A Renault na Roménia chama-se Dácia. Mas muito antes de ser o carro símbolo da acessibilidade na Europa e no mundo, com o Sandero, Duster, Spring e outros, em meados dos anos 70 montava o 1300, a versão local do Renault 12, e que durou até à primeira década deste século, de diversas maneiras, como pickup, por exemplo. Mas o que muito poucos sabem é que eles montaram alguns exemplares de um outro modelo, o 2000, que não era mais que um Renault 20.
Esses modelos serviam para propósitos mais elitistas... e sinistros. É que, sabem, a Roménia, na década de 80, estava do outro lado da Cortina de Ferro, e esses 2000 serviam para a elite do Partido Comunista e a policia secreta, a Securitate. E um deles, matricula B 101 TOV, pertencia a uma pessoa em particular: Nicolae Ceausescu. O "Conducator". Provavelmente, um dos ditadores mais exuberantes que o outro lado da Cortina de Ferro tinha.
É um carro que anda bem - velocidade máxima, 175 km/hora - tem 115 cavalos, motor de 2.2 litros, e o seu dono, Ovidiu Magureanu, tem uma história para contar. De como ele se tornou o seu dono. Descobri a história num artigo de 2014, e espero que ele ainda seja o dono do carro.
“Quando eu era criança, frequentava a garagem do meu vizinho, foi assim que ganhei a minha paixão por carros. Ele era o motorista pessoal de Nicolae Ceausescu. Primeiro dirigi o Dacia 1300 dos meus pais, depois comprei o meu. Encontrei o carro do Ceausescu na internet, nem conseguia acreditar. Então é claro que comprei”, explicou Magureanu, numa entrevista ao jornal romeno Adevarul.
O carro é azul e está - aparentemente - bem conservado, e o seu interior é bege, com o painel de instrumentos plastificado e negro. Tem transmissão automática, ar condicionado, cruise control, vidros elétricos, jantes de liga leve, e como presumimos que tudo isto seja original, poderemos afirmar que isto, na Roménia, era o equivalente a um disco voador. Ou se preferirem, era o carro de alguém que vivia no seu casulo.
E aqui entra a História.
Quando o carro foi feito, em 1981, a Roménia estava em sarilhos. Com uma divida externa enorme Ceausescu decidiu tomar uma decisão radical: pagá-la a todo o custo. Toda a produção industrial e agrícola foi direcionada para a exportação, e pouco ou nada sobrou para uma população em expansão - cerca de 20 milhões de habitantes nessa década. Para piorar as coisas, Ceausescu estava a remodelar o centro da sua capital, Bucareste, e entre outras coisas, construía o Palácio do Povo - hoje em dia, o segundo maior edifício do mundo em termos de área - e por causa disso, o povo passava misérias. Nada que não se soubesse quem via as imagens dessa Cortina de Ferro, desde a Polónia à União Soviética, mas na Roménia, em certos aspetos, era pior.
E quando a Cortina de Ferro caíu, em 1989, as coisas na Roménia foram deixadas para o fim. E foram mais violentas. Se em Belim-Leste cantava-se "nós somos o povo" e um equívoco numa conferência de imprensa deu lugar ao derrube do Muro, na Roménia, quando o povo protestou, a policia, o exército e a Securitate responderam a tiro, e da única vez que ele foi à varanda ter com o povo a 21 de dezembro de 1989, este assobiou-o de tal maneira que os seguranças tiveram de o arrastar dali, temendo o pior. E a televisão, que transmitia o comício em direto, teve de interromper sem dar qualquer explicação. Quanto se rebelou, ele ordenou que atirassem a matar.
O resto é conhecido: fugiu de Bucareste e quando o povo entrou dentro das suas instalações e encontravam o luxo em que vivia com a sua mulher, Elena, foi capturado a 25 de dezembro, julgado um tribunal militar, condenado à morte e fuzilado. E essas imagens correram mundo.