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04 março 2010

RETORNADOS

Um excelente artigo de opinião da autoria de Helena Matos hoje no Público sobre um dos temas ainda tabú na sociedade portuguesa: os "retornados" das ex-colónias. Aqui está um extracto:
Seja na versão oficial ou no imaginário de cada um de nós, os retornados são um fenómeno de 1975. De facto, são de meados de 1975 as imagens dos caixotes junto ao Padrão dos Descobrimentos e das crianças sentadas no chão do aeroporto de Lisboa. É também em 1975 que começa oficialmente a ponte aérea que traria centenas de milhares de portugueses de África. E finalmente é em 1975 que, perante a evidência da catástrofe, se arranjou um termo politicamente inócuo, susceptível de nomear essa massa de gente que só sabia que não podia voltar para trás. Arranjar um nome para esse extraordinário movimento transcontinental de milhares e milhares de portugueses foi difícil, não porque as palavras faltassem, mas sim porque os factos sobravam.

Contudo, não só muitos deles não eram retornados, pela prosaica razão de que tinham nascido e vivido sempre em África, como surgem muitos meses antes de a palavra "retornado" ter conseguido chegar às primeiras páginas dos jornais portugueses. Desde Junho de 1974 que encontramos notícias sobre a fuga dos colonos, dos brancos, dos africanistas, dos europeus, dos ultramarinos, dos residentes e dos metropolitanos. Enfim, de pessoas brancas, pretas, mestiças, indianas... que residiam em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde. Nenhum destes termos é verdadeiramente apropriado para descrever o que eles de facto eram, mas a desadequação dos sinónimos foi breve, pois dentro de poucos meses eles deixaram de ser definidos em função dessa África onde foram colonos, brancos, africanistas, europeus, ultramarinos, residentes ou metropolitanos para passarem a ser definidos em função da própria fuga. Então passarão a ser desalojados, regressados, repatriados, fugitivos, deslocados ou refugiados. Finalmente, em meados de 1975, tornar-se-ão retornados.

"Oficialmente, os retornados nasceram há 35 anos, em Março de 1975, através do Decreto n.º 169/75 que criou o IARN. Ao contrário do que ficou para o futuro, as siglas não queriam dizer Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais, mas sim Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, pois quanto mais os factos davam conta da catástrofe, mais cuidado punha Lisboa na gestão das palavras. .. Ou seja, escassas semanas antes de começar uma das maiores pontes aéreas mundiais para evacuação de refugiados, numa fase em que por barco e carreiras aéreas regulares já tinham afluído a Portugal milhares de residentes nos territórios africanos e quando os próprios funcionários públicos portugueses e membros das forças segurança abandonavam em massa os seus lugares em África, o poder político-militar de Lisboa finalmente reconhecia não ainda a sua existência mas a possibilidade de virem a existir...  
Não se sabe ao certo quantos foram os retornados, pois muitos "retornaram" directamente de África para Brasil, Canadá, Venezuela ou deixaram-se ficar pela África do Sul. E não fosse o povo ter chamado bairro dos retornados a alguns conjuntos de habitação social, geralmente prefabricada, para onde alguns deles foram residir, não se encontraria outra referência no espaço público à sua existência. Até hoje ninguém os homenageou. Deles o poder político e militar falou sempre o menos possível. A comunicação social, tão ávida de histórias, demorou anos a interessar-se por aquilo que eles tinham para contar. E os poucos que entre eles passaram a papel as memórias desse tempo só em casos excepcionais conseguiram romper o universo restrito das edições de autor.
Há 35 anos inventámos a palavra retornado. Mas eles não retornavam. Eles fugiam. Retornados foi a palavra possível para que outros - os militares, os políticos e Portugal - pudessem salvaguardar a sua face perante a História. Contudo, a eles o nome colou-se-lhes. Ficaram retornados para sempre. Como se estivessem sempre a voltar."

22 janeiro 2010

O SOCIALISMO EM ACÇÃO

Nos últimos meses, um dos projectos em que tenho estado envolvido pretende estimar os custos económicos da descolonização portuguesa, um dos temas que ainda é tabu em Portugal. O tema é verdadeiramente fascinante e há muito por onde se lhe pegar, tanto em relação a Portugal como às nossas ex-colónias.
Entretanto, e ao rever a história portuguesa do período, não se pode deixar de ficar impressionado (no pior sentido da palavra) pelos verdadeiros atentados económicos que foram cometidos na altura, tanto ao nível da política económica (nacionalizações, subidas de salários completamente irrealistas, etc.), como ao nível humano, principalmente no que diz respeito à maneira como a descolonização foi levada a cabo.
Porém, há um aspecto ainda mais importante para a situação política actual do país. É que, como todos sabemos, a extrema esquerda em Portugal tem cerca de 20% dos votos. No entanto, não há ninguém (ou quase ninguém) que relembre aos portugueses dos graves erros que foram cometidos na altura por pessoas da mesma ideologia do Bloco de Esquerda ou do Partido Comunista. Não há ninguém que nos recorde de como o fanatismo ideológico da altura nos remeteu para uma grave crise económica, que só não teve consequências mais graves porque estes senhores foram travados antes que um mal maior acontecesse. Acima de tudo, não há ninguém que pergunte a estes(as) senhores(as) se eles(as) ainda concordam com o que foi feito na época e, principalmente, se eles(as) gostariam de fazer o mesmo à economia nacional se, por algum cataclismo, eles(as) se tornassem governo.

MAIS UM DIA DE VIDA

Acabei de ler o livro "Mais um dia de Vida" (Campo das Letras, 1998) do jornalista polaco recentemente falecido Ryszard Kapuscinski. O livro é um importante e impressionante relato da saída de milhares de portugueses de Angola em 1975 e da guerra civil em que esse país emergiu nesse ano. Das imagens que mais se retêm são as descrições de milhares de portugueses desesperados por sair de Angola, levando consigo tudo o que podiam trazer. Kapuscinski descreve que nos últimos dias de colonização portuguesa se construiu uma verdadeira cidade de caixas e caixotes de todo o tipo de materiais. Os mais ricos construíam caixotes enormes e imponentes com os melhores materiais, enquanto os mais pobres tinham somente umas malas ou uns caixotes diminutos feitos de restos de latas, cartão ou pedaços de madeira. O relato de Kapuscinski é um importante testemunho do desespero e desencanto que tantos portugueses sentiram na altura de abandonar Angola, bem como um retrato de como os angolanos viram a saída dos portugueses.
A segunda parte do livro relata as viagens do autor durante as primeiras semanas da guerra civil angolana. A perspectiva é sempre do lado dos apoiantes do MPLA, mas é bem demonstrativa da incerteza e do medo que a população de Luanda viveu nesses dias. "Confusão" é a palavra que ele utiliza para melhor descrever o que se seguiu. Um livro fundamental para percebermos um pouco melhor esse período crucial na nossa história, bem como a angolana. Vale a pena conhecer.