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domingo, 22 de maio de 2011

Seguindo o assunto...


Bom, gente...
Como eu dizia no outro post, duas coisinhas me chamaram atenção, uma foi a fala da professora Amanda Gurgel de que falei no post anterior e a outra foi a leitura de um texto de um conhecido cronista do Jornal Zero Hora.
Em 19 de maio, o senhor David Coimbra publicou em seu blog no clicrbs um texto intitulado A defesa da ignorância. Eu até poderia viver sem ter lido isso... sem gastar meu tempo e desgastar-me com mais desabafos e indignações que ele me causou... Mas pela indicação da querida amiga, grande professora e dedicada pesquisadora, que ocupa (e não perde, pois cultura jamais é perda!) seus lindos domingos de sol sobre livros enquanto prepara sua dissertação de mestrado, perdi meu tempo lendo. Enfim... o caro senhor David Coimbra, defende sua própria ignorância em passar por cima de todo conhecimento técnico e científico da linguística, sociolinguística e estudos da linguagem ao questionar a prática de profissionais capacitados e preparados. Eu, como professora de português, jamais poderia dizer a um médico que seu diagnóstico está errado, afinal não conheço o assunto... sou ignorante nessa área. Por que, então, alguém sem formação linguística e pedagógica pode colocar em cheque a visão fundamentada de um profissional qualificado? O respeito e a ética profissional acima de tudo senhor jornalista! O senhor deve realmente grifar a palavra doutora para se referir à professora Ana Maria Zilles, posto seu título é fruto de sua integridade moral, profissional e consequência de anos de estudos e pesquisas nesta área que o senhor David Coimbra pensa conhecer...
Ignorância é algo inerente a todos nós! Ninguém sabe tudo! Ninguém conhece tudo! Somos todos, portanto, ignorantes em alguma coisa! Ignorância não é crime nem pecado! Não é feio para ninguém... Feio é arrogância, é prepotência, é achar que é melhor que os outros! É acreditar que o mundo deva ajoelhar-se a seus pés como se fosse o dono absoluto de uma verdade absoluta. Uma verdade, porém, que desconhece e ignora!
O que jamais podemos esquecer é que a ignorância é uma sombra, que esconde, que mascara e nos ofusca a visão... Alguns percebem isso! Outros simplesmente esquecem que existe!
Bom... se alguns acreditam que a língua culta é a única existente e que as variações linguísticas são ignorâncias... Viva a ignorância! A ignorância de um Guimarães Rosa... de um Graciliano Ramos... Ah... quanta ignorância! Toda vida elas ao mar de sabedoria daqueles que se julgam Deus!

"Amável senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se fôr... Existe é homem humano. Travessia."
(João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas)

domingo, 10 de abril de 2011

Guimarães Rosa, um escritor de travessias

Hoje acordei com saudades de Guimarães Rosa... Às vezes tenho umas loucuras, gostaria de nunca tê-lo lido, para ter o prazer que apenas a primeira leitura pode nos dar! Quem me dera ler novamente pela primeira vez Grande Sertão: veredas... Uma obra de travessia... Um léxico que atravessa o espaço, o tempo... tudo, rumo ao infinito das ideias...
Guimarães Rosa foi um escritor admirável... Dedicou-se a inúmeras atividades, mas, sobretudo, dedicou-se às suas crenças, aos seus ideais... Deixou nosso mundo muito cedo, aos 59 anos, em 19 de novembro de 1967, três dias após tomar posse na Academia Brasileira de Letras, em cujo discurso de posse ressaltou: "...a gente morre é para provar que viveu."
Autor de uma obra genial, primorosa, de experimentos linguísticos, de técnica sem igual, com um mundo ficcional tão absoluto, concreto, transcendente... poucas vezes visto na literatura. Promoveu uma renovação do romance! Sua obra alcançou uma esfera cuja Literatura Brasileira ainda não conhecia... Sua obra se impôs no Brasil e no mundo! O que culminou com sua indicação ao Nobel de Literatura, indicação barrada por sua morte tão prematura.
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens."
Suas palavras, que reunidas são de uma beleza que cala e sufoca num pensamento inquieto, nos trazem as múltiplas possibilidades do entendimento do mundo e da arte... As palavras e as ideias de Guimarães Rosa são assim: prosa realista, poesia atemporal, filosofia transcendente, pensamento místico, metafísico, consciente e inconsciente do mundo. Mas melhor que falar sobre elas é lê-las...

Fita Verde No Cabelo (Nova velha história)
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar fambroesas.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou". A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
- "Quem é?"
- "Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."
Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe."
Fita Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar apagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - "Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo."
Mas agora Fita Vede se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
- "Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!"
- "É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta...." - a avó murmurou.
- "Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados".
- "É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou.
- "Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?"
- "É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda gemeu.
Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..."
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

Àqueles que já conheciam, espero que tenham gostado...
Aos que levaram pela primeira vez... invejo-os... a primeira vez é sempre única!

Beijinhos a todos!



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