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10 junho 2011

PORTUGAL, O ORGULHO DE EXISTIR

Como hoje é Dia de Portugal, decidi resgastar as palavras finais do meu livro "O Medo do Insucesso Nacional" (2009, Esfera dos Livros), onde falo sobre o orgulho de ser português e sobre a esperança de termos um futuro melhor:

"Para um país de dimensões tão reduzidas, é verdadeiramente impressionante o que Portugal alcançou ao longo dos seus oito séculos e meio de existência. O espírito empreendedor nacional e a ambição de melhorar de vida fizeram com que milhões dos nossos antepassados (e muitos dos nossos amigos e conhecidos) saíssem das suas casas, abandonassem as suas famílias, os seus filhos, os seus entes queridos, as suas aldeias, vilas e cidades, e partissem em busca de novas oportunidades. Este espírito empreendedor fez com que «descobríssemos» novas terras e novos mundos e foi fundamental para Portugal criar um dos maiores impérios da história universal. Nem tudo correu bem com o império. Milhares e milhares de nativos, aborígenes e habitantes de outras terras longínquas pereceram sob as espadas, pistolas, e, principalmente, com os germes dos intrépidos europeus. Em nome de Cristo e de uma alegada cruzada civilizacional, os nossos antepassados destruíram culturas e sociedades, e escravizaram milhões de inocentes. Não fomos nem piores nem melhores do que os outros. Fizemos o que se fazia na altura. Para o bem e para o mal.

Porém, apesar de todos os erros e abusos, o importante legado da lusofonia deve ser preservado e fomentado. E apesar de todos os erros e abusos, a nossa história e o nosso percurso colectivo devem encher-nos de orgulho. Não precisamos de ser nacionalistas dogmáticos ou radicais para se ter orgulho de existir. Nem sequer é preciso ser-se nacionalista para se ter orgulho em ser português. O que interessa é que acreditemos no futuro de Portugal. Ter orgulho de existir é acreditar que Portugal pode e deve fazer melhor. É acreditar que os nossos filhos terão um melhor nível de vida do que nós tivemos, do mesmo modo que as gerações actuais desfrutam de rendimentos médios bem acima dos auferidos pelos nossos avós e pelos nossos pais. Não é com taxas de crescimento económico a rondarem os 1 ou 2% ao ano que o conseguiremos. A essas taxas veremos os rendimentos (quase) a estagnar, o desemprego a aumentar, o mal-estar a crescer e a emigração a assumir novamente proporções desagradáveis. Para alcançarmos um futuro melhor, a economia nacional tem de crescer a taxas superiores a 2% e, se possível, acima dos 3% ao ano. Pelo menos durante umas décadas.

Eu acredito que seremos capazes. Aliás, tenho certeza que o seremos. As razões para o meu optimismo são simples. Por um lado, a história económica dos últimos 60 anos demonstra que a nossa economia é capaz de um grande dinamismo. Pensar que estamos perpetuamente condenados à crise e à estagnação tem tanto sentido como afirmar que só um D. Sebastião nos poderá salvar numa manhã de nevoeiro. Ou seja, nenhum. Nos últimos 60 anos, os progressos foram enormes e provaram que o estado natural da nossa economia é o crescimento, não a estagnação. Por outro lado, basta olharmos para os nossos campeões nacionais para percebermos que, se Portugal não fosse um país com futuro, os nossos empreendedores e muitos dos nossos inovadores já há muito nos teriam abandonado...
E se tantas empresas nacionais e multinacionais continuam a acreditar nas nossas potencialidades, por que é que nós não fazemos o mesmo? Por isso, não tenhamos vergonha. Orgulhemo-nos novamente de nós próprios. Tenhamos orgulho em investir no orgulho nacional. Tal como fazem os espanhóis, os brasileiros ou os americanos. Orgulhemo-nos em ser portugueses. Não o orgulho bolorento e provinciano do Estado Novo. Não o orgulho radical dos nacionalistas. Mas sim um orgulho de gostar e de acreditar em Portugal. Um orgulho de encarar o futuro de Portugal como um projecto comum, um projecto nacional em que vale a pena apostar.
Orgulharmo-nos de Portugal não é pensar que somos os melhores do mundo ou que somos excepcionais. Não somos. Somos apenas os melhores e os mais excepcionais à nossa maneira. O importante é que a economia nacional retome a senda do extraordinário progresso registado na segunda metade do século 20. O importante é que os níveis de vida portugueses cresçam novamente a taxas apreciáveis. O importante é que Portugal seja um país de oportunidades para todos os que cá nasçam ou que decidam cá viver e trabalhar.

Quem vive fora e quem nos visita apercebe-se das potencialidades do país e de quão aprazível é Portugal. O nosso clima é extraordinário, o «nosso» sol é invejável, a nossa culinária é simplesmente divinal. Não somos superiores aos espanhóis, aos europeus, aos africanos ou sequer aos chineses. O mito da superioridade lusitana que nos foi incutido pela ditadura salazarista é tão verdadeiro como os delírios maniqueístas do Querido Líder da Coreia do Norte, King Ju-Ill. Não, não somos superiores aos outros. Somos uma nação entre muitas, que deve ter por objectivos a melhoria da qualidade de vida das populações, o desenvolvimento económico, a preservação do meio ambiente e um bom relacionamento com outros países. Somos e devemos ser cada vez mais um país de oportunidades, oportunidades para todos, independentemente do sexo, da raça, da religião, da orientação sexual, ou dos níveis de riqueza. No tempo da ditadura (e até anteriormente), as oportunidades estavam limitadas a meia dúzia de privilegiados (quase todos homens), que, por isso, tinham direito a elevadas rendas e monopólios exclusivos. Hoje em dia, a nossa obrigação é acabar com os resquícios de proteccionismo que restam e com o paternalismo excessivo dos tempos salazaristas. Se o fizermos, não só melhoraremos a competitividade das nossas empresas, como forneceremos os incentivos necessários para que se registem maiores índices de empreendedorismo e de inovação na economia nacional.
Portugal é um excelente país para se viver. O que precisamos é que Portugal se torne cada vez mais num país óptimo para se trabalhar, para se investir e para se inovar. O que precisamos é que cada um de nós volte novamente a acreditar nas nossas possibilidades e potencialidades. Deste modo, o meu maior desejo é que, dentro de dois ou três anos, o tão propagado insucesso nacional seja um mito que já foi desmistificado. Um mito que já foi ultrapassado. Um mito que já foi superado. Um medo que já foi vencido. Um medo que não faz mais sentido. Tenho a certeza que tal acontecerá. É só uma questão de tempo."

09 junho 2011

O RELATÓRIO DO FMI

O relatório mais recente do FMI sobre o nosso país foi agora publicado. Mais concretamente, o relatório contém não só a habitual análise macroeconómica do nosso país, mas também apresenta com algum detalhe as medidas propostas pela troika que terão de ser implementadas nos próximos meses e nos próximos anos. Por isso, nos próximos dias irei explicar com algum detalhe o referido relatório, bem como a grande maioria das medidas que serão aplicadas no nosso país. Hoje vou debruçar-me sobre a análise do FMI da economia nacional, bem como sobre as previsões macroeconómicas para os próximos anos. Amanhã e nos dias seguintes irei analisar as diversas políticas económicas que estão planeadas para os próximos tempos.
Comecemos pela análise da nossa situação actual. Quem ler o relatório do FMI não pode deixar de ficar impressionado(a) com a apreciação extremamente crítica da situação económica portuguesa, bem como da gestão macroeconómica dos últimos anos, incluindo a aposta nas parceiras público-privadas (PPPs) e o endividamento explosivo das empresas públicas. Neste sentido, o relatório do FMI realça as seguintes características da evolução económica dos últimos anos:
1) Os desequilíbrios da economia portuguesa aumentaram "consideravelmente" após a nossa adesão ao euro, desequilíbrios que incluiram uma apreciação da nossa taxa de câmbio real (o que tornou as nossas exportações mais caras e menos competitivas), um crescimento do sector dos chamados não-transaccionáveis (os que não estão expostos à concorrência externa), desequilíbrios fiscais e extermos, bem como uma descida substancial da taxa de poupança
2) Durante esse período registaram-se uma substancial perda de competitividade e um aumento alarmante do nosso défice externo
3) O défice orçamental tornou-se insustentável, sendo potencialmente ainda mais problemático graças à pouca transparência e às elevadas despesas relacionadas com os contratos das PPPs, bem como graças ao endividamento explosivo das empresas públicas. Nas palavras do FMI: "Potential convergence benefits were not reaped as the expansion in primary current expenditure since 1994 (over 8 percent of GDP) outpaced the declining interest costs (3 percent of GDP). Social benefits and health costs were the key drivers. As a result public debt as a share of GDP rose from about 48 percent in 2000 to 93 percent in 2010. Non-transparent operation of state-owned enterprises (SOEs) and public-private partnerships (PPPs) have further increased fiscal risks."

4) Há ainda um endividamento muito elevado das famílias e das empresas. Este endividamento é dos mais altos de toda a OCDE.
5) Há inúmeros problemas estruturais na economia nacional que se vêm prolongando há mais de 10 anos
6) O nosso principal problema é o exíguo crescimento da economia nacional

Em relação às previsões macroeconómicas, é interessante (embora não surpreendente) observar que o FMI espera que os frutos do programa de ajustamento só vão começar a fazer-se sentir a partir de 2013. Até lá, a dinâmica da economia portuguesa e a dinâmica da dívida pública e da dívida externa determinam que a grande maioria das variáveis económicas vai piorar. Mais concretamente, aqui estão as previsões do FMI para os próximos anos (as previsões do FMI aparecem em linhas picotadas):

a) Crescimento económico
Como podemos  ver na tabela abaixo, o crescimento da economia só se tornará positivo a partir de 2013. Em 2011 e 2012, a economia nacional vai contrair-se. Ou seja, teremos ainda mais desemprego e mais emigração nos próximos anos e antes que a situação melhore e se inverta.


  2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Crescimento do PIB -2.5 1.3 -2.2 -1.8 1.2 2.5 2.2 2

b) Desemprego

O FMI prevê que a taxa de desemprego vai continuar a crescer até 2012 (quando deverá ser superior a que 13,4%), baixando gradualmente a partir daí. Ainda assim e como podemos ver no gráfico abaixo, o FMI prevê que daqui a 5 anos a taxa de desemprego ainda rondará os 10%.
Taxa de desemprego, 1990-2016
Fonte: INE, FMI

c) Défices orçamentais
Após os desastrosos anos de 2009 e de 2010, os défices orçamentais vão começar a baixar significativamente nos próximos anos. Daqui a 5 anos, espera-se que o défice orçamental esteja abaixo dos 2% do PIB.

Défice orçamental em % do PIB, 1990-2016
Fonte: Banco de Portugal, FMI

d) Dívida pública
A dívida do Estado também vai continuar a aumentar até 2014, em valor absoluto e em percentagem do PIB, diminuindo finalmente a partir desse ano. Obviamente, se o governo conseguir alcançar cortes de despesas adicionais (principalmente ao nível da reforma administrativa do Estado e de cortes nos institutos e entidades afins) e/ou obter mais receitas, é possível que a dívida pública (e os défices orçamentais) em percentagem do PIB diminua mais depressa.

Dívida pública em % do PIB, 1999-2011
Fonte, Banco de Portugal, FMI

e) Dívida externa
A dívida externa também vai aumentar próximos anos, começando a diminuir a partir de 2014
Dívida externa líquida em percentagem do PIB, 1990-2016

Fonte: Banco de Portugal, FMI

f) Finalmente, os nossos desequilíbrios externos registados ao nível da balança corrente (que inclui, entre outras coisas, o saldo entre as exportações e as importações) vão começar a ser corrigidos nos próximos anos. Assim, depois de andarmos uma década com défices da balança corrente entre os 9% e os 10% do PIB, os valores desses défices irão a começar a decrescer significativamente já a partir de 2012, devido não só ao esperado crescimento das exportações, mas também graças à diminuição das importações (proporcionada pela contracção económica nos próximos anos, bem como devido à substituição de algumas importações).
Defice da balança corrente, 1999-2016


Moral da história: a recuperação económica será gradual e lenta. Até 2013, espera-se mais crise e mais desemprego, com a economia a recuperar a partir dessa altura. Amanhã começarei a analisar com mais pormenor as medidas a implementar.

06 junho 2011

UM NOVO COMEÇO

Era importante que saísse das eleições uma maioria forte e estável e com um programa reformista. Era igualmente importante que o governo dos últimos anos perdesse em toda a linha, até para que o PS se pudesse reformar e refundar. Felizmente, as duas condições prevaleceram nas eleições de ontem. Pedro Passos Coelho venceu e venceu bem e agora cabe-lhe liderar o governo mais reformista das últimas décadas. Ou seja, agora vem o mais difícil. Os próximos tempos não serão fáceis e, por isso, é muito importante que o ímpeto reformista não esmoreça perante as enormes dificuldades que se adivinham. Aliás, é absolutamente fundamental que tal não aconteça. Porém, é também importante perceber que o sucesso de Portugal não vai depender somente do novo governo. Vai depender também de todos nós, particulares, famílias, empresas, e parceiros sociais. É fundamental trabalhar afincadamente para implementar reformas, enquanto se evitam a todo o custo conflitos sociais desnecessários (um pacto social é fundamental). É igualmente vital conseguir trabalhar em equipa para que consigamos dar a volta à difícil situação actual. Penso que vamos conseguir. Porquê? Porque acho que o próximo governo será verdadeiramente reformista e porque, francamente, não temos alternativa. Ou melhor: temos alternativa que é falharmos como país. O que, obviamente, não é alternativa. Tenho a certeza que tal não acontecerá. Foi exactamente isso que defendi no "Portugal na Hora Verdade", cujo capítulo final contém as seguintes considerações sobre um programa reformista para o nosso país:
 
"Acredito que temos em nós as soluções para os nossos males… Nesse sentido, se implementarmos as (ou algumas das) reformas [que necessitamos], se começarmos a viver dentro das possibilidades, se controlarmos o défice externo e a despesa pública, se fomentarmos o empreendedorismo nacional, se criarmos melhores incentivos à inovação e a um maior dinamismo empresarial, se melhorarmos a transparência das contas públicas, e a equidade intergeracional destas, se adaptarmos as nossas leis laborais às realidades do mundo moderno, poderemos ter a certeza de que a economia nacional sairá ainda mais fortalecida da crise actual. Acima de tudo, acredito que o importante é não ficarmos resignados com o actual estado de coisas, não baixarmos os braços e darmos os passos necessários para que nos levantemos de novo e retomemos a senda do progresso que caracterizou o último meio século do século XX. A grande crise nacional poderá assim transformar-se numa grande oportunidade para reformarmos o nosso país. … 
Não há dúvida de que a crise actual representa a maior oportunidade de reforma que o país teve nas últimas décadas. Sim, leu bem. Nas últimas décadas. A razão para tanto «optimismo» é simples: tanto a nossa economia, como nós próprios, já batemos ou estamos prestes a bater no fundo por causa da crise. Já batemos ou estamos prestes a bater no fundo da nossa auto-estima, da nossa descrença, da nossa falta de esperança, da nossa ausência de oportunidades. E, por isso, se não nos reformarmos agora, seremos decerto forçados a concordar com os mais pessimistas, que prevêem um futuro sem futuro para o nosso país. De modo que, para evitar que tal aconteça, é preciso que arregacemos as mangas e levemos a cabo o maior programa de reformas das últimas décadas. Assim, é chegada a hora de arrumar nas prateleiras da memória a ideologia oficiosa do nosso Estado, o credo do fontismo que tanto mal nos tem provocado quando não é utilizado no momento certo. É chegada a hora de acabarmos com os resquícios socializantes do período revolucionário que tanto continuam a penalizar a nossa economia. É chegada a hora de acabar com a irresponsabilidade de atirar os encargos das nossas despesas públicas para as gerações futuras e para os nossos filhos. E, acima de tudo, é chegada a hora de reformarmos de uma vez por todas o nosso Estado, que asfixia cada vez mais a nossa economia, o empreendedorismo e o próprio sector privado. 
Nos últimos anos, temos andado a viver num autêntico país de faz-de-conta, em que fingimos que tudo está bem e que não vale a pena nos preocuparmos com a alarmante baixa da natalidade, com o regresso da emigração, com a crescente fuga de cérebros, com o histórico desemprego, ou com a maior estagnação do último século. Esta é uma verdadeira estratégia de autodestruição que não só é de uma irresponsabilidade atroz, como também não nos dá nenhum futuro. Muito pelo contrário. Se há lição a retirar da turbulência económica e financeira dos últimos meses é que as irresponsabilidades se pagam muito caro e que as más políticas podem ter consequências verdadeiramente trágicas para um país.
Sair da crise não será fácil, pois serão exigidos ainda mais sacrifícios. A todos nós. Como a economia nacional já está estagnada há uma década, estes sacrifícios parecer-nos-ão ainda maiores, ainda mais injustos. Porém, a verdade é que não há alternativa a um vigoroso programa de reformas. O que está em causa não é reformar ou morrer, mas é, certamente, reformar ou declinar. Um declínio que pode ser revertido se escolhermos um outro caminho, um novo rumo. 
… 
É difícil implementar todas estas reformas e todos estes princípios? Claro que sim. Será muito difícil fazê-lo. Porém, quando as dúvidas começarem a crepitar no espírito dos reformistas, quando acontecerem os primeiros (mas inevitáveis) desaires políticos, quando o estado de graça acabar e quando as sondagens de opinião começarem a ser menos favoráveis, é absolutamente fundamental que o curso reformista não seja abandonado, sob pena de hipotecarmos o futuro do país. O mais importante, o mais fundamental, é que, nesse momento de dúvida, nesse instante de incerteza, os reformistas respirem fundo e se perguntem: qual é a alternativa? Qual é a alternativa a um programa de reformas? Qual é a alternativa a um governo responsável e com uma visão estratégica para o país? ... Como é bem patente, a alternativa está bem à vista e chama-se declínio económico e social de Portugal, chama-se emigração e desemprego, chama-se crise e recessão, chama-se falta de futuro. E, por isso, é importante que os reformistas não esmoreçam e que as reformas não deixem de ser feitas. 
Na nossa História, já demonstrámos inúmeras vezes que somos capazes de reagir às circunstâncias mais adversas, que somos capazes de nos erguer quando muitos nos julgavam perdidos, que somos capazes de nos reinventar perante as incertezas do futuro, que somos capazes de ultrapassar os Adamastores mais inultrapassáveis. Por isso, não tenho a mínima dúvida de que também seremos capazes de o fazer nesta hora da verdade, de que iremos sobreviver a esta crise e de que até poderemos emergir mais fortes das convulsões recentes. Porém, para que tal aconteça, teremos de mudar radicalmente o rumo dos últimos anos. Não temos outra opção. O preço da inacção é demasiado elevado e o preço de continuar a insistir numa trajectória de irresponsabilidade é simplesmente insustentável." ("Portugal na Hora da Verdade", Gradiva, 2011)

04 junho 2011

UM POPULISMO SUICIDA

Há cada vez menos dúvidas que as eleições de 5 de Junho são as mais importantes desde o início da nossa jovem democracia. Digo isto sem qualquer espécie de demagogia. Temos hoje os piores indicadores desde 1892, quando declarámos a bancarrota, e fomos forçados a recorrer à ajuda externa para evitar uma gravíssima crise de liquidez que poderia ter-nos causado problemas de solvência. Por isso, não votar no dia 5 de Junho ou votar neste governo é caucionar implicitamente as acções de um executivo que nos conduziu à beira da bancarrota. É dar um prémio uma taxa de desemprego recorde e é forçar que aos nossos filhos emigrem daqui para fora. É premiar um populismo suicida que ameaça condenar o nosso país a um atraso a uma pobreza que pensávamos que já tínhamos vencido. É tão simples quanto isso.

UM DIA INÚTIL E ANACRÓNICO

O chamado dia de reflexão não faz qualquer sentido no mundo actual. É um dia verdadeiramente inútil e anacrónico, principalmente num mundo dominado pelos media e pela internet. Aliás, alguém me podia dizer quais são os países avançados que mantêm um dia de reflexão antes das eleições?

ELEIÇÕES PORTUGUESAS NO GUARDIAN

O Guardian analisa algumas das consequências das eleições portuguesas e prevê o fim do governo socialista. O artigo contém ainda uma pequena citação minha sobre a nossa dívida soberana que foi traduzida do Desmitos.

03 junho 2011

A CRISE DA DÍVIDA

O SOL fez-me algumas perguntas sobre a crise da dívida soberana europeia e a sustentabildade da dívida portuguesa. Aqui estão as minhas respostas: 

Onde errou ou está a errar a Europa na condução da crise da dívida?  
O grande erro da Europa tem sido a incapacidade e a extrema relutância de decidir o que quer que seja sobre a crise da dívida soberana. Tem havido uma grande incerteza sobre o futuro, bem como sobre a resposta das autoridades europeias, que não conseguem chegar a um acordo sobre o que fazer. Pensou-se primeiro que o paliativo dos empréstimos financeiros (com condições muito exigentes) iria chegar, mas é cada vez mais visível que não. No fundo, tenta-se ganhar tempo e tenta-se adiar o mais possível aquilo que parece inevitável, que é a reestruturação da dívida de alguns países, nos quais se encontram certamente a Grécia e a Irlanda e, quiçá, Portugal. Porquê adiar? Porque assim os bancos alemães, franceses e de outros países, poderão atenuar a sua elevada exposição à dívida dos países periféricos, e porque existe a ideia que os países que entrem em incumprimento serão estigmatizados durante muitas décadas. Ora, isso não é necessariamente verdade, desde que as coisas sejam feitas de uma forma planeada e estruturada.

Portugal está em condições de conseguir pagar o seu empréstimo ou há um risco que dentro de meses, Portugal esteja a pedir uma reestruturação da dívida ou reforço da ajuda externa?
Portugal só conseguirá pagar o seu empréstimo se: 1) a economia nacional começar a crescer a taxas superiores a 3% nos próximos anos, 2) os governos alcançarem excedentes orçamentais primários, e 3) se houver uma reestruturação da dívida pública interna (ou seja, se houver uma renegociação das parcerias PPPs). Se estas condições não forem obtidas, temo que, infelizmente, uma reestruturação da dívida portuguesa se torna inevitável. No mínimo, é muito provável que tenha de ser feito um reescalonamento dos prazos da nossa dívida pública.

30 maio 2011

AS PALAVRAS DO FMI

Distraídos com a campanha eleitoral, muitos de nós (incluindo a maior parte da nossa imprensa) não deu conta de mais uma avaliação muito cáustica que o FMI fez da nossa situação económica, atribuindo implicitamente as responsabilidades a este governo por termos chegado a esta situação. Assim, num comunicado à imprensa da autoria do FMI, lê-se não só que as "melhorias" orçamentais em 2010 foram meramente "marginais" (no código diplomático do FMI marginal significa péssimo ou insuficiente) e que as políticas de combate a estes problemas foram "adiadas". O FMI diz ainda que tínhamos um "enquadramento orçamental frágil".
O press release do FMI confirma ainda aquilo que também já sabíamos: que a crise orçamental e a crise da dívida soberana portuguesa quase deram azo a crise bancária sem precendentes na nossa história recente. Porquê? Porque a subida dos juros da dívida pública nacional e as sucessivas quedas de "rating" da República Portuguesa afectaram o financiamento dos bancos nos mercados financeiros internacionais, o que lhes causou um grave problema de liquidez. Sem fontes de financiamento (com a excepção do BCE), os bancos nacionais responderam restringindo o crédito às famílias e às empresas, o que provocou grandes restrições de crédito no território nacional. Quando há menos crédito, há menos consumo e menos investimento, o que afectou ainda mais a economia nacional.
Porém, os problemas dos bancos não ficaram por aqui. Como foram "convencidos" a colaborar com a estratégia do governo de tentar por todos os meios evitar aquilo que era inevitável (isto é, o pedido de ajuda externa), nos últimos meses os bancos nacionais foram dos principais compradores da nossa dívida pública, o que aumentou em muito a sua exposição à dívida soberana portuguesa. Com todos os riscos que isso acarreta para os nossos bancos se Portugal for forçado a fazer uma reestruturação da dívida... (Obviamente, a mesma lógica se aplica à utilização do Fundo de Estabilização da Segurança Social para comprar a dívida nacional. Descapitaliza-se a Segurança Social em prol da sobrevivência de um governo medíocre. Uma vergonha, no mínimo).
O FMI considera ainda que a crise nacional é estrutural, devido à acumulação de desequilíbrios internos e externos ao longo dos últimos anos. Ou seja, o FMI confirma que a fábula que os problemas nacionais começaram com a crise internacional é um mito. Nas palavras do FMI:A economia portuguesa enfrenta uma grave crise em consequência da acumulação de desequilíbrios internos e externos e de profundos problemas estruturais, que produziram uma situação de estagnação económica, falta de competitividade e altas taxas de desemprego." 
Como é evidente, estes "profundos" problemas estruturais, a estagnação económica e a falta de competitividade não se iniciaram em 2008. Bem pelo contrário, assim como já aqui demonstrei várias vezes. Em suma, o FMI só confirma aquilo que é amplamente conhecido fora de portas e que alguns de nós vêm alertando há algum tempo: que a crise nacional é estrutural e que já se prolonga há vários anos. Afirmar o contrário é mera retórica política de quem sabe que a razão não está do seu lado.
 
Aqui está um excerto da carta do FMI. O documento completo em português está aqui: 
"Os persistentes problemas estruturais – nomeadamente a produtividade baixa, a falta de competitividade e a dívida elevada – prejudicaram gravemente o crescimento e deram origem a grandes desequilíbrios externos e orçamentais. No último ano, o governo tomou algumas medidas para controlar o défice orçamental e atenuar os estrangulamentos estruturais, mas o impacto dessas medidas não foi suficientemente profundo.
As melhorias na frente orçamental registadas em 2010 foram apenas marginais e as acções correctivas foram adiadas, em parte como reflexo de um enquadramento orçamental frágil. Como resultado, o défice orçamental global apresentou apenas uma ligeira queda, de 10,1 por cento do PIB em 2009 para 9,1 por cento do PIB em 2010. Para além disso, a ambiciosa meta orçamental de 4,6 do PIB para 2011 também se revelou inatingível.
O contágio e os riscos orçamentais exacerbaram as pressões financeiras sobre o Estado e a banca. Os custos de financiamento do Estado atingiram o patamar mais alto registado após a entrada do país na zona euro, e as tensões no mercado da dívida soberana repercutiram sobre o mercado bancário por grosso. Isto restringiu a posição de liquidez dos bancos, à medida que lhes impediu o acesso ao financiamento nos mercados por grosso, de que eles tanto dependiam. Como reacção às severas restrições no acesso ao financiamento e ao aumento das perdas nas carteiras de empréstimos bancários, os bancos adoptaram políticas de crédito mais restritivas e, com isso, a expansão do crédito foi consideravelmente reduzida. Neste cenário, os temores quanto às perspectivas de crescimento e à sustentabilidade da dívida externa de Portugal intensificaram-se nos últimos meses, culminando no pedido de ajuda financeira externa."

26 maio 2011

O VERDADEIRO LEGADO DESTE GOVERNO

Quando for votar no dia 5 de Junho, por favor não se esqueça do verdadeiro legado deste governo. Já aqui mencionei e interpretei estes dados. No entanto, e como a força de um gráfico vale mais do que mil palavras, vale a pena relembrar o que herdamos após 6 anos desta governação. As linhas a vermelho são os anos que correspondem aos anos em que este(s) governo(s) esteve em exercício:

1) PIB potencial da economia nacional a crescer 0% ao ano
Fonte: AMECO

2) Dívida pública recorde: no final de 2004, a dívida pública portuguesa rondava os 56% do PIB. No final de 2011, a nossa dívida pública vai ser cerca de 100% do PIB nacional.
Esta é a maior dívida pública desde os meados do século XIX e não inclui sequer 40 mil milhões de euros de dívidas das empresas pública e mais de 50 mil milhões de euros em parcerias público-privadas:
Fonte: Mata e Valério (1994), AMECO

4) A taxa de desemprego era 6,6% no final de 2004.  Hoje a taxa de desemprego já ultrapassou os 12,4%. Esta é a maior taxa de desemprego desde, pelo menos, os anos 30 do século passado
 Fonte:Mateus (1998), INE

6) A dívida externa total (bruta) da economia nacional era 167,9% do PIB no início de 2005. Hoje a nossa dívida externa bruta é cerca de 230% do PIB. Esta é a maior dívida externa desde 1892, quando entrámos em bancarrota.

Fonte: Banco de Portugal

7) A dívida externa líquida nacional era 64% do PIB no final de 2004. Hoje, a nossa dívida externa líquida é de 110% do PIB
Fonte: Banco de Portugal

7) O défice externo, medido pela balança corrente, tem ficado sistematicamente acima dos 8% do PIB. Todos os anos o país endivida-se ainda mais para financiar este défice externo.
Fonte: Banco de Portugal
 
8) Em 2007 e em 2008, mais de 100 mil portugueses emigraram do país à procura de oportunidades de emprego:
 
Fonte: Países de destino da emigração, Santos Pereira (2011)
 
9) O PIB português está na mesma posição relativa em relação à Europa Avançada que estava em 1990. Ou seja, perdemos 20 anos de esforço de convergência real com a Europa. A divergência da economia com a Europa é uma das marcas deste governo.
Fonte: The Conference Board

Como já aqui mencionei, estes são os factos do triste legado deste governo. Estes são, de longe, os piores indicadores económicos desde 1892, quando tivemos de declarar bancarrota. Os piores.
É importante ainda referir que a grande maioria destes indicadores já tinham atingido valores recordes antes da crise internacional que eclodiu em 2008. Por isso, o triste legado deste governo não se deve ao azar de termos apanhado uma crise internacional. Foi mesmo incompetência. Foi mesmo incúria. Foi mesmo irresponsabilidade. Foi mesmo irrealismo. Este é um legado de tal modo terrível que vai marcar inexoravelmente as nossas vidas e as vidas dos nossos filhos. É caso para dizer: ainda está para nascer um primeiro-ministro que tanto mal tenha feito a Portugal. 
Por isso, não se esqueça destes factos no dia 5 de Junho.

24 maio 2011

MUDAR DE VIDA

Aqui está um excerto da minha entrevista ao "Mundo Português" sobre o meu novo livro:
Afirma no livro que acabou de lançar, que Portugal apresenta actualmente, o pior crescimento económico médio desde a I Guerra Mundial, a maior dívida externa dos últimos 120 anos, a taxa de desemprego mais elevada dos últimos 80 anos e a maior dívida pública e a segunda maior vaga emigratória dos últimos 160 anos. Na sua opinião, a partir de quando e como chegou o país a esta situação? 
Entre finais dos anos 50 e meados dos anos 90 (do século XX), Portugal foi das economias com mais sucesso na Europa. Foi a segunda que mais cresceu, tendo sido de facto uma economia de grande sucesso. Os processos de agravamento da situação económica começaram há cerca de 15 anos atrás e deterioraram-se principalmente na última década.
Praticamente não temos crescimento económico há dez anos. Quando o crescimento económico fica abaixo de dois a dois e meio por cento, não há criação de emprego, o que faz com que muita gente não tenha oportunidades. É por isso que o desemprego atingiu níveis históricos. Não há grandes perspectivas e é por isso que as pessoas continuam a emigrar.
Como chegamos a essa situação? Há várias causas. Desde o euro, que foi um grande choque para a economia portuguesa ao qual nós no princípio não soubemos responder e que agora já estamos claramente a responder. A nível internacional, por causa da concorrência da China e dos países do Leste da Europa, que afectou muitas das nossa empresas. Por outro lado, na minha óptica, tem também a ver com uma série de políticas económicas e públicas, erradas, irresponsáveis e incompetentes que agravaram os desequilíbrios que já existiam na economia portuguesa. E fizeram com que a espiral de endividamento que começou nos anos 90, não fosse travada a tempo.

O que contribuiu para que o país apresente, como referiu, a maior dívida pública dos últimos 160 anos?

 Despesismo, falta de cuidado com a situação orçamental do país, pensar que por estarmos integradas numa união monetária poderíamos aumentar as dívidas porque mais cedo ou mais tarde, alguém nos iria ajudar. Foi uma estratégia totalmente errada. A dívida pública baixou nos anos 90 porque tivemos muitas receitas oriundas das privatizações e a economia estava a crescer, mas quando a economia para de crescer e a despesa continua a aumentar, o seu peso na economia aumenta. Chega-se a um ponto em que é totalmente insustentável.

Quais são na sua opinião, os principais riscos desse excessivo endividamento?

 A consequência limite é entrarmos em insolvência. E não estamos longe. O que mostro no meu livro é que não só temos a maior dívida externa dos últimos 120 anos, como também temos níveis de endividamento externo que são superiores a praticamente todos os países que entraram em incumprimento nos últimos 40 anos. Ou seja, se olharmos para todos os países que entraram em insolvência nas últimas quatro décadas, nós estamos no top cinco.

Onde se deve cortar? 

No Estado. Estive a ver as propostas da troika e eles falam exactamente numa reestruturação do Estado, até mesmo a redução das freguesias e dos concelhos. Isso vai claramente acontecer. O mais importante é que as medidas de austeridade sejam implementadas a nível de Estado e não das famílias e das empresas. É muito importante que consigamos diminuir a despesa do Estado e reestruturá-lo. Principalmente cortar em institutos, organismos e entidades públicas para que não tenhamos que sacrificar ainda mais as famílias, os funcionários públicos e as empresas. Porque senão, nunca mais saímos desta crise. O despesismo do Estado também é culpa nossa, mas é principalmente culpa dos nossos governantes. Quanto a mim, tem que ser o estado a pagar pela crise, a maior factura não tem que ser apresentada nem às famílias nem às empresas.

As Parcerias Público-Privadas (PPP) devem ser revistas?

 São um negócio fantástico para estes governos. O que se passa é que se consegue fazer obra, inaugurá-la, aparecer na fotografia, cortar a fita dos hospitais, dos túneis e das auto-estradas e não se pagar um cêntimo. O que se faz é «chutar» essa despesa para o futuro, para os próximos governos e para os nossos filhos, porque não se paga nos cinco ou dez anos seguintes. Não só é altamente irresponsável, como é o maior atentado inter-geracional que foi feito neste país, de que me lembro.

Defende uma política de privatizações?

 São inevitáveis. Em relação a alguns activos, como a Caixa Geral de Depósitos, não sou a favor de o fazerem neste momento, porque acho que se formos vender, vai ser ao desbarato. Mas sou totalmente a favor, nas empresas públicas, de «tirar» de lá os partidos, para se acabar com as nomeações políticas. Nas empresas do Estado, e mesmo no próprio Estado, o principal critério de ascensão a posições de liderança deve ser o mérito, não por partidarismos ou por se ter o cartão do partido. É preciso moralizar a vida pública. Tem que haver transparência, auditorias externas regulares, mas é preciso haver - e isso é urgente - uma delimitação muito clara daquilo que são cargos políticos e o que são cargos públicos.
É obvio que têm que haver alguns cargos de confiança política no topo da hierarquia, mas deveríamos minorar esses cargos. No Canadá - onde se realizaram quatro eleições em sete anos e só agora houve uma maioria, ganha pelos Conservadores - o Estado funciona tão bem porque têm uma administração pública muito forte. Não interessa qual é o governo que lá está, estão a servir o Estado. É o que temos que fazer em Portugal: acabar com o compadrio, o favoritismo político e a partidocracia. Defendo que todos os salários das pessoas que trabalham para empresas públicas, institutos, devem ser publicados na internet, deve haver o acesso total a essa informação. Transparência total para que as pessoas tenham menos suspeição em relação ao Estado.

Portugal é um país muito voltado para o litoral?

 Andamos a negligenciar o interior há muitos anos. Pensa-se em Lisboa e no Porto e o resto não existe. Gostaria de saber quais são os políticos que, fora da época das eleições, pegam no carro e vão visitar Portugal. Porque se o fizerem vão encontrar um país que está em declínio. O interior está totalmente negligenciado. É preciso não investir em grandes auto-estradas, mas atrair as empresas para se criar emprego. É preciso que o Estado tenha uma política de descriminação positiva em relação ao interior: baixar a fiscalidade e as contribuições sociais das pessoas que trabalham no interior; dar-lhes uma bonificação salarial por estarem a trabalhar em zonas de interior. É preciso haver uma política que faça com que o despovoamento do interior seja travado e que cada vez mais casais jovens voltem a viver no interior ou pelo menos não saiam de lá.

Afirma que é preciso produzir mais para importar menos. Em que sectores? 

Nós exportamos muito pouco, em percentagem do nosso PIB. A aposta tem que ser feita nas exportações. Nós não apoiamos pouco as empresas, mas damos às empresas protegidas, as que não estão abertas à concorrência internacional. Isso tem que ser invertido. Em vez de dar incentivos às empresas que têm interesses instalados, temos que os dar às empresas que inovam e que exportam. Há empresas que o fazem e com imenso sucesso e no que os governantes podem ajudar é a dar-lhes incentivos: reduzir a Taxa Social Única, baixar os impostos que pagam se apostarem nos sectores de internacionalização em vez de olharem apenas para o mercado interno.
Mas mesmo assim, as apostas não podem ser feitas apenas nas exportações, há muita coisa a fazer internamente. Há muitas empresas que não têm que exportar e que podem ser empresas de excelência. O que interessa é que as empresas inovem, que sejam empreendedoras e, por exemplo, que produzam bens que nós importamos.


Quais são as medidas mais urgentes que o próximo governo terá que tomar, na sua opinião? E quais as que devem ser adoptadas a médio e longo prazo?

A primeira terá que ser uma política de transparência e anti-corrupção. O próximo governo não pode ser mais do mesmo, terá que ser um governo que mostre ser diferente do que os que o precederam. Gostaria que o clima de suspeição e de muita crispação que existe hoje em dia em relação aos nossos governantes, acabasse. E a única maneira de o fazer é com uma política de transparência.
Depois há duas coisas muito importantes. Uma clara política de combate, sem tréguas, ao endividamento, que deverá ser multifacetada: estimular a poupança, diminuir a importação de produtos, diminuir a dependência do exterior e claramente pagar as nossas dívidas.
Outra medida será coligar as finanças públicas a uma política de crescimento e produtividade. Ou seja, é importante perceber que nunca vamos ter contas públicas saudáveis enquanto não começarmos a crescer. Não pode ser um crescimento a todo o custo, mas tem que ser feito conjugando a austeridade com políticas de crescimento. Como se faz? Podemos aumentar o IVA em um por cento, mas baixar consideravelmente a Taxa Social Única porque assim os custos do trabalho baixam, não teremos que cortar salários, as empresas tornam-se mais competitivas e criam mais empregos e consequentemente diminui o desemprego.
 
O resto da entrevista está aqui, onde se fala ainda da natalidade, da emigração, e da agricultura, entre outros temas.

22 maio 2011

O QUE IRÁ MUDAR NAS NOSSAS VIDAS?

"Agora que já são conhecidas as medidas do plano de ajustamento proposto pela troika (FMI, BCE e Comissão Europeia), interessa perguntar: o que é que irá mudar nas nossas vidas e no nosso país? Esta pergunta é muito pertinente, pois não há dúvida que estamos perante o mais abrangente pacote de medidas estruturais das últimas décadas. Isto é, o programa da troika é simplesmente o maior atestado de incompetência ao actual governo. Porquê? Porque este foi um governo que se mostrou totalmente incapaz para fazer face à espiral de endividamento que se iniciou no final dos anos 90, e foi particularmente inepto para contrariar a perda de competitividade das nossas exportações após a nossa adesão ao euro. Um governo que agravou ainda mais a nossa frágil situação ao apostar num despesismo pouco regrado que nos conduziu à maior dívida pública dos últimos 160 anos.
Face a este cenário pouco animador, a troika respondeu com um plano de medidas que tocará em tudo ou quase tudo. A nossa lenta e ineficiente Justiça será finalmente reformada. As empresas públicas, que se têm endividado à razão de mais de 3 mil milhões de euros ao ano, terão de cortar custos e reorganizar-se. A grande parte destas empresas públicas será ainda privatizada. As parcerias público-privadas (que é uma forma dos nossos governantes construírem obra e não pagarem durante anos a fio) serão reavaliadas. O mercado laboral será mais flexível, uma medida que era simplesmente inevitável, visto que há inúmeros estudos que demonstram que as nossas leis laborais fomentam a precariedade no emprego, penalizam a criação de emprego e prejudicam a nossa competitividade. O mercado das rendas sofrerá a maior reforma das últimas décadas, e a competitividade das nossas exportações será ainda beneficiada pela descida das contribuições sociais pagas pelos empregadores.
Por seu turno, os nossos impostos irão sofrer novo agravamento, uma decisão que, esperemos, possa ainda ser revertida por um próximo governo. E os preços dos transportes públicos irão ser actualizados gradualmente. O Estado também será reformado, não só através da diminuição do número de institutos e outros organismos públicos, mas também através da redução do número de freguesias e municípios. A Saúde e a Educação também serão afectadas.
Em suma, estamos perante um verdadeiro programa de um governo reformista. Um programa que irá finalmente fazer o que os nossos governos despesistas sempre se negaram a fazer. E só por isso temos de dar graças à troika por ter coragem de reformar aquilo que a muitos parecia irreformável."

NOTA: Meu artigo no Notícias Sábado da semana passada.

18 maio 2011

A VERDADE SOBRE O PLANO TECNOLÓGICO (2)

A melhoria dos indicadores da inovação nacionais são, sem dúvida alguma, uma boa notícia. Pelo menos em princípio (mais abaixo veremos o que poderá tornar estas notícias menos boas). E também acho que devemos que devemos reconhecer que esta melhoria dos indicadores da inovação se devem, pelo menos em parte, à maior aposta que tem sido dada a este sector nos últimos anos. Assim, é de assinalar que, de acordo com os dados mais recentes da OCDE, Portugal registou uma assinalável convergência em vários indicadores de ciência e de tecnologia, principalmente no que diz respeito às despesas em actividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D) em percentagem do PIB. Como podemos ver no gráfico abaixo, nos últimos anos, Portugal parece ter convergido com a média da OCDE em termos de despesas com I&D em percentagem do PIB. 


Despesas em actividades de I&D em percentagem do PIB, 1980-2009
Fonte: OCDE 

Ainda assim, devo admitir que tenho muitas reservas sobre alguns destes indicadores e sobre estas melhorias alcançadas em tempo recorde. Mais concretamente, tenho bastantes dúvidas e poucas certezas relativamente aos nossos indicadores de Investigação e Desenvolvimento. Porquê? Porque não sei o que é realmente uma melhoria real e o que são meras manipulações estatísticas. 
Porquê estas dúvidas? Como é que é possível proferir tais afirmações? Porque fiquei com um pé atrás em relação às estatísticas de I&D desde que, em 2009, ouvi Carlos Zorrinho afirmar numa conferência que antes deste governo nós nem contabilizávamos bem as despesas de Desenvolvimento. É sabido que cerca de dois terços das despesas em I&D são relacionam-se com o Desenvolvimento. Assim, se não houver uma contabilização correcta destas despesas, os indicadores de I&D são subavaliados. Por isso, uma contabilização mais adequada destas despesas fará aumentar o valor do I&D em percentagem do PIB, sem que haja um crescimento real destas despesas. Para quem quiser confirmar as afirmações de Carlos Zorrinho, pode fazê-lo aqui, principalmente a partir do 27m e 30s do video, onde se revela que antes de 2006 não se "registavam" bem as despesas de Desenvolvimento: 




Ora, se a nossa "melhoria" dos indicadores estatísticos das actividades se deve a acertos estatísticos (como Carlos Zorrinho parece indicar), então das duas uma: ou a melhoria dos indicadores de I&D foram principalmente legadas pelos governos anteriores mas não tinham sido devidamente contabilizadas, ou a melhoria é mais aparente do que real.
Eu não digo que este governo não tem qualquer mérito em ter dado uma maior ênfase à questão da inovação. A verdade é que a aposta na inovação e na melhoria da produtividade é importantíssima e deve ser continuada pelo próximo governo. O que eu desconfio é que as melhorias dos indicadores de inovação não se possam atribuir à política iluminada e "modernizadora" deste governo. É que, sabendo o que se tem passado em outras áreas, é sempre muito difícil saber o que é realidade ou mera malabarismo estatístico. E este é, de facto, um dos tristes legados deste governo. Este é um governo que nos deixou à beira da bancarrota e que nos lega os piores indicadores económicos desde o século 19, mas que conseguiu fomentar toda uma série de "melhorias" que foram principalmente alcançadas à custa da contabilidade criativa. Apesar de todo o desastre económico, não há dúvida que a contabilidade criativa foi das (poucas) indústrias de grande sucesso no nosso país. As estatísticas de Investigação e Desenvolvimento aí estão para o provar. Infelizmente.

17 maio 2011

POBREZA DAS CRIANÇAS

Para quem tem um governo que gosta tanto de se vangloriar de ter uma política social activa, vale a pena observar os dados mais recentes da OCDE sobre a pobreza das famílias e das crianças.  Mais concretamente, e como podemos constatar no gráfico abaixo, Portugal é um dos países da OCDE onde a percentagem de crianças em agregados familiares pobres é mais elevada. Cerca de 17% das nossas crianças estão em situações de pobreza. Ou seja, quase 1 em cada 5 crianças portuguesas pertencem a agregados familares com rendimentos médios baixos ou muito baixos. Uma percentagem bem mais elevada do que na grande maioria  dos países da OCDE, e substancialmente mais alta do que a média da OCDE (cerca de 12%). Em relação a este indicador, pior que nós só a Espanha (marginalmente), a Polónia e os Estados Unidos (que, como nós, também têm desigualdades sociais muito elevadas). 
Ainda de acordo com os dados da OCDE, é ainda interessante (e lamentável) verificar que, entre os meados dos anos 1990 e o final da primeira década do novo século, a percentagem de crianças em agregados familiares pobres aumentou cerca de um ponto percentual. Não é muito, é certo, mas não deixa de ser bastante significativo que o propagado aumento (e criação) de prestações sociais como o Rendimento Social de Inserção na última década foi totalmente incapaz para prevenir um agravamento da pobreza das nossas crianças. Porquê? Porque quando as economias não crescem e o desemprego sobe, não há prestações sociais que cheguem para contrabalançar a deterioração das condições de vida das famílias. É tão simples quanto isso.

Percentagem de crianças em agregados familiares pobres, OCDE
Fonte: OCDE

Nota: O México e a Turquia não foram incluídos no gráfico, visto que, tendo em linha de conta os seus rendimentos, apresentam valores de pobreza infantil muito mais elevados do que os outros países da OCDE.

15 maio 2011

AS CONTAS DOS JUROS

O Rui Peres Jorge no Massa Monetária e o Ricardo Reis no Portuguese Economy explicam as contas dos juros que iremos pagar pelos empréstimos da Europa e do FMI.

14 maio 2011

NÃO QUEREMOS SER A GRÉCIA OU A IRLANDA

Um artigo que escrevi antes de conhecermos as condições do plano de ajustamento proposto pela troika, mas que antevê algumas das medidas do pacote de ajuda:
"Na altura em que este artigo foi escrito as medidas da troika FMI-BCE-CE ainda não eram conhecidas. Por isso, podemos apenas antever o que será um bom pacote e um mau pacote de medidas para o nosso país.
O pacote de ajustamento que nos será imposto pela troika será mau para o nosso país se tiver três características: 1) se as taxas de juros forem demasiado elevadas, 2) se o prazo de pagamento for demasiado curto, e 3) se a austeridade a aplicar for demasiado cega.
Em relação às taxas de juros do empréstimo que nos será concedido, o teste é simples: se forem essas taxas as mesmas às oferecidas à Irlanda (cerca de 5,8%), as notícias são decisivamente más e é muito provável que a nossa elevadíssima dívida pública se torne insustentável. Se as taxas de juros estiverem ao nível das concedidas à Grécia (cerca de 5,2%), o problema não será tão grave, mas, mesmo assim, a dinâmica da dívida tornar-se-á muito difícil. Aliás, tudo o que estiver acima dos 4% será uma má notícia, e 3% ainda seria melhor. O problema é que, infelizmente, é muito improvável que a troika nos ofereça taxas de juros muito mais favoráveis do que as concedidas à Grécia e à Irlanda, pois os nossos parceiros europeus consideram que juros baixos seriam um incentivo à irresponsabilidade dos governos. Assim, é muito natural que nos sejam impostas taxas de juros incomportáveis para o nosso actual nível de endividamento.
Por um lado, seria bom se os prazos dos empréstimos fossem suficientemente dilatados, de forma a permitirmos o reembolso da dívida sem termos de implementar medidas draconianas. Se não forem, será difícil conseguir reembolsar o empréstimo na totalidade.
Finalmente, se a troika impuser uma política de austeridade cega e sem olhar a meios, o mais certo é que a economia nacional entre numa recessão ainda maior, o que agravará ainda mais os desequilíbrios das finanças públicas (pois as receitas fiscais cairão e os défices aumentarão nesse ambiente recessivo). Deste modo, seria bom se o próximo governo tivesse alguma margem de manobra para implementar uma política de competitividade, que incluísse não só reformas das leis laborais (já planeadas), mas também uma desvalorização fiscal, onde baixaríamos a taxa social única paga pelos empregadores em contrapartida a um corte das despesas e um pequeno aumento dos impostos ao consumo.
Moral da história: quando tivermos as propostas da troika em cima da mesa, poderemos ver qual será o nosso futuro imediato: grave recessão ou grande reorganização. Já falta pouco para sabermos a verdade."
Notícias Sábado

09 maio 2011

SERVIÇO PÚBLICO

O Aventar faz autêntico serviço público ao traduzir para português o documento da troika com as medidas a aplicar nos próximos anos. Obrigado ao Aventar por esta iniciativa notável. É só de lamentar que não tenha sido o governo a disponibilizar uma versão portuguesa do documento que mais irá condicionar a vida dos portugueses nos próximos anos. Resta, por isso, perguntar: por que será?

CRÓNICA DE UM RESGATE ANUNCIADO

O El País debate o pedido de resgate a Portugal num artigo que inclui algumas declarações minhas. O artigo também refere a pouca transparência das contas públicas portuguesas, bem como a surpresa do chefe da delegação do FMI quando se apercebeu das várias dívidas públicas que ainda não tinham sido contabilizadas. Aqui está um excerto:
"Paul Thomsen, representante del FMI en las negociaciones, ha revelado que se encontró con la sorpresa de importantes partidas no contabilizadas en los presupuestos del Estado. No fue la única. También descubrió que el gasto creció después de la entrada de Portugal en el euro.
Thomsen ha citado el agujero negro que constituyen los proyectos de financiación público-privada (PPP), que se han convertido en vehículos poco transparentes a través de los que el Estado ha extendido sus tentáculos."
O resto do artigo pode ser lido aqui.