Poderemos contar esta história a partir de 1980, quando Miguel Oliveira, um médico do Porto, decide criar uma equipa, a Diabolique. E para espalhar o nome, decidiu criar... um perfume. Sim, um perfume. O que interessa é que a coisa resultou, de uma certa maneira, e ele contratou um piloto promissor, de Penafiel, chamado Joaquim Santos. Com um Ford Escort 1800 de Grupo 4, eles se tornaram na melhor equipa de ralis em Portugal, ganhado títulos em 1982 e 1983, e sendo o melhor piloto local no rali de Portugal.
Nessa altura, a Renault Portuguesa decidiu apostar nos ralis, e adquiriu um Renault 5 Turbo2, um híbrido entre o Grupo 4 e o Grupo B, porque tinha duas rodas motrizes. Para o lugar de piloto, contratou Joaquim Moutinho, e conseguiu colocar Joaquim Santos em sentido, fazendo com que o campeonato de 1984 fosse um bem forte, a "batalha dos Joaquins", contra um terceiro piloto, António Rodrigues, que tinha conseguido alinha com um Lancia 037, outro duas rodas motrizes, ao ponto de, quando chegaram ao último rali da temporada, no Algarve, Moutinho tinha conseguido o ceptro sobre Santos.
Mas no rali em si... a história é outra. Existente desde 1972, sempre em terra e com fama de ser duro para os carros, tinha entrado na história por, em 1980, ter sido o rali de estreia no Audi Quattro, e por estar no calendário do campeonato europeu de ralis, este ter sido ganho por estrangeiros. E não era excepção em 1984, mas com menos estrangeiros. Mas no campeonato nacional... estava ao rubro.
No final daquele rali, um Joaquim seria campeão.
Em 1984, os ralis não eram o que são hoje: três dias, 30 especiais, com o total de 224,58 quilómetros em troços cronometrados! Duro, bem duro.
Moutinho foi logo para a frente, e começou a abrir uma vantagem para Joaquim Santos, e parecia que as coisas estavam controladas. Mas na segunda passagem pela Perna da Negra, Moutinho sofre dois furos e cai na geral, deixando Joaquim Santos na liderança.
Anos depois, em maio de 2016, Moutinho contou numa entrevista à revista do ACP (Automóvel Clube de Portugal) que tinha sido sabotado... por duas vezes!
"A primeira [sabotagem] durante a primeira etapa, a umas três classificativas do seu final. Uma geringonça obrigou-nos a passar por um determinado sitio, quase por fora da estreita classificativa, onde terão sido colocados pregos. Resultado: de comandante da prova, passamos para sétimo ou oitavo lugar. Assim ficou determinado o nosso lugar na ordem de partida para o dia seguinte, para a segunda etapa. As condições que enfrentamos foram do pior. Ainda assim, chegamos ao final da segunda etapa em terceiro da geral. Precisávamos de ficar na frente do Carlos Bica [que participava num Ford Escort RS], o que seria uma formalidade durante a terceira etapa."
A terceira etapa tinha passagens duplas por Senhora do Verde, Monchique, Bordeira, Castelejo e Aljezur - Romeiras. Na 27ª especial, a três do final, Moutinho tinha o segundo lugar na mão - e o campeonato - quando uma barra de erro com espigões apareceu na saída de uma curva, sem que ele tivesse chance de o evitar, furando os quatro pneus, tirando todas as chances de terminar a prova. E quem o tenha feito, provavelmente levou o segredo para a cova.
Moutinho ainda afirmava, amargurado, anos depois, que tinha sido a concorrência a fazer isso: "uma diabólica mente ordenou uma diabólica sabotagem, com sucesso".
Para quem assiste aos ralis em Portugal, hoje em dia, fica espantado em saber que estas coisas aconteceram num passado distante, mas falamos de um tempo onde a cada rali de Portugal, centenas de milhares de pessoas iam assistir a carros muito rápidos a passar a menos de meio metro deles. E no tempo dos Grupo B!
Hoje em dia, ambos os pilotos já morreram - Joaquim Moutinho, em novembro de 2019, Joaquim Santos em março de 2024 - e um dos carros que deu espetáculo nas estradas nacionais e ganhou um rali de Portugal - a infame edição de 1986 - também não existe mais, pois ardeu nos Açores, em agosto de 1986. Contudo, sempre é de bom tom recordar um episódio que marca os ralis nacionais pela infâmia.