Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades AvançadasQuerida Lola:
Faz hoje quatro anos que a infinita vaidade, a menoridade intelectual e a crueldade do Sr. Sócrates se apossaram do nosso País. O meu marido, que tem uma caçadeira de canos cerrados, sempre que o vigarista aparece na televisão, vai buscar a arma, e começa aos gritos, "eu vou lá, e estoiro já com os miolos àquele gajo!..." É uma coisa horrível, sou eu, mais a minha mãe, que sofre imenso das varizes, e a minha filha, que tem Síndroma de Down, a segurá-lo, para ele não sair porta fora e cometer uma desgraça. Eu sou uma pobre de cristo, minha amiga, e tenho medo de um dia não o conseguir segurar e o meu Ermano dar mesmo cabo do caneco ao Sr. Sócrates... Que acha que eu faça?...
(Silvina da Assunção, Olivais Sul, Lisboa)
Querida Silvina:
Compreendo a sua aflição. Quantas esposas, irmãs, mães e filhas deste país não estarão, presentemente, a viver uma angústia como a sua... É certo que o Sr. Sócrates lá conseguiu criar 150 000 novos desempregados, e mais continuará, se Deus, aliás, Jehova, e a rica mãezinha dele assim deixarem. Querida, a Crise é uma coisa horrível, que bate à porta de todos os que labutam. Eu, por exemplo, antes do Cherne e desses trapaceiros todos que depois lhe sucederam, tinha avenças, tinha árbitros que vinham, de propósito, de Avintes, de Famalicão, de Vila da Feira, de Braga, para fazerem o serviço comigo. Chegava a casa com os silicones todos derreados, mas a carteira cheia, punha uns trocos no BPN e o resto no BPP, como toda a gente de bem deste país. Agora, filha... chegam com um ar envergonhado, ao pé de mim, e eu até parece que já adivinho a conversa, primeiro que estão só de passagem, mas isso faz parte do ritual, no dia em que me disserem que uma traveca não foi abordada por só ser de passagem, ou só "ser a primeira vez", enfim, é sinal de que o José Eduardo dos Santos vai preso, ou o Pinto da Costa a julgamento, e... pois, a conversa, agora é se podem pagar... parcelado, como no Brasil, em três, ou seis vezes, sem juros... Eu, cheques, deus me perdoe, nunca mais aceitei, era o que faltava, sempre sem cobertura, e eu ter de ir depois, de soutien, fazer escândalos nos balcões do Millennium-BCP, antes das 15 horas, a essas horas ainda estou a roncar das noitadas de esquina, eles que abram os bancos à noite, mas adiante, a verdade é que acabo por aceitar que me paguem às prestações, penso sempre, homem sem dinheiro vai-me dar uma valente foda, que os pobres sempre foderam melhor do que os ricos, sei lá, pelo menos, era assim, antes do aquecimento global, mas a desilusão é sempre a mesma, quando eu aceito as três vezes sem juros, e já estou a rebolar as nádegas, eles jogam-se-me ao caralho, e ajoelham, com uma sofreguidão, como se tivessem acabado de sair de um "lay-off"... Olhe, querida, estou enjoada disso, não andei a encher os peitos de silicone e injeções de Eau de Vichy para agora acabar nesta miséria, com pais de família arruinados a mamarem-me nas pontas das peles, não foi para isto que eu mudei de sexo, e qualquer mudança que venha será muito bem vinda. Quanto ao seu Ermano, olhe, ele que se poupe, e a senhora que o proteja, porque, nesta fase do campeonato sempre é seguro manter um marido, para, quando a Crise apertar, mais se lhe poder dar o cházinho da meia-noite e ficar com a reforma. Conserve-o, que, quando vier a segunda maioria absoluta, não vão passar muitos meses até que alguém agarre na caçadeira de canos cerrados e cumpra o sonho do seu esposo... O meu caso é mais grave: pelo andar da coisa, acho que devia haver uma Segurança Social que tomasse conta destes casos críticos que noturnamente me vêm bater à porta. Quando oiço dizer, todos os dias, na televisão, que há bichas de 100 metros à porta dos Centros de Desemprego, acho que a coisa ainda está na fase de ensaio. Pelo que eu vejo, com a degradação da minha clientela, quando isto bater a sério, na segunda maioria absoluta, vamos mas é ter 96 000 km2 de... bichas, neste país. Vai ser um sufoco, filha. Possivelmente, até vou ter de aderir à Zoofilia, nem que seja com um caralho de burro decente...