Questiona a posição de julgamento e penalidade cegos a respeito do amor incestuoso, insinuando uma correspondência equivalente de ambas as partes.
O que você pensaria de você, caso sentisse, além do amor, a atração sexual por seu pai/mãe, por seu filho/filha, ou mesmo irmão/irmã?
Qual seria nossa auto-imagem, trazendo para o discurso a condenação social deste tipo de atitude?
A figura central da trama é o Açogueiros, saído do curta-metragem Carne também do diretor Gaspar Noé [a exibir neste Ciclo na próxima 5ªf, dia 26]. Interpretado pelo excelente ator Philippe Nahon, essa criatura violenta, petrificada, fica vagando por labirintos obsessivos repletos de recalques, ódios contra estrangeiros e homossexuais, com a sempre onipresente figura da filha que ele deseja de maneira doentia. O filme cria uma atmosfera hermética onde a loucura crescente da personagem central está sempre aparente, seja nos tons amarelados de fotografia ou na narração em off. A obsessão é narrada como um diário absurdo. Um clássico do cinema moderno, cheio de poesia e fúria.
Realista, pessimista, filosófico e pode ser até chocante.
Complicado de criticar e extremamente ideológico, pode se dizer que Gaspar noé caprichou nesse filme. Expondo monólogos extremamente conturbados e filosóficos, um roteiro excelente com um toque “existencialista”, criticando alguns pontos sociais, apresentando frases “Schopenhauerianas”, mostrando a pobreza e a sujeira da natureza humana, a loucura poética de um pessimista, além de contar com a teoria da vontade de poder de Niezstche. O filme pode deixar o telespectador deprimido, carente, triste, conturbado, chocado e até irritado, mas não podemos deixar de negar é que toda a história do filme é algo possível e realista, em outra palavras, é uma verdade relativa, mas válida.
Gaspar Noé – este franco-argentino é um daqueles malucos que faz valer o termo extremo da expressão cinema extremo. O mais mainstream dos seus filmes, Irreversível, ganhou fama de maldito e doentio e jogou o cineasta novamente no limbo underground. A galera do lado de cá da indústria agradece. A saga maldita começou com o curta Carne (nunca vi, mas já ouvi comentários positivos) e se concretizou com o longa Seul Contre Tous.
O filme é cinza, escuro, claustrofóbico, angustiante, desajustado, enfim ou o espectador vê que tem gente que é pior que ele e agüenta o tranco ou entra numa depressão profunda que nem tarja preta dá jeito. A trajetória do açougueiro francês - interpretado pelo ator predileto do cineasta, Philippe Nahon - refugiado na periferia imunda de Paris é uma afronta a qualquer traço de civilidade ou bondade. O personagem é uma ode ao ódio - detesta gays, alemães, mulheres, negros, árabes... Xenofobia e preconceito, em doses nada homeopáticas, retratados por um Tim Burton quase pornográfico.
A única redenção, ou melhor, o único traço de humanidade está na pureza da filha autista. Mas Noé é tão escroto que este alívio explode em tons avermelhados no final. O final é forte; muito forte mesmo. Provoca ânsia nos organismos mais resistentes. Muito mais que o viés socialista da justificativa da violência pela pobreza econômica e a miséria social o filme nos mostra a sordidez humana, a gratuidade do desespero e da desesperança. Angústia ilimitada do mal que nós nos causamos. A desilusão em um país rico repleto de cidadãos e estrangeiros sem identidade. Nessa odisséia cosmopolita e violenta, ninguém é poupado. Todos são culpados e a fúria se torna justificável. Desilusão a tudo, todos e em todo lugar. Assim como seu cineasta, Seul Contre Tous é grande demais para o cinemão; é leão para o seu quintal.
Ponto Alto: os textos pontuando a narrativa.
Ponto Baixo: o filme sofre do efeito Apocalypse Now – agüente até o fim e entenda a grandiosidade da obra."
Juarez Junior
Título Original:Seul Contre Tous
Realização e Argumento: Gaspar Noé
Produção: Gaspar Noé, Lucile Hadzihalilovic
Interpretação: Philippe Nahon (The Butcher), Paule Abecassis (Junkie), Serge Faurie (Hospital Director),
Aïssa Djabri (Dr. Choukroun), Olivier Doran (Narrator), Guillaume Nicloux (Supermarket Manager),
Sophie Nicolle (Younger Daughter), Roland Guéridon (Old Friend), Zaven (Every Man his Moral)
Origem:França
Ano de produção: 1998
Duração:93'