"Eu sou um homem do século XX. Em 2020 já não estarei cá, já ninguém se lembrará de mim. Assim com já ninguém se lembra da Ava Gardner ou do Clark Gable. Tiveram a sua época e foram magníficos. Também eu fiz tudo o que de mais espectacular se fez no teatro em Portugal daquela época. O que se fazia naqueles tempos com os escassos meios técnicos era espantoso.
Hoje em dia, tudo é substituído por um computador que acende a luz onde se quer, por exemplo. Eu já não pertenço à actualidade. Nem me quero actualizar."
Lucien Donnat, 14 de Setembro de 2000.
Salvador, Fernando - Lucien Donnat: Um Percurso. Sebentas, ESTC, 2007.
Lucien Donnat no seu atelier no Largo Trindade Coelho, Lisboa, 2002. © Pedro Velez - Público |
CMP* homenageia Lucien Donnat (1920-2013), recentemente desaparecido, publicando os
painéis da Pelaria Pampas, situada na Baixa Lisboeta, no cruzamento da Rua da Conceição com a Rua da Prata.
Embora especialmente notado como cenógrafo e decorador, através da autoria e colaboração em inúmeros projectos no âmbito das artes decorativas, Donnat deu um importante contributo, quer para a azulejaria, quer para a decoração de peças em porcelana.
Placa indicativa do atelier de Lucien Donnat, Largo Trindade Coelho, Lisboa. © CMP |
Lucien Donnat nasceu em Paris, em 1920, cidade a que regressaria dezasseis anos depois, para cursar a Ecole dês Arts Décoratifs, após infância passada em Lisboa.
No final da década de 30, com o advento da Guerra, fixa-se em Portugal, começando, em 1941, a trabalhar no Teatro Nacional D. Maria II.
Assume o cargo de director artístico da Companhia Amélia Rey Colaço Robles Monteiro, fundada em 1921 e dirigida pelos dois actores, sendo responsável pela cenografia, figurinos, algumas das encenações e composições musicais, de muitas das peças levadas à cena pela Companhia, bastas vezes em parceria com outros artistas e decoradores.
No final da década de 30, com o advento da Guerra, fixa-se em Portugal, começando, em 1941, a trabalhar no Teatro Nacional D. Maria II.
Assume o cargo de director artístico da Companhia Amélia Rey Colaço Robles Monteiro, fundada em 1921 e dirigida pelos dois actores, sendo responsável pela cenografia, figurinos, algumas das encenações e composições musicais, de muitas das peças levadas à cena pela Companhia, bastas vezes em parceria com outros artistas e decoradores.
A carreira teatral de Donnat abranda em 1974, com a extinção da Companhia. A escassez de trabalho após o 25 de Abril, obriga-o a viajar para o Brasil, trabalhando em vários países da América do Sul. Nesta fase dedica-se sobretudo a novos projectos de decoração ou à reformulação e manutenção de projectos anteriores de sua autoria, já na década de 80, de regresso a Portugal.
Pelaria Pampas situada no cruzamento da Rua da Conceição, nº65, com a Rua da Prata. © CMP |
Foi autor do projecto decorativo da Pelaria Pampas e, embora os painéis em azulejo das fachadas, estejam identificados com o seu nome, carecem de data, não apresentando também nenhum registo da fábrica onde foram produzidos.
O estabelecimento comercial deve o seu nome à conhecida região da América do Sul, exportadora de peles, estando a decoração, tanto interior, como exterior, claramente subordinada ao tema. Pouco se sabe sobre a encomenda, talvez contemporânea da Relojoaria Cayres (actualmente Relojoaria e Ourivesaria Justus), da autoria dos arquitectos Carlos (1877-1971) e Guilherme
Rebelo de Andrade (1891-1969), com cerâmicas decorativas de Jorge Barradas (1894-1971),
inaugurada em 1946, na Rua do Ouro. Já que, estilisticamente o desenho se identifica indubitavelmente com as características gráficas dominantes na década de
40.
Originalmente o interior era revestido a madeiras escuras, recortadas, em contraste com os estuques brancos, reflectores da luz proveniente das amplas janelas. Sobre a porta, figura um baixo-relevo representado Diana, deusa da caça, numa clara alusão à temática proposta. Actualmente os interiores encontram-se pintados de verde ácido, desfigurando os contornos clássicos previstos no projecto inicial.
Lucient Donat - detalhe da decoração interior da Pelaria Pampas. |
Após a Exposição do Mundo Português em 1940, o S.P.N. (Secretariado de Propaganda Nacional) dá fôlego redobrado à Campanha do Bom Gosto.
No nº1 da "Panorama - Revista Portuguesa de Arte e Turismo", publicação da responsabilidade do S.P.N., explicita-se o que se entende por "bom gosto", clarificando os objectivos da Campanha: "Por bom gosto entende-se, portanto, aqui, determinado estilo, determinada graça, determinado toque de originalidade que faz com que a fachada ou a simples janela de uma casa, a montra de uma loja, um cartaz, o recanto de uma sala de espera, a mesa de um restaurante, etc. nos atraiam discretamente os sentidos e, carinhosamente, os afaguem. A nota justa do conforto e da simpatia é-nos dada assim, pela conjugação harmónica dos elementos plásticos (volumes e cores), em lógica e estrita obediência aos fins a que se destinam."
A Campanha do Bom Gosto promoveu a renovação de montras e fachadas de muitas casas comerciais na Baixa lisboeta (entre as quais provavelmente estará a Pelaria Pampas), a par de várias outras iniciativas relacionadas com a promoção turística. Concretizando, sempre em tom didáctico, as directrizes da "política do espírito".
A Campanha do Bom Gosto promoveu a renovação de montras e fachadas de muitas casas comerciais na Baixa lisboeta (entre as quais provavelmente estará a Pelaria Pampas), a par de várias outras iniciativas relacionadas com a promoção turística. Concretizando, sempre em tom didáctico, as directrizes da "política do espírito".
Pelaria Pampas vista da Rua da Prata. © CMP |
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, Anos 40 (?). © CMP |
O painel de maiores dimensões, situado no silhar da fachada virada para a Rua da Prata, tem por base uma composição simétrica, cujo eixo vertical é encimado pela figura de uma catatua, ladeada por dois cavalos com as patas da frente levantadas, o cenário é composto por vegetação rasteira, estilizada, onde significativamente podemos encontrar cactos, as Opuntias tão características da América do Sul.
Toda a figuração parece evocar a fauna e flora da região das Pampas, ainda que tratada de forma estilizada. As figuras estão envolvidas por faixas ondulantes, potenciando o efeito teatral, segundo o gosto neo-Barroco, tão em voga na época, mas também demonstrando o pendor cenográfico, dominante no trabalho de Donnat.
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painel da Pelaria Pampas, assinatura. © CMP |
Estes painéis foram produzidos pela Fábrica Sant'Anna, passados a azulejo pelo pintor Resende (segundo nos informou um leitor, a quem agradecemos), manufactura onde foram igualmente executados os painéis da Estação do Rossio, também desenhados por Lucien Donnat. Sabe-se que o autor trabalhou ainda com a Fábrica Viúva Lamego, no desenho de lambrilhas e azulejos.
Pelaria Pampas vista da Rua da Conceição. © CMP |
Pelaria Pampas, Rua da Conceição, nº65, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painéis da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Lucien Donnat - painéis da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
O estreito painel situado no silhar da fachada virada para a Rua da Conceição, é mais uma vez composto segundo um eixo vertical de simetria, articulando duas figuras de catatua com elementos vegetalistas e penas, configurando um ondulante friso decorativo.
Lucien Donnat - painéis da Pelaria Pampas, detalhe. © CMP |
Como director artístico, Lucien Donnat foi responsável pela concepção de dezenas de cenários e figurinos, tendo doado muitas das suas maquetas ao Museu Nacional do Teatro.
Deste acervo seleccionámos "Palácio de Teseu em
Atenas", um dos cenários para a peça "Sonho de uma Noite de Verão" de William Shakespeare, levada à cena pela Companhia Rey
Colaço Robles Monteiro, no Teatro Nacional D. Maria II, em 1952.
O desenho, um guache sobre cartão, mostra a sala do palácio, com vista para exterior através
de uma colunata. Os pontos de luz estão distribuídos de forma simétrica, do lado esquerdo duas candeias ladeiam uma porta, do lado direito uma lareira e uma tocha.
O modo como as faixas de tecido ondulam, criando efeitos drapeados, bem como a utilização de certos recursos gráficos, aproximam-no do desenho e dos princípios orientadores do projecto decorativo da Pelaria Pampas.
O modo como as faixas de tecido ondulam, criando efeitos drapeados, bem como a utilização de certos recursos gráficos, aproximam-no do desenho e dos princípios orientadores do projecto decorativo da Pelaria Pampas.
Lucien Donnat - Maqueta de cenário para a peça "Sonho de uma Noite de Verão", 1952. MatrizNet |
Lucient Donat trabalhou ainda em cinema, como director artístico e cenógrafo no filme "Ladrão, Precisa-se!" (1946) de Jorge Brum do Canto (1910-1994).
No entanto, sempre manteve como actividade principal a decoração de interiores, concebendo inúmeros projetos para habitações privadas e hotéis. O Hotel Palácio do Estoril, construído em 1930, foi um dos seu projectos mais relevantes, onde o gosto Art Déco se conjuga com a sobriedade clássica.
No entanto, sempre manteve como actividade principal a decoração de interiores, concebendo inúmeros projetos para habitações privadas e hotéis. O Hotel Palácio do Estoril, construído em 1930, foi um dos seu projectos mais relevantes, onde o gosto Art Déco se conjuga com a sobriedade clássica.
Ainda como decorador esteve ligado aos projectos do Hotel Avenida Palace, Hotel Ritz e Hotel da Lapa, em Lisboa e do Grande Hotel Panorama, em Luanda, entre outros.
A relevância da sua actividade como decorador e cenógrafo propicia-lhe propostas de trabalho muito diversificadas.
Neste contexto foi autor da decoração do serviço produzido pela Vista Alegre, utilizado no banquete oferecido pela Câmara Municipal de Lisboa, à Rainha Isabel II de Inglaterra, pela ocasião da sua visita a Portugal em 1957.
A gramática decorativa clássica, é reveladora das naturais tendências do seu autor, perfeitamente adequadas ao carácter institucional do evento. O modelo, terá sido recuperado de um antigo serviço da Companhia da Índias, combinando elementos decorativos dourados, com cenas de Lisboa quinhentista e frisos em forma de corda, ao gosto Manuelino, a preto e branco.
Neste contexto foi autor da decoração do serviço produzido pela Vista Alegre, utilizado no banquete oferecido pela Câmara Municipal de Lisboa, à Rainha Isabel II de Inglaterra, pela ocasião da sua visita a Portugal em 1957.
A gramática decorativa clássica, é reveladora das naturais tendências do seu autor, perfeitamente adequadas ao carácter institucional do evento. O modelo, terá sido recuperado de um antigo serviço da Companhia da Índias, combinando elementos decorativos dourados, com cenas de Lisboa quinhentista e frisos em forma de corda, ao gosto Manuelino, a preto e branco.
Lucien Donnat - Terrina, Vista Alegre, 1956. Catálogo do IX Leilao VA, 2009. |
Lucien Donnat - desenho para prato, Verbete nº4529, 1956. Catálogo do IX Leilao VA, 2009. |
O desenho concebido em 1956, parece articular-se com o dos serviços oferecidos pela Presidência da República, a quando da visita do Presidente Craveiro Lopes (1894-1964) a Inglaterra, provavelmente também da autoria de Donnat.
A revista Panorama, de Junho de 1956, "publica as fotografias do serviço de almoço e do serviço de chá que o Senhor General Craveiro Lopes ofereceu, respectivamente, à Rainha Isabel e ao Duque de Edimburgo, durante a sua visita à Inglaterra. A Fábrica da Vista Alegre inspirou-se num serviço da antiga Companhia da Índias ao realizar aqueles serviços de almoço e de chá, ambos brancos com decorações a dourado e azul. No serviço de almoço estão gravadas as iniciais de Isabel de Inglaterra e no de chá, as armas do Duque de Edimburgo."
Vista Alegre - imagem dos serviços oferecidos pela Presidência da República Portuguesa à Rainha Isabel de Inglaterra, revista Panorama,1956. © CMP |
Vista Alegre - imagem dos serviços oferecidos pela Presidência da República Portuguesa à Rainha Isabel de Inglaterra e ao Duque de Edimburgo, revista Panorama,1956. © CMP |