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domingo, 8 de janeiro de 2012

Agora Inês é morta, mas a lenda é eterna...

Inês de Castro
(1320 ou 1325 - 7 de Janeiro de 1355)

Inês de Castro era uma mulher simples, de origem humilde e ilegítima. Castelhana, chegou a Portugal em 1340, tornando-se aia na casa de um nobre português. Logo se apresenta uma paixão fulminante entre Inês e Pedro, príncipe herdeiro de Portugal. Embora casado, por questões políticas, com Constança Manuel, nobre da Casa Real Castelhana. Pedro e Inês viveram esse amor. Sendo o romance vivido explicitamente, o rei Afonso IV, que havia promulgado leis contra adultério, manda exilar Inês no castelo de Albuquerque, na fronteira espanhola, em 1344. A distância, porém, não apaga o amor entre eles e, segundo a lenda, continuavam a se corresponder com frequência. Em Outubro de 1345, Constança morre ao dar à luz o futuro Fernando I de Portugal. Pedro, viúvo, está livre para viver seu amor. Inês, então, retornou do exílio e os dois foram viver juntos longe da corte, tendo tido quatro filhos.
Afonso IV, por diversas vezes, tentou preparar um novo casamento para o filho, com uma mulher de sangue nobre. Pedro, porém, recusa-se a casar com outra que não Inês. Pela situação de insegurança política relativa a sucessão, Afonso IV preocupa-se em buscar um casamento conveniente para Pedro. Com as constantes recusas do filho, o rei Afonso IV decidiu então que a melhor solução seria eliminar Inês. Após viver algum tempo no norte, Pedro e Inês regressam a Coimbra. A 7 de Janeiro de 1355, aproveitando-se da ausência do filho, que se encontrava em uma escursão de caça, o rei envia Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco para executar Inês, que fora degolada no Mosteiro de Santa Clara em Coimbra.
Inês não se salvou, mas conseguiu ver seus filhos livres da morte que se lhes apresentava. Com as seguintes palavras, ela comovera Afonso IV, que poupara a vida dos netos:
"Até mesmo as feras, cruéis de nascença, e as aves de rapina já demonstraram piedade com as crianças pequenas. O senhor, que tem o rosto e o coração humanos, deveria ao menos compadecer-se destas criancinhas, seus netos, já que não se comove com a morte de uma mulher fraca e sem força, condenada somente por ter entregue o coração a quem soube conquistá-lo. E se o senhor sabe espalhar a morte com fogo e ferro, vencendo a resistência dos mouros, deve saber também dar a vida, com clemência, a quem nenhum crime cometeu para perdê-la. Mas se devo ser punida, mesmo inocente, mande-me para o exílio perpétuo e mísero na gelada Cítia ou na ardente Líbia onde eu viva eternamente em lágrimas. Ponha-me entre os leões e tigres, onde só exista crueldade. E verei se neles posso achar a piedade que não achei entre corações humanos. E lá, com o amor e o pensamento naquele por quem fui condenada a morrer, criarei os seus filhos, que o senhor acaba de ver, e que serão o consolo de sua triste mãe."
Tal fato causou a revolta de Pedro, responsabilizando o pai pela morte de Inês e provocando uma sangrenta Guerra Civil. A paz foi selada em agosto de 1355, através da intervenção da Rainha Beatriz.
Em 1357, Pedro I tornou-se o oitavo rei de Portugal. Em junho de 1360, ele faz a Declaração da Cantanhede, a partir da qual torna legítimos seus filhos com Inês, afirmando que havia se casado com ela secretamente, em 1354. A única prova de tal união foi a palavra do Rei e o testemunho do capelão.
Por ordens de Pedro I, foram construídos dois túmulos no mosteiro de Alcobaça, um para si e outro para onde levou os restos mortais de Inês com pompas de rainha. Dizem as lendas portuguesas que, ao assumir o trono, Pedro mandara desenterrar Inês, vesti-la com trajes de núpcias, colocou-a ao seu lado, fazendo que todos reverenciassem sua rainha e beijassem-lhe a mão.
Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves foram capturados e executados. Diz a lenda que o Rei mandou arrancar o coração de ambos, de um pelo peito, do outro pelas costas. O terceiro executor, Diogo Lopes Pacheco fugira para França, sendo perdoado pelo Rei no seu leito de morte. Pedro I morreu em 1367, sendo sepultado de frente para a seupultura de Inês, para que, segundo a lenda, possam continuar olhando-se nos olhos.
Essa história do amor trágico entre Pedro I e Inês de Castro ficou celebrizada no Canto III de Os Lusíadas.
A história de Inês de Castro constitui um episódio lírico-amoroso que simboliza a força e a veemência do amor em Portugal. O episódio relata o assassinato de Inês pelos ministros do rei D. Afonso IV. A maior parte do episódio é narrado por Vasco da Gama, que relata a história de Portugal ao rei de Melinde. O episódio mescla elementos líricos e históricos, sendo visto como um dos mais belos momentos do poema. Em Os Lusíadas, o relato de Camões se dá da seguinte forma:
Episódio de Dona Inês de Castro
(Os Lusíadas, Canto III, 118 a 135)

Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.

Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fernosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hûa fraca dama delicada?

Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:

(Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como co a mãe de Nino já mostraram,
E cos irmãos que Roma edificaram:

ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar hûa donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,
A quem peja perdê-la não fez erro.
Mas, se to assi merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, co amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.)

Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?

Qual contra a linda moça Polycena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha),
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:

Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia !
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.

Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lacivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores.

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