Nome: “Demência”
Autora: Célia Correia Loureiro
Nº de Páginas: 400
Editora: Alfarroba
Sinopse: “No seio de uma aldeia beirã, Olímpia Vieira começa a
sofrer os sintomas de uma demência que ameaça levar-lhe a memória aos poucos. A
única pessoa que lhe ocorre chamar para assisti-la é a sua nora viúva, Letícia.
Mas Letícia, que se faz acompanhar das duas filhas, tem um passado de
sobrevivência que a levou a cometer um crime do qual apenas a justiça a
absolveu.
Perante a censura dos aldeões, outrora seus vizinhos e amigos, e a confusão mental da sogra, Letícia tenta refazer-se de tudo o que perdeu e dos erros que foi obrigada a cometer por amor às
filhas. O passado é evocado quando Sebastião, amigo de infância de Olímpia, surge para ampará-la e Gabriel, protagonista da vida paralela que Letícia gostaria de ter vivido, dá um passo à frente e assume o seu papel de padrinho e protector daquelas três figuras solitárias…”
Perante a censura dos aldeões, outrora seus vizinhos e amigos, e a confusão mental da sogra, Letícia tenta refazer-se de tudo o que perdeu e dos erros que foi obrigada a cometer por amor às
filhas. O passado é evocado quando Sebastião, amigo de infância de Olímpia, surge para ampará-la e Gabriel, protagonista da vida paralela que Letícia gostaria de ter vivido, dá um passo à frente e assume o seu papel de padrinho e protector daquelas três figuras solitárias…”
Opinião: Célia Correia Loureiro, licenciada em Informação
Turística, começou desde muito cedo a escrever as suas histórias. Com algumas
obras da sua autoria terminadas, lança em 2011 a sua obra de estreia “Demência”,
através da editora Alfarroba.
Olímpia Vieira começa a
demonstrar sinais de demência, quando se começa a esquecer de tratar dos seus
animais, algo que ela sempre fez religiosamente. Uma vizinha preocupada com a idosa contacta a
única família da mesma, a sua nora viúva, Letícia. Contudo, Letícia e as suas
filhas não são bem recebidas na aldeia, pois a primeira tem um passado recheado
de dor e um crime do qual foi absolvida pela justiça, mas que os aldeões não
compreendem e condenam.
Letícia tentará apesar de toda a
censura dos aldeões e o alzheimer da sogra refazer-se e recomeçar a sua vida
com as suas meninas. Quando Sebastião, amigo de infância de Olímpia, surge para
ajudá-la, tudo se torna mais simples e esclarecedor, o que aliado ao reencontro
com Gabriel, amigo dela e do seu ex-marido, Letícia começa a idealizar como
poderia ter sido a sua vida se tivesse realizado outras escolhas.
Não tenho por hábito ler obras de
autores portugueses, o que me envergonha admitir, mas com tantas obras a serem
lançadas constantemente, acabo infelizmente por descorar o que é nacional. Esta
obra foi adquirida depois de ter lido inúmeras opiniões bastante positivas, que
me deixaram muito curiosa, e de ter sido contactada pela autora, que se
disponibilizou a enviar-ma, com direito a uma dedicatória. Aproveito para lhe agradecer
as simpáticas palavras e pelo modo atencioso como acompanhou a minha leitura.
Esta história encontra-se
recheada de temas sensíveis e bastante reais, que todos nós de alguma forma já
contactámos, a violência doméstica, alzheimer e a tacanhez de espírito
característica das pequenas aldeias. Agradou-me a escolha dos temas deste
volume, que embora sejam temas pesados foram descritos de um modo muito genuíno
e agradável, que nos leva a ler e saborear a obra de uma assentada, com uma
enorme necessidade de descobrir o que irá suceder a estas personagens, que
desde o início aprendemos a gostar.
Durante esta leitura foram vários
os sentimentos que a autora me conseguiu transmitir. Olimpia foi uma das
personagens que mais se alterou no modo como a observava. Inicialmente,
causavam-me alguma irritação, pelo modo como tratava a nora e as suas netas,
mas ao mesmo tempo alguma tristeza e em parte compreensão. Tristeza porque é
muito triste quando sentimos que as nossas memórias nos escapam por entre os
dedos e que deixamos de conseguir ser donos das nossas vidas e de reconhecer as
pessoas de quem mais gostamos. Senti alguma compreensão por ela, pois quando
temos filhos, acredito que para nós são perfeitos e que nos seja difícil
acreditar que fossem capazes de fazer algo de mal. Acredito que o facto de ser privado
a alguém o seu único filho, que amou de todo o coração, depois de todas as
provações porque passou para o ter, modifique qualquer um.
Letícia é uma personagem cheia de
força e perseverança. Vítima de violência doméstica durante anos a fio, acaba
por ter de fazer uma escolha que muda para sempre a sua vida e a dos que a
rodeiam. Esta personagem mostra que por vezes a vida nos coloca em situações,
de tal modo extremas, que somos obrigados a agir de um modo que pode ser condenado
pela sociedade, mas que num ambiente de medo e desespero era a melhor atitude.
Gostei de tal modo desta personagem, que senti as suas vitórias e tristezas
quase como se fossem minhas. É, sem dúvida, uma personagem muito real, que
poderia realmente ter existido. Como a autora afirma “as histórias que conto
não são a história de ninguém, mas serão certamente a história de alguém”.
Das restantes personagens,
Sebastião mostrou ser um homem com um coração de ouro, capaz de tudo pela
pessoa que sempre amou e por quem sempre teve uma enorme consideração. É,
graças a ele, que ficamos a saber mais sobre Olímpia e o seu passado, o que aliado
a tudo o que faz por Letícia e as suas meninas, o tornam numa das personagens
mais interessantes e inesquecíveis desta obra.
Gabriel, inicialmente mostra ser um
pouco distante e frio para Letícia, o que é compreensível, pois embora sempre
tenha amado esta mulher, ela era casada com o seu melhor amigo, que conheceu
durante toda a vida. Contudo, é só uma questão de tempo até compreendermos quão
bom consegue ser e o que estará disposto a fazer por esta pequena família, que
já perdeu tanto.
Das meninas, Maria e Luz,
confesso que gostei muito da segunda. Ambas foram obrigadas a crescer mais
depressa do que as crianças normais, por tudo o que atravessaram durante as
suas infâncias, contudo Luz é a única que tem memórias mais vivas de tudo o que
se passou entre os pais e embora tenha só 10 anos, parece ser muito mais
madura.
Quanto ao ambiente rural
encontra-se bastante bem desenvolvido, o facto de toda a gente se conhecer e
cumprimentar quando se vê; a entreajuda característica das aldeias e pequenas
povoações; os boatos e as picardias; tal como os problemas financeiros e sociais,
transportam-nos para aquela aldeia beirã. O modo como estas pessoas tratam
Letícia, causa-nos tristeza e irritação por serem tão tacanhos de espirito,
preconceituosos, possuidores de ideias pré-concebidas, por obrigarem esta lutadora
a atravessar mais problemas e controvérsias, após tudo o que teve de passar,
mas também pela hipocrisia e falsidade que reina naquele ambiente.
Como aspecto negativo da obra, a
única coisa que tenho a salientar, é a revisão do livro, pois, em alguns
momentos, tive de reler frases de modo a compreender a mensagem transmitida.
Não foi algo que sucedesse com muita frequência, mas fica a nota para uma
segunda edição.
Numa escrita imensamente
cativante, muito genuína e delicada, Célia Loureiro apresenta-nos uma história
repleta de luta, esperança por dias melhores, de amor e traição, alegria e
tristeza, que nos prendem a esta narrativa da primeira à última página. Aguardo com expectativa a seguinte obra desta escritora, que tem tudo para vingar, "O Funeral da Nossa Mãe".
Avaliação: 4/5 (Gostei Bastante!)