Mostrar mensagens com a etiqueta Machado de Assis. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Machado de Assis. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 13 de maio de 2016

A Mão e a Luva - Machado de Assis


Comentário:
Os “ismos” são sempre reducionistas e às vezes, como neste caso, são mentirosos. Machado de Assis é muitas vezes encaixado na escola romântica, numa primeira fase da carreira literária e, depois, numa fase mais “madura”, no realismo. Pois a mim, leitor pouco conhecedor de teorias literárias, parece-me que Machado de Assis nunca foi nem romântico nem realista. Machado de Assis é um daqueles génios que não encaixa em escolas; o seu estilo é, pura e simplesmente, Machado de Assis. E então o que tem ele de peculiar, especificamente nesta obra? Acima de tudo, interessa-lhe a vida interior das personagens; é por isso que os seus livros são considerados percursores do romance psicológico.
No caso deste livro, a crítica literária teima em encaixá-lo na escola romântica. Trata-se, de facto de um enredo que, vistas as coisas “ao longe” pode assim parecer; está lá o triângulo amoroso (ou o quadrado?), está lá o sentimento, a emoção em vez da razão. Mas não estão lá o final feliz ou o bucolismo, enfim, não é uma obra tipicamente romântica. Uma passagem que testemunha precisamente este afastamento em relação ao romantismo: “o homem, ser complexo, vive não só do que ama, mas também (força é dizê-lo) do que come”

Trata-se do segundo livro do autor, publicado em 1874 e que revela, por isso, uma certa ingenuidade, principalmente no que respeita ao enredo, com os inevitáveis “chavões” românticos. Mesmo assim, o futuro romance psicológico revela aqui já algumas raízes, ao nível da caraterização das personagens; Luís é a voz da razão, da sobriedade e de um certo calculismo, enquanto Estevão é emoção acima de tudo, é impulso, é a voz do coração. Jorge vem completar o quadro fornecendo uma personagem frívola, exterior, marcada pela etiqueta e pela aparência. Guiomar é muito mais que uma personagem de história romântica: é uma mulher culta, com uma personalidade fortíssima, bem longe da ingenuidade romântica das personagens de Júlio Dinis, por exemplo.
O estilo de Machado de Assis neste primeira fase da sua carreira é muito objetivo, límpido, assumindo uma espécie de diálogo com o leitor
Enfim, estamos perante um livro simples e agradável, de leitura rápida; um livro despretensioso mas onde estão já as marcas do génio do grande escritor brasileiro.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Quincas Borba - Machado de Assis

Sinopse:
Ao ceticismo distanciado de Memórias Póstumas de Brás Cubas segue-se, seis anos depois, em Quincas Borba a credulidade romântica de Rubião, humilde professor tornado rico por herança de filósofo e perdido no Rio de Janeiro e na Corte em busca de emoções. Rubião é fascinado por Sofia e enganado pelo marido desta, Cristiano Palha, que transforma a mulher em instrumento da sua ascensão burguesa. Mas Sofia não tem a audácia de uma Bovary, nem sequer a desenvoltura da Luísa de O Primo Basílio e Rubião naufraga nas esperanças perdidas.
Se Memórias Póstumas de Brás Cubas deixa um rasto de lúcida diversão que evita a tragédia, Quincas Borba mergulha na irreversível loucura do seu personagem. Rubião parece destinado a ilustrar a teoria do filósofo Quincas Borba, resumida na frase: ao vencedor, as batatas. Neste romance cuja acção decorre entre 1867 e 1870 são visíveis os reflexos dos acontecimentos da época, desde a guerra do Brasil com o Paraguai ao esplendor e queda de Napoleão III, com quem Rubião se identificaria.
Comentário:
Misturando um pessimismo ontológico com uma narrativa marcadamente realista, resulta daqui uma obra notável pelo seu simbolismo mas também por uma história agradável e bem humorada. É este, em minha opinião, o mérito maior de Machado de Assis: o de combinar de forma genial o pessimismo com uma escrita agradável e bem humorada.
O nosso herói, tal como em Memórias Póstumas de Brás Cubas, está morto. Machado de Assis mata-o logo nas primeiras páginas do livro. Tratar-se-á de uma metáfora sobre a vida, que não se esgota com a morte? De Quincas Borba ficam duas coisas notáveis que marcarão todo o enredo: o cão com o mesmo nome do dono e a sua filosofia original: o humanitismo.
Rubião é o herói do livro; ele herda três coisas do seu amigo Quincas: o cão, a filosofia com todos os seus efeitos e uma fortuna enorme.
Mas Rubião, ao longo do livro, vai-se “coisificando”. É aqui que entra o pessimismo do autor perante os destinos do ser humano; Rubião há de cair nas garras de uma mulher, Sofia, que o levará à loucura. E de um homem, o marido de Sofia, Cristiano Palha, que o ajudará a esfarrapar a fortuna.
Não estou com isto a revelar segredos sobre o enredo porque para o leitor há surpresas a rodos ao longo do livro; se o destino de Rubião é a loucura, isso qualquer leitor adivinha a meio do livro; no entanto, como Rubião lá chega, isso sim, é a marca do artista Machado de Assis.
Não é por acaso que muitos leitores consideram Machado de Assis um concorrente direto de Eça de Queirós; tal como o génio português, também o escritor brasileiro deixa bem marcado o seu espírito crítico, nomeadamente sobre aquela aristocracia anacrónica, diletante e oca de ideias que se limita a vegetar em torno de quem tem poder e dinheiro. Dessa vida vegetal à política vai um pequeno passo. A ambição do ser humano não reside no enriquecimento pessoal ou ético, mas no poder e estatuto social.

Quanto ao elemento feminino, nem aí Assis deixa os seus créditos por mãos alheias: as atitudes de Sofia perante a paixão proibida de Rubião representarão alguma acusação a uma atitude provocatória típica do sexo feminino? Será Sofia, a mulher fatal, causa de todas as desgraças? Se é este o intento de Machado de Assis, não sei, mas assim parece ao modesto leitor.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis



Imagine-se um livro cuja estória é contada por um narrador morto. Brás Cubas morreu e depois conta a estória. Este pormenor dá ao livro um tom fantástico que reforça a característica “exterior” mais marcante do livro: o seu magnífico sentido de humor. Este é, em primeiro lugar, um livro divertido!
É comum identificar-se Machado de Assis com a literatura realista. No entanto, este “carimbo” tem tanto de justo como de insuficiente.
É um carimbo justo porque, de facto, ler Assis faz lembrar Eça de Queirós na sua faceta mais realista: no descrever da realidade concreta mas, acima de tudo, o quadro social e mental da época.
No entanto, é um carimbo, também, insuficiente porque Machado de Assis vai muito além do realismo. Já tinha notado nas obras que li anteriormente (D. Casmurro e O Alienista) uma notável propensão para o romance psicológico; Assis recusa muitas vezes a sequência cronológica dos factos e segue apenas as divagações mentais de Brás Cubas. É a sua mente que o livro percorre, mais do que a sua vida. Neste livro, Machado de Assis faz um grande desafio ao leitor: “Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...”
A escrita, irónica e inteligente, é um desafio constante ao leitor. O narrador e personagem principal é apresentado como uma espécie de anti-herói: egocêntrico, algo lento de raciocínio e leviano. No entanto, o carácter algo irracional de Brás leva o leitor a dedicar-lhe uma certa simpatia; ele percorre a vida sem obedecer a um padrão, a um enquadramento ético que o norteie e frequentemente encontra-se perdido de qualquer sentido. Talvez por isso o tema da morte esteja sempre presente na obra, mau grado o tom bem humorado da escrita. Há, por detrás deste enredo aparentemente bem disposto, um tom escatológico que parece vaguear como uma sombra por detrás da narração.
Em suma: obra realista ou romance histórico; conto humorístico ou tratado filosófico, este livro é uma obra multifacetada cheia de motivos de interesse. Um marco histórico na literatura brasileira mas também um livro simples que se lê com agrado e boa disposição.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Alienista - Machado de Assis

Antes dos estudos de Jung e de Freud, Machado de Assis escreveu em 1881 esta interessante novela em que aborda de forma inovadora para a época o tema da loucura. Nesse ano, do outro lado do mundo, Dostoievski acabava de publicar o seu último romance (Os Irmãos Karamazov) e falecia pouco depois. Não sei se Machado de Assis leu o mestre russo que tão bem abordou este tema. No entanto, o seu estilo é bem diferente e inovador.
O protagonista, Simão Bacamarte, é médico e dedica-se à psiquiatria. Para tal instala-se na pequena cidade de Itaguaí, onde funda a Casa Verde, um hospício onde vai internado os habitantes da povoação que considera doentes. Aos poucos vai enchendo a casa até aí encerrar boa parte da população. A partir daí começa a ser difícil distinguir quem são os loucos porque os que ele considera sãos são uma minoria cada vez mais insignificante. Isso leva-o a, de repente, soltar todos os internados concluindo que a teoria era inversa àquilo que ele pensava.
O ponto alto da obra é atingida quando Machado de Assis cria uma relação entre o estudo da loucura e o poder político. Por momentos, a alienação colectiva parece ser o suporte quer do poder quer do contra-poder representado pelo barbeiro revoltoso, que se opõe à Câmara Municipal que apoiava o alienista.
O final do livro surpreende pela forma inteligente como o autor decide o destino do protagonista; isolado, ele é o único que pode provar a si próprio a validade das suas teorias. Faltava saber até que ponto as suas teorias não seriam, elas próprias, provenientes da sua loucura, em vez da razão. NA verdade, o estado de perfeição da mente humana, para o alienista, era o do “perfeito desequilíbrio”. Assim, ganhava lógica a atribuição do epíteto de louco àquele que apenas agisse segundo a razão :) …
Um aspecto impressionante do livro é o estilo de escrita do autor. Penso que poucos conseguiram exercitar a língua portuguesa de forma tão bela como o fez este brilhante escritor brasileiro. Veja-se, por exemplo, a musicalidade, a beleza, deste excerto: “Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde, era pouco para andar na rua ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heróicos.”
Finalmente, uma nota para o fino sentido de humor de M. de Assis, que nos coloca um constante sorriso nos lábios, sem nunca cair na piada fácil que o tema sempre propicia ao escritor. Um livro importante na história da literatura de língua portuguesa, de leitura fácil e profunda, agradável e que nos propicia fortes motivos de reflexão.
Avaliação Pessoal: 9.5/10

domingo, 22 de maio de 2011

D. Casmurro - Machado de Assis

Que dizer de um dos maiores clássicos da literatura brasileira?
Como ponto de partida, fica o lugar-comum: é uma obra prima!
O aspecto que mais me deliciou ao longo da leitura foi a clareza da linguagem; a forma objectiva, límpida, simples e directa com que Assis nos conta uma bela história de amor e de vida. Nada é supérfluo na narração; não há descrições desnecessárias; e a forma bem disposta como o autor se dirige ao leitor na segunda pessoa do singular – um tratamento por “tu” que nem é comum na expressão brasileira da língua portuguesa. Esta familiaridade com o leitor reforça a feição lúdica da leitura, criando uma notável empatia.
Ao nível do conteúdo, D. Casmurro perpassa todas as grandes angústias que povoam a existência humana: o ciúme, a morte, o adultério, a descrença, fazendo com que amiúde o leitor seja levado a olhar para a sua própria vida, de tal forma estes problemas são materializados em situações comuns.
A história de Bento Santiago é contada na primeira pessoa, desde tenra idade até ao presente do narrador. Bento é um rapaz muito inteligente de uma família aristocrática brasileira em meados do século XIX. Orfão de pai, é destinado pela mãe, em função de uma promessa, ao seminário. Nesta situação desenrola-se o primeiro grande dilema de Bento: como conciliar este destino com o amor ingénuo mas profundo por Capitu. Depois vem a amizade pelo colega de seminário, Escobar que o acompanhará até à tragédia. Mais tarde será o ciúme a atormentar a vida de Bento. E, finalmente, os dramas da morte. E fica a ideia de como o ser humano é capaz de destruir a felicidade ao mesmo tempo que a procura desesperadamente.
Mau grado o dramatismo extremo de algumas situações a leitura mantém-se agradável até ao fim. Dificilmente alguém abandona este livro a meio.
Um dos aspectos mais notáveis deste livro é o retrato social da época; de um Brasil ainda imperial, ainda esclavagista e ainda profundamente marcado por uma religiosidade conservadora e por valores morais muito rígidos. É a este mundo fechado e difícil que Bento sobreviverá, primeiro com todas as belezas de um amor feliz, depois com todo o drama que a existência humana é capaz de enfrentar.
Avaliação Pessoal: 9/10