Crítica por Isabel de Almeida | Crítica Literária | Jornalista
"Os Távoras", de Maria João Fialho Gouveia, assumem a natureza de romance histórico por excelência, que nos transporta até à Lisboa do Século XVIII, em pleno reinado de D. José. Conseguimos espreitar, com vista privilegiada, o quotidiano, os dramas, as alegrias, o orgulho, as tradições, os escândalos e as tragédias que afectaram esta família pertencente à Alta Nobreza de Portugal.
As protagonistas femininas deste romance são: D. Mariana Bernarda de Távora, filha dos terceiros Marqueses de Távora (D. Francisco Assis de Távora e D. Leonor de Távora), Condessa de Atouguia por ter contraído matrimónio com D. Jerónimo de Ataíde (11º Conde de Atouguia) e D. Teresa Tomásia de Távora - a quarta Marquesa de Távora, também conhecida por "Marquesa Nova", como forma de a diferenciar da sogra. Teresa Tomásia é uma personagem polémica, Távora por nascimento e por casamento (casou-se com o sobrinho, filho do seu irmão Francisco Assis de Távora) tendo atraiçoado o marido - D. Luís Bernardo de Távora - ao tornar-se amante do Rei D. José.
Todavia, na minha leitura pessoal da obra, e tendo em conta a economia e dinâmica da narrativa, assume papel de relevo, também a meu ver como protagonista neste universo feminino, a terceira Marquesa de Távora - D. Leonor - respectivamente mãe e sogra de Mariana Bernarda e Teresa Tomásia e, à data dos factos históricos, políticos, sociais e familiares narrados no romance, matriarca da distinta família.
Teresa Tomásia e Mariana Bernarda (unidas por parentesco enquanto tia, sobrinha e também cunhadas) são bastante próximas e solidárias entre si, o que é deveras interessante considerando-se o ostensivo contraste de personalidade, postura, conduta social e moral, bem como os papeis que ambas representam na família.
Mariana Bernarda, Condessa de Atouguia, é uma esposa, mãe e filha dedicada, vivendo com um exagero quase ou mesmo patológico a sua fé Católica, ao interiorizar em si a temática da culpa, da punição e necessidade de penitência associados à religião que professa. De conduta exemplar, adorando o marido, os filhos e a restante família, trava consigo mesma um constante conflito, na media em que se recrimina pelos privilégios inerentes à sua elevada posição social, e ainda por gostar de jogos de salão e de se embelezar com vestuário requintado, o que considera verdadeiras falhas de carácter merecedoras de castigo divino e de penitência e sacrifícios que possam compensar as mesmas condutas.
Em Teresa Tomásia, a amante do Rei, encontramos, de algum modo a anti-heroína da trama. Em alguns momentos chegamos a adorar odiá-la, noutros acabamos por nos compadecer, ou admirar a sua determinação, pelo que gera no leitor sentimentos ambíguos. Teresa é uma mulher bela, sensual e plenamente consciente do poder de sedução que exerce sobre o sexo oposto. Desde cedo se deixou levar pela força do desejo, sendo assumidamente uma mulher extremamente carnal e material, postura que continua a assumir na idade adulta. A admiração e o intenso desejo que provoca nos homens, em especial, no Rei D. José fá-la sentir-se bem, não é o amor que a move, é antes a vaidade, o poder e a sua gratificação pessoal ao nível da vivência da vida íntima. A intimidade e o sexo, em relação aos quais assume uma postura desabrida e ousada, conferem-lhe um poder que acaba por constituir também a sua identidade pessoal bem como a afirmação de uma rebeldia nada ortodoxa, em especial para os usos e costumes da época.
D. Leonor, a matriarca da família - Terceira Marquesa de Távora - é uma mulher forte, autoritária e orgulhosa da sua ancestral herança família, revelando-se uma acérrima defensora dos interesses familiares, muito prezando a sua condição de membros da Nobreza antiga e entendendo que a coroa deverá respeitar e contar com a opinião dos Távoras na condução dos destinos do reino, sendo crítica da influência nefasta de figuras menores socialmente de que é exemplo o inimigo principal da família - Sebastião José de Carvalho e Mello.
O contexto social e político de Portugal sob a égide de D. José, mostra-se ilustrada de forma sublime pela autora a vaidade, a futilidade e grandiosidade da corte de D. José I - um rei influenciável pelo seu núcleo mais próximo de Ministros e Secretários de Estado, mas que não deixa descurar a sua posição de Rei Absoluto em cada detalhe, adoptando e copiando convictamente o modelo absolutista Francês. Por outro lado, encontramos também uma caracterização nítida da argúcia, sentido estratégico, pragmatismo, sagacidade bem como a cegueira de uma ambição desmedida no campo político e social de Sebastião José de Carvalho e Mello - oriundo da baixa nobreza e mais tarde Conde de Oeiras e Marquês de Pombal - que facilmente o levarão a atitudes tão díspares como a reconstrução de Lisboa após o violento terramoto de 1 de Novembro de 1855 ou à maquinação de uma perversa e cruel conspiração para retirar do seu caminho adversários de peso como os Távoras e a Companhia de Jesus, estando toda esta factualidade muitíssimo bem articulada na dinâmica da narrativa.
A linguagem cuidada e adaptada à época, a inserção de citações reais de personagens como a Condessa de Atouguia (fruto da laboriosa pesquisa que envolveu a preparação do livro) todos os formalismos inerentes à época são detalhes adicionais que ainda mais enriquecem a obra.
Em suma, ficção histórica nacional de inegável e elevadíssima qualidade, a mostrar uma escrita robusta, segura e pautada por maturidade.
História, política, contexto social, personagens densas, emotividade, momentos de tensão e um equilíbrio perfeito entre todas as partes que compõem o todo desta narrativa. Recomendado pelo interesse do tema e pela excelência do trabalho desenvolvido por Maria João Fialho Gouveia.
" Mais do que a beleza (...) é o poder que faz nascer no peito dos homens rancores e desejos de vingança. Eu sou uma Távora e os Távoras são quase maiores do que o rei!" pp. 90
Ficha Técnica do Livro:
Título: Os Távoras
Autora: Maria João Fialho Gouveia
Edição: Maio de 2018
Editora: Bertrand Editora
Nº de Páginas: 320
Género: Romance Histórico Nacional
Classificação Atribuída: 5/5 Estrelas
Actualmente estoy traduciendo al castellano el libro "Quando Lisboa Tremiu". Solo para mi uso personal.Cuando vaya por Lisboa, compraré este libro de Maria José Fialho "Os távoras".Debe ser apasionante.Disfrutaré traduciendolo,logicamente para mi uso particular solamente y me sirve de clase práctica para mi portugués.
ResponderEliminar