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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A lenda de Martim Regos - Pedro Canais



Sinopse:
Em plena época dos Descobrimentos um herói português, aventureiro, descobre a plenitude da vida nos quatro cantos do mundo. Um livro na esteira da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.
A história de Martim Regos coincide com o descobrimento do mundo. Este misterioso português nasce no Ribatejo em 1453, mas foge para a Granada muçulmana durante a adolescência e converte-se ao islamismo. É já com o nome de Abu Rial que percorre o continente africano, anda pelo Egipto, explora a costa do Brasil, visita Veneza, conhece Meca e Jerusalém, chega à Índia e acaba por ser o primeiro europeu a entrar na China depois de Marco Polo.
Pelo meio de tudo isto, conhece o amor das negras em África, das índias do Brasil, das indianas do Malabar e das aborígenes do Pacífico. No entanto, permanece fiel à mesma paixão: uma galega que conhece aos quinze anos.
Um herói que ultrapassa o seu próprio tempo - apaixonado pelos novos saberes, viajante incansável, aventureiro e audaz, mas fiel a si próprio, às suas inquietações e a uma infinita determinação que nunca o abandonou.
Já perto do fim, sente a obrigação de deixar como herança os conhecimentos que adquiriu e de mostrar como é possível viver em qualquer parte do mundo, descobrindo a plenitude da vida. 

Comentário:
Às vezes encontram-se surpresas assim. E quando isto acontece, eu pergunto-me onde estava eu quando este livro apareceu e não dei por ele. Ou melhor, pergunto-me onde anda a crítica e onde anda o bom gosto deste país quando impediu que este livro tivesse o sucesso brutal que deveria ter tido?
A Lenda de Martim Regos é um livro portentoso sobre a vida de um herói anónimo no tempo do Império Português. Um herói ou anti-herói como foram todos os aventureiros lusos desses tempos. Martim é o português das sete partidas, o homem que já nesse tempo correu mundos à procura de ser feliz.
Ao longo do livro, Martim Regos percorre os quatro cantos do mundo, o mesmo é dizer, do Império Português e das demais partes por onde as lusas gentes ousaram mercadejar. Por todo o lado, Martim descobre maravilhas e desgraças. Quando, ainda criança, viaja para Granada e se converte ao islamismo, por exemplo, Martim fica perplexo com a Guerra Santa; sendo Alá Deus-Pai como pode ele fazer guerra a ele próprio, uma vez que também os cristãos veneram Deus-Pai? Martim é muçulmano e católico; embora acredite que o Deus seja um só, reza aos dois para maior segurança das suas preces. Afinal, há coisas que os homens fazem e que nem os próprios homens entendem…
Martim foi por esses mares fora “tirar as medidas ao mundo”. É o saber de experiência feito; o experiencialismo renascentista. No entanto, todos esses saberes são julgados inúteis pelos doutores da Igreja e Martim é rejeitado nos Estudos Gerais porque não sabia, sequer, o sexo dos anjos. Afinal, o saber de experiência feito valia apenas para alguns.
Mestre António, o sábio judeu que ajudou Martim é o símbolo do desprezo a que foram votados todos os que tinham mérito mas não condição. Ser nobre, ser fidalgo, mesmo ignorante, era a única hipótese de sucesso para Martim; de nada lhe valia querer ser santo ou sábio.
Depois de momentos hilariantes, em que a escrita de P. Canais revela uma riqueza extraordinária, a parte final da obra encaminha-se para o regresso ao início: os amores de Martim; a paixão que o levou de Granada aos quatro cantos do mundo haveria de regressar na parte final da sua vida. E depois de mil peripécias, a grande lição que o nosso herói tirou de oitenta e tal anos de andanças pelo mundo: afinal, todos os homens são naturalmente iguais. No entanto, passam a vida à procura de motivos para se guerrear; à procura de diferenças e superioridade para com elas justificar a guerra. E a religião é um dos campos prediletos onde os homens procuram essas diferenças, meio caminho andado para a justificação do poder sobre os outros homens. “Tenho por certo é que na própria merda, em bem buscando, hão-de encontrar os homens causa de grande veneração”.
Enfim, um livro admirável que só por motivos obscuros não obteve o êxito retumbante que merecia.