“O caminho é em frente e só o amor tem a força de apartar as águas”
Depois de ter lido três livros de Rosa Lobato Faria, fiquei impressionado com a sensibilidade extraordinária desta grande senhora da literatura portuguesa. Li em vários sítios que este é o melhor livro da autora. E parece que assim é. O Prenúncio das Águas é um texto riquíssimo e agradável. Acima de tudo, a escrita de RL Faria apela, na minha mente, a um único adjectivo: doce. Uma escrita leve, melodiosa que desperta o irresistível prazer da leitura.
Eugénio Lisboa adjectivou de “gótica” a imaginação da autora. Penso que é uma caracterização muito feliz, não no sentido histórico do termo mas como definição de um envolvimento místico e simbólico. A água surge ao longo da narrativa como símbolo da renovação mas também da destruição; da vida mas também da morte. O prenúncio das águas acaba por ser o destino dos mortos e dos vivos que se adivinha na subida da água do rio.
Note-se que este livro foi escrito em 1999, altura em que a barragem do Alqueva ganhava forma, obrigando à deslocalização da povoação da Aldeia da Luz, como acontece no romance com Rio do Anjo. Na aldeia que vive os seus últimos dias, Filomena, ex-emigrante desiludida da vida, procura as suas raízes e a partir delas uma espécie de renascimento. Aí conhece Ivo Durães, um professor reformado. Mas a paixão terá de ser repartida com Zé Nunes, um personagem peculiar. O drama do triângulo acentua-se ao longo da obra até ao inevitável fim trágico. Pelo meio está Pedro, o filho de Zé Nunes, uma criança sonhadora e genial que desperta em Filomena um comovente amor maternal.
A extraordinária caracterização psicológica das personagens atinge o seu expoente máximo, na minha opinião, com a figura de Zé Nunes, um personagem fortíssimo a fazer lembrar Heathcliff, do Monte dos Vendavais. Ele é uma força fruta, a fúria da natureza em forma humana. O sexo é a força natural avassaladora que, como o rio, destrói, devasta e desencadeia paixões. Uma personalidade brutal, puro instinto aliado a uma inteligência prática que o transforma num monstro ou num herói, conforme a perspectiva do leitor.