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domingo, 10 de abril de 2011

Guimarães Rosa, um escritor de travessias

Hoje acordei com saudades de Guimarães Rosa... Às vezes tenho umas loucuras, gostaria de nunca tê-lo lido, para ter o prazer que apenas a primeira leitura pode nos dar! Quem me dera ler novamente pela primeira vez Grande Sertão: veredas... Uma obra de travessia... Um léxico que atravessa o espaço, o tempo... tudo, rumo ao infinito das ideias...
Guimarães Rosa foi um escritor admirável... Dedicou-se a inúmeras atividades, mas, sobretudo, dedicou-se às suas crenças, aos seus ideais... Deixou nosso mundo muito cedo, aos 59 anos, em 19 de novembro de 1967, três dias após tomar posse na Academia Brasileira de Letras, em cujo discurso de posse ressaltou: "...a gente morre é para provar que viveu."
Autor de uma obra genial, primorosa, de experimentos linguísticos, de técnica sem igual, com um mundo ficcional tão absoluto, concreto, transcendente... poucas vezes visto na literatura. Promoveu uma renovação do romance! Sua obra alcançou uma esfera cuja Literatura Brasileira ainda não conhecia... Sua obra se impôs no Brasil e no mundo! O que culminou com sua indicação ao Nobel de Literatura, indicação barrada por sua morte tão prematura.
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens."
Suas palavras, que reunidas são de uma beleza que cala e sufoca num pensamento inquieto, nos trazem as múltiplas possibilidades do entendimento do mundo e da arte... As palavras e as ideias de Guimarães Rosa são assim: prosa realista, poesia atemporal, filosofia transcendente, pensamento místico, metafísico, consciente e inconsciente do mundo. Mas melhor que falar sobre elas é lê-las...

Fita Verde No Cabelo (Nova velha história)
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar fambroesas.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou". A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
- "Quem é?"
- "Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."
Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe."
Fita Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar apagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - "Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo."
Mas agora Fita Vede se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
- "Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!"
- "É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta...." - a avó murmurou.
- "Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados".
- "É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou.
- "Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?"
- "É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda gemeu.
Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..."
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

Àqueles que já conheciam, espero que tenham gostado...
Aos que levaram pela primeira vez... invejo-os... a primeira vez é sempre única!

Beijinhos a todos!



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