Preciso vitalmente de contrariar aquilo a que ironicamente chamo «a rotina das férias». Tempo de descanso, se transformado em rotina, deixa de ser o que é. Pavor. De maneira que faço um esforço por me perder, sim, perder é o termo correcto. Perco-me por temporadas – gosto de dizer temporadas, sem contar os dias, pois saber quantos são ao certo aviva a memória do seu fim e torna-os mais pequenos – imitando as cigarras. A meteorologia, essa incógnita e imperscrutável personagem, contudo, ainda não consegui contrariar. Embora ela me altere os planos não raras vezes, eu sei que, mais dia, menos dia, será a minha vez de clamar por desforra.
Gosto de partir para o nada, para o silêncio, a acalmia. Onde quer que vá, quero perder-me de mim nos outros. Anseio por passear em ruas cheias de gente desconhecida, não fazer ideia da nacionalidade do casal que se deita ao meu lado na praia, deixar de ver pessoas e ver somente vultos a quem não tenha de endereçar as expressões da praxe. Aliás, o mais provável que aconteça se, por acaso, me cruzar com algum rosto familiar é que não o reconheça mesmo. Embora leve os olhos abertos, não será para ver gente, mas para me deixar inundar desta claridade única que tem o sol no Estio.
Não vale a pena sentir ou verbalizar saudades. As férias são sempre um tempo demasiado curto para que a falta desponte. Gosto de acreditar que apenas invocamos a falta porque somos uns românticos incuráveis que odeiam despedidas.
Durante uma temporada estarei singularmente gozando o que a tal da aleivosa meteorologia só oferece quando lhe dá na gana: sol, azul e verde. Quero embriagar-me de luz, mar e natureza e a taça é pequena só para mim.
À noite, tenciono quedar-me no breu a ouvir os grilos, sem pensar em nada a não ser na maravilha que é uma noite fresca depois de um dia de soalheira.
A viagem ainda é longa. Nos ouvidos levo uns headphones velhinhos ligados a um ainda mais velhinho leitor de CDs, que eu não sou nem nunca serei menina de iPod – preciso de sentir que a minha música tem qualquer coisa de real que me prenda ao mundo.
Quando as pilhas estiverem gastas, restará a quietude do nada e o ruído emudecido do relógio esquecido na gaveta.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho
Gosto de partir para o nada, para o silêncio, a acalmia. Onde quer que vá, quero perder-me de mim nos outros. Anseio por passear em ruas cheias de gente desconhecida, não fazer ideia da nacionalidade do casal que se deita ao meu lado na praia, deixar de ver pessoas e ver somente vultos a quem não tenha de endereçar as expressões da praxe. Aliás, o mais provável que aconteça se, por acaso, me cruzar com algum rosto familiar é que não o reconheça mesmo. Embora leve os olhos abertos, não será para ver gente, mas para me deixar inundar desta claridade única que tem o sol no Estio.
Não vale a pena sentir ou verbalizar saudades. As férias são sempre um tempo demasiado curto para que a falta desponte. Gosto de acreditar que apenas invocamos a falta porque somos uns românticos incuráveis que odeiam despedidas.
Durante uma temporada estarei singularmente gozando o que a tal da aleivosa meteorologia só oferece quando lhe dá na gana: sol, azul e verde. Quero embriagar-me de luz, mar e natureza e a taça é pequena só para mim.
À noite, tenciono quedar-me no breu a ouvir os grilos, sem pensar em nada a não ser na maravilha que é uma noite fresca depois de um dia de soalheira.
A viagem ainda é longa. Nos ouvidos levo uns headphones velhinhos ligados a um ainda mais velhinho leitor de CDs, que eu não sou nem nunca serei menina de iPod – preciso de sentir que a minha música tem qualquer coisa de real que me prenda ao mundo.
Quando as pilhas estiverem gastas, restará a quietude do nada e o ruído emudecido do relógio esquecido na gaveta.
[Também publicado em PNETmulher.]
© Marta Madalena Botelho