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Harold Bloom e O Vírus Influência

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 22:55

O vírus influência

Aos 80 anos, Harold Bloom, o maior teórico da ansiedade como definidora da história da literatura, lança obra em que repassa sua trajetória intelectual

Marcos Flamínio Peres

Um dos mais importantes críticos norte-americanos desde o pós-guerra, o americano Harold Bloom, 80 anos, acaba de lançar um balanço de sua formação intelectual. Em Anatomy of influence: Literature as a Way of Life (Anatomia da Influência: Literatura como Modo de Vida, Yale University Press), ele relembra a infância pobre vivida durante a Grande Depressão, o ingresso na Universidade Cornell – onde já se destacava como garoto prodígio e grande conhecedor da poesia romântica inglesa –, a transferência para Yale e o desenvolvimento da ideia de influência como definidora da história da literatura.

O ápice de sua trajetória intelectual e também midiática viria, em 1973, com a publicação de A angústia da influência – expressão que o próprio autor chamaria posteriormente, em novo “Prefácio” à obra (1997), de “a ansiedade da influência”, substituindo “anxiety” por “anguish”. Nele, Bloom reescreve a história da literatura baseado no confronto entre obras e autores – um já canônico e influência perene, outro que busca escapar de sua esfera e encontrar um espaço de criação próprio – isto é, originalidade – dentro do cânon da literatura.

Assim, num primeiro momento a obra literária constrói-se com base em um ponto de vista interno, à revelia de fatores fora dela. Um texto não deve explicar o momento histórico em que foi produzido, ou a relação entre as classes socais, ou a situação da mulher, ou de qualquer minoria. Bloom estava claramente alvejando os estudos culturais – mas também sendo alvejado por eles.

No “Prefácio” à segunda edição, 24 anos após a primeira e em plena efervescência dos estudos culturais nas universidades norte-americanas, ele bate pesado: “Estamos hoje numa era da chamada ‘crítica cultural’, que desvaloriza toda literatura de imaginação, que degrada e rebaixa particularmente Shakespeare. A politização do estudo literário destruiu o estudo literário e ainda pode destruir a própria cultura erudita. Shakespeare influenciou o mundo muito mais do que o mundo o influenciou” (A Angústia da influência, 2ª. ed., trad. Marcos Santarrita, Imago, 2002).

Ironicamente, Bloom parece compartilhar a opinião de seus adversários teóricos de início de carreira, os “new critics”. Gente como Robert Penn Warren e Cleanth Brooks, que defendiam a tese de que um texto é uma entidade autônoma, desvinculada de qualquer realidade que não sua própria construção linguística.

Claro que isso não combina com o princípio da influência, que dá sustentação à teoria poética de Bloom e segundo o qual um texto transcende a si próprio para se impor, ao longo do tempo, como angústia/ansiedade a seus leitores/criadores. Contudo, Bloom admite ainda menos que um texto literário seja a explicação de qualquer coisa que não a si próprio: “Historicistas ressentidos de vários credos – derivados de Marx, Foucault e do feminismo político – hoje estudam a literatura essencialmente como história social periférica. O que se jogou fora foi a solidão do leitor, uma subjetividade rejeitada porque, supõe-se, não possui ‘existência social’.”

A ideia de que uma obra possa assombrar o presente com sua originalidade esmagadora, em relação à qual – e contra a qual – as gerações posteriores têm de se afirmar, soa mal aos estudos culturais, pois desparticulariza a especificidade do tempo presente. Aceitar a hipótese da influência como angústia/ansiedade é admitir que o ponto de vista do crítico cultural, firmemente ancorado no presente e com base no qual rearticula toda a tradição literária, não é tão onipotente e, logo, confiável.

E será justamente Shakespeare que Bloom vai apresentar, de modo provocador, como prova irrefutável de sua teoria poética – e também quem ele terá de proteger dos ataques culturalistas: “A verdade maior da influência literária é que é uma ansiedade irresistível: Shakespeare não nos deixa enterrá-lo, nem escapar dele, nem substituí-lo”, diz no “Prefácio”.

Freud, claro, é um dos esteios conceituais de que Bloom assumidamente lança mão, em particular o conflito geracional entre pais e filhos presente no “romance familiar”. Essa imagem, na base da psicanálise, está subjacente à leitura que Bloom faz da literatura, particularmente a de língua inglesa, como luta contínua pela invenção a partir – e contra – dos cânones.

Assim, Wallace Stevens é assombrado por Walt Whitman, assim como  Tennyson tem de se ver com a obra de John Keats, e mesmo O Paraíso Perdido de John Milton, tem sobre seus ombros o Hamlet de Shakespeare, como Bloom aponta em seu novo livro.

O sublime

Mas Bloom também era um grande teórico do sublime, entendido como elevação da alma acima das contingências. Primeiramente abordado por Longino na Antiguidade, no pequeno tratado Do Sublime, o tema seria retomado por Kant, na Crítica da Faculdade de Julgar e, em chave política, pelo inglês Edmund Burke – a quem Kant critica.

O sentimento do sublime implica necessariamente o apequenamento do indivíduo diante do inapreensível – seja diante da grandiosidade de uma paisagem natural, como em Kant, seja por meio da retórica, como em Longino.

Em ambos os planos – na natureza ou na linguagem –, o sublime está sempre associado ao “fracasso do pensamento lúcido” e, por consequência, sempre supre uma ausência. Assim, na impossibilidade de o desejo realizar-se diante de algo que transcende a compreensão do indivíduo, só resta a este render-se à ansiedade como princípio criador, pois ela “substitui o desejo como princípio da individuação”, aponta Thomas Weiskel em O Sublime Romântico (ed. Imago, trad. Patrícia Flores da Cunha, 1994). Weiskel, não por acaso, estudou e lecionou com Bloom em Yale.

Inquisição

Ora, para Bloom a psicanálise torna-se então um limitador para a criação artística, à medida que abre mão de “modos de prazer mais primordiais por modos mais refinados”, em sua intenção de proporcionar “maturidade emocional” ao indivíduo. Para Bloom, “não é essa a sabedoria dos poetas fortes, [porque] o sonho de que se abre mão não é apenas uma fantasmagoria de interminável satisfação, mas a maior de todas as ilusões humanas: a visão da imortalidade”.

Bloom está aqui na mesma linha dos críticos que associam Freud à burguesia ascendente do início do século 20.

Já tardiamente, o cineasta alemão Werner Herzog, durante palestra no 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, foi mais longe e comparou a psicanálise à Inquisição porque, afirmou, ela tenta eliminar do homem seu lado “escuro” – e, logo, criativo.

No fundo, ao teorizar sobre a ansiedade na poesia inglesa, Bloom reflete sobre a questão inerente a toda arte: a capacidade da representação – ou, então, seu colapso.

Fonte - Revistacult

HAROLD BLOOM, a litle more...

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , | Posted on 22:27

HAROLD BLOOM

Elas não são idiotas

O crítico americano diz que as crianças devem ser apresentadas à boa literatura, como os adultos



ÉPOCAExiste solução para incentivar a leitura entre os jovens?

Bloom – Não vejo diferença entre literatura adulta e infantil. Existe, sim, uma diferença essencial entre boa e má literatura. A solução está na boa leitura, em todas as idades. A primeira idéia da coletânea que organizei era criar um compêndio de boa leitura, que se intitularia O Leitor Solitário. Aos poucos, me dei conta de que estava fazendo um livro para jovens, com poemas e histórias simples, sem prejuízo da qualidade. Percebi então que poetas como John Keats e John Donne poderiam servir para alimentar a imaginação da juventude, assim como os contos de C.K. Chesterton e Robert Louis Stevenson.

ÉPOCAMas por que existe essa separação entre literatura para pequenos e grandes?

Bloom – Diferenciar livros para crianças e para adultos foi útil na divisão do mercado do século passado, mas hoje encobre um fato muito grave: o de que a estupidez está acabando com a cultura literária. As crianças de hoje não são mais burras que as de antigamente. O problema está em vencer modismos e chamar a atenção para bons exemplos literários. Talvez a queda dos índices de leitura se deva aos maus exemplos que os pais estão dando a seus filhos.

'Lancei a polêmica contra Potter sabendo que, a exemplo de Hamlet, enfrentaria um oceano de aborrecimentos sem acabar com ele. Continuo me incomodando com os fãs do pequeno feiticeiro.'

ÉPOCA Há uma continuidade entre seus três trabalhos – Angústia da Influência (1973), O Cânone Ocidental (1994) e o recente Gênio?

Bloom – Tenho escrito um só livro, que continua no próximo volume. Talvez por isso eu desagrade aos colegas de universidade. Nunca termino e eles ficam irritados. Minha obra começou com a preocupação de distinguir os poetas fortes dos fracos. Os fortes fundam uma série e brigam entre si. Os fracos são descartados pela história. A literatura não passa de uma luta entre fracos e fortes. A crítica, como gênero literário, envolve batalhas entre bons e maus. Tracei em Angústia da Influência uma genealogia de poetas fortes. A cultura politicamente correta e as feministas detestaram o livro, alegando que eu privilegiava autores mortos, brancos e ocidentais. Dos anos 70 para cá, os valores da cultura literária estão se diluindo e maus autores passam a virar importantes quando não são. Por isso resolvi estabelecer um cânone, uma lista de obras fundamentais. Gênio consiste em um mosaico de referência pessoais. Para mim, a leitura é um gesto particular. Minha função como crítico literário é oferecer um conhecimento menos teórico do que prático da literatura. Meu objetivo é levar as pessoas a ler.

ÉPOCAComo recuperar o conceito de genialidade em tempos tão céticos como os de hoje?

Bloom – A noção de gênio está fora de moda há muito tempo na universidade, desde meados do século XIX. Os intelectuais a desprezam, por ser um resquício do espiritualismo romântico. Estou tentando restaurar uma idéia arraigada na história do Ocidente há milênios. No livro, tratei de buscar a genealogia dos gênios em todos os tempos e todos os lugares. Resultou no maior volume que já produzi em minha vida, com cerca de 1.000 páginas. E foi mal recebido nos Estados Unidos. Há um preconceito dos intelectuais americanos em relação à genialidade. O que vale aqui é a cultura 'do homem comum'. Genialidade é algo antipático para a cidadania americana. Gênio é uma palavra com duplo sentido e vem dos gregos, fundamentando nossa tradição cultural. Tanto designa uma família de escritores talentosos ao longo da História, ligados por características semelhantes, como indica o daemon, a entidade divina da inspiração que todos carregamos dentro de nós. É um conteúdo sagrado que não podemos ignorar de forma alguma, mesmo que os acadêmicos insistam que ele não existe.

ÉPOCAQuem são os grandes gênios da literatura?

Bloom – Escritores como Shakespeare, Dante, Cervantes e Milton não têm rival na história literária. São escritores tão fortes que suas obras e personagens alteraram os rumos da história literária futura. Continuamos vivendo sob seu impacto. Eles são dotados de poderes literários extraordinários. Chamá-los de gênios, portanto, é fazer-lhes justiça.

'Leio em português com alguma fluência. Machado de Assis figura entre meus autores favoritos de língua portuguesa. Considero Machado o maior gênio da literatura brasileira do século XIX'

ÉPOCAO senhor costuma dizer: 'Shakespeare lê você de um modo muito mais completo do que você pode lê-lo'. Isso não é subestimar a capacidade do leitor?

Bloom – Não. O que quero dizer é que a leitura de um gênio como Shakespeare proporciona diversos registros. O iluminista Samuel Johnson, um de meus críticos favoritos, dizia que o leitor comum pode aproveitar Shakespeare a seu modo, no estágio intelectual em que se encontra. A leitura que ele fizer de uma peça como Hamlet terá sido válida se ele tirar proveito dela. Os grandes gênios são espelhos nos quais os leitores se miram e acabam encontrando a si próprios.

ÉPOCAO que define um gênio?

Bloom – É o autor capaz de mudar a História. Aliás, não acredito em História. Para mim, só existem biografias. As obras literárias não podem ser consideradas apenas como meras manchas nas páginas do tempo. Em tal corrente de biografias estendidas através da linha cronológica, existe uma família de iluminados que compartilham características como naturalidade, intensidade, exuberância e loucura. Gênios são aqueles que não se submetem às leis de seus predecessores.
 Edição 246 - 03/02/2003
Fonte - Época



Shakespeare e Harold Bloom

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , | Posted on 22:47


Gênios de papel

De como Shakespeare, uma mente poderosa,
criou personagens também inteligentíssimos

João Gabriel de Lima 
Harold Bloom: sarcasmo e fluência em texto erudito

"Para ter vida após a morte não é necessário ter vivido." Esse paradoxo, cunhado por Samuel Butler, escritor inglês do século XVII, é citado de passagem em Shakespeare – A Invenção do Humano (Objetiva, 896 páginas, 64,90 reais), do crítico literário americano Harold Bloom. Poderia ser, no entanto, a epígrafe do livro. A Invenção do Humano é sobre seres que nunca existiram, mas ainda assim têm vida eterna: os tipos criados por William Shakespeare. Bloom é o autor do polêmico Cânone Ocidental, em que lista os melhores escritores de todos os tempos neste lado do mundo. Em A Invenção do Humano ele faz uma espécie de cânone dos personagens shakespearianos. Esta não é a intenção declarada do livro. Em tese, ele se compõe de pequenos ensaios sobre as principais peças do autor. Só que Bloom pouco se detém no enredo das obras. O ensaio dedicado a Henrique IV é, na realidade, sobre o personagem Falstaff. O texto sobre a comédia Como Gostais disseca a figura de Rosalinda. O capítulo intitulado Otelo se concentra no funcionamento da mente do vilão Iago. À medida que o livro evolui, Bloom compara uns personagens com os outros e, disfarçadamente, os hierarquiza. É uma obra erudita, porém de leitura fluente. O autor é um ensaísta à moda antiga. Evita o jargão da universidade e é deliciosamente sarcástico na defesa de seus pontos de vista. Ainda se dá ao trabalho de embutir pequenas sinopses das peças nos capítulos, pensando no leitor que não está familiarizado com a obra do poeta inglês.


Para Bloom, o que faz a diferença em Shakespeare é que ele, dono de um intelecto superior, criou personagens igualmente inteligentíssimos. Professor universitário em Yale e ácido crítico do meio acadêmico, ele escreve que nunca encontrou entre seus pares gente com o QI comparável aos de Hamlet ou Falstaff. Antes de ir à lista propriamente dita, é necessário saber o que Bloom considera um personagem "intelectualmente superior". Seria aquele capaz de refletir sobre si próprio, na interação com os outros e, a partir daí, "crescer" dentro da peça, modificando sua maneira de pensar e de agir. Há vários tipos nessas condições espalhados pelas peças do autor, mas de acordo com Bloom há alguns que se destacam pela agudeza da mente. No centro do cânone estariam Hamlet e Falstaff. Há um terceiro nome muito citado em A Invenção do Humano, que constitui uma surpresa: Rosalinda, da comédia Como Gostais. O que esses três personagens teriam em comum? Correndo o risco de simplificar demais, poderíamos resumir numa palavra: ironia.

Falstaff é o soldado que é irônico em relação à guerra. Por mais que se esforce para ganhar batalhas, acha que a chamada "honra militar" não vale nada em comparação com os prazeres terrenos. É sua a famosa frase: "Não quero glória. Dêem-me vida". Já Rosalinda é a mulher apaixonada que é irônica em relação ao amor. Sua filosofia de vida pode ser expressa, também, por uma linha da peça: "Os homens têm morrido de tempos em tempos e os vermes os têm devorado, mas não por amor". Por saber que ninguém perece dessa doença, ela não perde tempo sofrendo e usa o cérebro para se sair bem com seus pretendentes. O escritor irlandês George Bernard Shaw achava que Rosalinda se destacava no teatro elizabetano por cortejar o homem em vez de esperar ser cortejada. Harold Bloom vai além. Ele escreve que Rosalinda é nada menos do que "a mais extraordinária e convincente representação de uma mulher na literatura ocidental". Falstaff e Rosalinda usam sua capacidade de reflexão não apenas para reinventar-se, aprendendo a lidar, respectivamente, com as ilusões da guerra e do amor. Eles modificam também outros personagens. Falstaff é o preceptor informal do príncipe Hal, que numa peça posterior irá se transformar no sábio rei Henrique V. Rosalinda usa roupas masculinas para ensinar ao homem que deseja, Orlando, como gostaria de ser amada. É um dos momentos mais divertidos da poesia dramática em todos os tempos.

Lutas de cachorros – E Hamlet? Hamlet seria o mais irônico de todos, alguém que não acredita em nada, nem nas próprias palavras. Dado à permanente reflexão, elabora teorias brilhantes sobre os assuntos mais variados. Não é à toa que ele tem sete monólogos na peça e suas falas ocupam dois terços do mais longo dos textos de Shakespeare. É o personagem que mais se metamorfoseia durante a ação – passa da melancolia imóvel do primeiro ato para uma espécie de "ceticismo desprendido" no quinto, quando participa da carnificina final. Bloom não disfarça, no livro, sua paixão por Shakespeare e pelos tipos que ele criou. É um fã assumido. Gosta dos autores que citaram Shakespeare de maneira positiva, como o filósofo alemão Friedrich Hegel, e enxovalha os que não o consideravam tão bom assim, mesmo que tenham o cabedal de T.S. Eliot, o maior poeta inglês do século XX. Investe contra as montagens modernosas das peças de Shakespeare e os que tentam aplicar à análise de suas obras os mesmos parâmetros da cultura pop contemporânea. Bloom escreve que é impossível comparar o escritor inglês com a cantora Madonna porque a "arte" que ela faz seria correspondente, no século XVI, aos circos de horrores que mostravam lutas de cachorros. Às vezes o ensaísta americano exagera. Ele escreve, por exemplo, que o autor de Hamlet é melhor do que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche como pensador e que seria um psicanalista infinitamente superior ao austríaco Sigmund Freud caso a psicanálise já existisse em seu tempo. Ele contraria ponto por ponto a máxima acadêmica segundo a qual um crítico deve manter distanciamento em relação àquilo que critica. Dado o caráter apaixonante de seu objeto de estudo, no entanto, quem pode condená-lo?


O cânone shakespeariano

Harold Bloom lista dezenas de personagens com QI elevado, mas na opinião dele três se destacam em relação aos demais

Rosalinda, da comédia Como Gostais , é uma mulher que se veste de homem para ensinar a seu pretendente como ele deve se comportar com o sexo oposto. Para Harold Bloom, é a mais extraordinária e convincente personagem feminina em toda a literatura ocidental.

Falstaff, um soldado que não gostava da guerra, foi o tipo mais popular de Shakespeare na época em que o poeta ainda era vivo. Aparece nas duas partes da peça histórica Henrique IV e na comédia As Alegres Comadres de Windsor. Baseado nesta última, o italiano Giuseppe Verdi criou uma ópera genial.

Hamlet é dono de um intelecto tão poderoso que, de acordo com Bloom, poderia ter escrito a maior parte das peças do próprio Shakespeare. Ele é o personagem do autor que fica mais tempo em cena, durante dois terços da peça que leva seu nome. Bloom lamenta que não fique mais: "Poderíamos saber a opinião dele sobre outros assuntos". 


Aqui poderá (se o quiser) ler mais sobre este critico literário e professor. (source)

Entrevista a Harold Bloom

Posted by NãoSouEuéaOutra | Posted in , , , | Posted on 21:51



Entrevista a Harold Bloom


Edição 1 685 - 31 de Janeiro de 2001


Revista Veja


Leio, logo existo

O mais polêmico dos críticos literários diz
por que ainda se deve ler num mundo
dominado pelas imagens

Flávio Moura


Não falta quem considere o americano Harold Bloom, de 70 anos, o mais importante crítico literário em atividade. Autor de mais de vinte livros sobre literatura e professor há mais de quarenta anos – leciona nas universidades Yale e de Nova York –, ele é, no mínimo, uma figura polêmica. Sem pruridos em atacar seus pares acadêmicos, ele não se cansa de chamá-los de ressentidos e os acusa de estarem matando a literatura com a mania do politicamente correto. Ferrenho defensor dos "valores estéticos", Bloom autoproclamou-se guardião solitário da cultura clássica e exalta os grandes nomes da literatura mundial com uma energia admirável. No ambicioso O Cânone Ocidental, livro lançado há sete anos, ele mapeia o que há de fundamental na história da literatura do Ocidente. Com o controverso Shakespeare – A Invenção do Humano, defende a tese de que seríamos criaturas diferentes se o famoso dramaturgo inglês não houvesse existido. Agora Bloom quer ensinar a ler. É isso que faz no livro Como e Por que Ler (Editora Objetiva), que chega às livrarias do país nesta semana. De sua casa em New Haven, nos Estados Unidos, ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA:

VejaPor que ler?
Bloom – A informação está cada vez mais ao nosso alcance. Mas a sabedoria, que é o tipo mais precioso de conhecimento, essa só pode ser encontrada nos grandes autores da literatura. Esse é o primeiro motivo por que devemos ler. O segundo motivo é que todo bom pensamento, como já diziam os filósofos e os psicólogos, depende da memória. Não é possível pensar sem lembrar – e são os livros que ainda preservam a maior parte de nossa herança cultural. Finalmente, e este motivo está relacionado ao anterior, eu diria que uma democracia depende de pessoas capazes de pensar por si próprias. E ninguém faz isso sem ler.

VejaComo ler?
Bloom – Tente ler sem considerações políticas, compromissos ideológicos ou preconceitos. Para o livro que estou escrevendo agora, por exemplo, estou relendo a Divina Comédia, de Dante Alighieri, em italiano. Há certos moralismos em Dante que me irritam. Além disso, há seu compromisso com a visão de mundo católica, e eu não confio em nenhum tipo de religião institucionalizada. Mas, ao lê-lo, procuro me manter aberto. O frescor da língua e a força das metáforas me obrigam a deixar todas as minhas opiniões de lado e me render à força daquele texto. É assim que se deve ler.

VejaO livro Como e Por que Ler foi muito criticado na época do lançamento. Houve quem dissesse que o senhor simplificou demais a questão, outros o acusaram de posar de guardião da "alta cultura". Como responderia a seus críticos?
Bloom – A maior parte das críticas negativas é proveniente de acadêmicos anglo-americanos. Somos inimigos mortais. Há 25 anos venho denunciando esse pessoal. O ensino de literatura no mundo de língua inglesa foi para o inferno. É dominado por ideólogos, por integrantes daquilo que eu chamo de "escola do ressentimento". É gente comprometida com assuntos extraliterários, com mania de desconstruir e relativizar tudo. Eles não se importam com o valor estético. É o politicamente correto que interessa a eles. Por isso, não estou nem aí, nem leio as críticas. Se você tenta ser independente, se não adere a nenhum tipo de moda, se fala honestamente e emite opiniões próprias, se recusa ideologias, inevitavelmente será atacado. É como diz o escritor americano Ralph Waldo Emerson, um dos meus heróis: "O mundo tenta castigar os que não se conformam". Minha maneira de responder aos críticos é escrevendo outros livros.

VejaQual o papel da literatura num mundo dominado pelas mídias visuais?
Bloom – Há grandes autores, como William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Jane Austen e Charles Dickens, que conseguem sobreviver nas adaptações para as mídias visuais. Mas há outros, como Dante Alighieri, John Milton, James Joyce, Marcel Proust ou Franz Kafka, cujo futuro é completamente incerto. O grande autor português José Saramago é outro por quem eu temo. Somos amigos, escrevi um ensaio sobre o magnífico O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Ele é dos melhores romancistas que conheço, não deixa nada a dever aos grandes nomes da literatura. Mas, sinceramente, acho que num mundo dominado pela imagem livros difíceis como os dele poderão deixar de ser lidos em vinte ou trinta anos. As crianças estão crescendo cercadas por telas. A longo prazo, não sei qual pode ser o efeito disso sobre a capacidade das pessoas de ler para buscar não apenas informação, mas sabedoria e autoconhecimento.

VejaLivros como os da série Harry Potter não são uma boa porta de entrada, um meio de despertar nas crianças o interesse pela literatura?
Bloom – Você realmente acha que as crianças vão ler coisas melhores depois de ler Harry Potter? Eu acho que não. E um dos piores escritores da América, Stephen King (ele é terrível, não consigo ler nem dois parágrafos do que escreve), confirmou minhas suspeitas numa resenha que escreveu para o jornal The New York Times. Segundo ele, as crianças que aos 12 anos estão lendo Potter aos 16 estarão prontas para ler os seus livros. Preciso dizer mais? Os Estados Unidos são um país em que a televisão, o cinema, os videogames, os computadores e Stephen King destruíram a leitura.

Veja Por que não ler os livros de J.K. Rowling, a autora de Harry Potter?
Bloom – Li apenas uma das obras dessa autora. A linguagem é um horror. Ninguém, por exemplo, "caminha" no livro. Os personagens "vão esticar as pernas", o que é obviamente um clichê. E o livro inteiro é assim, escrito com frases desgastadas, de segunda mão. Escrevi uma resenha para o Wall Street Journal falando mal de Harry Potter. A polêmica foi imediata. Foram enviadas mais de 400 cartas me xingando de todos os nomes. A defesa de livros ruins como esses, que vem de todos os lados – dos pais, das crianças, da mídia –, é muito inquietante e nem um pouco saudável.

VejaEm seu livro anterior, Shakespeare – A Invenção do Humano, o senhor afirma que o dramaturgo William Shakespeare "inventou o humano". Poderia explicar um pouco melhor essa idéia?
Bloom – Grande parte do que hoje consideramos uma personalidade humana foi invenção de Shakespeare. Há hábitos que desenvolvemos, como o de parar de repente e escutar a nós mesmos, que só passaram a existir depois dele. Preste atenção na literatura anterior, em forma de verso, prosa ou teatro. Você simplesmente não encontra monólogos interiores como os que vemos em Shakespeare. Aquilo que gostamos de chamar de nossas "emoções" surgiram pela primeira vez como pensamentos de Shakespeare. Nele, mais do que em qualquer outro escritor, parece que os personagens não foram inventados. É como se eles existissem desde sempre. Assistir a uma peça de Shakespeare na China, em termos de identificação do público com o que se passa no palco, não é muito diferente de assistir em Nova York ou Londres.

VejaNo século XX, tornaram-se muito comuns as leituras psicanalíticas de Shakespeare. O próprio Freud escreveu a respeito da peça Hamlet. Mas o senhor costuma fazer pouco dessas interpretações. Por quê?
Bloom – O romântico Percy Shelley costumava dizer que o demônio deve muito ao poeta John Milton, já que este o retratou de maneira magnífica no livro Paraíso Perdido. Pensaríamos no demônio de maneira diferente se não fosse Milton. Acho que o mesmo ocorre com Freud: ele deve tudo a Shakespeare. Freud é essencialmente Shakespeare em forma de prosa. Se você ler atentamente o que ele fala sobre complexo de Édipo, verá que no fundo não está falando de Édipo, mas de Hamlet. Por isso defendo uma leitura shakespeariana de Freud, e não uma leitura freudiana de Shakespeare. Não podemos negar a Freud, contudo, um lugar entre as quatro ou cinco maiores figuras intelectuais do século XX. E também entre os maiores escritores. Ele era um ótimo ensaísta. Foi o Montaigne de nossa era.

VejaNum de seus livros mais famosos, A Angústia da Influência, de 1973, o senhor dizia que, para uma geração de autores se constituir, tinha de "matar" a anterior. Isso ainda vale para os autores contemporâneos?
Bloom – Sim. A menos, é claro, que a literatura passe por uma mudança radical, o que por enquanto acho muito difícil. Essa mania atual de cyberliteratura, cyberpoema, jogos verbais etc., tudo isso são erupções tardias do que os dadaístas e surrealistas fizeram, aliás muito melhor, 100 anos atrás. Saramago, por exemplo, parece estar sempre envolvido numa complexa competição com Eça de Queiroz e com Fernando Pessoa, os dois grandes autores portugueses que o precederam. Ainda acho que a literatura caminha por meio de um confronto direto com a produção da geração anterior. Isso não vai mudar. Arte é competição.

VejaCrítica também?
Bloom – Acho que toda crítica equilibrada, mais do que competitiva, tem de ser pessoal e excêntrica. É o que Oscar Wilde, outro de meus heróis, costumava dizer: a crítica é a única forma civilizada de autobiografia. Não tenho pretensões de fazer crítica científica. Gostaria muito que meus livros, lidos em conjunto, fossem considerados minha autobiografia.

VejaEm 1979, o senhor publicou The Flight to Lucifer – A Gnostic Fantasy (Vôo para Lucífer – Uma Fantasia Gnóstica), sua única tentativa de escrever ficção. Por que não voltou a ela?
Bloom – Foi um erro.  Não devia ter publicado esse livro. Você o conhece? É uma ficção científica na qual o protagonista, uma espécie de Prometeu, vai em busca de seu destino num planeta chamado Lúcifer. Reli a obra numa noite dessas e vi que ela era realmente horrível, fria, sem vida. Os personagens eram todos sobrecarregados. Era pesado, não tinha nada da "vida local" que uma narrativa de verdade deve ter. E aí percebi que eu não era um contador de história, que não podia criar bons personagens. Gostaria que esse livro fosse esquecido de vez. Todo mundo tem a chance de errar uma vez. Essa foi a minha.

VejaTemas religiosos, como a cabala e o gnosticismo, aparecem também em seus livros de ensaios. Onde termina o crítico e começa o místico?
Bloom – Cresci como judeu ortodoxo, mas continuo achando, e isso já irritou muita gente, que o judaísmo ortodoxo não é mais do que uma leitura equivocada da Bíblia hebraica, feita há 1.800 anos. Foi uma forma de adequar a religião à realidade dos judeus que viviam sob ocupação romana. Hoje não vejo por que agir da mesma forma que naquele tempo. Considero as tradições religiosas como produto de uma época – e a criação do universo como uma grande separação, o criador distanciando-se irremediavelmente de suas criaturas. Até imagino, para além do sistema solar, algo parecido com um deus de verdade. Mas ele, ou ela, certamente não pode nos ouvir. É como diz a máxima: se as preces do homem são uma doença da vontade, então seus credos são uma doença do intelecto.

VejaO enfoque literário na leitura da Bíblia é mais interessante do que o religioso?
Bloom – Sem dúvida. O texto original do que hoje chamamos de Gênesis, Exodo e Números é trabalho de um narrador magnífico, certamente um dos maiores contadores de história do mundo ocidental. Aliás, em O Livro de J, observo que o autor desses textos foi uma mulher que viveu 3.000 anos atrás, na corte do rei Salomão, um lugar de alta cultura, ceticismo e muita sofisticação psicológica. Pense em figuras como José, Jacó e Jeová. São todos personagens maravilhosos. E os efeitos poéticos do texto são extraordinários, comparáveis a Píndaro. Os profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel também eram grandes escritores, assim como os autores do Evangelho de Marcos e do Livro de Jó. A Bíblia é uma vasta antologia da literatura de toda uma cultura.

VejaE hoje, há algo que preste nesse filão crescente de literatura religiosa e new age?
Bloom – Não. Não temos um grande místico. Haveria espaço para um, sem dúvida, e até clamo por isso em meu livro Presságios do Milênio, mas não há quem se salve. Só lixo, em qualquer língua que conheço. É preciso deixar claro que nos últimos trinta ou quarenta anos não surgiu nenhum autor religioso com alguma força ou originalidade.

VejaComo o senhor situaria a literatura brasileira em relação à literatura mundial? Que nomes destacaria?
Bloom – Comecei a estudar português não faz muito tempo, e ainda não consegui me familiarizar direito com a língua. Não posso dizer que conheço a produção literária contemporânea do Brasil. Quanto aos autores mais antigos, como Machado de Assis, só agora começaram a aparecer boas versões de suas obras para o inglês. Foi por isso, também, que não o incluí em O Cânone Ocidental.

Veja No fim desse livro, o senhor faz uma longa enumeração daqueles que seriam os autores mais importantes do Ocidente, em todas as épocas. Qual o sentido desse tipo de lista?
Bloom – Nenhum. Fiquei muito arrependido de incluir essa lista no livro. Ele ficaria melhor sem ela. Fiz sob protesto, por insistência do meu editor e da agente literária, que achavam que assim o livro venderia mais. Acho perniciosas todas as listas de "melhores livros". São baseadas em leituras apressadas, em premissas equivocadas e sempre acabam deixando de lado algo importante. Portanto, sou completamente contra listas. Inclusive a minha.



 (...) o crítico literário norte-americano Harold Bloom descreveu "Os Maias" como "um dos mais notáveis romances europeus do século 19, comparável, na sua totalidade, às melhores obras dos grandes mestres russos, franceses, italianos e ingleses da prosa de ficção".(...)


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