Andei a ver os últimos momentos da transmissão francesa, com o narrador a emocionar-se perante algo que já não se via há 24 anos: um francês a vencer uma corrida de Formula 1. E parece muito - é muito, uma geração! - para ver a França, um dos pioneiros da Formula 1, o país que inventou o Grande Prémio, onde se correu a primeira prova de automobilismo da história, onde é a sede da FIA, estar fora do lugar mais alto do pódio. Tanto tempo... e tem pilotos do atual pelotão que nem eram nascidos quando Olivier Panis foi o melhor nas ruas do Mónaco, a bordo de um Ligier.
O narrador, depois de ver Gasly cortar a meta, lembrou de todos os franceses que subiram ao lugar mais alto do pódio, desde Maurice Trintignant até a Panis. E sei das circunstâncias de todas essas vitórias, porque o meu cérebro ainda não pifou. Mas também lembrei de outras coisas. De como a França andou 35 anos à procura do seu campeão, de como eles ficaram sem ninguém, do que fizeram para encher a grelha de franceses, chegando a ter sete, oito e nove pilotos ao mesmo tempo, das esperanças e das trágicas decepções, dos dramas até à vitória final. E até da teimosia de querer ter tudo francês, só para dizer ao mundo que eram melhores que italianos, alemães e britânicos.
Trintignant - apelidado "le Petoulet", porque quando tirou o seu Bugatti da garagem onde ficou guardado por toda a guerra, e viu que tinha o escape cheio de caca de rato, deram esse nome - quando venceu nas ruas do Mónaco, em 1955, foi porque os Mercedes desistiram e o Lancia de Alberto Ascari foi parar ao fundo das águas do porto de Monte Carlo. Foi ao acaso que a França entrou no livro dos vencedores. E foi ele que, quando foi morte de Jean Behra, apelou a que aparecesse uma nova geração de pilotos para honrar o nome da França na Formula 1. Só viu esse apelo ser atendido uma década depois, quando fizeram provas como o Volant Elf e o Volant Shell, que apareceram essa geração que Trintignant tanto quis. E os nomes que apareceram ali viriam escrever páginas de ouro no automobilismo.
Mas pelo meio apareceu a Matra, antes da Renault e Ligier. Apareceu Jean-Pierre Beltoise, que todos pensavam que seria ele a vencer, numa máquina francesa, com chassis e motor francês. O nacionalismo orgulhoso de uma industria que queria ser capaz, mas nem sempre aconteceu. E pior: não foi ele a quebrar o enguiço, foi Francois Cevért, seu cunhado, num dia de outono nas florestas de Nova Inglaterra, em 1971, que conseguiu terminar a seca. Para ele, estava reservado um dia de chuva nas ruas do Mónaco, no ano seguinte, mas não numa máquina francesa. E para Cevért, o trágico final dois anos depois, no mesmo local.
E depois, o resto. Os franceses emocionaram-se quando Jacques Laffite conseguiu em Anderstorp, em 1977, no seu Ligier-Matra. Tanto que a organização... não tinha o disco com "A Marselhesa". Um anos depois, foi Patrick Depailler, como Trintignant e Beltoise, conseguiu uma vitória que tanto queria, mas batia ao lado, a bordo do seu Tyrrell. E como comemoraram, um ano depois, com Jean-Pierre Jabouille, o motor Turbo e pneus Michelin, naquele primeiro de julho, em Dijon-Prenois! A vingança da chaleira amarela, onde em dois anos passaram de patinho feito a lindo cisne amarelo. Mesmo que todos os olhos estivessem vidrados no duelo entre Gilles Villeneuve e René Arnoux.
Depois, o resto. Brasil 1980 (Arnoux), Bélgica 1980 (Pironi), França 1981 (Prost), e a ironia de ver Patrick Tambay triunfar em Hockenheim, horas depois de terem visto, arrepiados, a agonia de Didier Pironi no solo do seu Ferrari destruído e verem desfeitos os sonhos do título mundial que tanto queriam e tinham trabalhado bastante. E outra grande ironia, quando finalmente o alcançaram, no GP da Europa, em Brands Hatch, depois de dois anos a bater a bola na barra, foi que Alain Prost conseguiu num McLaren, na mesma altura em que a Renault se retirava pela primeira vez da categoria máxima do automobilismo, frustrado por ter escrito uma página na história do automobilismo, e não ter conseguido o sonho máximo.
Mas é engraçado que depois, a Formula 1 se encheu de franceses, mas o próximo que os fez sonhar acabou por ser Jean Alesi. Como aconteceu com os italianos, preencheram a grelha, mas quase ninguém era capaz de fazer a diferença. Curiosamente, Alesi, cuja familia veio da Sicilia para França antes de ele nascer, foi para Itália e mostrou todo o seu carisma. E quando triunfou, no GP do Canadá de 1995, foi porque estava no lugar certo, na hora certa, porque o volante do Benetton de Michael Schumacher decidiu dar alguns problemas inesperados... e no final, comemorou em grande sentado no carro dele, na nação que viu nascer Gilles Villeneuve.
E depois de Panis, parece que tudo acabou. A Renault reapareceu, desapareceu e voltou a aparecer, e para o ano vai ser rebatizada de Alpine - mas não quiserem franceses, nem mesmo Sebastien Bourdais, que teve de ir para a América ser feliz. Tinha voltado o deserto, não havia franceses, as equipas tinham ido embora porque não aguentavam o aumento de custos - chegou a haver três ao mesmo tempo: Ligier, Larrousse e AGS - e mesmo com Romain Grosjean, não era ainda o "tal". Não podemos contar com Charles Leclerc, que é monegasco de nascimento, ou Jules Bianchi e Anthoine Hubert, esses desaparecidos precocemente e tragicamente.
Agora, com um Pierre Gasly que chegou à Red Bull e depois foi rebaixado para a Toro Rosso/Alpha Tauri, sem cerimonia por Helmut Marko, parece que ele começou a ter mais maturidade. Dois pódios depois do rebaixamento, o primeiro quando foi segundo no GP do Brasil do ano passado, parecem mostrar que aproveita bem as oportunidades quando as têm. Agora resta saber se terá estofo para bater Max Verstappen quando regressar à Red Bull, algures no ano que vêm. Não creio, mas nunca se sabe. Até lá, que goze este dia, que ele tão cedo não terá. A não ser que a Formula 1 baralhe e volte a dar de novo...