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quinta-feira, 18 de julho de 2013

pianistas

| Arvis Viguls

1
enquanto ele tocava complicados cappricios em frente de uma auditório escurecido,
ninguém reparou que a sua face ardia e das suas omoplatas uma sombra negra emergia.
e depois ele estacou à chuva enfrentando caras que eram mãos franzidas.
e então nós? perguntaste e logo eu tentei pôr ordem nas coisas,
coisas que se dispersavam por todo o lado na vazante da linguagem.
o que resta quando acertamos as contas com a solidão de anos?
quem habita os nossos quartos quando nós os abandonamos?
e tu? tens algum segredo escondido na manga?
sobre a chave branca como a parte visível do icebergue;
sobre o silêncio que rasga colchões em pedaços.
mais tarde nessa noite, resultados, jornais e cadeiras – tudo espalhado no chão do quarto
cobrindo as passagens, ligando a mais escura das profundidades.
eu sei, todas as noites baixavas a tua cara
dentro dessa mina de pedra.


2

somos convidados para uma festa calma, lavando a loiça,
arrumando as pratas em caixas cobertas com veludo,
quando as cadeiras já foram levantadas para cima das mesas e as constelações já se extinguiram.

aqui estamos, dois vagabundos a tentar habitar os corações.

eu, um pianista louco, tu, uma criada neste mistério das coisas. 




Tradução de Luís Filipe Cristóvão

quarta-feira, 17 de julho de 2013

sou um jardim

| Arvis Viguls

folhas verdes sobre os meus olhos, eu apenas percebo a cadência entre luz e noite.
como mamilos, aquelas duras flores espremidas através do tecido para o florescimento,

estendem as suas raízes bem dentro de mim, onde os animais nocturnos trabalham cegamente,
disparando pegajosos sucos de vida para dentro uns dos outros.

os nervos foram desvendados, pequenos vasos sanguíneos nas palmas como numa planta.
nunca foi tão fácil como hoje para mim, agora eu sei que sou um jardim.

por vezes à noite, as minhas mãos ficam sem forças sobre os teus seios,
e, inadvertidamente, espalho os meus dedos como raízes, mergulhando-os debaixo da tua pele.

a minha boca é um rasganço na pele cor de romã,
revelando-se como um filme de gomas vermelhas.

e o meu coração é uma fruta tiritante, que por vezes, tendo caído do ramo,
fica debaixo da sua própria sombra.

apenas me lembro do cheiro da pele – a pele limpa
desencascada dos sucos.



Tradução Luís Filipe Cristóvão