Mostrar mensagens com a etiqueta Célia Correira Loureiro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Célia Correira Loureiro. Mostrar todas as mensagens

sábado, 8 de setembro de 2012

Demência


Nome: “Demência”

Autora: Célia Correia Loureiro

Nº de Páginas: 400

Editora: Alfarroba

Sinopse: “No seio de uma aldeia beirã, Olímpia Vieira começa a sofrer os sintomas de uma demência que ameaça levar-lhe a memória aos poucos. A única pessoa que lhe ocorre chamar para assisti-la é a sua nora viúva, Letícia. Mas Letícia, que se faz acompanhar das duas filhas, tem um passado de sobrevivência que a levou a cometer um crime do qual apenas a justiça a absolveu.

Perante a censura dos aldeões, outrora seus vizinhos e amigos, e a confusão mental da sogra, Letícia tenta refazer-se de tudo o que perdeu e dos erros que foi obrigada a cometer por amor às
filhas. O passado é evocado quando Sebastião, amigo de infância de Olímpia, surge para ampará-la e Gabriel, protagonista da vida paralela que Letícia gostaria de ter vivido, dá um passo à frente e assume o seu papel de padrinho e protector daquelas três figuras solitárias…”

Opinião: Célia Correia Loureiro, licenciada em Informação Turística, começou desde muito cedo a escrever as suas histórias. Com algumas obras da sua autoria terminadas, lança em 2011 a sua obra de estreia “Demência”, através da editora Alfarroba.

Olímpia Vieira começa a demonstrar sinais de demência, quando se começa a esquecer de tratar dos seus animais, algo que ela sempre fez religiosamente.  Uma vizinha preocupada com a idosa contacta a única família da mesma, a sua nora viúva, Letícia. Contudo, Letícia e as suas filhas não são bem recebidas na aldeia, pois a primeira tem um passado recheado de dor e um crime do qual foi absolvida pela justiça, mas que os aldeões não compreendem e condenam.

Letícia tentará apesar de toda a censura dos aldeões e o alzheimer da sogra refazer-se e recomeçar a sua vida com as suas meninas. Quando Sebastião, amigo de infância de Olímpia, surge para ajudá-la, tudo se torna mais simples e esclarecedor, o que aliado ao reencontro com Gabriel, amigo dela e do seu ex-marido, Letícia começa a idealizar como poderia ter sido a sua vida se tivesse realizado outras escolhas.

Não tenho por hábito ler obras de autores portugueses, o que me envergonha admitir, mas com tantas obras a serem lançadas constantemente, acabo infelizmente por descorar o que é nacional. Esta obra foi adquirida depois de ter lido inúmeras opiniões bastante positivas, que me deixaram muito curiosa, e de ter sido contactada pela autora, que se disponibilizou a enviar-ma, com direito a uma dedicatória. Aproveito para lhe agradecer as simpáticas palavras e pelo modo atencioso como acompanhou a minha leitura.

Esta história encontra-se recheada de temas sensíveis e bastante reais, que todos nós de alguma forma já contactámos, a violência doméstica, alzheimer e a tacanhez de espírito característica das pequenas aldeias. Agradou-me a escolha dos temas deste volume, que embora sejam temas pesados foram descritos de um modo muito genuíno e agradável, que nos leva a ler e saborear a obra de uma assentada, com uma enorme necessidade de descobrir o que irá suceder a estas personagens, que desde o início aprendemos a gostar.

Durante esta leitura foram vários os sentimentos que a autora me conseguiu transmitir. Olimpia foi uma das personagens que mais se alterou no modo como a observava. Inicialmente, causavam-me alguma irritação, pelo modo como tratava a nora e as suas netas, mas ao mesmo tempo alguma tristeza e em parte compreensão. Tristeza porque é muito triste quando sentimos que as nossas memórias nos escapam por entre os dedos e que deixamos de conseguir ser donos das nossas vidas e de reconhecer as pessoas de quem mais gostamos. Senti alguma compreensão por ela, pois quando temos filhos, acredito que para nós são perfeitos e que nos seja difícil acreditar que fossem capazes de fazer algo de mal. Acredito que o facto de ser privado a alguém o seu único filho, que amou de todo o coração, depois de todas as provações porque passou para o ter, modifique qualquer um.

Letícia é uma personagem cheia de força e perseverança. Vítima de violência doméstica durante anos a fio, acaba por ter de fazer uma escolha que muda para sempre a sua vida e a dos que a rodeiam. Esta personagem mostra que por vezes a vida nos coloca em situações, de tal modo extremas, que somos obrigados a agir de um modo que pode ser condenado pela sociedade, mas que num ambiente de medo e desespero era a melhor atitude. Gostei de tal modo desta personagem, que senti as suas vitórias e tristezas quase como se fossem minhas. É, sem dúvida, uma personagem muito real, que poderia realmente ter existido. Como a autora afirma “as histórias que conto não são a história de ninguém, mas serão certamente a história de alguém”.

Das restantes personagens, Sebastião mostrou ser um homem com um coração de ouro, capaz de tudo pela pessoa que sempre amou e por quem sempre teve uma enorme consideração. É, graças a ele, que ficamos a saber mais sobre Olímpia e o seu passado, o que aliado a tudo o que faz por Letícia e as suas meninas, o tornam numa das personagens mais interessantes e inesquecíveis desta obra.

Gabriel, inicialmente mostra ser um pouco distante e frio para Letícia, o que é compreensível, pois embora sempre tenha amado esta mulher, ela era casada com o seu melhor amigo, que conheceu durante toda a vida. Contudo, é só uma questão de tempo até compreendermos quão bom consegue ser e o que estará disposto a fazer por esta pequena família, que já perdeu tanto.

Das meninas, Maria e Luz, confesso que gostei muito da segunda. Ambas foram obrigadas a crescer mais depressa do que as crianças normais, por tudo o que atravessaram durante as suas infâncias, contudo Luz é a única que tem memórias mais vivas de tudo o que se passou entre os pais e embora tenha só 10 anos, parece ser muito mais madura.

Quanto ao ambiente rural encontra-se bastante bem desenvolvido, o facto de toda a gente se conhecer e cumprimentar quando se vê; a entreajuda característica das aldeias e pequenas povoações; os boatos e as picardias; tal como os problemas financeiros e sociais, transportam-nos para aquela aldeia beirã. O modo como estas pessoas tratam Letícia, causa-nos tristeza e irritação por serem tão tacanhos de espirito, preconceituosos, possuidores de ideias pré-concebidas, por obrigarem esta lutadora a atravessar mais problemas e controvérsias, após tudo o que teve de passar, mas também pela hipocrisia e falsidade que reina naquele ambiente.

Como aspecto negativo da obra, a única coisa que tenho a salientar, é a revisão do livro, pois, em alguns momentos, tive de reler frases de modo a compreender a mensagem transmitida. Não foi algo que sucedesse com muita frequência, mas fica a nota para uma segunda edição.

Numa escrita imensamente cativante, muito genuína e delicada, Célia Loureiro apresenta-nos uma história repleta de luta, esperança por dias melhores, de amor e traição, alegria e tristeza, que nos prendem a esta narrativa da primeira à última página. Aguardo com expectativa a seguinte obra desta escritora, que tem tudo para vingar, "O Funeral da Nossa Mãe".

Avaliação: 4/5 (Gostei Bastante!)