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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

A Pastoral Americana - Philip Roth



Comentário:
Decadência: eis a palavra-chave desta obra; a decadência do ser humano, a decadência de um povo e a decadência de um país.
Antes de mais nada, a crítica; a visão crítica dos Estados Unidos da América a que Roth já nos habituou em quase todos os seus livros: está aqui tudo: a criminalidade, mesmo jovem, o absentismo, o moralismo, o conservadorismo, etc. Até no aspeto económico: a necessidade de mão-de-obra barata, com a deslocalização para a Ásia de muitas indústrias.
Num plano mais pessoal, fica bem patente a nostalgia e a saudade nas recordações de infância. A vida de Seymour Levov (heróica na juventude e trágica no final) exprime a visão negativa do destino e da condição humana. É que por oposição a essa infância feliz há uma realidade grotesca, medonha, que atinge o Sueco Lvov: a sua filha que aos 16 anos se torna assassina, terrorista, é violada e adere a uma seita radical. Por detrás disto está um inevitável e dramático choque de gerações – “Você amou sua filha como se fosse a porra de uma coisa”; talvez a causa do conflito esteja nesse culto da posse, típico do sistema capitalista, mas também num excessivo zelo pelo cumprimento das normas; a geração antiga tende para o certinho e direitinho, nunca preparando os filhos para a quebra do protocolo, para a necessária e incontornável quebra das regras.
Mas, para além do conflito de gerações está também um terrível choque pessoal, um destino dramático e doloroso.
Por todo o livro é nítido um certo lamento do envelhecimento e, ao mesmo tempo uma visão romântica do passado a condizer com uma visão pessimista do futuro e uma leitura bem negra do presente. O cancro de que sofre o escritor /personagem/narrador é o símbolo dessa visão cinzenta da realidade do país e do mundo.
A Pastoral e a contrapastoral: “A filha que o transporta para fora da sonhada pastoral americana e para dentro de tudo o que representa a sua antítese e o seu inimigo, para a fúria, a violência e o desespero da contrapastoral — para a selvajaria nativa americana.” A vida certinha, feliz, perfeita do Sueco Levov representava a Pastoral americana – a cartilha do sucesso, em que cada geração é um aperfeiçoamento da anterior. Mas a filha, que representa a última geração corta com a Pastoral; ela e a sua geração são a sua antítese. Assim, neste aspeto, a obra assume uma feição algo catastrofista ou, pelo menos, pessimista em relação ao destino da América. Revoltada contra a guerra do Vietname e contra o comodismo, bem como a acomodação da geração dos pais, a juventude dos anos 60, aqui representada por Merry, torna-se contestatária. E o país não está preparado para a compreender.
Mas a revolta não era apenas contra a guerra. Esse foi apenas o ponto de partida; era contra todo o modelo de vida capitalista. Contra a pastoral burguesa. Em causa estava por exemplo a procura de mão de obra barata. A crise económica, da qual a ruína da indústria das luvas é símbolo, vai dando lugar à crise social. Multiplicam-se os movimentos de contestação e os atentados. O livro de Roth torna-se premonitório em relação à América atual.
Um ritmo narrativo por vezes muito lento torna o livro algo enfadonho, ao contrário de outras obras de Roth. Por exemplo, porquê tanto espaço para declarar a futilidade dos concursos de misses? E porquê tanto pormenor na descrição dos métodos de fabrico de luvas de couro? Não vejo como o leitor possa seriamente beneficiar disso… é certo que Roth traça um desenho aprimorado da realidade norte-americana, especialmente nas suas faces mais negras, mas o exagero de pormenores retira, em alguns capítulos, esse prazer da leitura que todos procuramos.

SINOPSE (in wook.pt)

Philip Roth aborda frequentemente a necessidade humana de demolir, desafiar, opor, separar. 
Neste livro, contudo, foca-se no oposto: a necessidade de viver uma vida calma e normal. 
Seymour «Sueco» Levov, um lendário atleta universitário, devotado homem de família, trabalhador esforçado e próspero herdeiro, envelhece na triunfante América do pós-guerra, vendo esfumar-se tudo o que ama quando o país começa a efervescer nos turbulentos anos 60. 
Nem o mais tranquilo e bem-intencionado cidadão consegue escapar à vassourada da história, nem o Sueco pode permanecer para sempre na felicidade da amada e velha quinta em que vive com a sua bela mulher e a filha, que se torna uma revolucionária terrorista apostada em destruir o paraíso de seu pai. A inocência do Sueco Levov é varrida pelos tempos - como tudo o que foi criado pela sua família, através de gerações, deitado por terra na violenta explosão de uma bomba no seu bucólico quintal.

terça-feira, 11 de junho de 2013

O Complexo de Portnoy - Philip Roth



                                                    O Grande Masturbador - Salvador Dali

Começo por aquilo que deveria ser, talvez, a conclusão deste texto: um livro formidável onde a sexualidade é exposta de forma despudorada, embrulhada num humor de levar às lágrimas.
Portnoy é o nome de família. Uma família judaica a viver nos EUA durante o período de terror do antissemitismo hitleriano. O jovem Portnoy, Alexander, é uma criança superdotada mas asfixiada pela rigidez de costumes da sua comunidade. O sexo, um escape interiorizado de forma obsessiva. O judaísmo, uma religião e uma cultura castradora. O humor, uma arma de Roth para troçar da vida.
Alexander Portnoy, um génio com um QI de 158, que avançou dois graus na escola primária, agora com 33 anos, conta a sua vida e confessa os seus dramas ao psicanalista. Toda a vida do jovem, todos os dramas e todas as frustrações são assim explanados no divã da psicanálise.
Daqui resulta um livro absolutamente fabuloso. Uma obra-prima!
Alexander acaba por atingir uma carreira política de sucesso: aos vinte e cinco já era consultor especial de uma subcomissão de Habitação do Congresso dos Estados Unidos. Mas a sua vida pessoal era uma tempestade contínua.
A linguagem de Roth é crua, por vezes cruel, incisiva e sem receio de ferir; talvez mesmo com intenção de ferir com lê, numa mistura genial da crueldade com o humor… uma mistura talvez sádica mas sem dúvida masoquista. Recorde-se que Roth é judeu e sempre assumiu uma postura muito crítica face à sua comunidade.
Até o próprio humor é cruel, sádico.
Por detrás de tudo isto está um sentimento de revolta para com o conservadorismo da comunidade judaica. Ou contra o próprio Deus?
“Vergonha e vergonha e vergonha e vergonha — para onde quer que me volte, dou com alguma coisa de que me deva envergonhar.”Este é o trauma maior de Alex.
O desencanto perante a falta de uma identificação com o grupo e com a sua cultura conduziram-no a uma sexualidade desenfreada e esta a uma recusa frontal do amor romântico.
Episódios cómicos carregam consigo profundas cargas simbólicas: uma sexualidade tão desenfreada que nem o fígado para o jantar escapa. Excita-se em qualquer lugar; mas na Terra Prometida não consegue…
Só na parte final do livro, alguém põe os “pontos nos i’s”: Alex viajara para Israel à procura das suas raízes mas, acima de tudo, à procura da sua própria personalidade; era fora um judeu revoltado contra o anti semitismo mas também contra o conservadorismo inútil e castrador da sua própria comunidade. Daí resultou uma personalidade confusa, perdida entre desejos desenfreados e um nunca acabar da procura da felicidade. Mas a felicidade interior, ele nunca a encontraria nas mulheres que conquistou. Esta parecia ser, finalmente, a sua musa da paz; uma jovem israelita que (mais uma vez) lhe fazia lembrar a mãe. Mas é mesmo esta jovem quem vai, finalmente, desvendar o verdadeiro Alex: Auto depreciativo, Auto reprovador, Auto escarnecedor. É assim que a israelita socialista responde ao pedido de casamento de Alex.
Ele só queria ser normal… e ela era tão parecida com a mãe!

sábado, 10 de julho de 2010

A Conspiração Contra a América - Philip Roth

Muitos apontam Phiilp Roth como um eterno candidato ao prémio Nobel. A verdade é que o seu estilo, a sua capacidade de transformar a linguagem escrita numa forma de vida justificam largamente esse estatuto.
Este livro é uma pérola. Baseado na sua própria experiência como membro da comunidade judaica norte-americana, Roth constrói uma história com traços auto-biográficos que, ao mesmo tempo, marca a literatura contemporânea com uma nova concepção do romance histórico.
Toda a obra é marcada por um esforço de auto-compreensão e de explicação de um dos maiores dilemas morais do século XX: até que ponto a guerra é defensável, perante situações extremas de violência e injustiça.
Um dos aspectos mais notáveis desta obra é a clareza da linguagem: um estilo directo, sem artifícios, simples e objectivo. No entanto, por detrás dessa clareza de linguagem há um mundo complexo de dilemas e de dúvidas. Philip Roth, um miúdo de nove anos, principal personagem desta história, é filho de judeus num bairro judaico de Newark, no início da segunda guerra mundial. Na Alemanha, Hitler iniciara já a sua perseguição aos judeus, com o objectivo macabro de exterminar o povo judeu. Neste cenário, Roth imagina o que seria a América se um simpatizante de Hitler chegasse à presidência. É neste ponto que o autor passa da realidade histórica para a ficção, pintando o quadro de uma América liderada por Lindbergh, um famoso aviador com simpatias nazis, que aqui assume o papel de Presidente dos Estados Unidos da América, derrotando Franklin Roosevelt.
Ao longo da ascensão dos nazis, o leitor vai vivendo a amargura da comunidade judaica e vai sentido vagas de revolta. Ondas sucessivas que se sucedem sem que as anteriores tenham desaparecido.
A ignorância, o preconceito e a maldade que advém desse mesmo preconceito, alimentam monstros que se escondem por detrás de quem acredita nas boas intenções do ser humano. E o leitor, impotente perante a força do mal vai fazendo crescer as ondas de revolta…
Imaginada quanto aos factos, esta história é bem real quanta às atitudes e à maldade humana.
A família do jovem Philip sofre na carne e na alma toda essa maldade, toda a crueldade do preconceito e de alguns interesses cruelmente egoístas.
Perante a catástrofe iminente, a própria comunidade judaica divide-se, tal como previam os planos dos líderes fascistas: uns aceitam a dominação e acreditam, com ingenuidade, nas suas boas intenções, outros opõem-se ferozmente e outros ainda tentam “passar ao lado”, continuando preocupados apenas com a sua vida material. Esta divisão em três facções provoca conflitos graves entre a comunidade judaica, o que vai alimentando ainda mais o monstro. Dividir para reinar ou, neste caso, fomentar o ódio para alimentar o ódio maior. E chegamos assim ao grande motivo de reflexão para todo o mundo em que vivemos. Até que ponto se justifica a oposição à violência, com a violência? Até que ponto podemos confiar numa democracia que pode disfarçar a mais cruel das ditaduras?
Em conclusão: trata-se de uma obra notável como documento de um período histórico que continuará a ser motivo de reflexão e exemplo do pior que a alma humana pode gerar.
Não é um livro que dê respostas; não as poderia dar. Mas é um livro que levanta questões que serão sempre fundamentais para a compreensão do espírito e da vida humana. Talvez a única verdade seja que, como diz Roth, “não podemos fazer tudo certo sem fazer também alguma coisa errada”.