« preciso de desocupar esta casa (imensa) que sou. há gentes estranhas e inconvenientes. ruídos por demais ruidosos perambulando pelos corredores. janelas abertas e clarabóias indevidamente projectadas. há demasiada gente para uma casa tão imensa, quando preciso cavalgar o meu cavalo pelos corredores e ser Eu. »
Sexta-feira, 16 de Dezembro de 2011
© NãoSouEuéaoutra
18 de Julho 2006
(reeditado - antigo blog)
Lola, era o seu nome. Nascida de um caso furtivo e oculto entre uma dona de casa e um caixeiro-viajante. Segundo a sua mãe, o seu pai era um homem de personalidade ambígua. Vendia escorpiões de terra em terra a curandeiros. Amava mais os escorpiões do que a sua própria vida e a eles se devotava. Deste romance breve e intenso nascera Lola e cujo pai nunca soubera da sua existência, porque tal como inusitadamente chegou àquela terra, assim desapareceu sem deixar rasto. Não houve, como se diz, tempo, posto que, todos os viajantes são rápidos na chegada, na conquista e na partida.
Lola nascera diferente. Porquê? Uma das suas mãos era dupla. Do seu pulso desprendia-se uma cauda. Uma cauda de escorpião. Por muitos anos sua mãe a escondeu dos olhares de terceiros. Julgou-se suja por ter dado à luz um ser tão estranho. Acreditou que cometera um crime ao envolver-se de alma e corpo com um homem de índole duvidosa e ter vivido os mais escaldosos, escandalosos e ardentes desejos libidinosos, e por consequência do seu pecado gerara uma filha fruto dessa ligação, como marca da sua aventura tão proibida e censurada à alma humana.
Lola e a sua mão com cauda de escorpião cresceram fechadas numa redoma, longe de todos e até da própria mãe. Conservou a pureza e a inocência de coração. O único alimento que a sua mãe lhe dava, eram livros. Os livros deixados pelo seu pai outrora. Apesar de ser um homem muito estranho e vender escorpiões, tinha uma faceta de livreiro. Livros estes que eram a titulo enigmáticos e cuja Lola apreendeu e deles absorveu todo o ensinamento oculto da cauda de escorpião. Já adolescente, depois de muitas lutas com a sua cauda, aprendeu a domá-la. Foi neste momento que Lola também se abriu para o mundo e sua mãe devolveu-lhe o olhar de Mãe e com ele a liberdade.
Nunca ninguém descobriu que Lola tinha uma cauda de escorpião quando se adentrou pelo mundo, tal a sua rigorosa aprendizagem e disciplina para domar a matéria escorpiónica contida no seu punho e extrair dela o exilir da libertação. Da sua mão, invisivelmente brotavam pétalas de rosas de cor branca envolvidas em gotas que lembram o orvalho da manhã. O preço da sua alquimia encontrou-a na pesada prisão dos que não a souberam amar!!
os grãos continuam a ser algo que gosto trabalhar/colocar nas fotografias. provavelmente isto se deve ao desenho com lápis de carvão e o esfuminho. sempre tive obsessão por ilustração, desde menina. sempre foi muito privada esta tendência e também muita obsessiva a busca pelo volume e luz e sombra no desenho. sempre descontente pela minha imperfeição em desenhar, origem de grandes dores de cabeça. (talvez a minha maior zanga em vida, para compreender todo o processo de desenhar!!) viciada em linhas finas durante muito tempo, e um dia, um mestre de impressionismo deu-me uma grande e esplendorosa bofetada que alterou a minha estúpida mania de perfeição, e nunca mais me preocupei tanto com a linha do desenho e acabei por olhar mais para a noção de luz e sombra e volume. apenas mudei o foco da obsessão e da perfeição. sempre ando com um notebook da Ambar, como também ando sempre com um livro.
[ Minha Vida
Nunca busquei viver a minha vida
A minha vida viveu-se sem que eu quisesse ou não quisesse.
Só quis ver como se não tivesse alma
Só quis ver como se fosse eterno. ]
Alberto Caeiro, in "Fragmentos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
nunca tinha percebido como o vazio era tanto. quase vergonhoso. quase assustador. quase filho da puta. quase tudo para dizer a verdade. sempre acordei todas as manhãs. todas as manhãs foram mentirosas. mentirosas umas atrás das outras. como são quase sempre os vazios que tentamos não ver. somos mestres do disfarce. o disfarce apanha-nos. pode acontecer que esse apanhar surja numa manhã e de repente fiquemos sujos. sujos como são esses esgotos. esgotos entupidos, por mais que esses tubos sejam de ouro.
nunca tinha percebido como o vazio era tanto. como se tornara enorme. tão enorme e monstruoso. uma anaconda mastigando as entranhas da alma e dejectando no corpo. o amor. isso foi tudo uma mentira. uma mentira profunda nunca assumida. nunca houve. o que houve foi nada. nenhuma flor nasceu aos pés desta criança. todos os afagos foram roubados.
NãoSouEuéaOutra in « A Orgia Morta »
« só quis ver como se fosse eterno »
Zach Dischner
Sou uma Beduína Nómada. Sou antiquíssima. Continuo a percorrer os desertos. Sou uma Filha do Deserto e já vos disse centenas de vezes e vocês teimam em não me ouvir. Fui criada por entre ventanias de areias; clarões de luzes; sol a queimar a pele. Comi pasto não sendo vaca e nem boi, muito menos cabra. A vida sedentária não me fascina. Sou um espírito livre que navega pelos desertos, cuja alma se prende à intemporalidade dos dias e das noites. Tenho o privilégio de ser visitada pelas estrelas, de ser chamada à realidade adormecida. Doloroso é o despertar das trevas, e esperto, tem sido o (D)iabo que vive nas unhas dos meus pés, e há dias descobri que até faz cama nas minhas pestanas!! Ele precisa de controlar o que os meus olhos, tão cheios de deserto, andam a ver.
Não vos pertenço, oh (i)indivíduos medíocres! – digo-o muitas vezes num assombro de descontentamento.
Fiz-me sozinha, nas longas e árduas caminhadas pelas areias do deserto. O Oriente Médio pertence-me ao coração, dele me fiz e nele morri. Não me faço na religião, porque a minha religião é e pertence ao deserto. Sou uma solitária do caminho que não apela à vulgaridade e ao parecer. Fiz-me com o sangue das Serpentes; arranquei-me a mim mesma com as mandíbulas de Pantera; esperei como a Hiena pelos meus demónios e tive a coragem de ser Águia, apenas, para poder ver-me como um Deus de mim mesma (ainda que me tenham cortado meia asa).
Eu sou a Beduína. Nómada, sim. Se preferirem, podem chamar-me de Flor do Deserto, apenas para vos temperar o amargo da boca.
NãoSouEuéaOutra in '' A Beduína ''