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sexta-feira, 17 de maio de 2013

Adriano Nunes: "Ilha das Flores" - crítica


Adriano Nunes: "Ilha das Flores" - crítica



Em 1989, Jorge Furtado escreveu e dirigiu um dos mais instigantes documentários, o curta-metragem "Ilha das Flores" (http://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28&feature=youtube_gdata_player). Sucesso de crítica e público em todos os lugares em que foi exibido, esse pequeno grande filme venceu importantes prêmios nacionais e internacionais.



Com uma linguagem predominantemente metalinguística, o filme narra fatos cotidianos e históricos, com um viés irônico e educativo, para demonstrar categorias de valores sociais e, ao mesmo tempo, fazer uma crítica ao sistema de mercado e câmbio capitalista. Mas é insustentável querer reduzi-lo a matizes apenas econômicos.

Impregnado de sequências de definições (repetidas, como se para alertar o público sobre a conclusão aparentemente fácil, ou mesmo, para preparar sua ratoeira shakespeariana ao desvendar o humano) e colagens de imagens, num ritmo marcado, poético, o autor desmascara a realidade e assombra-nos, com essa repetição convulsa de que o ser humano é dotado de "telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor', como se infiltrado nesse dito estivesse o seu oposto. Implicitamente se vê o conceito aristotélico de que o homem é um animal político.

Como base central para o desenvolvimento de sua crítica à miséria humana, Jorge Furtado explora o itinerário que faz um tomate, desde o seu plantio até o seu uso por seres humanos que o recolhem do lixo de um lugar chamado "Ilha das Flores" o qual quase não tem flores, mas uma miríade de lixo, um depósito para o que é sujo e fétido.

Hoje ao rever essa impactante película, notei as influências de Alain Resnais e de Kurt Vonnegut, já tão divulgadas pelo próprio diretor, mas tinha algo mais. E esse algo a mais, por eu ser poeta, é que me perturbou. Senti a presença de Manuel Bandeira ali, com o seu magno poema "O bicho" que transcrevo abaixo:

O bicho 

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Rio, 27 de dezembro de 1947

BANDEIRA, Manuel. "Belo Belo". In: Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

Ao fim, surpreendo-me novamente. Eis que há um trecho de "Romanceiro da Inconfidência" de Cecília Meireles:

"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."




Adriano Nunes