, não é nenhum dom ou carisma por mais que a Igreja assim pretenda.

A pretendida exaltação do celibato pelo Senhor, citada nos versículos 19,10 do Evangelho de São Mateus, deve-se, com toda probabilidade, a uma exegese errônea dos mesmos, originada em uma tradução incorreta do texto grego (primeira versão que se tem de seu original hebreu), cometida ao fazer sua versão latina Vulgata.

Segundo Mt 19,10 Jesus está respondendo uns fariseus que lhe perguntaram sobre o divórcio, e ele afirma a indissolubilidade do matrimônio (como meta a conseguir, como a perfeição à que deve tender-se, não como mera lei a impor), à qual os fariseus lhe opõem a Lei de Moisés, que permite o divórcio, e ele responde8:

Moisés por causa da dureza de vossos corações vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas ao princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério. Os discípulos lhe replicaram: Se assim é a situação do homem relativamente à mulher, não convém casar. Mas ele lhes disse: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido (ou pántes joroúsin ton lógon toúton, all’hois dédotail). Há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe, e há eunucos que foram castrados pelos homens, e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do reino dos céus. Quem pode receber isso, receba-o”.

Neste texto, que aporta matizes fundamentais que não aparecem na clássica Vulgata, quando Jesus afirma que “nem todos podem receber esta palavra” e “quem pode receber isso, receba-o”, está referindo-se ao matrimônio e não ao celibato, tal como tem sustentado até o presente a Igreja. As palavras ton lógon toúton referem-se, em grego, ao que antecede (a dureza do matrimônio indissolúvel, que faz os discípulos expressar que não vale a pena casar-se), não ao que vem depois. O que se afirma como um dom é o matrimônio, não o celibato e, portanto, contrário à crença eclesial mais habitual, não exalta a este sobre aquele, mas o contrário9.

A famosa frase “há os que se castraram a si mesmos por causa do reino dos céus”, tomada pela Igreja como a prova da recomendação ou conselho evangélico do celibato, nunca pode ser interpretada assim por dois motivos: o tempo verbal de um conselho desta natureza, e dado nesse contexto social, sempre deve ser o futuro, não o passado ou presente, e o texto grego está escrito no tempo passado. E, finalmente, dado que toda a frase referida aos eunucos está no mesmo contexto e tom verbal também deveria tomar-se como “conselho evangélico” a castração forçada (“há eunucos que foram castrados pelos homens”), coisa que, evidentemente, seria uma estupidez.

É óbvio, portanto, que não existe a menor base evangélica para impor o celibato obrigatório ao clero. Os primeiros regulamentos que afetam a sexualidade - e subsidiariamente o matrimônio/celibato dos clérigos – foram produzidos quando a Igreja, da mão do imperador Constantino, começa a se organizar como um poder sociopolítico terreno. Quanto mais séculos iam passando e mais se manipulavam os Evangelhos originais, mais força foi cobrando a questão do celibato obrigatório. Uma questão chave, como veremos, para dominar facilmente a massa clerical.



Até o Concílio de Nicéia (325) não houve decreto legal algum em matéria de celibato. No cânon 3 estipulou-se que “o Concílio proíbe, com toda a severidade, os bispos, sacerdotes e diáconos, ou seja, todos os membros do clero, de ter consigo uma pessoa do sexo oposto, a exceção de mãe, irmã ou tia, ou bem de mulheres das que não se possa ter nenhuma suspeita”, mas neste mesmo Concílio não se proibiu que os sacerdotes que já estivessem casados continuassem levando uma vida sexual normal.

Decretos similares foram somando-se ao longo dos séculos - sem conseguir que uma boa parte do clero deixasse de ter concubinas - até chegar a onda repressora dos concílios lateranenses do século XII, destinados a estruturar e fortalecer definitivamente o poder temporário da Igreja. No Concílio I de Latrão (1123), o papa Calixto II condenou novamente a vida em casal dos sacerdotes e avaliou o primeiro decreto explícito obrigando o celibato. Pouco depois, o papa Inocêncio II, nos cânones 6 e 7 do Concílio II de Latrão (1139), incidia na mesma linha - como seu sucessor Alejandro III no Concílio III de Latrão (1179) - e deixava perfilada já definitivamente a norma disciplinar que daria lugar à atual lei canônica do celibato obrigatório... que a maioria dos clérigos, na realidade, continuou sem cumprir.

Tão habitual era que os clérigos tivessem concubinas que os bispos acabaram por instaurar o chamado rendimento de putas, que era uma quantidade de dinheiro que os sacerdotes tinham que pagar para o seu bispo cada vez que transgrediam a lei do celibato. E era tão normal ter amantes que muitos bispos exigiram o rendimento de putas de todos os sacerdotes de sua diocese, sem exceção. E os que defendiam sua pureza foram obrigados a pagar também, já que o bispo afirmava que era impossível não manter relações sexuais de algum tipo.

A esta situação tentou pôr limites o tumultuoso Concílio de Basiléia (1431-1435), que decretou a perda dos rendimentos eclesiásticos aos que não abandonassem suas concubinas após ter recebido uma advertência prévia e de ter sofrido uma retirada momentânea dos benefícios.

Com a celebração do Concílio de Trento (1545-1563), o papa Paulo III - protagonista de uma vida dissoluta, favorecedor do nepotismo em seu próprio pontificado, e pai de vários filhos naturais - implantou definitivamente os éditos disciplinares de Latrão e, além disso, proibiu explicitamente que a Igreja pudesse ordenar varões casados10.

Enfim, anedotas à parte, desde a época dos concílios de Latrão até hoje nada substancial mudou a respeito de uma lei tão injusta e sem fundamento evangélico - e por isso qualificável de herética - como é a que decreta o celibato obrigatório para o clero.

O papa Paulo VI, em sua encíclica Sacerdotalis Coelibatus (1967), não deixou lugar a dúvidas quando assentou doutrina com este teor:

• «O sacerdócio cristão, que é novo, não se compreende senão à luz da novidade de Cristo, pontífice supremo e pastor eterno, que instituiu o sacerdócio ministerial como participação real de seu único sacerdócio» (núm. 19)
• “O celibato é também uma manifestação de amor à Igreja” (núm. 26)
• “Desenvolve a capacidade para escutar a palavra de Deus e dispõe à oração. Prepara o homem para celebrar o mistério da eucaristia” (núm. 29)
• “Dá plenitude à vida» (núm. 30)
• «É fonte de fecundidade apostólica” (núm. 31-32).

Com o exposto até aqui, e com o que veremos no resto deste livro, demonstraremos, sem lugar a dúvidas, que todas estas manifestações de Paulo VI, em sua famosa encíclica, não se ajustam em absoluto à realidade na qual vive a imensa maioria do clero católico.

“Como sacerdote - explica o teólogo e cura casado Josep Camps11-, tive que viver muito de perto - em alguns casos tendo-as praticamente em minhas mãos - terríveis crises pessoais de muitos colegas e amigos. Um deles, um professor prestigiado de uma ordem religiosa muito destacada, confessou-me que esteve dez anos angustiado antes de se decidir por confessar a si mesmo que desejava abandonar o celibato. No decorrer de uns três anos celebrei as bodas de sete sacerdotes amigos, até chegar no ponto de sentir-me o “casacuras” oficial. E recusei em várias ocasiões propostas para casar “por baixo dos panos” e sem dispensa algum sacerdote que desejava legalizar sua situação e deixar o ministério”.

“Simultaneamente, certa aproximação e interesse por temas de psicologia e psiquiatria alertou-me e começou a me preocupar. Não me pesava demasiado um celibato vivido e querido - embora não fosse nada fácil mantê-lo - por uma decisão livre e constantemente renovada, mas comecei a me questionar sua imposição administrativa a uma só categoria de cristãos... porque é sabido que os sacerdotes de ritos orientais católicos podem casar-se, e o mesmo cabe dizer dos ministros das Igrejas surgidas da Reforma protestante”.

“Em pleno fragor do que a Igreja chama de “deserções” de sacerdotes com fins, entre outros, matrimoniais -, apareceu, em 1967, a encíclica de Paulo VI, Sacerdotalis Coelibatus. Havia chegado, para mim, o momento de aclarar todo este assunto do celibato”.

O texto da encíclica é um belo panegírico, sábio e profundo, da virgindade consagrada a Deus, que faz parte dos chamados tradicionalmente “conselhos evangélicos” (por mais que se encontre apenas rastro deles nos evangelhos). Só que ao chegar ao ponto, para mim chave, das razões pelas que se exige o celibato aos sacerdotes seculares, a encíclica perde piso e se afunda estrondosamente: não há verdadeiras razões, só a “secular tradição da Igreja latina”, ou seja, nada. A encíclica matou em mim a idéia do celibato - obrigado, Paulo VI! - e desisti dele. Em teoria, claro, porque não tinha pressas nem especiais urgências, nem tinha aparecido ainda a pessoa com quem estabelecer uma relação profunda e séria.

A Igreja Católica, ao longo de sua história, falseou em benefício próprio tudo aquilo que lhe interessou. Tem imposto sobre o povo um modelo de sacerdote (e de seu ministério) mistificado e cínico, mas lhe foi de grande utilidade para fortalecer seu domínio sobre as consciências e as carteiras das massas.

E, do mesmo modo, tem imposto sobre seus trabalhadores pesos sacros que não lhes correspondem, e leis injustas e arbitrárias, como a do celibato obrigatório, que servem fundamentalmente para criar, manter e potenciar a submissão, o servilismo e a dependência do clero a respeito da hierarquia.

O celibato dos pastores deve ser opcional - afirma o sacerdote casado Julio Pérez Pinillos -, já que o celibato imposto, além de empobrecer o caráter de “Símbolo”, é um dos pilares que sustenta a organização piramidal da Igreja-aparelho e potencia o binômio clérigos-laicos, tão empobrecedor para os primeiros como humilhante para os segundos”.12

Neste final de século, quando muitíssimos teólogos de prestígio alçaram sua voz contra as interpretações doutrinárias errôneas e as atitudes lesivas que comportam, o papa Wojtyla os calou com a publicação de uma encíclica tão autoritária, sectária e lamentável como é a Veritatis Splendor. Esplendor da verdade? De que verdade? A mentalidade de Latrão e Trento volta a governar a Igreja. Correm maus tempos para o Evangelho cristão.

Capítulo II

A LEI DO CELIBATO, OBRIGATÓRIO CATÓLICO: 
UMA QUESTÃO DE CONTROLE,
ABUSO DE PODER E ECONOMIA


O motivo verdadeiro e profundo do celibato consagrado - deixa estabelecido o Papa Paulo VI, em sua encíclica Sacerdotalis Coelibatus (1967 ) - é a eleição de uma relação pessoal mais íntima e mais completa com o mistério de Cristo e da Igreja, pelo bem de toda a humanidade. Nesta eleição, os valores humanos mais elevados podem certamente encontrar sua mais alta expressão”.

E o artigo 599 do Código de Direito Canônico, com linguagem sibilina, impõe que “o conselho evangélico de castidade assumido pelo Reino dos Céus, enquanto símbolo do mundo futuro e fonte de uma fecundidade mais abundante num coração não dividido, leva consigo a obrigação de observar perfeita continência no celibato”.

No entanto, a Igreja Católica, ao transformar um inexistente “conselho evangélico” em lei canônica obrigatória - que, como já vimos no capítulo anterior, carece de fundamento neotestamentário -, ficou anos-luz de potenciar o que Paulo VI resume como “uma relação pessoal mais íntima e mais completa com o mistério de Cristo e da Igreja, pelo bem de toda a humanidade”.

Pelo contrário, o que sim tem conseguido a Igreja com a imposição da lei do celibato obrigatório é criar um instrumento de controle que lhe permite exercer um poder abusivo e ditatorial sobre seus trabalhadores, e uma estratégia basicamente economicista para baratear os custos de manutenção de sua planilha sacro trabalhista e, também, para incrementar seu patrimônio institucional, pelo que, evidentemente, a única «humanidade» que ganha com este estado de coisas é a própria Igreja Católica.

A lei do celibato obrigatório é uma mais entre as notáveis vulnerações dos direitos humanos que a Igreja Católica vem cometendo desde séculos, por isso, antes de começar a tratar as premissas deste capítulo, será oportuno dar entrada à opinião de Diamantino Garcia, presidente da Associação Pró-Direitos Humanos de Andaluzia, membro destacado do Sindicato de Operários do Campo, sacerdote a vinte e seis anos, e pároco dos povos sevilhanos dos Corrales e de Martín da Jara.

Continuará...

1. Cfr., por exemplo, os diversos modelos eclesiásticos de Jerusalém, Antioquia, Corinto, Éfeso, Roma, as comunidades Joaninas, as das Cartas Pastorais, Tessalônica, Colossas...

2. Nos três primeiros séculos não são reconhecidas como tais. São Jerônimo, por exemplo, um dos principais padres da Igreja e tradutor da Vulgata (a Bíblia em sua versão em latim), jamais as aceitou como de instituição divina e, com maior razão, nunca se deixou ordenar bispo. Dado que nos Evangelhos só se fala de diaconato e presbiterado, São Jerônimo defendia que ser bispo equivalia a estar fora da Igreja (entendida no seu significado autêntico e original de Eclésia ou assembléia de fiéis).

3. Cfr. Carmona Brea, J.A. (1994). Os sacramentos: símbolos do encontro. Barcelona: Edições Ángelus, capítulo VII.

4. Hiereus é o termo que se empregava no Antigo Testamento para denominar os sacerdotes da tradição e os das culturas não judias. Seu conceito é inseparável das noções de poder e de separação entre o sagrado e o profano (valha como exemplo, para os que desconhecem a história antiga, o modelo dos sacerdotes egípcios ou dos diferentes povos da Mesopotâmia).

5. «Porque o homem é o templo vivo (não há espaço sagrado), para oferecer o sacrifício de sua vida (toda pessoa é sagrada), em oferenda constante ao Pai (não há tempos sagrados)», argumenta o teólogo José Antenio Carmona.

6. E assim o qualificavam padres da Igreja como Santo Agostinho em seus escritos (cfr. Contra Ep. Parmeniani II, 8).

7. Ou “Quem pode receber isto, receba-o”. Na Bíblia católica de Nácar-Colunga, ao contrário se diz: “Disseram-lhe seus discípulos: Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar. Ele lhes contestou: Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido. Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram castrados pelos homens; e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do reino dos céus. Quem pode receber isto, receba-o”. Existe uma diferença abismal entre o “ser capaz de recebê-lo” do texto original e o “ser capaz de entendê-lo” do falaz texto católico, as implicações teológicas e legislativas que se desprendem de um e outro são também diametralmente opostas.

8. Isto, lógica e indubitavelmente, deve ser assim, já que, do ponto de vista sociocultural, dado que Jesus era um judeu fiel à Lei, tal como já mencionamos, jamais podia antepor o celibato ao matrimônio: a tradição judia obriga todos ao matrimônio, enquanto despreza o celibato.

9. A respeito da castração no âmbito da hierarquia eclesial, convém recordar aqui, por exemplo, que o grande teólogo Orígenes castrou a si mesmo - interpretando de forma patológica a frase de Jesus: “Se tua mão ou teu pé te escandalizar, corta-o e atira-o para longe de ti: melhor te é entrar na vida coxo ou aleijado, do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno” (Mt 18,8) -, talvez porque seu “membro causador de escândalo” lhe

10. A ordenação sacerdotal de varões casados tinha sido uma prática normalizada dentro da Igreja até o concílio de Trento. Atualmente, devido à escassez de vocações, muitos prelados - especialmente do terceiro mundo defendem de novo esta possibilidade e solicitaram repetidamente ao papa Wojtyla que facilite a instituição do viriprobati (homem casado que vive com sua esposa como irmãos) e seu acesso à ordenação. Mas Wojtyla a descartou pública e repetidamente - atribuindo sua petição a uma campanha de “propaganda sistematicamente hostil ao celibato” (Sínodo de Roma, outubro de 1990)-, apesar de que ele mesmo, em segredo, autorizou ordenar varões casados em vários países do terceiro mundo. No mesmo Sínodo citado, Aloísio Lorscheider, cardeal de Fortaleza (Brasil), desvelou o segredo e aportou dados concretos sobre a ordenação de homens casados autorizados por Wojtyla. Causou uma agonia que hoje deve soar muito ridículo ao clero católico, cujo 60% mantêm relações sexuais apesar de seu celibato oficial. Por outra parte, até o século passado, na corte papal se concedia um lugar de privilégio aos famosos castratí, cantores, selecionados entre os coros das igrejas, que foram castrados sendo ainda meninos para que conservassem uma voz com tons e matizes impossíveis para qualquer varão adulto. Esses sim eram autênticos eunucos pelo reino dos céus!

11. Cfr. Santa Sede (194). Código de Direito Canônico. Madri: Biblioteca de Autores Cristãos, PP. 273-275.

12. Segundo os últimos dados oficiais da Igreja, disponíveis em 1990, só houve trinta sacerdotes diocesanos matriculados em faculdades, de estudos civis, isso é um 0,14% do total de sacerdotes. A este respeito, resulta muito ilustrador saber que o Código de Direito Canônico que esteve vigente entre 1917 e 1983 em seu cânon 129 ordenava: “Os clérigos, uma vez ordenados sacerdotes, não devem abandonar os estudos, principalmente os sagrados. E nas disciplinas sagradas seguirão a doutrina sólida recebida dos antepassados e comumente aceita pela Igreja, evitando as profanas novidades de palavras e a falsamente chamada ciência”. Cfr. Rodríguez, P. (1995). Op. cit.,p. 72.

13. Os notáveis problemas psicossociais que padece uma boa parte do clero católico, especialmente do diocesano, não só derivam das carências afetivo-sexuais, embora sendo esta esfera uma parte fundamental para o desenvolvimento, maturação e equilíbrio da personalidade humana. A própria estrutura formativa do clero e algumas dinâmicas vitais forçadas contribuem para gerar problemas psicológicos que têm sido evitados, em grande parte, entre o clero de outras confissões católicas ou cristãs em geral. A este respeito pode consultar-se o capítulo 5 do já citado estudo: A vida sexual do clero e a bibliografia específica que nele se relaciona.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...