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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Excerto do poema "Louvor da Dúvida", de Bertold Brecht

(...)
Rodeado de berros de comando, examinado
Na sua capacidade por médicos barbudos, inspeccionado
Por entes radiosos com distintivos áureos, admoestado
Por solenes sacerdotes que lhe dão nas orelhas com um livro escrito [pelo próprio Deus,
Ensinado
Por mestres-escolas impacientes, o pobre fica a ouvir
Que o mundo é o melhor dos mundos e que o buraco
No tecto do seu quarto foi planeado pelo próprio Deus.
Na verdade, é-lhe muito difícil
Duvidar deste mundo.
(...)

(in Poemas; trad. Paulo Quintela)

domingo, 21 de junho de 2009

"Quem é o teu inimigo?", de Bertold Brecht

Ao faminto, que te tirou
O último pão, olha-lo como inimigo.
Mas ao ladrão que nunca passou fome
Não lhe saltas às goelas.

(in Poemas; trad. Paulo Quintela)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

"Quando o crime vem como a chuva cai", de Bertold Brecht

Como alguém que chega com uma carta importante ao ghichet depois das horas regulamentares: o ghichet já está fechado.
Como alguém que quer advertir a cidade duma inundação: mas fala uma outra língua. Não o compreendem.
Como um mendigo que pela quinta vez bate a uma porta onde já recebeu esmola quatro vezes: ele tem fome pela quinta vez.
Como alguém cujo sangue lhe corre duma ferida e espera pelo médico: o sangue continua a correr.

Assim vimos nós e relatamos que em nós se cometem crimes.

Quando se relatou pela primeira vez que os nossos amigos era abatidos pouco a pouco, houve um grito de horror. Então foram abatidos cem. Mas quando foram abatidos mil e a matança não tinha fim, espalhou-se o silêncio.

Quando o crime vem como a chuva cai, então já ninguém grita: alto!

Quando os delitos se amontoam, tornam-se invisíveis.
Quando as dores se tornam insuportáveis, já se não ouvem os gritos.
Também os gritos caem como a chuva de Verão.

1935

(in Poemas; trad. Paulo Quintela)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

"O meu espectador", de Bertold Brecht

Outro dia encontrei o meu espectador.
Na rua poeirenta
Segurava nos punhos uma broca mecânica.
Por um segundo
Levantou os olhos. Armei num repente o meu teatro
Entre as casas. Ele
Olhou cheio de expectativa.
Na taberna
Encontrei-o de novo. Estava junto ao balcão.
Coberto de suor, bebia, na mão
Um pedaço de pão. Armei num repente o meu teatro. Ele
Olhou admirado.
Hoje
Consegui-o de novo. Diante da estação
Vi-o, empurrado por coronhas de espingardas
Para a guerra entre rufos de tambores.
No meio da turba
Armei o meu teatro. Por sobre o ombro
Lançou-me um olhar:
Fez-me um aceno.

(in Poemas; trad. de Paulo Quintela)

Excerto de "Fala a operários-actores dinamarqueses sobre a arte da observação", de Bertold Brecht

(...)
Para observar
É preciso aprender a comparar. Para comparar
É preciso ter já observado. Pela observação
Produz-se um saber, mas é necessário o saber
Para a observação. E:
Observa mal aquele que nada sabe empreender
Com o observado. Com olhar mais agudo
O pomareiro abrange a macieira do que o passeante.
Mas não vê exactamente o homem quem não saiba
Que o homem é o destino do homem.
(...)

(in Poemas; trad. de Paulo Quintela)