Muitos falam que esta decisão poderá ter sido precipitada. "Insiders" na Formula 1 afirmam que eles poderão ter "acertado a mão" no projeto dos motores para 2026, e esta retirada poderá ter sido um tiro no pé nas ambições da Alpine-Renault. O que pode mostrar que isto, em muitos aspetos, não passa de decisões politicas.
Claro, como em tudo, pode ser que regresse um dia. Afinal de contas, desde 1977 que a marca do losango nunca anda longe do automobilismo, como fazem a Ferrari, a Mercedes, a BMW e outras marcas de automóveis com "pedigree" nesta atividade. Aliás, quem conhece a história do automobilismo, sabe que desde a sua fundação, em 1899, começaram a mostrar-se nas competições, e eles foram os vencedores do primeiro "Grand Prix" do automobilismo, no muito distante ano de 1906.
O que poucos sabem é aquele período até aos anos 70, quando regressaram através da Renault Sport, primeiro nos ralis, depois na Endurance e por fim, na Formula 1. Aliás, o fã comum pouco sabe sobre a história da Renault. Acho que é altura de falar sobre três irmãos, que no final do século XIX, ficaram assombrados com uma nova invenção, usaram a sua imaginação para prosperar com ela e viram no automobilismo o meio para vender os seus carros.
Marcel Renault nasceu em 1872, filho de Alfred Renault, um próspero industrial têxtil. Tinha um irmão mais velho, Fernand, nascido oito anos antes, em 1864, mas só foi depois do nascimento de Louis Renault, em 1877, que as coisas alavancaram. Frequentando o Lycée Condorcet, um dos mais elitistas de França, tornou-se num génio da mecânica, e na garagem da sua casa nos arredores da cidade, em Billancourt, construiu em 1898 um carro autónomo. O motor poderá ser 3/4 de um cavalo de potência, mas tinha uma grande novidade: um eixo-cardã, a ligar as rodas da frente e de trás, e uma caixa manual de três velocidades, uma delas serviria de marcha-atrás, o inicio dos automóveis modernos. Depois de patenteadas essas evoluções, no ano seguinte, os três iriam construir a Societé Fréres Renualt, com Fernand a ser o agente comercial para as representações na França e no estrangeiro, Marcel seria o chefe de administração, enquanto Louis era o engenheiro, e de uma certa forma, a "alma" da Renault. A fábrica seria em Billancourt, não longe da sua casa.
E imediatamente, começaram a entrar em corridas automobilísticas. E a vencê-las. Uma das mais importantes foi o Paris-Viena, em 1902, onde os carros, com fama de serem leves, mas eficientes, conseguiram ser melhores que carros mais potentes, mas mais pesados. E chegou tão à frente da concorrência que quando descobriu que estava a fazer a volta final no sentido contrário aos regulamentos... simplesmente colocou a marcha-atrás!
A 24 de maio de 1903 começava o Paris-Madrid, uma das mais ambiciosas provas automobilísticas de então. A primeira etapa era entre a capital e Bordéus. Inscreveram-se mais de 400 carros, em diversas categorias, e a partida foi às 5 da manhã. E havia tantos carros, e tanta gente à espera de vê-los largar, em Versalhes, que quando partiu o último carro, o primeiro já estava a 240 quilómetros de distância!
Marcel e Louis Renault competiam e ambos eram dos favoritos, graças aos seus carros leves e eficientes. Cedo andaram entre os da frente, mas quando Marcel chegou a Payré, ao pé de Poitiers, no centro de França, e ao se aproximar de outro carro, ele ficou cego pela nuvem de poeira e não reparou numa vala. Sem segurança, ele e o seu mecânico, René Vauthier, foram projetados a mais de 100km/hora, sofrendo graves ferimentos. Se Vauthier sobreviveu, já Marcel Renault ficou em coma devido a ferimentos na espinal medula e morreu dois dias depois. Tinha 31 anos.
Contudo, aquele tinha sido um dos muitos acidentes daquela corrida, ao ponto de quando os carros chegaram a Bordéus, a prova tinha sido cancelada de imediato e o governo tinha cancelado as corridas em território francês. Desgostoso, Louis decidiu retirar-se como piloto, dedicando-se à gestão da fábrica e da marca. Participou no primeiro Grande Prémio da história, com o húngaro Ferenc Szisz, mecânico de Louis, a ser o vencedor.
Mas quando a marca do losango voltou a entrar a sério no automobilismo, muita água passou por baixo das pontes do Sena, e a história deu as suas voltas e revoltas. Louis tornou-se no proprietário da fábrica em 1908, e começou a conseguir grandes contratos, especialmente com o Estado francês. O pequeno tanque FT, que levava duas pessoas, foi uma criação de Renault, e um dos mais fabricados na I Guerra Mundial. Enriqueceu e por causa dessas contribuições, ganhou o Grande Colar da Legião de Honra.
Contudo, duas décadas depois, na II Guerra Mundial, as coisas seriam diferentes. Bem diferentes.
Primeiro, as suas visões tornaram-se pró-nazis, especialmente em relação aos sindicatos. Chamava ao seu rival, André Citroen, de "o pequeno judeu", e quando a Wermacht entrou França dentro, estava nos Estados Unidos, em missão para o governo francês, para comprar tanques. Quando regressou, com o Armistício, e com a constituição do governo de Vichy, decidiu colaborar, afirmando que com isso, impedia a sua fábrica de ser desmantelada e os seus trabalhadores de serem deportados para a Alemanha, ambos para ajudar a máquina de guerra nazi. Fora da fábrica, tinha-se tornado um recluso, no seu castelo nos arredores de Rouen.
Claro, com isso, as suas fábricas foram alvo dos bombardeiros da RAF britânica. Para piorar as coisas, a sua saúde não era a melhor, graças a problemas renais. A partir de 1942, vitima de afasia, não conseguia falar.
Em Agosto de 1944, Paris é libertada e começava os ajustes de contas. Com fama de colaboracionista e todas as bocas e jornais, franceses e estrangeiros, o governo de De Gaulle queria interrogar Renault. Ele foi detido a 22 de setembro na prisão de Fresnes, e devido à sua saúde frágil, a 5 de outubro, transferido para o hospital de Ville-Evrard, onde a sua saúde declinou ao ponto de ser transferido para a clinica Saint-Jean-de-Dieu, na Rue Oudinot, em Paris. Morreria a 24 de outubro de 1944, aos 67 anos. Nos anos seguintes, a família disse que ele foi espancado até entrar em coma, e uma exumação, em 1956, mostrou que sofrera uma fratura numa vértebra nos seus últimos dias de vida.
Por esta altura, De Gaulle nem esperou que Louis Renault morresse para agir: nacionalizou a companhia, transformando-a em "Régie Nationale des Usines Renault". Quando o testamento foi aberto, ele tinha legado a marca aos seus 44 mil empregados. Hoje em dia, a fábrica já não pertence ao estado francês - 80 por cento dela foi vendida em 1996, e a sua participação ficou reduzida a 15 por cento, não deixando de ser um dos acionistas maioritários.