sábado, 29 de dezembro de 2012

Cão - Fábrica de Loiça de Sacavém

Pequeno cão salsicha produzido pela Fábrica de Loiça de Sacavém.
Este adereço aproveita a forma alongada da raça Teckel, muito explorada em cartoons pelo seu aspecto divertido, adaptando-a perfeitamente à função de suporte para talheres - um objecto alongado e baixo, tal como o cão, medindo cerca de 12,3 cm de comprimento. 



Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, c.1935 a 45. © CMP



Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, c.1935 a 45. © CMP



Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, detalhe. © CMP


Este simpático cão de olhos arredondados e expressivos, é na verdade, baseado numa linha de objectos semelhantes, produzidos pela fábrica alemã Goebel.


Goebel e Fábrica de Loiça de Sacavém - suportes para talheres. © CMP


A Goebel produziu inúmeros objectos decorativos e utilitários onde utilizou figuras de animais, incluindo cães de várias raças. Por exemplo as figuras de Terriers são comuns nas peças de desenho Art Déco, já que as formas rectilíneas, típicas da raça, se adequam perfeitamente a esta gramática decorativa. 
Explorando aspectos mais humorísticos, desenvolveu também uma linha de pequenos objectos em forma de Teckel, raça de cães de origem alemã, também chamada Dachshund, cujo corpo comprido e os olhos grandes, podem ser facilmente usados de forma expressiva.



Cão da raça Dachshund ou Teckel.



Fábrica de Loiça de Sacavém e Goebel - suportes para talheres. © CMP



Fábrica de Loiça de Sacavém e Goebel - suportes para talheres. © CMP



O modelo da Goebel, que serviu obviamente de base ao produzido por Sacavém, mede 12,5 cm de comprimento. É aqui mostrado em amarelo, tendo sido também produzido em vermelho, a cor é aplicada a aerógrafo sobre faiança.



Goebel - suporte para talheres, 1935 a 1949. © CMP



Goebel - suporte para talheres, 1935 a 1949. © CMP



Goebel - suporte para talheres, marca de fábrica, 1935 a 1949. © CMP


Exibe a marca de fábrica usada de 1935 a 1949, seguida da numeração do modelo, difícil de descodificar neste exemplar.



Goebel - suporte para talheres, detalhe. © CMP



Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, detalhe. © CMP


No modelo da Goebel, os olhos esbugalhados e estrábicos, sublinhados por uma leve torção da cabeça, potenciam o efeito humorístico. Já na peça de Sacavém esse efeito é atenuado, pela rigidez da cabeça e pela expressão dos olhos. Também o revestimento é completamente diferente, é usado um vidrado lustroso e manchado, em tonalidades de verde e cinzento, em vez das cores planas e primárias típicas das peças da Goebel.
O mesmo tipo de vidrado pode ser encontrado noutras peças da FLS, como se verifica na jarra abaixo reproduzida, com datação c.1910-1920, segundo Moderna uma outra nem tanto.



Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, detalhe. © CMP



Fábrica de Loiça de Sacavém - Jarra solitário. © AM-JMV


Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, detalhe. © CMP 


Segundo Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém, a marca de fábrica, mostrada abaixo, terá sido aplicada após 1930, o que é consistente com a datação da marca da Goebel. Assim sendo, a provável datação da peça será entre 1935 e 1945.



Fábrica de Loiça de Sacavém - suporte para talheres, marca de fábrica. © CMP



Da mesma linha a Goebel produziu ainda outros objectos, cerra-livros ou pequenos frascos para perfume, como os que podemos ver abaixo.
O modelo XF160, esmaltado a aerógrafo em vermelho ou amarelo, mede 7,6 cm de altura e possui o encaixe no gargalo e a tampa em metal.




Goebel - frasco para perfume, detalhe. eBay



Goebel - frasco para perfume, 1935 a 1949. eBay



Goebel - frasco para perfume, 1935 a 1949. eBay



Goebel - frasco para perfume, marca de fábrica, 1935 a 1949. eBay



Goebel - frasco para perfume, 1935 a 1949. eBay



Goebel - frasco para perfume, marca de fábrica, 1935 a 1949. eBay



CMP* agradece as informações obtidas em todos os blogues dedicados à investigação e divulgação da cerâmica portuguesa, aproveitando para desejar um excelente ano de 2013 a todos os seus autores.



terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Anjos - Sociedade de Porcelanas de Coimbra



Em sintonia com o calendário, publicamos um conjunto anjos produzido na década de 60, pela Sociedade de Porcelanas de Coimbra.



Coimbra S.P. - Anjos, Anos 60. © CMP


Coimbra S.P. - Anjos, Anos 60. © CMP


Estes pequenos anjos são modelados em biscuit branco, medem 8,5 cm de altura e exibem expressões divertidas e optimistas, típicas da ilustração infantil da mesma época.



Coimbra S.P. - Anjo, detalhe. © CMP


O desenho destas figuras traquinas, denuncia com clareza os tempos em que foi concebido. Nas décadas de 60 e 70 a ilustração infantil é dominada por personagens de rosto redondo e bolachudo, com grandes olhos e expressões patuscas. 
A título de exemplo citamos alguns ilustradores de diferentes nacionalidades: Alain Grée, em França, autor de inúmeros livros e jogos infantis; Fallarda, em Itália, de quem são particularmente conhecidas edições de cartões postais e Betsey Clark, ilustradora americana que trabalhou para a Hallmark a partir de 1962, obtendo enorme sucesso nos Anos 60 e 70.


Alain Grée - ilustração, Pilou e a raposa Capucine, Anos 60. AlainGree


Fallarda - cartão postal, Anos 60 a 70.


Betsey Clark - cartão postal, Hallmark. Anos 60 a 70.

Embora se desconheça o autor dos pequenos anjos produzidos pela Coimbra S.P., eles poderiam perfeitamente provir do universo das histórias infantis, como aconteceu com as personagens criadas por Betsey Clark, que foram produzidas pela fábrica alemã Goebel, a partir início dos Anos 70. 
Este procedimento era já tradicional, dando origem a linhas dedicadas a crianças, hoje bastante coleccionadas por adultos. Como é o caso dos Boo Boos, criados pela ilustradora britânica Mabel Lucy Attwell (1879-1964) e reproduzidos pela Shelley Pottery, a partir de 1926; ou as figuras desenhadas pela freira bávara Maria Innocentia Hummel (1909-1946), reproduzidas nos Anos 30, com enorme sucesso, pela Goebel.
O conjunto completo de anjinhos é composto por cinco figuras, das quais mostramos apenas três: anjo a rezar, a tocar bandolim e anjo castiçal. Faltam um segundo anjo castiçal, de formato simétrico ao que podemos ver abaixo e um outro a tocar flauta, para completar o quinteto.


Coimbra S.P. - Anjo a rezar. © CMP


Coimbra S.P. - Anjo a rezar, marca de fábrica. © CMP



Coimbra S.P. - Anjo a tocar bandolim. © CMP


Coimbra S.P. - Anjo a tocar bandolim, marca de fábrica. © CMP



Coimbra S.P. - Anjo castiçal. © CMP


Coimbra S.P. - Anjo castiçal, marca de fábrica. © CMP


A marca Coimbra S.P. vem confirmar a datação, já que esta marcação terá sido usada até finais da década de 60.
Propriedade da Fábrica de Porcelana da Vista Alegre desde o pós-Guerra, a Sociedade de Porcelanas de Coimbra, definitivamente extinta em 2005, deixou um espólio cujos moldes têm servido de base a algumas reedições.



Vista Alegre - trabalho de retoque após a modelação. VA


Recentemente a Vista Alegre voltou a produzir estas peças, sob a apropriada designação Anjos Marotos. Abaixo podemos ver a linha completa em biscuit, seguida da mesma linha na sua versão esmaltada e colorida.



Vista Alegre - Anjos Marotos castiçais, reedição. VA


Vista Alegre - Anjos Marotos a tocar bandolim e flauta, reedição. VA


Vista Alegre - Anjo Maroto a rezar, reedição. VA


Na versão colorida, os Anjos Marotos parecem não resultar com a mesma eficiência expressiva dos originais em biscuit.
Para além da perda da fisionomia, com o característico piscar do olho, a cor é um factor de distracção, imprimindo um registo kitsch, ausente nos primeiros.



Vista Alegre - Anjos Marotos castiçais, reedição. VA



Vista Alegre - Anjos Marotos a tocar bandolim e flauta, reedição. VA


Vista Alegre - Anjo Maroto a rezar, reedição. VA




Concluímos com imagens recentes da montra de Natal da loja da Vista Alegre, no Largo do Chiado, em Lisboa, onde se podem ver várias peças resultantes de reedições, entre elas os Anjos Marotos, na prateleira de baixo.




Vista Alegre - vista parcial da montra da loja do Lg. do Chiado, Lisboa, 2012. © CMP



Vista Alegre - detalhe da montra da loja do Lg. do Chiado, Lisboa, 2012. © CMP


CMP* faz votos de um excelente 2013, aproveitando para agradecer em especial a todos os que nos lêem, connosco têm colaborado e partilhado informações.



quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Daily Life" - Cruzeiro Seixas

O Surrealismo, fundado por André Breton (1896-1966) em 1924, constitui-se como um espaço laboratorial para a criação de objectos intrigantes, explorando as vivências do quotidiano na sua dimensão absurda ou evocando os mistérios do subconsciente, através de um lirismo onírico.
Os objectos surrealistas, descendentes directos dos ready-mades de Marcel Duchamp (1882-1968) e das assemblagens Dada, combinam elementos aparentemente estranhos entre si, suscitando leituras múltiplas, muitas vezes metafóricas. Organizam-se em diversas tipologias, por exemplo: o Objet Trouvé, vindo da tradição das colagens Cubistas, que, como o nome indica, consiste na manipulação de objectos encontrados; ou o Poème-Objet, construção inventada por Breton, agregando vários objectos ou fragmentos, combinados com a escrita.
Embora este movimento artístico se tenha manifestado em território nacional, pela primeira vez, em 1940, só mais tarde Artur do Cruzeiro Seixas (n.1920) se assumirá como uma das suas figuras de referência, sendo responsável pela criação de alguns dos objectos mais significantes, no contexto do Surrealismo em Portugal. A sua obra estende-se ao desenho, pintura e poesia, mas é através dos objectos que melhor concretiza uma surpreendente capacidade de síntese.
Integrará o colectivo "Os Surrealistas", liderado por Mário Cesariny de Vasconcelos (1923-2006), dissidente do Grupo Surrealista de Lisboa, após cisão ocorrida em 1949. Seguidamente viaja para Angola onde vive durante vários anos. Expõe em Luanda, em 1953 e 1957, regressando a Lisboa em 1964.
Desses anos é originário "Daily Life", objecto actualmente pertencente à colecção da Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão, entidade que alberga um vasto espólio dedicado ao Surrealismo em Portugal e onde foi criado, em 1999, o CES - Centro de Estudos do Surrealismo.
Esta peça pode ser vista, até 17 de Março de 2013, na mostra RISO: Uma Exposição a Sério, na Fundação EDP - Museu da Electricidade, em Lisboa.
"Daily Life" pode considerar-se um objet trouvé, uma chávena de chá, manipulada pelo artista, cuja asa foi transferida do exterior para o interior, de modo a pôr em causa os seus atributos funcionais, mas sobretudo a possibilitar novas leituras associadas a práticas e comportamentos do quotidiano.



Cruzeiro Seixas - Daily Life, 1954. FCM



Cruzeiro Seixas - Daily Life, 1954. FCM



Cruzeiro Seixas - Daily Life, 1954. FCM


A chávena mede 7 cm de altura por 15 cm de diâmetro, na totalidade, sendo mostrada sobre um suporte de madeira coberto por uma redoma de vidro, ambos parte da construção original, datada de 1954. Tanto o objecto como o suporte estão assinados, como se pode verificar na imagem acima.



Cruzeiro Seixas - assinatura.



Cruzeiro Seixas - Daily Life, 1954. FCM



Cruzeiro Seixas - Daily Life, 1954. FCM


Uma outra versão do mesmo objecto, foi produzida em 2005, com o título “Chávena com asa por dentro, como todos nós”, numa edição limitada, exclusiva para os sócios do Clube de Coleccionadores da Vista Alegre
Esta edição reproduz um original datado de 1967, de uma chávena em porcelana da Vista Alegre, Modelo L, decorada com pequenas rosas pintadas à mão, a que foi alterado o posicionamento da asa, tal como no original.
Mostrada como um objecto precioso, a chávena de Cruzeiro Seixas, eleva-se a esse estatuto através da manipulação levada a cabo pelo artista. A louça usada diariamente, ou em  rituais sociais como o chá, incorpora uma dimensão humana associada e este uso, convocando as relações entre intimidade e memória. 
Os comuns objectos do quotidiano adquirem pelo do uso, qualidades humanas que os objectos preciosos ou raros nunca chegam a ter. Neste sentido, a subversão de objectos por todos conhecidos e por todos usados questiona as acções quotidianas, pondo em causa valores dados como adquiridos. 
Os objectos personificam-se, ensaiam gestos de timidez, abandonam as suas funções, dando lugar ao absurdo. Como acontece no "Bule", peça posterior, que podemos ver mais abaixo, falamos de objectos introvertidos, como pessoas.



Cruzeiro Seixas - Chávena com a asa por dentro, como todos nós, 2005. VA



Cruzeiro Seixas - Chávena com a asa por dentro, como todos nós, 2005. VA



Sobre a “Chávena com a asa por dentro...” diz Cruzeiro Seixas, em 2006, em Agulha - Revista de Cultura:
"É vastíssima a bibliografia do Surrealismo, mas nos anos em que me aconteceram os primeiros Objectos, era pouquíssimo o que me tinha chegado às mãos. Nos anos 40, o nosso grande mérito, foi o de reinventar por conta própria Dada. Picasso e os seus Papiers Collés, os Readymade de Duchamp, os Merz de Schwitters, são no entanto de 1912! Os primeiros Cadavres-exquis são de 1925. E a primeira exposição de Objectos realizou-se em Paris (que então era o centro do mundo), em 1936. Nada disto chegava a Portugal, e felizmente (ou infelizmente?) coisas destas são ainda hoje da maior actualidade.
Em qualquer dicionário se encontrarão definições do Objecto Surrealista. Lichtenberg, em 1798 deixou-nos um curioso inventário de uma colecção de Objectos Absurdos, em que figura uma dupla colher para alimentar crianças gémeas!
Como resistir a encontros como este? Trata-se de verdadeiros “coup de foudre”. É o inusitado, mas principalmente o sentido poético.
Considero os Objectos que realizei como sendo o melhor da minha obra; produzi centenas de desenhos e pinturas, mas apenas guardo comigo avaramente os Objectos, o que mostra a profundidade a que se encontram no mar da minha alma.
Mário Cesariny tem um verso que considero muito belo, de que ele próprio numa entrevista disse ignorar o sentido; Ama como a estrada começa. O mesmo direi do meu Objecto de 1951, “L’Opresseur”, que junta um cubo branco, uma esfera preta, uma velha torneira, uma pluma, e que no entanto figura num dicionário (“Fernand Hazan Éditeur”, 1973), pela mão de um dos próximos colaboradores de André Breton, o Jose Pierre, que de certa forma renovou a crítica pictural, publicando textos nas revistas surrealistas “La bréche”, “Le surréalisme même”, “L’Archibras”; etc., etc.



Cruzeiro Seixas - "L'Opresseur", 1951. FCM


No Objecto está sempre presente “L’amour fou” com os encontros mais inesperados. Que sabemos nós de um búzio exposto lado a lado com uma chave fora de uso na Feira da Ladra? O Conde de Lautréamont refere, genialmente, o encontro sobre uma mesa de anatomia de uma máquina de costura com um chapéu-de-chuva.
Por certo um excesso de liberdade foi posto nas mãos dos homens, pois parece que, muito mal dela sabemos ainda hoje fazer uso…
O Objecto pode testemunhar de um encontro sublime, mas também pode contrariar a função de um produto industrial, como fez Man Ray no seu “Cadeau”, um ferro de passar roupa, em que a parte que deve deslizar sobre os tecidos está cravejada de pregos.




Man Ray (1890-1976) - "Cadeau", 1921.



Quando em 1967 percorri algumas cerâmicas propondo a realização desta Chávena, a recepção era a mais hostil, como se lhes estivesse a propor a obscenidade das obscenidades.
Não quero deixar de lembrar que, tendo enviado ao Areal uma fotografia desta Chávena, ele sobre essa fotografia pintou, em 1971, um líquido tinto de sangue, de onde lutam para se evadir dois terríveis personagens.




António Areal (1934-1978) - desenho sobre fotografia de Cruzeiro Seixas, 1971.



Somos obrigados a reconhecer que as palavras não são suficientes para DIZER o homem. E a sua insuficiência tem-se tornado dramática; resta-nos a poesia, a revolta, a blasfémia, a liberdade interior!
Embora seja enormíssima a parte de humor expressa no Objecto Surrealista, será prudente que ninguém se deixe ficar apenas por aí. Essa é por certo uma das armadilhas que nos põe esta superior forma de comunicação. De facto o Objecto Surrealista está sempre pleno de humor negro, e foi dentro desse espírito que pus a circular a seguinte frase: Chávena com a asa por dentro, como a maioria de nós…"


A ideia de introversão já ensaiada em "Daily Life", é retomada em "Bule", abaixo reproduzido. Mais uma vez a funcionalidade é destruída, o bico, elemento definidor da identidade do objecto, remete-se ao seu interior, espreitando através de um orifício na tampa, qual periscópio de submarino. Ensaia-se novamente um gesto de timidez, dando lugar à introversão.
Ambos, bule e chávena,  poderiam integrar o universo de Lewis Carroll (1832-1898), recusando-se a servir a Hatter o famoso chá, a que foi eternamente condenado. Carroll, bastas vezes referenciado como percursor do surrealismo, não previu, no entanto, esta recusa...
Claramente, num jogo de géneros, a chávena assume o papel feminino, feita de delicada porcelana, ornamentada com motivos florais; enquanto ao bule, quer pela configuração, quer pela rudeza dos materiais, cabe obviamente o papel masculino.

Esta peça, cuja concepção data de 1957, é produzida pela Fábrica de Loiça de Sacavém, em 1970, numa edição de trinta exemplares.
O bule manipulado é em faiança, mede cerca de 11 cm de altura, sendo esmaltado a aerógrafo, a creme e ocre, à semelhança de outras peças produzidas por Sacavém na mesma época.



Cruzeiro Seixas - "Bule", Fábrica de Loiça de Sacavém, 1957-1970. CML


A propósito dos objectos de Cruzeiro Seixas citamos Méret Oppenheim (1913-1985), uma das surrealistas que melhor equacionou a dimensão doméstica e os procedimentos sociais tradicionalmente associados ao universo feminino.
Os seus objectos questionam o papel da mulher e o modo como o género feminino é percepcionado pelo género oposto, temática particularmente pertinente no contexto surrealista. Experimentado directamente pela artista, já que se moveu no seio do grupo surrealista de Paris, tendo sido modelo de diversas fotos de Man Ray.
Dois dos seus mais famosos objectos datam de 1936, o primeiro Object (Le Déjeuner en fourrure), consiste numa chávena forrada com pele de gazela  e o segundo Ma gouvernante, My Nurse, mein Kindermädchen, é composto por um par de sapatos de salto alto, amarrados, depostos sobre uma travessa metálica.



Méret Oppenheim - "Object (Le Déjeuner en fourrure)", 1936. MoMA


A obra de Oppenheim encerra uma evidente dimensão erótica, comum aos objectos de Cruzeiro Seixas. A evocação de uma pretensa domesticidade, onde o domínio privado é tornado público, como numa denúncia.
A oposição e complementaridade entre os olhares feminino e masculino, fica assim enunciada nas escolhas dos dois artistas.

Méret Oppenheim - "Ma gouvernante, My Nurse, mein Kindermädchen", 1936.