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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

"Dois cimbalinos escaldados", de Inês Lourenço

Não sei, meu amigo, o que
irradiava mais calor, se
a chávena escaldada, se
o cimbalino fervente, se
as conversas sobre livros de poesia
que nesse tempo, ainda
acreditávamos ser a maior
razão

Curto, normal, cheio
o cimbalino, esse negro odor
com moldura branca
numa mesa de café, na cidade
onde habitávamos desde sempre.

(in Relâmpago. Revista de Poesia, 28; 2011)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

"Os livros", de Inês Lourenço

Este "post" é dedicado a Inês Lourenço, que teve a gentileza de nos oferecer o seu último livro e a quem o poemapossivel muito agradece.


Os livros duram séculos e
falam da melodia da chuva,
dos rios e dos mares, das fontes,
dos húmidos beijos dos
amantes, mas também

morrem despedaçados num
qualquer temporal que parte
as vidraças e lhes tolhe as páginas
numa brutal invasão líquida.

E falam do fogo
das paixões, de estrelas
a arder no infinito,
mas o convívio das chamas
é-lhes vedado, apesar
da torpe ignorância,
a isso os ter condenado
tantas vezes.

Quantos naufrágios e incêndios
os destruiram, para depois
ressurgirem múltiplos,
audazes, amigos tão antigos e
tão novos.

(in Coisas que nunca)
(ver ainda o blogue da autora: http://logrosconsentidos.blogspot.com)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"Para um gato", de Inês Lourenço

Assassinei alguns pardais
mas depois lambia o pêlo
exaustivamente para ser
digno das carícias do dono.

(in Coisas que nunca)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

"Felinus", de Inês Lourenço

A Maria Tobias era preta
e branca. Na parte branca era
Tobias e era Maria na preta. Morou
connosco cinco anos. No sexto, numa
quinta-feira santa pôs-se a dormir
depois de um longo jejum. Ficaram-nos
nas mãos festas desabitadas e os poucos
haveres: uma malga, uma manta, um bebedouro,
que não lográmos enviar
para a nova morada.

(in Coisas que nunca)

sábado, 21 de agosto de 2010

"Sala provisória", de Inês Lourenço

Nunca se sabe
quando estamos num lugar
pela última vez. Numa casa
que vai ser demolida, numa sala
provisória que vai encerrar, num velho
café que mudará de ramo, como
página virada jamais reaberta, como
canção demasiado gasta, como
abraço tornado irrepetível, numa
porta a que não voltaremos.

(in Coisas que nunca)

domingo, 1 de junho de 2008

"Glenn Gould", poema de Inês Lourenço dedicado a Thomas Bernhard


Procuras o som, a morte de ti mesmo,
centro do teu corpo a percussão que sonhas
límpida,
respiras como as cordas vibram
nessa invenção de vozes
mutuamente perseguidora.

Célere e luminoso expulsas da pauta
os ornatos falsos, os amantes fáceis,
desapossado estás de ti e possuído
pela audível construção impossivelmente perfeita
Steinway Glenn, Glenn Steinway só para Bach.

(in Um Quarto com Cidades ao Fundo)