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terça-feira, 29 de outubro de 2013

“Escrevo para ter acesso a mim mesmo”

Entrevista a João Anzanello Carrascoza
 | Eliana Castro


    Cinto de segurança é acessório inútil para quem decide viajar na escrita emocional de João Anzanello Carrascoza. Também é preciso avisar (pra quem nunca leu seus livros) que ele jamais conduz seus textos pelas autoestradas, em pistas expressas. Prefere levar o leitor para passear por estradas vicinais, viscerais. Foi assim – só para citar algumas viagens - em O Vaso Azul, Espinhos e Alfinetes, Contos Mínimos, Aquela Água Toda ... e é exatamente isso que ele faz agora, no romance Dos 7 aos 40, recém-lançado pela editora Cosac Naify. Carrascoza é um hábil condutor, com prêmios importantes. Entre eles, o Jabuti (O vaso Azul, que recebeu em 2007, e este ano, com Aquela Água Toda, que está entre os finalistas) e o Portugal Telecom 2013 (também com Aquela Água Toda na semifinal).
    Mas não é exatamente por causa da sua reconhecida fama de bom condutor que o cinto de segurança é dispensável. Na verdade, o correto seria dizer que, com ele, usar o acessório é inútil. Simplesmente porque Carroscoza dirige sua escrita de maneira tão intensa que não há como se proteger de acidentes de percurso: quando nos damos conta, saímos da pista em que estávamos, invadimos o acostamento e, de repente, pow! passamos a circular dentro de nossas próprias veias, até entrarmos bem no fundo do coração, em um lugar que não é mais só dele, mas nosso e dele, entrelaçado como interseções rodoviárias.
   “Escrevo para construir um mundo no qual as coisas poderiam ter sido e também para partilhar experiências e sentimentos. Quando o que me toca, toca o leitor, entro em harmonia com o outro. Escrever é buscar a si mesmo para encontrar o outro. Minha escrita é comovida”, confessa.

Quadros de Sentimentos
   O livro Dos 7 aos 40 é a perfeita tradução desse desejo do autor, de estar em harmonia e contaminar o leitor com sua emoção – e ainda conta com uma curiosa estrutura. A história é contada em dois tempos – o do menino e do homem. Ligeiramente ou totalmente autobiográfico, não importa. O que vale é a estrada: em uma pista, as histórias do menino, narradas em 1ª pessoa; na outra, as histórias do adulto, contadas em 3ª pessoa. “A vida da gente tem que ter um retrovisor. Estamos indo pra frente, mas temos que olhar um pouco para trás para entendermos todo o percurso que fizemos, pra depois seguir adiante”, afirma.
   O romance começa com a narração do menino, que mora em Cravinhos, pequena cidade do interior do Estado de São Paulo, no Brasil [onde Carrascoza nasceu e morou por anos]. Na sequência, pula para a do adulto quarentão, que abandonou o interior e vive em São Paulo, capital do estado e uma das maiores cidades do mundo. [Carrascoza vive em São Paulo, formou-se em publicidade e é professor na ESPM, Escola Superior de Publicidade e Propaganda] Essas duas vias, dos sete aos quarenta, são cruzadas e suas diferentes visões, alternadas em capítulos ao longo do romance. “O livro não está amarrado a uma linha do tempo. Salta de um episódio para outro. Porque a vida também não tem amarração: dá pequenos saltos. Os capítulos são espelhados. São como quadros de sentimentos”, conta.
   A diagramação do romance reforça isso, ao dispor tudo o que é narrado pelo menino na parte superior da página, onde o texto aparece blocado, e, em cada capítulo, faz referência a uma descoberta: morte, tristeza, namoro... Já a voz adulta está disposta na parte de inferior das páginas e surge desalinhado. “Quando garoto, a gente está na fase em que nomeia as coisas à nossa volta e os sentimentos. As pessoas têm nome e optei pelo texto blocado porque, no romance, a sua história desse menino já foi escrita”, explica. “Na fase adulta, você tem a consciência de que é apenas mais um ser”. Para essa parte do livro, ninguém tem nome próprio. A ideia é falar de um universo emocional que, de um modo ou de outro, está dentro de cada um. O texto desalinhado reforça o tempo presente, em que as coisas ainda estão acontecendo, sem sabermos, ao certo, como vão terminar.



Inspirações
     “Aos sete anos, estamos começando a ler as palavras e o mundo. Aos quarenta, já temos uma história escrita, uma vida social. O mundo tá te olhando”, observa Carrascoza, que se inspirou em Vidas Secas, de Gaciliano Ramos.  “Graciliano criou um conjunto de histórias, que Antonio Cândido [crítico literário brasileiro] chama de rosácea, porque cada capítulo é uma pétala. E, em cada história, Graciliano dá elementos para o leitor compor a sua história. Foi o que fiz”, explica.

    Dos 7 aos 40 se beneficia bastante da direção habilidosa de Carrascoza, sem dúvida,  um dos melhores contistas brasileiros. Embora seja um romance, pode ser lido de diversas maneiras. A primeira leitura possível é da forma como o autor organizou a narrativa. Mas também podemos ler o mesmo livro de modo desordenado, porque cada capítulo é um conto – e dos bons. Podemos, ainda, ler apenas a história do menino ou do adulto, como se cada uma fosse um romance separado. E o mais interessante é que, independentemente do modo que o leitor decida explorar as estradas por onde Carrascoza nos leva, o romance não se perde no caminho. E sempre nos conduz, por meio da prosa poética do autor, para o fundo do coração. 

sábado, 6 de abril de 2013

Sex Machine

|Eliana Castro


      O Alemão era uma afronta. Foi presente da Cássia. Só podia. Era uma afronta com 22 centímetros de comprimento, 5 centímetros de diâmetro. Era azulão e tinha umas pérolas giratórias na ponta. Assim que abri o embrulho achei feio. Não. Primeiro nem achei nada. Fiquei foi é com muita raiva da Cássia. Me trazer um presente de grego daqueles? Onde é que iria meter aquilo, hein? Fiquei ofendida. Dois anos separada, no maior luto, duas filhas endemoniadas, sem tempo para pensar em trepar. Mas a Cássia não precisava esfregar aquela minha situação periclitante na cara, precisava? Não. Mas fez.

     Trouxe o Alemão dentro de uma caixa embrulhada com papel cor de rosa com bolinhas azuis. Para combinar com ele, ué, disse, a cínica que, ao ver que eu estava avermelhando de raiva, saiu correndo sem nem me dar tempo de mandar levar aquele pedaço de mau caminho para o raio que a partisse – ao meio. As meninas ainda estavam na escola. Fiquei um tempo com aquele troção plantado na mesa de mármore branca, presente de casamento dos meus pais.