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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Alexandra Alpha - José Cardoso Pires



Quem se habituou a ler o que vou escrevendo, conhece o meu desdém de estimação pelos críticos literários; a maioria deles exerce um papel claramente antipedagógico sobre o ato de ler, preferindo a crítica negativa ao incentivo à leitura e reservando os elogios para uma elite de escritores mais ou menos obscuros.
No entanto, não há regra sem exceção. Alguns críticos literários consideram este Alexandra Alpha um dos melhores livros do século XX. Pois desta vez só posso concordar.
Esta é uma obra soberba; poucas vezes a ficção nacional terá abordado de forma tão límpida este período fulcral da nossa história; refiro-me à última fase da ditadura salazarista, a pseudo-primavera marcelista, o 25 de Abril e o período pós-revolução.
Alexandra, publicitária, frequenta os meios intelectuais lisboetas mas a vida não lhe deixa muito tempo para combates políticos; Sophia Bonifrates artista experimental de teatro de fantoches, mulher radical; Maria, professora e revolucionária que um dia dialogou com o poeta Ruy Belo; Bernardo Bernardes, culto, homem das letras, intelectual; Diogo Sena, fotógrafo que um dia caiu no conto do vigário à conta de um cineasta de vanguarda; Sebastião Opus Night, bêbado e fascista por pouca convicção são alguns dos jovens dos anos sessenta que enfrentarão a revolução cada um a seu modo; uns acomodar-se-ão de forma mais ou menos cobarde; outros terão em Abril o dia dos seus sonhos; outros perder-se-ão num espírito revolucionário que se misturou com oportunismo e cegueira radical.
A ditadura, a censura e a guerra colonial eram um inferno; mas o paraíso cantado pela genial prosa poética de Cardos Pires dará lugar à confusão de um período pós-revolucionário onde as boas vontades não foram suficientes para fazer de Portugal um país próspero e justo.
Numa análise descomprometida e artística, recorrendo a um humor refinado e um espírito crítico apurado, o nosso enorme escritor oferece-nos nesta obra uma visão clara, numa escrita agradável, um retrato colorido deste período fulcral da nossa história.
Mais do que artística, a escrita de Cardoso Pires tem aquele perfume de veracidade, realidade que nos faz reviver o passado sem esforço, sem intelectualismos inúteis e, acima de tudo, sem comprometimentos políticos.
Uma obra para ler e reler.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A República dos Corvos - José Cardoso Pires



Sinopse:
Um dos muitos títulos de um dos mais notáveis escritores da língua portuguesa, "A República dos Corvos" reúne sete contos e foi publicado em 1988. José Cardoso Pires, de quem se escreveu que todos os livros são fábulas, mesmo os romances ou os ensaios, retoma a faceta de contista com que se estreara na publicação ("Os Caminheiros e Outros Contos", 1949) e que por essa altura já tinha sido alvo de várias coletâneas.
Sete contos repletos de ironias para descobrir e divertir, na mesma escrita despojada de quem em meio século de letras sempre preferiu pecar por defeito do que por excesso e exigir criatividade ao leitor em vez de o manter passivo. Enquanto ensaísta, romancista, jornalista, dramaturgo e fabulador.
Comentário:
Em regra, não gosto de contos. Parece-me sempre pouco quando se trata de grandes escritores. Há exceções, é claro, como os consagrados James Joyce em Gente de Dublin ou os famosos contos de Tchekov. Não esquecendo o nosso Eça, claro. Este livro de contos de Cardoso Pires pode acrescentar-se a esta lista de exceções.
Trata-se de um conjunto de pequenas e médias narrativas que têm em comum a presença de animais e a sua relação com os humanos. O primeiro conto, que dá título à obra, é uma fábula absolutamente deliciosa, cheia de humor e em certos momentos hilariante. O corvo, um dos símbolos de Lisboa, é aqui um pássaro trocista intérprete de uma deliciosa crítica de costumes e com uma linguagem encantadora.
A forma como os contos estão estruturados leva-nos desta hilaridade dos primeiros contos a uma sátira cada vez mais séria e profunda. Este crescendo culmina com o maior conto do livro, uma sátira a Salazar (escrito em 1969, ano da “abdicação” do ditador) significativamente intitulado “Dinossauro Excelentíssimo”.
Nesse conto, percorre-se a vida do ditador, desde uma infância controlada pela beatice e pela analfabetismo, até uma morte que não se sabe bem quando ocorre, uma vez que o ditador sobrevive na voz e na ação dos seus seguidores, também eles esclerosados. Algures pelo meio do percurso o dinossauro metamorfoseara-se numa estátua sem braços, venerada à imagem e semelhança do ditador. Aqui como noutros pontos, José Cardoso Pires não esconde a influência de Kafka, na abordagem de um certo “absurdo normal”.
Também noutros contos é nítida a sátira à classe política, como por exemplo nos sábios cegos e iluminados, que são descritos por um narrador “lambe-botas” típico do regime totalitário sob o qual parte do livro foi escrito.

domingo, 25 de setembro de 2011

De Profundis, Valsa Lenta - José Cardoso Pires

Este pequeno livro é um testemunho absolutamente dramático de alguém que viveu a morte em vida.
José Cardoso Pires faleceu em 1998 vítima de um AVC. Escrevera este livro em 1997 descrevendo um outro acidente vascular cerebral, que sofrera em 1996.
Tudo é absolutamente dramático neste livrinho; até o estilo: nu, cru, despojado, chocante pela simplicidade com que se descreve a doença.
O genial escritor deu entrada num hospital de Lisboa onde foi assistido pelo médico João Lobo Antunes, neurocirurgião, (que prefacia este livro) irmão do seu amigo António Lobo Antunes.
Por ironia do destino, o AVC bloqueara-lhe a área cerebral da escrita, assim como da oralidade e da memória. O escritor que perdeu a memória e a capacidade de escrever. Afastando-se de si mesmo, JCP narra-nos todo o seu drama como se de outro se tratasse. O doente vagueava pelos corredores do hospital como quem procura a sua própria pessoa, perdida algures, vítima de um coágulo de sangue. Era a sua identidade que ele procurava; era o drama de se ter perdido a ele próprio. E da mesma forma brutal e silenciosa com que se perdera de si, o doente viria depois a reencontrar-se. Miraculosamente.
Este livro lê-se em poucas horas, mas ficará por certo gravado na memória de quem lê pela simplicidade e frontalidade com que o escritor descreve o seu próprio drama. 
Avaliação Pessoal: 9/10

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Hóspede de Job - José Cardoso Pires

Há dias escrevia alguém que, com a morte de Saramago morreram os escritores politicamente comprometidos. Santa ingenuidade! Temo é que com a morte de Saramago e após a morte de Cardoso Pires esteja a morrer o talento e a sensibilidade humana neste país de curta memória.

Para compreender o espírito deste livrinho genial é importante saber-se que foi escrito nos anos 50, em memória do irmão mais novo do autor, que morrera num acidente militar.
Importante também salientar que é a primeira obra do autor. E que obra! É maravilhoso verificar como, com menos de 30 anos, Cardoso Pires revelava já um talento literário notável, ultrapassando largamente a influência neo-realista que é patente no livro.
Algures no Alentejo, o livro inicia-se num quartel inútil, com uma conversa inútil entre soldados inúteis. Uma conversa sem sentido, alimentada pelo vinho que engana o tédio e a inércia dos soldados. Soldados que são homens roubados à planície, braços subtraídos às searas, enganando o tempo sob a luz obscura de uma garrafa…
Fora do quartel reina o desespero de um povo esfomeado sob o sol escaldante dos campos de trigo. E a GNR. E a opressão sobre a revolta silenciada.
Multidões de camponeses percorrem os caminhos do desespero. Sem pão nem paz deambulam pela planície em busca de trabalho, perseguidos pela Guarda, como ladrões, como cães escorraçados pelos Senhores da terra que não é de quem a trabalha.
A Guarda e a Tropa sem guerra desprezam os camponeses; até a água lhes roubam. “Para a Guarda isto é a guerra”, diz o Tio Aníbal. É o absurdo de uma guerra em tempo de paz.
Os soldados estão em manobras, divertidos como crianças que brincam com brinquedos caros. E a gente miserável foge da fome.
A sacristia da capela, transformada em prisão é testemunha fria dos tempos; o povo já não reza… “uns vencem os pecados com rezas, outros com a liberdade – era a lei geral, e ambos prestam contas, à sua maneira” (página 132).
Gallager, o especialista americano em guerras e armamentos é o hóspede de Job. Um hóspede que não foi convidado e que se serve da miséria do povo. Ele é a arrogância entre os humildes; a força no meio dos impotentes; o poder entre os deserdados da fortuna.
E João Portela é o sacrificado no altar do poder tirânico de quem reinou com um trono assente sobre por miséria do povo.
Um livro fantástico! Triste como a vida do heróico povo alentejano, vítima incompreendida de uma estrutura política só comparável às mais abjectas ditaduras do terceiro mundo.
Um livro que deve ser lido, relido e divulgado. Para que a memória não se apague nunca.
Imagem retirada daqui.

domingo, 15 de junho de 2008

Balada da Praia dos Cães - José Cardoso Pires

Embora seja muito mais do que isso, a Balada da Praia dos Cães é uma história policial; tudo começa com a descoberta de um cadáver numa praia. A vítima era um militar envolvido numa tentativa fracassada de derrubar o regime fascista português. A partir daí, o enredo decorre em constante feed-back, retornando aos últimos dias do oficial, escondido com três cúmplices que são, ao mesmo tempo, suspeitos da morte do oficial e de envolvimento no referido golpe.Perante este cenário, a Policia Judiciária e a PIDE procuram pôr em campo o seu jogo de interesses, num constante bailado de rivalidades e questões políticas entre as duas instituições. O caso acaba por ser entregue à Judiciária. O agente encarregado do processo, personagem principal do romance, Elias Santana é um português típico: está-se marimbando para a política, julga ter solução para tudo, é desleixado, tem um lagarto como melhor amigo e usa unhaca comprida no dedo mindinho. Portugal vivia numa ditadura posta em causa pela independência da Índia e pela ameaça da guerra colonial. O regime tornava-se obsoleto e cada vez mais repressor. Por isso o tom do romance é sempre sombrio e o retrato social apresenta-nos uma realidade dominada pelo medo, pelas intrigas políticas e por uma sociedade de aparências forçadas.O crime em si mais não é do que um pretexto para que os cuidades de “segurança” do regime escondam o crime maior: o de um regime repressor e baseado no medo. Os suspeitos são as vítimas desse crime maior. O castigo imposto a estes suspeitos é o castigo imposto a toda a sociedade; a um país reprimido, manietado, assassinado. No final não há redenção nem compaixão; apenas solidão.O próprio Elias Santana, mais do que um agente da autoridade, é uma vítima aquém não é permitido ter uma opinião nem muito menos uma vida própria; ele é o braço do sistema e por isso depende de tudo quanto o condiciona. O medo e a solidão são, também para ele, os denominadores comuns de todos os aspectos da vida.