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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Algumas peças do Museu da Vista Alegre II



Dando continuidade à publicação anterior: 
Mostra-se agora um conjunto de figuras de animais, todas elas manufacturadas no século XX, entre 1931 e 1974, usando linguagens plásticas diversas, de carácter mais ou menos estilizado.
Afastando-se do registo naturalista, quase todas estas peças assumem gramáticas decorativas modernas que vão do geometrismo Art Déco, dominante no período entre as Guerras, até a uma maior liberdade expressiva desenvolvida após a II Guerra Mundial, percorrendo soluções tão variadas quanto os seus autores.

Nota: As legendas das imagens respeitam a informação contida na legendagem disponibilizada pelo museu. 



Em primeiro plano: Cães "Frazão", 1946, e Cão "Rip", 1935. © CMP



Cinzeiro com rato, 1974. © CMP



Em cima: "Cão pelo de arame", Delfim Maya (escultor), 1942. © CMP



"Cão da moda", 1947. © CMP



Aperta-livros com gatos, João da Silva (escultor), 1933. © CMP



Pintos "Cubista", 1942-1947, e Galo e galinha "Espanhol", 1942-1947. © CMP



Dois pintos "Cubista", 1942-1947. © CMP




Galo e galinha "Espanhol", 1942-1947. © CMP





Quatro patinhos, 1931. © CMP






A vermelho: Cão "Americano", 1939. © CMP



Argolas de guardanapo "Gato Americano" e "Vitela", 1937. © CMP




A azul: Cão "Linear" e cão com laçarote, 1935. © CMP



"Gato Cubista", Vasco Valente (escultura), 1935. © CMP



"Gato Cubista", Vasco Valente (escultura), 1935. © CMP




Três pelicanos "Cubista", 1934. © CMP



Três pelicanos "Cubista", 1934. © CMP




Tinteiro mocho "Tarde Piaste", Vasco Valente (escultura), Ângelo Chuva (pintura), 1933. © CMP




Galo e pássaro "Coutinho", Coutinho (autor), 1932. © CMP




Centro de mesa "Peixe", Armando Andrade (escultura), 1933. © CMP




Peixe "Húngaro", Andor Hubay Cebrian (autor), 1955. © CMP



Girafa e palmeira, Andor Hubay Cebrian (autor), 1954. © CMP




Galinha da Índia, Silvério da Conceição (pintura), 1959. © CMP



Cegonha, António Araújo (escultura), Yoshida (pintura), 1954. © CMP



Poldros, Delfim Maya (escultor), 1947. © CMP




"Pardalada", Joaquim Andrade (escultura), 1957. © CMP




A continuar.



terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Castiçal «Anjo» - Hansi Staël - SECLA

A artista de origem húngara Hansi Staël (1913-1961) iniciou em 1950 a sua colaboração com a SECLA, nas Caldas da Rainha, a convite do sócio maioritário Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990). Fundadora do Estúdio SECLA, foi responsável pela actualização e adequação da produção da fábrica ao contexto internacional.
Chegada a Portugal em 1946, após permanência em Estocolmo durante a Guerra, onde trabalhou em ilustração, design têxtil e de objectos, entre outros para o armazém sueco Svenskt Tenn, Staël, que viajara bastante pelo centro da Europa durante o período entre as Guerras, tinha um espírito cosmopolita e estava a par das mais recentes tendências do design cerâmico internacional.
O seu trabalho revela influências directas da produção tradicional e moderna escandinava mas também da italiana que bem conhecia, sobretudo na pintura manual com uso de tintas de água. Aproxima a pintura cerâmica da técnica da aguarela que muito apreciava, registo onde sentia à-vontade e em que era tecnicamente fluente.
A espontaneidade da pintura a aguarela aliada a uma figuração de clara raiz escandinava, estão na origem das peças que hoje publicamos. O castiçal «Anjo», modelo P. 709, do qual mostramos alguns exemplares, faz parte de um vasto conjunto de peças para a produção corrente, criadas por Staël durante a década de 50, a serem reproduzidas por molde e diferenciadas com detalhes aplicados e pintura manual.



Hansi Staël - Castiçais «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP


Hansi Staël - Castiçais «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP


Hansi Staël - Castiçais «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP


Hansi Staël - Castiçais «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP



Hansi Staël - Castiçais «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP


Durante a década de 30, um pouco por toda a Europa, recuperam-se elementos nacionalistas e regionalistas vindos das tradicionais artes e ofícios que, apropriados pela propaganda ou integrados na produção em série, servem a divulgação da imagem das várias nações em exposições internacionais.
Na Escandinávia está em curso um movimento de renovação do design e das artes decorativas que virá a consolidar-se após a Segunda Guerra como um dos mais influentes a nível mundial.
Hansi Staël, cuja formação artística se fez entre as Academias de Viena e Budapeste, aplica os seus conhecimentos à indústria, tomando opções inéditas em Portugal. Enceta na produção industrial uma relação entre artes e ofícios que dará frutos mesmo após a sua saída definitiva da fábrica em 1959, influenciando outras fábricas da região das Caldas e Alcobaça.



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP


Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, marcas de fábrica. © CMP


Estas peças estão assinadas "F.S.", a sigla do jovem Luís Ferreira da Silva (n.1928), que ingressa na SECLA em 1954. É contratado como pintor, trabalhando directamente com Hansí Staël enquanto encarregado da secção de pintura. Inicialmente as suas funções estavam restritas à reprodução de motivos decorativos criados por outros, em especial Staël, no entanto, a afirmação gradual das suas competências, permite-lhe dedicar-se também à criação de motivos decorativos.
Entretanto, continua a desenvolver actividade como artista plástico e em 1957 concorre à Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, recebendo críticas que lhe garantem alguma visibilidade como escultor. Apesar disso, a sua actividade criativa dentro da unidade fabril continuava bastante limitada o que o leva a interromper temporariamente a colaboração com a SECLA em 1958, regressando mais tarde para fundar o chamado "Curral", onde desenvolverá um importante corpo de trabalho, assistido pelo oleiro rodista Guilherme Barroso.
Assim se justifica a opção pela datação aproximada destas peças em c.1955, sendo certamente posteriores a 1954 e muito provavelmente anteriores as 1957.


Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP


Tal como na cerâmica escandinava e em muitos outros casos na produção europeia desta época, os motivos ornamentais e os padrões decorativos são inspirados nos têxteis e nas rendas e bordados tradicionais.
Neste caso os elementos ornamentais usados são recriados a partir dos bordados de Viana do Castelo.
Como podemos observar, as vestes do anjo são decoradas na zona posterior com uma representação gráfica do bordado a crivo.



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Detalhe de bordado de Viana do Castelo com elementos em crivo.

Linhas ondulantes e espirais, pontuadas por elementos repetitivos em forma de folha ou de lágrima, obedecem a composições centralizadas, sempre organizadas segundo um eixo de simetria. A paleta de cores primárias e secundárias é combinada com o branco e o preto.


Algibeira, primeira metade do Séc. XX, MAP e Colete feminino, 1938,  Museu N. Traje.


Na zona frontal das vestes aparecem representados dois corações lado a lado contendo a palavra "AMOR", elemento comum nos bordados ornamentais dos chamados Lenços de Amor, típicos das tradições folclóricas do Alto Minho.



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP


Lenço de Amor, Viana do Castelo, Séc. XX, Museu de Arte Popular.



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, marcas de fábrica. © CMP



O exemplar abaixo, de pendor menos regionalista, apresenta uma decoração sintética e abstracta com uma paleta de cores reduzida, representando uma figura de cabelos louros, sem dúvida de aparência nórdica. 
O carácter internacionalista destas peças justifica-se pelas características dos mercados, já que a sua maioria se destinava a exportação.



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, c.1955. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP



Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, detalhe. © CMP


Hansi Staël - Castiçal «Anjo», pintura de Ferreira da Silva, SECLA, marcas de fábrica. © CMP



No antigo museu da SECLA, situado numa dependência contígua à loja da fábrica, figuravam dois modelos P. 709, na imagem com a numeração 103 e 104. Segundo as informações que constavam nas respectivas legendas, são ambos modelados em pasta branca, com pintura a tintas de água. O 103 está assinado Staël e o 104 está assinado H.E. (Herculano Elias) com Staël e deverá ser datado da segunda metade da década de 50.


Hansi Staël - Castiçais modelo P. 709, antigo museu da SECLA. © CMP


Herculano Elias (n.1932), descendente de uma importante linhagem de ceramistas das Caldas da Rainha, ingressou como aprendiz na unidade fabril que viria a dar origem à SECLA logo na sua fundação, em 1945,  ainda sob a designação Fábrica de Cerâmica Mestre Francisco Elias, adoptada em homenagem ao seu tio-avô, criador da tradição caldense de miniaturas em barro.
A actividade de Herculano Elias na SECLA sofre um interregno entre 1947 e 1955, para formação como miniaturista e conclusão do curso de modelador cerâmico na Escola Industrial e Comercial Rafael Bordalo Pinheiro, entre outras actividades. De regresso à fábrica, colaborará directamente com Hansi Staël na modelação de vários murais, iniciando produção de cerâmica de autor em 1957. Mais tarde, em 1970, será o criador do gabinete de desenho e modelação para a execução de modelos de peças para exportação, sendo autor de muitos dos conhecidos padrões relevados que caracterizam a produção da SECLA na década de 70.
Abaixo podemos ver uma variação decorativa do exemplar assinado por Herculano Elias, apenas marcada "F.", inicial do pintor, cuja identidade desconhecemos.


Hansi Staël - Castiçal «Anjo», SECLA, c.1955. © Cristina Martins/Memórias da Secla


Hansi Staël - Castiçal «Anjo», SECLA, marcas de fábrica. © Cristina Martins/Memórias da Secla


Num catálogo de fábrica, da década de 50, o modelo P. 709 aparece descrito como Castiçal «Anjo» com altura aproximada de 16,5 cm .


Castiçal «Anjo», modelo P.709, imagem retirada de uma cópia de um catálogo de fábrica, Anos 50.



Este modelo, como pode verificar-se nas imagens abaixo, poderia incluir uma base de formato anelar que funcionaria como floreira.
A peça está assinada pela autora, como habitualmente acontece com os modelos.
Peças reproduzidas em série a partir dos modelos, poderão aparecer marcadas com a sigla do respectivo pintor seguida de "c/Staël", no entanto é também vulgar encontrarem-se outro tipo de marcações, como se comprova nos exemplares aqui publicados.



Hansi Staël - Castiçal modelo P. 709, "Modelo". © José Sequeira.



Hansi Staël - Castiçal modelo P. 709, "Modelo", assinatura. © José Sequeira.


Staël criou para a SECLA vários modelos de castiçais antropomórficos, representando figuras de anjo e outras. Como já referimos este tipo de castiçais é comum na produção tradicional escandinava, tendo sido igualmente recuperado por vários ceramistas nórdicos e adaptado a uma linguagem moderna.
Seguidamente mostramos alguns exemplos de origem dinamarquesa, da autoria de Bjørn Wiinblad (1918-2006), Lars Syberg (1903-1974) e da fábrica Hjorth.




Bjørn Wiinblad - castiçal em forma de anjo, 1988. Etsy


Bjørn Wiinblad é um reconhecido designer, ilustrador e ceramista dinamarquês. A sua produção é marcada por uma figuração bem humorada, plena de detalhes inspirados nos antigos elementos ornamentais de tradição escandinava. 
As figuras criadas por Wiinblad, ostentam habitualmente trajes de fim de século com decorações rebuscadas, muitas vezes compostas por elementos vegetalistas de registo complexo, aproximando-se do psicadelismo.
Para além das peças criadas em atelier próprio, Wiinblad desenhou peças para a fábrica dinamarquesa Nymolle e posteriormente celebrizou-se como designer para a fábrica de porcelana Rosenthal, concebendo inúmeras peças para a Studio-Linie, a linha de desenho de autor desta marca.



Bjørn Wiinblad - castiçal antropomórfico, 1977. Etsy


A fábrica de cerâmica Hjorth foi fundada em 1859 por Lauritz Adolph Hjort (1834-1912), em Ronne, a maior cidade da ilha de Bornholm, no Mar Baltico.
Inicialmente Lauritz Hjorth dedicou-se à criação de peças utilitárias, como jarros para água ou leite e a partir de 1862, centra-se na produção de objectos decorativos, jarras e figuras, recuperando a gramática ornamental da velha tradição escandinava. Esta produção foi abundantemente apresentada nas Exposições Mundiais, tornando-se bastante conhecida e comercializada internacionalmente.



Fábrica de cerâmica Hjorth - Par de castiçais em forma de anjo. Jamerantik



O dinamarquês Lars Syberg descende de uma família de ceramistas responsável pela modernização dos objectos de produção artesanal tradicional, adaptando-os ao quotidiano.
Concebeu inúmeros castiçais antropomórficos com pequenas variações entre si, aproximando a produção artesanal da produção em série.



Lars Syberg - castiçal antropomórfico. Etsy



CMP* agradece a todos os que durante o ano de 2013 participaram e colaboraram neste projecto de investigação e divulgação, desejando a todos um excelente 2014, repleto de novas descobertas.

Um agradecimento especial ao coleccionador José Sequeira, pela cedência de imagens de peças das suas colecções, à coleccionadora Cristina Martins, autora da página Memórias da Secla, à escultora e designer Marta Lucas e ao Pelouro da Cultura da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, em especial ao Director do Centro de Artes, José Antunes, pela disponibilidade e colaboração, sem as quais não seria possível a corrente publicação.