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TOURNÉE o que é? 4ªf, 22h - «uma orgia de carne e espírito, uma alegria para os olhos e para o coração, um gesto louco, poético, divertido, alegre...»

CLAUSTROS DO MUSEU MUNICIPAL

Sócios - 2€ (caderno de 5 senhas, 10€)
Não-Sócios - Estudantes 3,5€ / Restantes 4€


Muito boa gente, nestes dias, jura que, acerca do cinema francês, o melhor é rezar dois padre-nossos e uma mancheia de ave-marias pelo seu estado clínico, a ver se Deus-Pai, lá do céu, lhe dá um bocadinho mais de energia e de originalidade, porque em larga parte os filmes já não se aguentam. De vez em quando, todavia, há um assomo de diferença que vale a pena notar.

Acontece agora com "Tournée - Em Digressão", o filme que valeu a Mathieu Amalric o prémio de realização do último Festival de Cannes e uma receção da crítica francesa quase apoteótica. Ator muito conhecido a tentar passos seguros por detrás da câmara, Amalric consegue, assim, um primeiro triunfo.

Diz o cineasta que o bigode que ele usa neste filme é uma homenagem a Paulo Branco. E há quem veja na história de Joachim Zand (papel de Amalric), um produtor francês que volta dos Estados Unidos com um espetáculo teatral de New Burlesque, uma piscadela de olho ao destino arrojado e trágico de Jean-Pierre Rassam e Humbert Balsan, dois homens do cinema francês que jogaram tudo e acabaram mal. É que a hiperatividade do personagem central de "Tournée", sempre a tentar correr mais depressa, a atender telemóveis, a desatender afetos, a ver se a vida não o apanha, tem qualquer coisa de patético, mas também de heróico, porque, se calhar, bom senso e parcimónia são qualidades para guarda-livros e pequenos comerciantes de bairro, mas não para empreendedores do mundo do show business.

A história é, deste modo, assaz simples, pela estrada fora, de teatro em teatro, de pequeno hotel em pequeno hotel, com situações avulsas, episódios pícaros, cenas de bastidores e alguns fugidios momentos do espetáculo em tournée que o realizador, no entanto, nunca filma francamente, preferindo olhá-los de través, dos bastidores, não deixando que o New Burlesque tome conta do filme. É que Mathieu Amalric não quer o glamour, mesmo em tom grotesco - quer o calor e o desencanto de uma trupe em viagem, a aflita humanidade por detrás do folguedo.

Há algo de profundamente triste que se destaca do riso destilado pelas atuações das intérpretes americanas de New Burlesque que neste filme vão em digressão pela França fora - sempre na esperança de poder chegar a Paris. É verdade que é tudo sexy e escancaradamente sublinhado, os seios são tão descomedidos como as ancas volumosas das drag queens de "Hairspray", nada é para levar a sério naquela carnalidade exuberante, como nos exploitation movies de Russ Meyer. Ou, então, é tudo para levar à letra, como descobre um desgovernado amante de passagem de uma das divas hiperoxigenadas. É que há, naquele excesso circense, qualquer coisa de profundamente agreste, porventura agressivo, como se estivesse a acontecer uma exigência de alegria e de prazer e uma severa autoridade nos convocasse para ela sem que, da nossa parte, pudesse ocorrer desalinhamento. Há um elemento de medo ali a circular, no palco e fora dele, e é esse elemento que mais distingue o filme. O seu jogo foge, assim, do que é lugar-comum - nada a ver com aqueles filmes de circo em que há um palhaço que faz rir na pista e tem o coração em desespero. Nada de melodrama nem de fado com choradinhos à guitarra. Não que haja no melodrama (ou no fado bem chorado, já agora) qualquer malformação a que fugir, mas a postura de Amalric é outra e a vida que ele enfrenta não se circunscreve a sentimentos simples.

Dispensam-se fanfarras e despropósitos: no país de Resnais e Cocteau, de Renoir e de Sacha Guitry, Amalric é um profissional com mérito, mas só isso. Quanto a "Tournée", é um filme generoso e sensível - que vale a pena conhecer.
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Jorge Leitão Ramos, Expresso


Um grupo de artistas de "burlesque" e o seu empresário. Selvagem e melancólico. E vampírico. A ficção bebe a energia do documentário.

Um grupo de "strippers" generosas e o seu empresário. Como se ele, interpretado por Mathieu Amalric, tivesse posto bigode para poder estar à altura delas, sonho de menino a fazer-se homem com raparigas grandes, com exemplares do "burlesque" americano que dão pelo nome de Mimi Le Meaux, Kitten on the Keys, Dirty Martini... Pensem em Dita Von Teese, pode ser, mas a generosidade de formas, aqui, tem menos a ver com o design escultural, é mais rebelde...

Um pouco, ou muito, de "The Killing of a Chinese Bookie", de Cassavetes - naquela forma de alguém estar metido com a sua vertigem, com a sua perda, com a fuga (não se sabe se corre para algo ou se foge de si mesmo, uma genealogia que recentemente desembocou, por exemplo, no "Go Go Tales" (2007) de Abel Ferrara.)

Algo de Renoir, ou seja, uma generosidade no olhar e na(s) forma(s) - este é o "French Cancan" de Amalric.

E Fellini, porque não?, naquela maneira de Joachin (o nome da personagem de Amalric) estar numa infância eterna, atraído por criaturas de seios grandes, de carne e de luz.

Amalric interpreta este empresário de um show de "burlesque" que regressa a França com as suas artistas, recrutadas nos EUA. Está disposto a vencer em casa. Que abandonou, escorraçado pelo novo showbusiness (é de um tempo que terminou e dos que nele insistem e perdem que fala, obviamente, este filme.) Ali quer regressar, ambicionando acabar a tournée do "american cancan" por hotéis esquecidos com um espectáculo que faça dele vencedor em Paris - onde nunca chegará, aliás, porque a vingança de Joachin está como ele: cansada.

(Parêntesis: Joachim esteve para ser interpretado pelo produtor português Paulo Branco, forma de Amalric homenagear criaturas que o fascinam, os produtores de cinema, "a sua loucura e a sua coragem", como disse numa entrevista; e sobretudo um certo tipo de personagem que se mantem como "príncipe" mesmo "não tendo reino nem, sobretudo, poder").

O resultado está em trânsito entre o documentário e a ficção, é selvagem, é melancólico. Amalric faz de "Tournée" um filme em "tournée". Desde logo porque os shows de "burlesque" foram filmados com público a assistir, em "tour" pela costa francesa, coreografia das próprias artistas. Depois, pelo movimento entre a ficção esquálida e terminal (Joachin, o seu bigode, a sua palidez), a precisar de se alimentar, coisa vampírica, e a generosidade documental daquela "troupe".

É um movimento sensualíssimo que se evidencia logo nos planos de abertura, naquelas entradas de corpos, naquelas intromissões e esperas, naquele retrato de grupo que se forma, que se atrai. É um pequeno teatro do que vem a seguir, que se expande a seguir: a expectativa de Joachim/Amalric a pedir que o acolham e a vitalidade delas - "Tournée" desvia-se e ao mesmo tempo alimenta-se da base, a que regressa como quem procura o conforto e segurança.
O que quer que signifique o grito rock'n'roll final, ele sinaliza, antes de tudo, o "tour de force" de um cineasta.
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Vasco Câmara, Ípsilon


ENTREVISTA A MATHIEU AMALRIC

De onde surgiu a inspiração para TOURNÉE – EM DIGRESSÃO?
Para dizer a verdade, de Laetitia Gonzalez e Yaël Fogiel, os produtores, que quando a montagem de “La Chose Publique” ainda nem estava terminada (ainda em 2002!) me disseram: “E agora, qual é o próximo?”
Assim, totalmente esgotado mas muito sensibilizado pelo interesse deles, parti durante vários dias com Marcelo Novais-Teles, um amigo com quem gosto de trocar ideias. E foi um texto de Colette, “The Other Side of Music-Hall”, que transportei comigo durante muito tempo, que acabou por vir à superfície.
Consiste em notas feitas durante uma digressão, escritas para um jornal que as publicou em fascículos, esboços sublimes da sua vida enquanto actriz, uma pantomima um tanto ou quanto escandalosa (Colette tinha então entre 33 e 39 anos), perdida na província: “Corremos para o hotel, para o camarim sufocante, e para as ofuscantes luzes da ribalta. Corremos, impacientes, tagarelando, cacarejando como galinhas, em direcção à ilusão de viver rápido, de sermos calorosas, trabalhar, pensar muito pouco, de carregar dentro de nós nem lamentos, nem remorsos, nem lembranças…”
Procurámos equivalentes contemporâneos; no striptease, na vida nocturna, em qualquer lado. Mas nada surgiu, não conseguíamos encontrar este fascínio pelo movimento, o gosto de Colette pela provocação a rebentar de energia, como uma declaração de independência através do corpo. Só nos chegaram histórias de necessidade, de prisioneiros.

Foi aí que pensou nas raparigas do New Burlesque?
Na verdade foi graças a um artigo do Libération que fazia uma avaliação contagiante da sua
apresentação numa noite no Zèbre, um cabaret parisiense. Em duas páginas havia fotografias de Dirty Martini, a mais felliniana, e Kitten on the Keys, a que toca piano. E de repente, tivemos a sensação de que Colette estava ali, nesta lúdica e tórrida sensualidade, nesta afirmação íntima e política da beleza potencial de cada corpo, independentemente da idade e do quão não-conformista podem ser. O perigoso prazer de actuar, a timidez, a bravura física, a tentadora fragilidade.
Isso foi o início. Mas nessa etapa, baseada apenas em pedaços de papel e algumas fotos, permitiu que a imaginação brotasse. Ou seja, não as queria conhecer pessoalmente naquele momento. Eu queria ter a história em primeiro lugar. E foi nessa altura que Humbert Balsan, o produtor francês independente, se suicidou. Isto abalou-me devido à percepção da possibilidade do fim das nossas vidas mortais. O que se faz quando uma força de resistência como ele desaparece?

Esses são, aparentemente, dois acontecimentos sem relação.
Claro, mas muitas vezes é a colisão de dois elementos que origina a história. Ténue ao início, mas que te deixa obcecado e quase se alimenta de si própria, e depois de tudo. Eu e Marcelo sempre explorámos outro caminho: o meu fascínio por produtores, a sua loucura e a sua bravura. Onde é que eles encontram a força para continuar?
E então encontrámos a ligação. A história de um homem que luta contra a sua melancolia. Um antigo produtor de TV que encena um regresso momentâneo graças a estas raparigas que ele quer vaidosamente apresentar no seu país, como uma prova orgulhosa da sua ressurreição, do seu regresso.
Que quer permanecer, à sua desagradável maneira, um príncipe, custe o que custar. Mas sem um reino, e acima de tudo sem poder – sem ser, claro, o inútil poder da sua liberdade. Um homem sem um lar, que já não sabe se resistir significa saber quando deixar o palco (o que ele fez) ou saber quando se manter na ribalta (o que os seus amigos fizeram).


E quando viu o espectáculo pela primeira vez?
Em Nantes, no Banana Hangar, graças a Kitty Hartl, programadora de dança no Teatro Lieu Unique que, de certa forma, é o modelo para Joachim. Conheci as raparigas com Philippe Di Folco, que se juntou para terminar de co-escrever o guião; ele é um escritor e um curioso por tudo, apaixonadamente erudito. Três dias e noites intensas para transpor, com sorrisos na cara, as nossas intuições para a realidade. Depois disso, assisti a alguns festivais com 150 espectáculos em três dias, em São Francisco, Nova Iorque, Nápoles, entre outras. E criei a minha própria trupe, passo a passo durante pelo menos 2 anos.

O New Burlesque ganhou uma maior aceitação dos especialistas nos media através de Dita Von
Teese.
As actrizes no TOURNÉE – EM DIGRESSÃO são as responsáveis pelo reavivar do New Burlesque. No início, era um movimento lésbico, que começou em 1995 com um grupo chamado The Velvet Hammer.
Estas raparigas têm política nos seus corpos, uma resistência aos físicos formatados que não necessitam de palavras. Hoje em dia, New Burlesque tem sido um pouco apropriado pelo cânone de Las Vegas, com os seus corpos mais conformistas.

“Mange ta soupe” foi um filme sobre a sua família. “O Estádio de Wimbledon” mostrou a mulher
que amava. Pela primeira vez, dirige-se a si mesmo em Tournée. É um passo em direcção ao autoretrato?
Não sei, não pensei muito sobre isso. Eu não queria aparecer em Tournée. Toda a gente, excepto eu, parecia saber que ia acabar por fazê-lo. Tornou-se uma piada que não me dava vontade de rir porque eu estava genuinamente à procura de alguém. E então sim, três semanas antes da rodagem, apesar das minhas dúvidas, e protestando no início, acabei por ser eu.

O facto de estar a representar no filme ajudou-o a abordar a realização de forma diferente?
Sim, foi bastante prático, tenho de admitir, e criou uma cumplicidade divertida. Pude orientar o
movimento, gerar surpresas, recebê-las. Dentro do enquadramento, apercebemo-nos do momento em que o drama deve vir à tona. Durante a cena no comboio, por exemplo, no início do filme, eu disse: “OK, tu gostas de Ophüls, e como em “O Prazer”, gostarias de ver todas estas mulheres adormecidas e lascivas no compartimento. Mas isso não faz uma cena!” Por isso peguei no telefone e comecei a gritar.
Um actor sente se há algo que devemos fazer, se há uma cena que tem de ser representada. E imediatamente, as raparigas e o esplêndido Roky entraram no jogo.
Entretanto Cristophe Beaucarne, o director de fotografia, e eu estávamos preocupados apenas com uma coisa: esforçarmo-nos para que o espectador acompanhasse as personagens e não se preocupasse com quem estava a fazer o filme. Foi quase uma obsessão que se traduziu em algumas questões específicas sobre realização: a distância certa, discrição, o conforto, fluidez de movimento, e também o som captado directamente.

A questão do documentário e do drama surgem repetidamente em TOURNÉE – EM DIGRESSÃO.
Sempre. A questão surgiu na fase de escrita, depois durante a pré-produção – que, por acaso, acho cada vez mais difícil de dissociar da realização. Decidir onde se gasta o dinheiro já faz parte do processo de realização; é aí que o filme fica realmente definido, de facto.
Depois tivemos a intuição de que para preservar a energia espontânea que é vital para os espectáculos, tínhamos de montar uma verdadeira digressão. Pensámos que a câmara não seria suficiente para as raparigas. Elas precisavam de salas esgotadas. E teríamos de dormir nos hotéis onde filmaríamos.
De Le Havre até Rochefort, passando por Nantes, colocámos de pé um espectáculo gratuito a todos aqueles que assinaram uma autorização. Nunca poderíamos pagar a tantos figurantes! Só tivemos duas horas e meia para filmar cada cena, mesmo aquelas com diálogos, mas isso criou uma necessidade urgente, uma precisão que paradoxalmente reforçou o drama. Porque os números tiveram sempre público, foram vividos por uma das personagens e a realização foi construída sobre isso.
Claro que aconteceram alguns momentos extraordinários, tantos que a primeira montagem tinha três horas e 15 minutos. O que se seguiu, com a montadora Annete Dutertre, foi uma luta entre drama e documentário. E sem surpresas – apesar de em alguns momentos com remorsos terríveis – o drama e as personagens tornaram-se a força central.


O filme mostra lugares que apenas conhecemos de passagem, como as cadeias de hotel. Porque quis filmar nestes locais “neutros” na província?
Colette falou muito destes lugares onde não se vê nada. Isso é o que se sente em digressão: Estás em algum lado, sem realmente estares lá. E descobri que havia um mal-entendido divertido: Joachim está a fantasiar sobre a América, enquanto as raparigas fantasiam sobre França e Paris. Mas não vêem quase nada disso, ou então apenas esse lado.

Há uma cena inquietante, num posto de abastecimento na auto-estrada, entre Joachim e a mulher na caixa.
Isso ecoa a canção “Les Passantes”, de Georges Brassens: apenas uma troca de olhares, ver quem podia ter amado… Eu gosto do conceito de digressões e circos que andam de cidade em cidade, e do encontro entre habitantes e aqueles que apenas estão de passagem. Segredos guardados, secretíssimos flutuam em redor de cabinas e auto-estradas. E depois há a incrível actriz, Aurélia Petit.
E todos aqueles uniformes também: empregadas de caixa, hospedeiras de bordo, os staff do hotel, as obrigações sociais, a obediência obrigatória…

Por mais estranhos e vazios que pareçam, os hotéis em TOURNÉE – EM DIGRESSÃO tornam-se locais de alegria e abandono. O filme é realmente uma comédia!
Comédia, isso depende do momento. Joachim é tão tenso. Mas claro, as raparigas do New Burlesque têm o dom de transformar cada sítio numa festa. Elas nunca ficam a queixar-se. Adoro actores histriónicos, pessoas que gostam de pôr uma mesa cheia de pessoas a rir, que vão longe demais, mas que ainda assim precisamos de ter por perto. Tenho sempre medo de que eles se afundem no desespero. Com as raparigas na companhia é a mesma coisa. Não precisavam de revelar o seu passado; as suas caras e corpos contavam a sua própria história. E, ainda assim, elas conseguem transformar uma aborrecida cadeia de hotel num local de desejo.

Joachim sente que está “rodeado de bruxas”. Mas quem é ele realmente?
Aha! Regressamos ao impenetrável mistério da figura do produtor que, como o produtor Jean-Pierre Rassam costumava dizer, tem a responsabilidade de assumir a irresponsabilidade, a qualquer custo. E um produtor também é um actor caso queira sobreviver, encantar, assustar, sonhar. De repente lembro-me do Matamore de Corneille: “Quando quero aterrorizar, e quando quero encantar”. O cigarro, o brilho, os trajes extravagantes, são apenas chamarizes, ferramentas de negócio, armadilhas. No filme, como tributo ao veterano produtor Paulo Branco, usei um bigode. Que Mimi, depois de fazerem amor, parece julgar ser um adereço. Naquele momento, Joachim é apenas um homem a dormir, finalmente.

Há um manual de instruções para filmar mulheres a representar entre si?
Eu não acredito em realizadores que supostamente sabem aquilo que vai no interior da cabeça das mulheres. Em vez disso, vamos abraçar o facto de que o cinema nos permite acordar o rapaz
adolescente que há em nós e que fantasia sobre os quartos das raparigas. Recordo-me de um momento durante as filmagens, aquele no terraço quando Mimi está a contar a Dirty a sua aventura na casa de banho. Filmámos muitos takes, elas andaram por ali, a personagem de Mimi um pouco envergonhada e taciturna, mas tornando-se mais amigável enquanto falava com a amiga; aquela era a cena planeada.
Tudo bem. Estávamos prestes a mudar de cena quando tenho um impulso: “Mimi, porque não contas à Dirty [Martini] o que acabou de aconteceu?”. Mimi voltou a contar, nas suas próprias palavras, e então Dirty reagiu, representando (porque, mais uma vez, enquanto show girls, estão sempre a “dramatizar”). E ali estou eu, atrás da câmara, com os auscultadores postos, e, graças à sua generosidade e diversão, entrei no quarto das raparigas.
O próprio facto de filmar estas mulheres torna-se um acontecimento. Elas têm tanto carisma!
Admito que a acrobacia narrativa de trazer estas raparigas americanas até França me salvou de uma certa vulgaridade, isso de certeza. Tudo se tornou interessante e fresco, de repente. Partilhámos fantasias comuns, trocámos os nossos territórios.

Quando usa a palavra território, voltamos a uma visão de um homem entre mulheres…
Eu e o Philippe diríamos: em primeiro lugar, o poder do grupo. Joachim, de início, não olha para elas individualmente, depois seguem em frente como um só. Sorte ou destino, o que preferir, conspiram para que eles se juntem e algo acontece. O que de facto o traz de volta, alivia-o, no interior do grupo. É o conjunto das mulheres que o “adopta” no final.

NEW BURLESQUE
New Burlesque é uma versão renascida e actualizada de um género cujas raízes estão firmemente alicerçadas na tradição do music-hall inglês e americano.
Originalmente, os espectáculos Burlesque eram uma mistura de sátira social, números musicais e insinuação, e tornaram-se uma parte importante da cena teatral americana durante as décadas de 1920 e 1930.
Gradualmente, o género foi diminuindo para se transformar simplesmente em nudez em cima de um palco, tornando-se sinónimo de striptease.
A partir dos anos 90, o renascimento do Burlesque, conhecido como Neo ou New Burlesque, inspirou-se nestes dois períodos, partindo do elemento striptease e reintroduzindo teatro, coreografias, glamour, humor, sátira e uns salpicos de desordem.

MIMI LE MEAUX
A californiana Mimi Le Meaux é uma das fundadoras da dupla Dis Dress, um projecto na origem do renascimento do Burlesque em meados dos anos 90. Descendente directo dos grandes números de striptease dos anos 50, o seu trabalho tem uma ligação muito forte com a música garage e punk-rock (ela chegou a actuar com os The Damned) e com a qualidade estética visível em filmes de culto ou série B. Como Ben Vaughn canta, “When she shake her moneymaker / you better call the undertaker / She’s like a good bad dream / She’s a real scream”.

KITTEN ON THE KEYS
Kitten canta. Kitten faz piadas. Kitten sorri de forma afectada. Kitten toca piano, ukulele e acordeão. Kitten agita as suas penas e depois rasga-as. Kitten põe de pé um óptimo espectáculo. Kitten dá a conhecer cada um dos seus múltiplos talentos. Kitten on the Keys lidera, vivamente, o Cabaret como mestre-de-cerimónias, abrilhantado com canções como “Hole in my Head”, “Kitty Muffins” e “My Girl’s Pussy” onde inúmeras insinuações estão longe de ser… insinuadas.

DIRTY MARTINI
Dirty Martini, Miss Exotic World em 2004, é uma das mais conhecidas e amadas artistas do New Burlesque. Não há aqui qualquer vaidade na palavra artista. A sua magistral interpretação de coreografias clássicas de Burlesque (balloon pop striptease, leque oriental ou a dança dos sete véus) é abrilhantada duplamente pela sua incrível elegância. O seu número em que encarna uma figura que se liberta das suas roupas e vai descobrindo cada vez mais dólares escondidos é hilariante e pungente. Imprescindível.


JULIE ATLAS MUZ
As actuações de Julie Atlas Muz estão na fronteira entre o Burlesque e a dança contemporânea, um espaço inventado que transporta as preocupações da Arte para o burlesco e os apelos e tormentos da carne para a Arte. Os seus trabalhos vão desde uma sereia num aquário gigante até ao Ballet (“I am the Moon and You Are the Man on Me”) e até aparições televisivas. Julie Atlas Muz é, ao mesmo tempo, a Miss Exotic World 2006 e artista convidada das bienais de Valença e Whitney. Infame na sua Nova Iorque natal e por vezes odiada pela imprensa, o seu trabalho é “Divertido. Perturbador. Magnífico. Medonho.” de acordo com a Village Voice.

EVIE LOVELLE
Cara de anjo e corpo diabólico, Evie Lovelle parece acabada de sair de um film noir da década de 40 ou 50. Rita Hayworth em “Gilda”? Jane Greer em “O Arrependido”? Jean Peters em “Mãos Perigosas”? A quintessência da mulher maldosa com menos roupa e mais leques de penas. Evie ganhou o prémio Miss Most Classic no Burlesque Hall of Fame em 2008, pelo primeiro espectáculo em cima de um palco.

ROKY ROULETTE
O Cabaret New Burlesque também é para raparigas. Roky Roulette é a única pessoa no mundo que faz striptease em cima de um cavalo de pau. O sempre saltitante Roky acaba completamente despido e desenfreado em frente a uma multidão enlouquecida. A sua impressionante performance física é um dos motivos mas, para muitos, a sua incrível energia e entusiasmo são completamente contagiosos.



Título original: Tournée
Realização: Mathieu Amalric
Argumento: Mathieu Amalric, Phillipe Di Folco, Marcelo Novais Teles, Raphaële Valbrune
Fotografia: Christophe Beaucarne
Som: Olivier Mauvezin
Montagem: Annette Dutertre
Interpretação: Mimi Le Meaux – Miranda Colclausure, Kitten on the Keys – Suzanne Ramsey,
Dirty Martini – Linda Marraccini, Julie Atlas Mutz – Julie Ann Muz,
Evie Lovelle – Angela de Lorenzo, Roky Roulette – Alexander Craven,
Joachim Zand – Mathieu Amalric, François – Damien Odoul, Ulysse – Ulysse Klotz
Cenários: Stéphane Taillasson
Origem: França
Ano: 2010
Duração: 111’
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Reservas até às 17h do dia da sessão: ccf@cineclubefaro.com (levantar até às 21h45)
Comprar para qualquer sessão (na sede ou nas sessões – bilheteira abre às 21h30)
Abertura das portas do recinto: 21h45