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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

[e todas as noites], de Carlos Lopes Pires

e todas as noites
esvazio o meu coração
para que nele possas entrar e as estrelas

é um tamanho
que nunca posso alcançar

e por isso todas as manhãs
as coisas do mundo voltam a entrar
mas tu não sais

porque tu entras e entras
repetidamente

no meu coração

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

segunda-feira, 14 de julho de 2014

[eu não sei], de Carlos Lopes Pires

eu não sei
como é com as outras mães

mas a minha ensinou-me
a ver os pássaros como dantes
as árvores tinham

outras vezes
com as suas mãos
passava sobre as minhas dores
e ficavam pequenas rosas
que ainda hoje não entendo

e cuidou de mim nas minhas feridas
aconchegou-me nos dias frios

e nas noites de pavor e medo
mostrava-me um senhor numa cruz
e dizia-me que assim era também o seu amor

a mãe deu-me tudo

e quando um dia quis pagar-lhe
essa incomensurável dívida

já não estava

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

domingo, 22 de junho de 2014

[pai que foste o princípio da água], de Carlos Lopes Pires

pai que foste o princípio da água
e das viagens

de cujas mãos nasceram
as manhãs de geada com tudo dentro

e as coisas grandes e as rosas

enquanto envelhecia contigo
não sabia que tudo um dia é tarde
e arrefece

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Perda", de Carlos Lopes Pires

Havia uma dor
a crescer no centro do coração.
Não era bem uma dor. Era mais
como uma pedra pesada
e dura
a bater no fundo.
Também não era no centro. Nem
no coração. Era na vida toda,
e era como o trilar dos grilos
nas noites de infância:

vidros que se quebram
à passagem das coisas.

Perdi o nome.

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

segunda-feira, 16 de junho de 2014

"Que a dor seja", de Carlos Lopes Pires

Que a nossa dor subida seja
em cada coisa procurada,

na parte íntima,
no miolo e na casca,

nas árvores,
nos quartos desarrumados
e nas dispensas,

nas coisas que se dizem
de um para outro lado,
de pais para filhos,

reclinada na almofada
a tua mão no livro,

oh, as coisas que se amam devagar,
os quintais, as laranjas, os balouços,

e que a nossa dor toda seja

cumprida, inteira, ampla,
guardada em cada passo e depois,

porque a nós chega o que é chegado,
e que a nossa dor seja como a água
e seja.

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

"Nos teus olhos", de Carlos Lopes Pires

As vides
atam o homem à vida,
o meio da tarde une o sol,

a plena encosta contem a subida,
o todo é parte do nada,

e a casca tem o verão
que tu me deste cantarolando,

os meus pequenos gestos
caindo no lugar
onde o pássaro fez o ninho.

Oh, não me digas que sou triste:

diz antes que durmo
nas papoilas dos teus olhos.

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

"Tanques", de Carlos Lopes Pires

Todos os tanques tinham alfaiates.
E todos tinham crianças
com espelhos na água.
E havia um limoeiro lá
dentro. Não havia onde

mas as papoilas.
E tu sabes algo e não dizes tudo.
As estações sucedem-se.
O tordo anda no coração

do mundo.

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed Textiverso, 2014)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

"Vinha na semente", de Carlos Lopes Pires

Só a tua mãe te amou,
e deu-te a morte que
vinha na semente,
e deitou-se sobre essa culpa,
e no fundo dessa rosa
colheu espinhos, mágoas,

e atravessou o animal deserto
que sufocava em ti
e nos teus dedos de papoila,

e amou-te tão
no seu cansaço vegetal. E dos dias
noites ela fez e não disse. Envelheceu
a amar-te tanto.
E levou-te a ver um mundo
onde tudo estava certo. E era certo
quando abria os braços
e tu subias ao coração da árvore.

Outras mulheres julgaram amar-te.
Mas só ela viu a cruz
que havia em ti, e só ela sabia dos
sinais, e só ela conhecia os teus
medos. Só ela, no seu silêncio
maior que todas as razões,
pressentia todos os teus segredos.
Com ela
não houve dívidas nem
contas.

(in Guarda-me contigo entre as papoilas; ed. Textiverso, 2014)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

(Acabado de chegar)

(Depois de uns dias em silêncio, regresso à poesia com um livro gentilmente oferecido pelo poeta Carlos Lopes Pires. Em breve conto partilhar com os seguidores do poemapossivel alguns poemas deste seu recente livro.)

domingo, 2 de outubro de 2011

"Fenda", de Carlos Lopes Pires

Por alguma coisa estamos aqui,
subindo e descendo,
fazendo e fazendo,

de todo o lado carregando
o musgo e as pedras
para o poço.

e se alguma coisa tenho
para dar-te

ela está dentro de mim
e não a encontro
senão
na fenda

do meu coração.

(in Onde)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Poema de «Te Quiero», de Carlos Lopes Pires

há muitos anos
que busco uma explicação
nos livros

nos olhos dos animais
nas pessoas que passam

no sentido que deve haver
em tudo o que se move

e até na chuva
e nas mãos que tocam a claridade
dos dias mais secretos

mas só tu és
a minha explicação

(in Te Quiero)

domingo, 1 de maio de 2011

"Do amor", de Carlos Lopes Pires

Jamais um rio
consome mais que as suas margens.
Mas do amor,
quem dizer pode
as margens de cada rio?

(in A fuga das cidades. Os ensinamentos)

sábado, 30 de abril de 2011

"Dos pássaros", de Carlos Lopes Pires

Anda comigo ver os pássaros que vão pelas tardes
a conquistar o ar. Não trabalham nem fazem eiras
para descansar o outono ou arrefecer as chuvas.
Mas têm um certo saber quase perfeito,
quase nada,

e tão silêncio.

(in A fuga das cidades. Os ensinamentos)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

"Dos avisos", de Carlos Lopes Pires

Cansaram-se de avisar e, um dia,
inesperadamente,
os poetas fugiram. Sabemos agora
que os poetas não se fecham nem prendem.
Matámos alguns e ficámos com os seus olhos grandes
a olhar sérios para nós. Mas os poetas nunca morrem,
pois fica sempre uma palavra ou outra
solta pelo chão a sangrar.

(in A fuga das cidades. Os ensinamentos)

terça-feira, 19 de abril de 2011

"Dos sinais", de Carlos Lopes Pires

(Poema lido e publicado em Tomar; a AJ lendo um livro aqui ao lado)

Expulsaram os pássaros da nossa rua.
Primeiro trouxeram máquinas escavadoras
e nuvens de pó,
depois chegaram carros bem vestidos
de onde saíam homens com papéis
e mãos vazias.
De uma ponta à outra da rua
serraram as árvores
que nos indicavam as sucessivas estações
dos nossos dias.
Como reconheceremos agora o outono?
Como saberemos da chegada dos sinais
se já nem os pássaros têm ramos

onde pousar as canções?

(in A fuga das cidades. Os ensinamentos)

terça-feira, 29 de março de 2011

Poema de Carlos Lopes Pires

quando as observo distantes
compreendo que já
tudo foi revelado às aves

que tudo sabem sobre
o abismo das asas e o ar

que as move

(in O Livro das Pequenas Orações)

sexta-feira, 25 de março de 2011

"Mais de uma vez", Carlos Lopes Pires

Chove. Mais de uma vez chove sobre os telhados.
E o vento vem, mais de uma vez vem,
e os mares e os barcos sobre os mares,
e os leitos dos rios enchem-se e mais de uma vez
se esvaziam e secam com o sol, e depois vem a chuva
e sol e sol. Adormece sobre a cadeira, a criança;
adormece um vez e outra.

Ao fundo o vento sopra entre as ervas, sopra;
no chão o amor acontece uma vez e outra,
mais de uma vez acontece.

(Só eu tenho uma vida apenas para te amar).

(in O livro dos cânticos (poemas de amor e ausência))

segunda-feira, 14 de março de 2011

"Aconteceu um dia", de Carlos Lopes Pires

Aconteceu um dia amar-te por acaso,
embora chovesse nesse dia,
e o teu olhar com o meu

só mais tarde se encontrasse.

(in O livro dos cânticos (poemas de amor e ausência))

quinta-feira, 10 de março de 2011

"Sabia que existias", de Carlos Lopes Pires

Sim, sabia há muito que existias.
Sentia-o de manhã e à noite,
e pelo amanhecer,
mas era quando o silêncio e o vazio
vinham visitar-me ao entardecer
que mais nítidas eram essas notícias.

Coisas que a gente não sabe dizer ou definir,
que sabe serem redondas ou perfeitas
e nos visitam em lugares inesperados.

E no entanto sabia que existias.

Dizia-o o melro do telhado
no meio da cidade.
indiferente ao trânsito e ao ruído,
indiferente aos semáforos.

(in O livro dos cânticos (poemas de amor e ausência))

quarta-feira, 9 de março de 2011

(Carlos Lopes Pires)

(Para o poeta, com imensa gratidão pela sua simpatia e partilha)

(Tendo entrado em contacto com o responsável por uma editora que já não existe - Editorial Diferença (o logótipo era um lince-ibérico) -, descobri um poeta com uma longa obra).

Obra poética:
A invenção do tempo e Outros Poemas (1993)
Falar às Aves (1993)
O livro de pó (1994)
O livro dos salmos (1994)
Viver (1995, 2.ª ed. rev. 1997)
O Caminho do País Lilás (1995)
O livro dos cânticos (1995)
A poeira dos dias (1996)
A Última Ceia (1996, 2.ª ed. rev. 1997)
O perfume da flor (1997)
A fuga das cidades (1997)
De immenso (1997)
Todas as estrelas do mundo / O amor tem tantos nomes (em co-autoria com Maria Rosa Colaço) (1997, 2.ª ed. 1998)
Alguém que tu conheces (1998)
Imensitude (1999)
O sinal de Jonas (1999)
Nove poemas da Bretanha / Poemas de Amor e Estremadura (ed. em português-francês, em co-autoria com Jean-Albert Guénégan) (2000)
Em cada um (2000)
Onde (2001)
As Estações de Deus (2002)
O Livro das Pequenas Orações (2008)
Te quiero (2011)