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sábado, 3 de agosto de 2013

Canino

Não falarei, nestas breves palavras, de Lanthimos e do seu alegórico Kynodontas (2009), embora o burlesco sirva de alicerce à eleição da fidelidade como valor absoluto de uma sociedade iconoclasta, que, todavia, se verga e anula, embargando a razão, perante o adjectivo: fiel. Palavra que me atemoriza mais do que me deixa nauseado, no que ela tem – num crescendo na escala de sordidez – de constância, de obstinação e de irredutibilidade, em suma, de um reaccionarismo bacoco.
Gostaria de trazer Rio à colação. Esse homem de cuja minha cidade, enfim, se liberta: o deificado gerente/merceeiro municipal – e a categoria profissional já o beneficia – de uma fidelidade canina perante a imagem da sua eminência, da sua rara inteligência, reflectida no espelho da sua soberba. Falar sobre a sua colagem ao mediático, à corrente de opinião diariamente emitida por esta nova raça de lapidadores do século XXI chamada de politólogo – nas variantes de comentador laureado ou de especialista bem avençado –, concebida nos laboratórios das redacções, engajada, com fidelidade, no argumentum ad hominem dirigido ao mais vulnerável, àquele que foi submetido a uma inclemente e massiva saraivada de flechas envenenadas com o objectivo, seguindo a cartilha goebblesiana (talvez, pela actualização temporal, ficasse melhor: fundados na frutuosa fidelidade norte-coreana), de aniquilar o seu carácter por maquiavelismo, sadismo, ou ambos. Na falta de Relvas (que até teve a sua dose de merecimento), houve Álvaro. Esquecido Álvaro, há Maria Luís, mais o apaniguado Secretário de Estado. Quando esta passar, virá (bom, já veio, pela boca perdigotosa dos guardiões da moral nacional, quase todos barbudos e barrigudos) o Machete, corta cerce! Ah, a rasoira politóloga… a bem da Nação (leia-se dos seus bolsos engordados por linhas editoriais que, falando de mansinho como a Ana Lourenço, vão mexendo os peões no jogo sujo dos amamentados pelo Estado.)         
Mas a canino-fidelidade teve na semana passada um episódio mais triste, que só corrobora a necessidade de a relativizar, para que alguma sanidade volte às nossas vidas – e não se me revolvam as tripas sempre que abro o jornal ou tenho o azar de passar pelos canais-viveiro de fiéis politólogos, comentadores e guias espirituais, e o seu dictat venal. Aquela história do cão Zico/Mandela, que matou uma criança, é tão sórdida, tão descentrada da realidade, fiel representante de uma nova vaga de um radicalismo liberal – fundando no pseudo-cosmopolitismo libertário que chega a ver o seu extremo: a ditadura e a vileza do politicamente correcto –, que em mais não se consubstancia que num retrocesso civilizacional. A insanidade apoderou-se desta gente e corporiza-se no (santo) nome escolhido para o cão que abocanhou a cabeça de uma criança, matando-a.
Tudo isto enquanto a saloiada Espírito Santo brinca aos pobrezinhos na Comporta.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um paliativo para a ressaca

Como um confesso viciado em DF, contento-me, por vezes, com uns fogachos diáfanos de espanto – pequenos fragmentos, insatisfatórios até, por onde passaram as mãos do mestre, numa época do ano em que se esbanjam elogios em folha de ouro, dedicados à obra menor e que acabam por dar relevo àquilo que realmente nos fere a alma pela sua manifesta mediania abroncada.
Em suma, adaptando as palavras do gigante literário oitocentista, a celebração do medíocre através da sua consagração pela nomenclatura do Santo Artifício Visual, em detrimento de outros técnica, estética e, até, eticamente mais habilitados na inovação e no progresso artísticos, é de um miserabilismo intolerável, não se vislumbrando um fim nos tempos mais próximos:
«(…) il y a un point où les infortunés et les infâmes se mêlent et se confondent dans un seul mot, mot fatal, les misérables (…)»*
Victor Hugo, Les Misérables, 1862 (Tome III, Livre huitième, Chapitre V).
Atenção: This not a film…



«We'll cleave you from the herd and watch you die in the wilderness.»

Como explicava há cerca de dois meses Forrest Wickman na Slate, e que os espectadores em geral já há muito compreenderam, hoje, nos Estados Unidos, a fronteira entre televisão e cinema tornou-se ainda mais difusa; fenómeno que, no caso em questão, se evidencia, não só pela primeira incursão de Fincher no mundo da televisão ou pelo surgimento de Spacey ao fim de 20 anos de ausência, mas pelos valores envolvidos na produção e pelo próprio trailer, bem ao estilo cinematográfico, longe dos habituais e insípidos spots televisivos.

A dor foi aplacada.

Nota: *Numa tradução livre (perante a ausência do livro nas nossas palavras no momento de redacção deste texto):
«existe um ponto em que os infelizes e os infames se misturam e se confundem numa só palavra, palavra fatal, os miseráveis».

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fincheriana


13 episódios

David Fincher (co-produtor da série e realiza os dois primeiros episódios), seguem-se:
Joel Schumacher
Charles McDougall
Carl Franklin
Alan Coulter

Com o notável duo de actores bem conhecidos do Mestre de Denver:
Kevin Spacey // Robin Wright

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Uma cadeira de rodas…


…mental, por favor, ou a história de um comunista armado em Redentor milagreiro.


Apesar da minha ausência desta página electrónica por motivos de força maior – motivos cuja presença se prolongará por um tempo ainda não definido – não resisti em postar um dos muitos exemplos da ridicularia do comentário e da crítica fáceis que se instalaram na (in)comunicação social portuguesa e nos políticos paineleiros que pululam divertidamente pelos estúdios das estações de televisão para uma pequena subvenção que compense os seus magros salários como políticos profissionais – jogo preferido: tiro ao Passos e/ou aos seus súbditos. Que alegre algazarra.
Estava eu sentado a jantar, tarde e a más horas, na sexta-feira passada em frente ao televisor sintonizado na SIC-Notícias e aquele seu peculiar jornal do “muito obrigado pela sua presença” e da “excelência de conteúdos”, quando o inefável Ruben de Carvalho – cada vez mais volumetricamente próspero –, depois de a estação de Carnaxide ter passado as inacreditáveis (qualifico a deontologia profissional) imagens recolhidas pela concorrente TVI sobre a famosa conversa informal entre os Ministros das Finanças de Portugal e da Alemanha.
Ruben de Carvalho disse, perdigotando uma área aceitável em seu redor:
«Faz-me vergonha e deprime-me profundamente. Acho inqualificável aquela imagem… enfim… de servilismo, é uma palavra, talvez, extremamente violenta […] não hesitaria em usar a palavra arrogância em relação ao seu outro interlocutor que fala com o seu par, em termos de hierarquia governamental em termos de União, sentado na cadeira, sem ter a gentile… e que inclusivamente se volta de cost… bom, uma coisa verdadeiramente lamentável, o que, digamos, ainda torna mais chocante o agradecimento do Sr. Ministro das Finanças… aliás, um comentário que eu li num jornal – que eu acho que é de uma grande crueldade, mas inteiramente adequado –, é um comentário do coiso que dizem… verificaram se ele estava assente num joelho ou em dois? [risos de escárnio javalinos] Porque de facto a imagem que aparece…»
Fiquei completamente atónito, mas ao mesmo tempo com pena pela constatação da ignorância que é transversal à classe política portuguesa (atrevo-me mesmo a asseverar: é mesmo endémica), nessa noite subsumida no comunista comentador, e sem rectificações, que urgiam, pelo reverencial Mário Crespo e pelo desconsolado (ou desconsolante) líder da bancada parlamentar do CDS.
Ora, o tal Ministro das Finanças alemão, é uma figura mundialmente conhecida pelos seus anos de militância política na Alemanha e pelos cargos que já ocupou na outrora 3.ª maior economia em termos mundiais, e que se chama Wolfgang Schäuble.
Herr Schäuble é paraplégico, caro edil.
Num dia de Outubro de 1990 (portanto, se a matemática não me trai, há quase 21 anos e meio), foi vítima de uma tentativa de assassínio numa acção de campanha eleitoral no Estado Federal de Baden-Württemberg, perpetrada por um louco que o brindou com uma salva de três tiros, tendo um deles atingido a espinal-medula, deixando-o paralisado da cintura para baixo para todo o sempre. Desde a alta hospitalar, Schäuble desloca-se em cadeira de rodas.
Enfim, ou Gaspar aluga uma e passa a falar com o seu homólogo alemão de igual para igual – nunca perdendo de vista a autoparaplegia por uma questão solidariedade de cargos. Ou Rúben de Carvalho necessita urgentemente de um dispositivo qualquer que induza, em termos intelectuais, os mesmos efeitos que a cadeira de rodas produz em Schäuble.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Blackout cerebral


Enquanto a Wikipedia na sua versão inglesa promoveu um blackout de 24 horas no acesso aos seus conteúdos em protesto pela discussão e eventual aprovação das sugestivas leis PIPA e SOPA pelo Congresso Americano (seguir a ligação para mais informação) – de certa forma, e por todas as razões, faz-me lembrar o Portugal de antanho, de tempos da outra senhora como se sói dizer: a pipa (ou o seu enchimento etilizado) que punha a sopa na mesa de um milhão de portugueses; hoje, nem isso nos põe o pão na mesa, dadas as políticas agrícolas que arruinaram o sector vitivinícola e conduziram à miséria milhares de lavradores, especialmente os durienses, descurando-se até (negligência desmedida) o forte poder anestésico do líquido que, decerto, viria em auxílio a nós luso-dependentes da tríade nebulosa que atribui mais notas que o Prof. Marcelo e em que um dos seus elementos, numa demonstração de um sarcasmo repugnante, se dá ao luxo de ter Poor na sua denominação, para esquecer as agruras a que quotidianamente nos submetem –, o véu negro e opaco que cobria a minha percepção para as coisas que se vão passando e têm interesse no mundo real não-murakamiano (esse é uma estranha amálgama também anestésica, ou melhor, de privação cerebral) foi desvelado:

A melhor série televisiva de comédia de todos os tempos – para não me apontarem a puerilidade do exagero, coloco-a a par do Flying Circus dos eternos Monty Python, ou da curta e fugaz série (doze episódios), também da BBC, Big Train, e sim, concedo, o próprio Seinfeld co-criado por aquele que levou o psicoterapeuta ao suicídio (ver imagem) –, mas, prosseguindo, dizia que a melhor série cómica de todos tempos, Calma, Larry (Curb Your Enthusiasm), está a ser transmitida pelo canal FX da ZON (e suponho que nos outros fornecedores do serviço de televisão paga; aliás quem me informou é assinante do serviço fedorento Meo). Estão em exibição, com várias repetições na grelha diária, as duas últimas temporadas, a 7.ª e a 8.ª da série. Infelizmente, pelo caminho, perdi a 6.ª, mas guardo religiosamente os DVD das anteriores e a eles volto com alguma regularidade, sem que se perca o gosto e o prazer de ver a histórias daquele ser com uma lógica torcida e retorcida, e me preocupe com a suspensão de juízo que, neurologicamente, uma boa gargalhada poderá implicar.
Bendita seja a alma de quem me alertou. Já está tudo programado para gravação dadas as restrições horárias para poder ver aquele judeu inimputável nos poucos momentos de paz e tranquilidade que ainda existem no meu buliçoso lar.
Centenas de canais, dezenas de euros mensais, para o Panda, o Nickelodeon, Disney e pouco mais – expropriação por acção filial, seria a razão mais cómoda para apontar, mas em boa verdade, cansei-me de ver televisão e, por vezes (nem sempre), uma pessoa farta-se de engolir tanto lixo – e só ontem fiquei a saber que aquela coisa inenarrável está num canal não descortinável para um telespectador impaciente e irascível como eu.
Será de mim? Como o outro do adágio, fui o último a saber? A espera e a deliciosa contradição dos aforismos portugueses: desespera ou sempre alcança?
Cito Vila-Matas que cita Bertrand Russell que cita uma absurda anciã russa:
«Sim, meus senhores. Faz mau tempo e estamos à espera que mude. Mas é melhor fazer mau tempo do que não fazer nenhum, e é melhor estarmos à espera do que não esperarmos nada.»

Enrique Vila-Matas, Perder Teorias, pág. 26 [Porto: Afrontamento (Teodolito), 1.ª edição, Setembro de 2011, 88 pp.; tradução de Jorge Fallorca; obra original: Perder teorías, 2010.]

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

“Frank Drebin”

Leslie Nielsen
(Regina, SK, Canadá, 26/02/1926 – Fort Lauderdale, FL, EUA, 28/11/2010)
Nunca fui de lágrima fácil, tanto na alegria, como na tristeza, sou um acumulador, porventura reprimido (vou-me dando conta disso à medida que envelheço), de fenómenos (emocionais) de exteriorização de sentimentos perante terceiros, mas este homem, que ontem desapareceu ao 84 anos, vítima de uma pneumonia, foi um dos principais responsáveis por algumas das fortes gargalhadas, acompanhadas de incontidos jorros de lágrimas, em muitos momentos da minha vida. Poderia não ser um Peter Sellers, um Buster Keaton, ou um Jacques Tati (e este é, sempre que o recordo, um trio arrepiantemente assombroso e hilariante), até pela sua ausente vertente de “autor”. Todavia, Nielsen, em conjunto com os fabulosos irmãos Zucker e Jim Abrahams, permanecerá para todo o sempre no meu imaginário como um dos grandes protagonistas de filmes cómicos: a sua aparência respeitável, séria, a sua ilusória formalidade e até assertividade, conjugavam de forma sublime com as suas inocência e atrapalhação nos momentos mais aflitivos, redundando nas situações mais rocambolescas. Era um histrião de smoking, o pinga-amor desajeitado, o sedutor tortuoso e irresistível, e actualmente o mais fidedigno representante do burlesco cândido. Mesmo com 84 anos, a sua aparição no grande ou no pequeno ecrã fazia rir mesmo o mais sisudo empedernido.
Em jeito de homenagem, deixo ficar uma das melhores cenas retiradas da curta (pelo fracasso nas audiências), porém extraordinária, série televisiva Police Squad (a fonte de inspiração da trilogia Naked Gun):

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Rui Flaubert Santos

Fui alertado, enfim, para um momento televisivo único, na óptica dos interesses do Rui Santos, designadamente, o Rui Santos citou Gustave Flaubert a propósito das recentes vitórias de José Mourinho. O acontecimento desportivo do ano em Portugal foi forjado em directo na bigorna da erudição, para a meia dúzia de pessoas (não contando com o Barbas, o Diabo de Gaia, o Advogado Incendiário e o Lampião de Canelas, estes últimos vulgarmente conhecidos por Pragal Colaço e Ricardo Costa, respectivamente) que ainda aguenta assistir a 23 segundos consecutivos daquele programa que vai para o ar na Benfica TV2… perdão, na SIC-Notícias todos os domingos à noite. O assunto, que decerto proveio de uma inspiração oracular, era o tal treinador bicampeão por um clube português – presidido por essa pessoa desprezível e monstruosa, chamada de Pinto da Costa –, vencedor do campeonato e da Liga dos Campeões logo, contra a óptica dos interesses dos invejosos, no ano da “fruta” e do “café com leite”, 2004 – ainda houve tempo, enfim, na óptica dos interesses da hermenêutica comportamental, designadamente de classificar de folclóricas (!?) as vitórias de Mourinho no FC Porto. Aquela, enfim, cabeça...
Na óptica dos interesses de Flaubert, eu estaria designadamente preocupado, porque, “ai, ai, ai” (1.ª andamento, adágio), “ai, ai, ai” (2.º andamento, andante con grazia ed intimissimo), “ai, ai, ai” (3.º andamento, vivace giocoso), o paradigma da verdade literária eclipsou-se na óptica dos interesses da verdade, ela mesma, para o paradigma da “verdade desportiva”, aquilo que, na óptica dos meus interesses (os dele), apelido de verdade encarnada ou, nomeadamente, enfim, entunelada.
Mais grave ainda, o enfarpelado da brilhantina do comentário desportivo nacional, cita-se a ele próprio para citar o eminente escritor francês oitocentista. Ou seja, na óptica dos interesses do ego, dele próprio, escreveu um livro (o que por si só já é de levar às lágrimas pelo choque – ele escreve! Na óptica dos interesses de John Carpenter quando realizou em 1988, nomeadamente, enfim, Eles Vivem) que contém uma citação, designada, nomeada e efectivamente do autor natural de Rouen retirada de… o Citador. Senão, experimentem perguntar-lhe de que obra, opúsculo, panfleto, ou até de que pedaço de papel higiénico manuscrito, retirou ele (o Rui na óptica dos interesses dos Santos) a seguinte frase, de uma originalidade inigualável (pelo menos a costureira Alice de Caneças, a tal Lili, recita-as de sua lavra):

«Para se ter talento é necessário estarmos convencidos de que o temos.»

O que no caso do citador em segunda mão em apreço, não é, designada e manifestamente, suficiente, na óptica dos seus interesses, por muito incomensurável que, enfim, fosse o seu convencimento.
Ver aqui, na óptica dos vossos interesses: os 90 minutos completos (sacrificai-vos, designadamente, ó vítimas da fome), ou, enfim, designadamente ligar-se ao minuto 6 mais 15 segundos (nota de tristeza: termina, enfim, aos 6 minutos e 38 segundos).
E logo hoje, que se comemoram os 6 anos dos feitos heróicos que culminaram no Estado da Renânia do Norte-Vestfália, em Gelsenkirchen.
Nota: este artigo foi elaborado, enfim, na óptica dos interesses do novo acordo ortográfico-gramatical rui-santês (em vigor por decreto balsemónico todos os domingos das 23 às 24 horas, designadamente no canal 5 da TV Cabo).

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sai um Pinholino, mas com mais Lino, por favor

Talvez tenha passado despercebido, até pela incomensuravelmente alta propensão marginal para a asnidade do (tomara) pretérito Ministro das Obras Públicas, de seu nome Mário Lino.
Lino foi um inspirador para os filólogos no enriquecimento da língua, graças às suas desembestadas profissões de fé que o próprio, de imediato, tentava colocar em prática no seu estilo picaresco, à verbosidade e à assincronia profunda entre pensamentos, palavras – que oprimiam os primeiros até ao grau mínimo –, e acções – felizmente, travadas a tempo, pelo próprio quando chamado à razão mínima, ou por interferência de outros contando-lhe uma anedota derrogatória. Com ele ganhou o português, não o cidadão, desiludam-se, mas a língua falada por centenas de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo ao introduzir-se o nome “linismo” e todos a morfologia conexa.
Aliás, a acção concertada entre o referido ministro e o seu companheiro de Governo com a pasta da Economia criou o famoso mutante, de proporções quase bíblicas – acredita-se mesmo que o esqueleto de Mary Shelley finalmente se pulverizou na tumba, tantas foram a contorções orbiculares de inveja pela pequenez espiritual do seu Frankenstein –, mais conhecido por Pinholino, cujos efeitos em forma de mito sobre a população são, por ora, desconhecidos: Irá ser um monstro bonacheirão, a quem se alude para uma boa piada social? Ou um terrível e assustador mostrengo que assombrará as mentes mais vulneráveis, especialmente as de crianças de tenra idade, a razão de ser das noites negras e tempestuosas a cada passo rasgadas por um clarão fantasmagórico, seguido de um trovão arrasador?
Não sabemos. O tempo encarregar-se-á de o demonstrar.
“Come a sopa toda senão eu chamo o Pinholino.” “Não entres tão depressa nessa noite escura (versão de omnipresença megalómana ou de ALA) que o Pinholino vai-te papar.” “Fumar pinholiniza.” “30 condutores detidos numa operação stop realizada sexta-feira passada na A-28, conduziam sob vestígios do efeito de pinholinol.” E por aí fora.
Mas o que me trouxe a estas linhas – não férreas, porque dessas o Lino encarregou-se, com um afinco inusitado, de as desalinhar de vez, neste pobre pais centralista – foi o esmiuçamento de sexta-feira passada sobre – e porque não, como fazem os Gato a si mesmos, epitetar o ministro, ainda que, a adjectivar, jamé com variações vocabulares de engrandecimento, senão com um qualificativo que revele uma certa irreflexão comportamental – o truão acidental Lino. A dada altura, RAP confronta-o com os mimos que António Costa deu de regalo ao desafortunado ministro, quando aquele passou a gerir os destinos do município lisboeta. Numa alegoria, talvez pinholínica, de “panos e nódoas”, Lino diz:
«Aliás, foi um grande político contemporâneo português, o engenheiro José Sócrates que… e parafraseando uma frase dele, que está para nascer o Ministro das Obras Públicas que tenha feito mais pelo concelho de Lisboa do que eu – quem diz por Lisboa, posso dizer o mesmo pelo Porto e pelos muitos outros no país…»
Claro, claro, eu bem sei o que fizeste pelo resto do país, vivendo eu na sub-região à volta do umbigo alfacinha.
Vai daí e desfia, sem qualquer tipo de pudor, o rosário das benesses centralistas:
«(…)acabámos a CRIL, o eixo Norte/Sul, o túnel do Rossio, o túnel do Mmm… [aqui ia-se apropriando de obra alheia] do Terreiro do Paço, o Cais das Colunas, o Metro entre o Chiado e Santa Apolónia, passámos para a gestão da Câmara Municipal as áreas das zonas portuárias que não tinha utilização portuária… enfim, milhentas coisas que foram feitas.»
Quantos milhões dos nossos impostos, de A Região e da sub-região? Dá vontade de procurar os custos com derrapagens abissais perante o orçamentado, fazer a soma e mostrar em letra gorda ao país todo. E ainda falta somar o que aí vem: a 3.ª travessia sobre o Tejo; o TGV Lisboa/Madrid para meia dúzia de felizardos que se podem dar ao luxo de perder um dia de viagem para a Capital espanhola e pagar um quantia avultada de bilhete, enquanto se vão multiplicando as companhias de aviação low-cost; o aeroporto de Alcochete; e não sei quantas mais linhas de metro.
E termina (como começou) com um auto-elogio, embora o primeiro tenha pretendido ser uma ironia:
«Fui um grande… e, enfim, esmerei-me e… e dei tudo o que pude para contribuir para a sua vitória – foi muito boa – acho que Lisboa tem hoje um grande Presidente da Câmara, e estou convicto que ele vai ser… vai fazer um excelente mandato durante os próximos quatro anos.»

Pobre Elisa. Pobre Apolinário. E todos os outros candidatos a autarca do partido da rosa.

Nota: entre aspas francesas figura a transcrição textual (melhor, de ouvido) de parte da entrevista dada por Mário Lino a Ricardo Araújo Pereira no passado dia 16, no programa Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios, da SIC. Por qualquer erro sintáctico ou gramatical, o Ministério das Obras Públicas pede perdão, compensando com a construção de uma rotunda em sítio a combinar.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Unbound

Quando no texto anterior referi, entrelinhas, o mito de Prometeu Agrilhoado, tragédia grega escrita por Ésquilo, fazendo um pequeno exercício contranarrativo através da inversão dos beneficiários do roubo do fogo por Prometeu à omnipotência divina, não pude deixar de me recordar de mais um dos inúmeros trechos alegóricos genialmente concebidos por David Simon, na sua estrondosa série The Wire (A Escuta). Trata-se do sétimo episódio da última temporada (a quinta), intitulado “Took”, que foi escrito por Simon em co-autoria com o excelente romancista e argumentista nova-iorquino Richard Price – infelizmente, quase desconhecido em Portugal, com apenas um romance publicado, Terra da Liberdade (ed. Bertrand, 2000; Freedomland, 1998), adaptado pelo próprio autor para o cinema num filme de 2006 realizado pelo sofrível Joe Roth.
Nesse episódio, “Clay Davis” (magistralmente interpretado pelo actor Isiah Whitlock Jr.), o corrupto senador estadual, famoso pela sua hilariante e ressonante interjeição, com a voz esganiçada de indignação, “shiiiiiiit”, é finalmente convocado para comparecer em tribunal perante o Grande Júri, depois da obtenção de escutas concludentes que comprometem a polícia, autarcas e demais políticos, construtores e especuladores imobiliários, advogados, magistrados e traficantes de droga.
Finalmente, a espada da justiça actuará. O espectador sente-se alentado e em suspenso, embora esteja consciente de que a arte imita a vida – dura, iníqua e cruel – e que Simon, apesar de ter nascido em Washington, conhece como ninguém a mundividência da violenta Baltimore – terra de Poe e de “Hannibal Lecter” de Thomas Harris –, porquanto foi jornalista do Baltimore Sun por mais de uma década.
Os personagens de The Wire baseiam-se em algumas figuras públicas reais da mais importante cidade do Estado de Maryland. Não é novidade. Para quem acompanhou a memorável série desde o seu primeiro instante não pode (ou não deveria) esperar por um desfecho à laia de ode ao triunfo da justiça, basta para isso estar a par dos acontecimentos recentes político-judiciais que ocorrem na cidade de Baltimore, onde sobre a actual presidente da câmara – a jovem afro-americana Sheila Dixon – impendem acusações de corrupção e de outros crimes de colarinho branco – talvez seja a “Nerese Campbell” de Simon, quando “Carcetti” deixa o município e, finalmente, conquista o apetecido gabinete de Anápolis…
A cena que descrevo a seguir, dura pouco mais de meio minuto. Como referi, Clay Davis é finalmente chamado a comparecer como acusado em tribunal, obviamente patrocinado por um engenhoso advogado que conhece bem os meandros do sistema judicial e as pequenas grandes técnicas de manipulação da opinião pública através dos média:

 
«[Nas escadas exteriores do Tribunal de Baltimore, Clayton Davis, o senador estadual do Maryland, acusado pelo procurador de crimes de corrupção, empunhando (com um fim em vista) um livro, acede em falar aos jornalistas que o cercam antes de entrar para a sessão de julgamento.]
JORNALISTA: O que é que anda a ler, Senador?
SEN. “CLAY” DAVIS: Isto aqui? Promethes Bound*. Uma peça de teatro antiga, uma das mais antigas de que dispomos. É sobre um homem simples que foi medonhamente castigado pelos poderosos, pelo terrível crime de tentar trazer a luz às pessoas comuns. Nas palavras de Ascyllius**, “Nenhuma boa acção ficará impune.” Nem vos consigo transmitir o conforto que tenho encontrado nestas parcas páginas.» [Descrição e tradução: AMC, 2009]
Notas: *refere-se à tragédia grega, de autoria de Ésquilo, Prometheus BoundPrometeu Agrilhoado –, embora Davis, na sua ignorância, pronuncie o nome do personagem daquela forma truncanda, como Pro-me-thes [grafia e pronúncia correctas: Pro-me-the-us; sílaba tónica: antepenúltima].
**refere-se comicamente a Ésquilo como Ascyllius [A-silly-us], sendo a sua forma correcta Aeschylus [Aes-chy-lus, foneticamente (aproximando ao português) és-cã-lâzz, tónica na antepenúltima sílaba].
Uma sensação de déjà-vu. Inversão e subversão. Objecto e significado. Justiça desagrilhoada à sua semântica. Crime sem punição. Impunidade.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A alegoria electiva

A cinco horas de acabar a repugnante algazarra, nada melhor que deixar uma pequena alegoria enxadrezada para o curto período de reflexão que se avizinha (será que não podem perder todos? Ah, que grande domingo seria!)

«O rei é sempre o rei.» – D’Angelo (epígrafe do episódio)


D’ANGELO BARKSDALE: O que é que foi isso? A torre não se move assim. A torre só se move para cima e para baixo, e também para os lados em linha recta.

PRESTON “BODIE” BROADUS: Não, nós não estamos a jogar a isso.

WALLACE: Olha para o tabuleiro, nós estamos a jogar damas.

D’ANGELO: Damas?

WALLACE: Sim, damas.

D’ANGELO: Porque é que estão a jogar damas com peças de xadrez?

BODIE: O que tens a ver com essa merda? Meu, nós não temos damas.

D’ANGELO: Ok, mas o xadrez é um jogo melhor.

BODIE: E…

D’ANGELO: Não, esperem aí. Vocês não sabem jogar xadrez, pois não?

BODIE: E depois?

D’ANGELO: E depois nada, meu. Eu ensino-vos se vocês quiserem aprender.

BODIE: Vá lá, meu, deixa-te disso. Nós estamos a meio de um jogo.

WALLACE: Tem calma, eu quero ver isto.

D’ANGELO: Vocês não podem jogar damas num tabuleiro de xadrez.

BODIE: Ok, meu, está bem.

D’ANGELO: Vejam, estejam atentos, é simples. Estão a ver este? Este é o rei do bando. Este é o homem. Se apanhares o rei do outro gajo, ganhaste. Mas ele também vai tentar apanhar o vosso rei, por isso têm de o proteger. Agora, o rei pode andar uma casa na porra da direcção que entender, porque ele é o rei. Tipo assim, ou assim… ok? Mas ele não tem pressa nenhuma. Mas os restantes cabrões da equipa protegem-lhe as costas; e eles estão tão bem organizados, que ele não tem de fazer nada.

BODIE: É como o teu tio.

D’ANGELO: Pois, é como o meu tio… Estão a ver esta? Esta é a dama. Ela é esperta e agressiva. Ela pode andar em todas as direcções, até onde quiser. É ela que trata das merdas todas.

WALLACE: Faz-me lembrar o Stringer.

D’ANGELO: E esta aqui é a torre. Como o buraco onde o material… as drogas e a massa estão escondidas. Move-se assim e assim.

WALLACE: Não pá, o material não se mexe.

D’ANGELO: Anda, pensa. Quantas vezes é que tivemos de mudar de buraco esta semana? E sempre que mudas o material, tens de, pelo menos, mexer uns pêlos para o proteger.

BODIE: É verdade, tens razão. Ok. Então e o que são essas putinhas carecas aí?

D’ANGELO: Estes aqui? Estes são os peões. São como os soldados. Eles movem-se para a frente uma casa de cada vez, excepto quando lutam. E então movem-se assim ou assim. E eles são a linha da frente. Estão cá fora, no terreno.

WALLACE: Então como é que tu podes ser o rei?

D’ANGELO: Isso, não é assim. O rei é sempre o rei, ok? Toda a gente continua a ser o que é, excepto os peões. Agora se um peão conseguir atravessar o tabuleiro e chegar ao lado do outro gajo, ele passa a ser dama. E como já disse, a dama não é nenhuma puta. Ela controla todos os movimentos.

BODIE: Ok, então, se eu chegar ao outro lado, eu ganho?

D’ANGELO: Se apanhares o rei do outro gajo e o conseguires encurralar, só aí é que ganhas.

BODIE: Ok, mas se eu chegar ao outro lado, passo a ser o grande chefe.

D’ANGELO: Não, não é assim, vê. No jogo, os peões são rapidamente comidos. Eles saem cedo do jogo.

BODIE: A não ser que sejam uns peões matreiros como o raio.

[diálogo extraído do 3.º episódio da 1.ª temporada, “As Compras”, da inigualável série televisiva norte-americana The Wire (HBO); tradução a partir do inglês, cautelosamente suavizada por AMC, 2009.]

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Nabokov on Kafka

Vladimir NabokovNão, não vou falar sobre o tema recorrente das injustiças cometidas pela Academia Sueca na atribuição dos prémios Nobel da Literatura. É certo que juntei, num deslumbrante e complexo par, os imortais Vladimir Nabokov (1899-1977) e Franz Kafka (1883-1924), mas nem o primeiro publicou em vida material suficiente para despertar a atenção do ininteligível grupo de nórdicos – note-se que os seus três romances O Processo (Der Prozeß, 1925), O Castelo (Das Schloß, 1926) e América (Amerika / Der Verschollene, 1927) foram publicados postumamente pelo seu amigo Max Brod, felizmente um mau executor enquanto testamenteiro –, nem o segundo era politicamente correcto, como russo branco: ele e a família fugiram de São Petersburgo após a subida ao poder do regime bolchevique em 1917, exilando-se em Inglaterra em 1919 e posteriormente na Alemanha, seguindo-se em 1937 a França; mudou-se para os Estados Unidos em 1940 com a entrada dos nazis em Paris; deixou a América em 1960, instalando-se definitivamente em Montreux, na Suíça, onde morreu em 1977.

Mas, o que me trouxe aqui, a estas curtas linhas de quase divagação, foi a descoberta de um tesouro no imenso oceano videográfico do YouTube. Trata-se de um curto programa televisivo de 1989, realizado pelo húngaro Peter Medak, que recria a prelecção de Nabokov na Cornell University na Califórnia sobre a obra-prima A Metamorfose (Die Verwandlung, 1915) de Franz Kafka, inserida nas suas famosas e publicadas Aulas de Literatura*.
No papel de Nabokov vemos Christopher Plummer que, aparentemente, bem vestido e caracterizado para o efeito, se assemelha na indumentária e em alguns traços fisionómicos ao escritor russo-americano. Mas conta quem o ouviu e/ou assistiu às suas aulas que tanto a dicção como a postura e o temperamento – cínico, sobranceiro e verrinoso – foram fielmente reproduzidos por Plummer, como se nele houvesse encarnado o espectro do rutilante autor de Lolita e de Fogo Pálido.

Para os fãs, os mais atentos às paixões e ódios de Nabokov, a frase que se segue encaixa nas suas Opiniões Fortes e na imperativa Speak, MemoryNa Outra Margem da Memória, em Portugal:

«[Kafka] is the greatest German writer of our times. Yes, yes (…) such poets as Rilke or such novelists as Thomas Mann are dwarfs and plaster saints in comparison to him.»
(Como foi possível Nabokov, mesmo em duas curtas frases, não haver introduzido o nome do Bruxo Vienense ou um epíteto deste género?)



Carregar aqui para ver a 2.ª parte do vídeo.
Falta a 3.ª parte, resta esperar e apelar à indulgência do utilizador do YouTube que colocou as partes anteriores.


*Livro editado em Portugal: Vladimir Nabokov, Aulas de Literatura. Lisboa: Relógio D’Água, 1.ª edição, 2004, 446 pp. (tradução de Salvato Telles de Menezes; introdução e posfácio de Helena Ayala Botto (ed. port.); introdução de John Updike; obra original: Lectures on Literature, 1980).

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A não perder...

...os 10 episódios da 4.ª temporada de Curb Your Enthusiasm (Calma Larry, em Portugal) em reposição na RTP2 durante esta semana (dois episódios por dia).


E tudo... for a fuckin' five iron!

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Algum Abandono

Capítulo I
Ando arredio. Por vezes, este exercício catártico a que se convencionou chamar de blogosfera – quiçá por disfuncionalidade anatómica ou por dislexia orgânica, nunca a vi como “extensão da pila” (deixemo-nos de pruridos penianos) – deixa-me prostrado, sem ânimo, o cursor a pulsar sobre a folha branca antes do copy & paste, as ideias formigam na minha cabeça, seguem num curso definido e delimitado, mas frequentemente acabam por desembocar num delta, gigantesco, pantanoso… assalta-me um sentimento de vazio: não têm ponta por onde se lhes pegue.

Capítulo II
Livros. Não me sinto capaz de encontrar um simples fio que me conduza à materialização das emoções que se me afloraram durante a sua leitura num texto estruturado. O livro de Palahniuk, que terminei há 5 dias, é medonhamente mau, é pura e simplesmente literatura rasca. Escrevi um monte de parágrafos e não os consigo encaixar num todo conexo que seja capaz de exprimir o meu sentimento de desagrado... repousa para amadurecimento. O mesmo se passa com Aqui Nos Econtramos de John Berger, embora com alguns sentimentos misturados, um belíssima primeira parte e um final um pouco fastidioso. Terminei-o há dois dias, atribuir-lhe-ia talvez 4 estrelas – Bom – mas não consigo encontrar as palavras. Cansam-me as remissões ao texto escrito, tenho preguiça de as procurar. Já para nem falar nalguma frase tipicamente de literatura comparada que, em certas ocasiões, aponho nos meus textos curtos de avaliação pessoal de uma obra. Pensei em Vertigens. Impressões de Sebald, Berger fez-me recordá-lo, porém não vislumbro as palavras que permitam consubstanciar a suposta semelhança entre as duas obras.

Capítulo III
Depois… Depois há a hora habitual do exercício da escrita na blogosfera. Aproveito o silêncio que prepondera no intervalo de tempo em que o trio fantástico de pares de cromossomas X inicia a sua peregrinação ao mundo dos sonhos, e eu, um insone por excelência, ainda vagueio pela casa inventando coisas – a ler, a comer, a ver televisão ou DVD, mais um iogurte com cereais, mais um livro, a escrever no blogue, and so on – antes de me deitar e dormir 4 ou 5 horas... OK, é pouco e eu não sou o Marcelo Rebelo de Sousa, recupero-as (refiro-me às horas de sono perdido) aos fins-de-semana.

Capítulo IV
Não é justo!, assevero com uma estranha indignação. A RTP2 anda a passar o Curb Your EnthusiasmCalma, Larry em Portugal – do genial argumentista e produtor de Seinfeld Larry David. A 1.ª temporada foi exibida na íntegra na semana passada – dois episódios por dia, nos dias úteis. Esta semana iniciou-se a 2.ª temporada – que ainda não havia visto. Há pouco mais de 1 hora acabei de ver os 3.º e 4.º episódios. Talvez se recordem: (3.º ep.) “Trick or Treat”, as meninas adolescentes que vão à porta da casa de Larry para o costumeiro “trick or treat?” na noite de halloween e que são corridas por este pela bitola idade e a qualificação de “vagamente disfarçadas”, mas também é o episódio do assobio do arranjo orquestral Idílio de Siegfried de Richard Wagner que o compôs para oferecer à sua mulher, Cosima, no dia do seu aniversário… a propósito Cheryl faz anos; (4.º ep.) “The Shrimp Incident” lembrem-se dos camarões que faziam parte do prato encomendado por Larry e que, alegadamente, o patrão da HBO comeu, por uma infeliz troca de encomendas, mais tarde remediada porém desfalcada de 8 dos precisosos bichos… É o episódio onde Larry é acusado de violência doméstica e de misoginia pelo uso da palavra “cunt” numa mesa de póquer. Alguém sai do armário…

Epílogo
A hora do silêncio é agora ocupada por Larry David
Para os 7 (e estou a ser generoso) que me lêem com atenção, as minhas desculpas. Queixem-se à HBO e especialmente à RTP2, cada vez melhor na sua criteriosa programação.

Rebuçado

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A Caneta de Astronauta

Um dos melhores episódios de toda a série Seinfeld é, sem dúvida, “The Pen”, o 5.º episódio da 3.ª temporada.

Jerry e Elaine (Julia Louis-Dreyfus) deslocam-se à Florida para fazer mergulho, ficando a dormir no apartamento dos Seinfeld – pais de Jerry.
Um dos condóminos, Jack, amigo do pai, Morty Seinfeld, faz a demonstração das potencialidades de uma “caneta de astronauta”. Perante o fascínio de Jerry, Jack oferece-lhe a caneta. Porém, mais tarde, por insistência da sua mulher, dá o dado por não dado e exigi-lhe a caneta de volta. Morty fica terrivelmente irritado...
Por essa altura, irá realizar-se a sessão de encerramento do período em que Morty presidiu à administração do condomínio…
Entretanto, Elaine padece de uma horrível dor de costas devido ao desconforto do sofá-cama onde dormiu em casa dos Seinfeld, e não só não acompanha Jerry à sessão de mergulho, como também toma um relaxante muscular que a deixa completamente desvairada.
Jerry, por seu turno, a caminho da sessão de mergulho sofre um acidente e fica com um olho negro. Solução para poder presenciar a sessão de encerramento: um par de óculos escuros.

Eis a cena final, que, ainda hoje, apesar de a haver visto por umas cerca de 134 vezes, me vai deixando à beira das lágrimas…
Mote: Marlon Brando é Stanley Kowalski em Um Eléctrico Chamado Desejo (peça de Tennessee Williams, 1947 / filme de Elia Kazan, 1951):

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Desassossego

O Génio escreveu:
«With never a word exchanged they grew to be as one.»

Samuel Beckett's Ohio Impromptu (1980)



Blue Angel Films & Tyrone Productions - 2001
para
BBC / Channel 4 Television Corporation

Leitor: Jeremy Irons
Ouvinte: Jeremy Irons

Realização: Charles Sturridge

Sem mais comentários.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Inebriado

Jeremy Irons
Ontem, após várias tentativas frustradas para desligar o televisor, acabei por ver na íntegra a cerimónia de entrega dos Globos de Ouro de 2007.
O senhor aqui em cima foi um dos responsáveis pelas três horas de sono mal dormidas que, ao contrário do frenético Prof. Marcelo, me afundaram num estado de entorpecimento insuperável, por mais cafeína que haja ingerido até à hora em que escrevo este texto.
Independentemente das suas invulgares e inimitáveis qualidades de interpretação enquanto actor, Jeremy Irons inebria pelo simples discurso. A verdade é que, desde tempos imemoriais – e talvez fosse eu ainda um aprendiz de “puto sem cueiros” –, me delicio com a bem vincada received pronunciation de Irons – apenas comparável na História do cinema à de Laurence Olivier – iniciada com Reviver o Passado em Brideshead e prolongando-se depois por cada filme em que participa, especialmente quando desempenha o invisível papel de narrador.

Dois exemplos:

A comovente e inesquecível parte final do remake de Lolita de Nabokov, realizado por Adrian Lyne, quando Humbert Humbert (Irons) ouve ao longe o riso inocente e penetrante de crianças a brincar:
«What I heard then was the melody of children at play. Nothing but that. And I knew that the hopelessly poignant thing was not Lolita's absence from my side, but the absence of her voice from that chorus.»
E, na sequência,
«She was Lo, plain Lo, in the morning, standing four feet ten in one sock. She was Lola in slacks. She was Dolly at school. She was Dolores on the dotted line. But in my arms she was always Lolita. Light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo... Lee... Ta.»

O segundo exemplo, a abertura de O Homem da Máscara de Ferro de Alexandre Dumas, realizado por Randall Wallace, narrado por Irons:
«Some of this is legend, but at least this much is fact – when rioting citizens of France destroyed the Bastille, they discovered within its records this mysterious entry: “Prisoner number 64389000 – the Man in the Iron Mask.”»

E mais exemplos poderiam ser dados.

Quando Jeremy Irons fala a plateia cala-se, embevecida, hipnotizada pela língua adestrada por Shakespeare, captando sem ruído as ondas hertzianas emanadas pelo reverberar das suas cordas vocais.

Da noite, para além da minha alegria incontida pelo prémio para Irons, alegrei-me por Laurie e pelo colossal Whitaker... e, por que não, por Scorsese e por Babel.

A Antecâmara…

…ou a cerimónia insistentemente apelidada de, que nunca o foi. Mas enfim!

Globos de Ouro 2007
Globos de Ouro 2007, daqui a pouco (45 minutos), à 01:00 GMT em directo no AXN.