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quarta-feira, 7 de julho de 2021

Adriano Nunes: "Sobre uma passagem de Νεφέλαι, de Aristófanes" - para Caetano Veloso

 Sobre uma passagem de Νεφέλαι, de Aristófanes (para Caetano Veloso)


Ao fim da peça Νεφέλαι (As nuvens), de Aristófanes, apresentada aproximadamente em 423 a.C., temos algo inusitado: o autor sugere explicitamente que Sócrates (que está na plateia, segundo relatos antigos!) e os seus amigos seguidores sejam mortos, por não acreditarem nos deuses da πόλεως. O que era para ser uma simples comédia satírica, tornar-se-á, 25 anos depois, um sério instrumento de acusação contra Sócrates o qual será condenado à morte.

O texto grego original é este, em que a acusação é resumida:

Στρεψιάδης (Strepsíades)
τί γὰρ μαθόντες τοὺς θεοὺς ὑβρίζετε,
καὶ τῆς σελήνης ἐσκοπεῖσθε τὴν ἕδραν;
Ερμῆς (Hermes)
δίωκε βάλλε παῖε, πολλῶν οὕνεκα,
μάλιστα δ᾽ εἰδὼς τοὺς θεοὺς ὡς ἠδίκουν.

Pus o texto para evidenciar algo também importante: nas edições diversas, todos esses fragmentos têm sido atribuídos a Strepsíades, quando, em verdade, os dois últimos versos desses fragmentos (versos 1008 e 1009) são ditos pelo deus Hermes. Por que Aristófanes põe esses 2 últimos versos na voz de um deus? O que está por trás dessa acusação de fundo dogmático religioso?

Primeiro, vamos à tradução:

Strepsíades:
Por que insultas os deuses e contemplas a morada da Lua?
Hermes:
Persegue, ataca, destrói! Eles merecem por motivos vários, máxime porque insultaram os deuses.

Mesmo a edição em que Carlo Rovelli se baseia para escrever o seu brilhante livro "Che cos'è la scienza. La rivoluzione di Anassimandro" não faz essa pequena distinção. Nem mesmo a edição The Complete Plays of Aristophanes, editada e com introdução de Moses Hadas faz. Inúmeras importantes edições fazem símile, inclusive algumas brasileiras, como a traduzida por Gilda Maria Reale Starzynski. Os motivos? Talvez, nunca saberemos. A fonte em que se debruçaram para traduzir? Mesmo no site Perseus, importante sítio de cultura grega e latina, que traz o texto grego original, com a fala de Hermes, suprime Hermes ao traduzir, pondo tudo na boca de Strepsíades.
Voltemos aos possíveis motivos das acusações. O real sentido deste pequeno ensaio sócio-histórico crítico.

A primeira razão para não suprimirmos a fala do deus Hermes parece óbvia: se se está a criticar moralmente um descrente, nada mais coerente que um deus pronuncie a sentença radical, cruel. A presença da fala de Hermes marca a última possível palavra para os rumos da existência humana. No teatro grego antigo, as ações humanas são in totum determinadas pelos deuses, pela vontade divina. Essa ruptura teatral dar-se-á apenas com Shakespeare e a sua "invenção do humano", como defendeu e atestou Harold Bloom. Hermes ditar o que deve ser feito com Sócrates, põe uma ordem no universo de tudo que há. Mas há algo mais...

Por que Strepsíades se refere a contemplar a morada da Lua? Em grego antigo, lua é ἡ σελήνη (no nominativo, por Selene, Selena e termos derivados). O texto grego traz τῆς σελήνης (no genitivo). A lua, como todos os astros, está acima da terra, no céu. E estar no céu significa pertencer ao reino dos deuses. O céu é o âmbito inviolável do divino, logo tudo que nele ocorre se dá por vontade divina, por ordem divina. Os fenômenos celestes, incluindo os raios, os trovões, as nuvens, a chuva, etc. são as mais visíveis manifestações da divindade, isto é, há uma ordem além-humanidade onde as coisas acontecem porque fazem parte exclusivamente do divino. Por isso, os gregos antigos, além da palavra ἄνθρωπος, para indicar seres humanos, humanidade, usavam uma específica para demarcar o traço mais humano que há: a mortalidade. Para indicar que o ser humano é mortal, distinto dos deuses, os gregos usavam a palavra βροτός. Insultar os deuses é uma forma de atestar que o insultador é um mero βροτός.

A palavra grega antiga ἕδραν significa "situação" ou "posição" e também "nádegas". Refere-se, então, às investigações meteorológicas dos socráticos e à sua insolência e indecência; Precisamos, assim, aqui, também pensar na Lua personificada como uma mulher. E mais: é importante lembrar que ἕδραι são os quadrantes do céu em que os presságios aparecem, acontecem, como percebemos esse sentido nos textos de Ésquilo e Eurípides. Agora sim, estamos quase lá! Por que Sócrates e seguidores ofendem os deuses? O que eles defendem que seja tomado como uma ofensa grave? E de onde será que partiu essa defesa, qual a sua origem?

A palavra ὑβρίζετε vem do verbo ὑβρίζω que, em Atenas, tinha um sentido legal, significando fazer um ultraje pessoal, maltratar, agredir. Usá-la, neste sentido, já que possuía outros, significa mesmo reforçar o caráter de ofensa. E a palavra ὕβρις, em seu sentido mais comum, significava devassidão, violência desenfreada ou insolência. A acusação feita contra Sócrates era então mesmo grave, pois mexia, abalava e insultava a ordem das coisas, o κόσμος como um todo.

Aproximadamente 2 séculos antes de Sócrates, um pensador de Mileto dava início a esse abalo na ordem das coisas: Anaximandro, que viveu aproximadamente entre 610-546 a.C. E o que fez Anaximandro? De acordo com Carlo Rovelli, a partir de Anaximandro, nasce a ideia de que seja possível compreender os fenômenos celestes e meteorológicos como ligados a causas naturais, independentemente das vontades e decisões divinas. A chuva, para Anaximandro, é um fenômeno natural. Surge a partir da evaporação da água do mar. Esta se acumula, formando nuvens (Νεφέλαι). Dizer isso, abertamente, promoveu uma das maiores rupturas na história do conhecimento humano. E as implicações disso trariam consequências sérias e até mesmo letais, como a morte de Sócrates.

Aprendemos, com Jean-Pierre Vernant, que a religião grega, além do θάμβος (temor reverencial, espanto, o maravilhar-se) e do sentimento difuso do divino (δαιμόνιον e θεῖον), apresenta-se como uma vasta construção simbólica, complexa e coerente que compreendia, assim, mito, rito e representação figurada. Esse conjunto de signos e sentidos configuravam uma ordem divina que se distinguia plenamente da esfera humana, ainda que com ela muito e intensamente se relacionasse. E era essa mesma ordem divina que era tomada por homens que se diziam descendentes direta ou indiretamente dos deuses, que ditavam, também a bel-prazer, os νόμους como se fossem legitimados pelos deuses citadinos, principalmente por Zeus. E, também, a partir daí, talvez, uma das origens do homem violento, da intolerância, como parte paradoxalmente do processo civilizatório.

A acusação de Strepsíades contra Sócrates e seus amigos. A sentença bárbara de Hermes. O motivo real disto, isto é, a ousadia racional de pensar o mundo fenomênico não mais como um objeto de vontades e caprichos dos deuses, apesar de sua consequência funesta para Sócrates, lançou mundos no mundo. Este lançar mundos no mundo abriu a existência para as possibilidades do conhecimento, das verdades fatuais, das ciências. Quase 2500 anos depois, ainda nos deparamos com novos Strepsíades, com novas sentenças de novos Hermes impiedosos, que buscam, a todo custo, negar a razão e seus fundamentos e efeitos mais visíveis: liberdades, conhecimentos, verdades fatuais. A pandemia veio mostrar-nos que os novíssimos tribunais da Inquisição ainda estão com as suas fogueiras acesas, com a sua barbárie prêt-à-porter, seus séquitos de negacionistas, irracionalistas, de intolerantes violentos.

Adriano Nunes

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Adriano Nunes: Sereias e cera: Ὀδυσσεύς dado ao canto ou ao silêncio? – para Antonio Cicero


Sereias e cera: Ὀδυσσεύς dado ao canto ou ao silêncio? – para Antonio Cicero


I


Em sua Ὀδυσσεία, Homero, entre os versos 173 e 179, do Livro XII (“αὐτὰρ ἐγὼ κηροῖο μέγαν τροχὸν ὀξέι χαλκῷ/τυτθὰ διατμήξας χερσὶ στιβαρῇσι πίεζον:/αἶψα δ᾽ ἰαίνετο κηρός, ἐπεὶ κέλετο μεγάλη ἲς/Ἠελίου τ᾽ αὐγὴ Ὑπεριονίδαο ἄνακτος:/ἑξείης δ᾽ ἑτάροισιν ἐπ᾽ οὔατα πᾶσιν ἄλειψα./οἱ δ᾽ ἐν νηί μ᾽ ἔδησαν ὁμοῦ χεῖράς τε πόδας τε/ὀρθὸν ἐν ἱστοπέδῃ, ἐκ δ᾽ αὐτοῦ πείρατ᾽ ἀνῆπτον:”), canta-nos que Odisseu – este relatando em primeira pessoa ἐγὼ (eu) - corta uma massa redonda de cera em fragmentos pequenos que são esquentados pelas próprias mãos. A seguir, ele põe a cera nas orelhas dos seus companheiros para que não ouçam o canto das Sereias, alerta dado por Κίρκη (Circe) que, nos versos 159 e 160, se apresenta assim: “Σειρήνων μὲν πρῶτον ἀνώγει θεσπεσιάων/ φθόγγον ἀλεύασθαι καὶ λειμῶν᾽ ἀνθεμόεντα.” (“Primeiro ela nos mandou evitar a voz das maravilhosas Sereias e o seu prado florido.”). A palavra grega antiga para Sereia é Σειρήν (no caso nominativo singular, quando faz a função de sujeito). No texto analisado, a palavra Σειρήνων está no genitivo plural, fazendo, portanto, a função de complemento nominal, pois “a voz das maravilhosas Sereias”.  É preciso compreender ainda que não se trata de um simples aviso, mas de um oráculo, isto é, uma informação divina acerca do destino. E Circe deixa explícito que é para evitar a morte, pois nos versos 155 a 157, Odisseu relata a necessidade de todos conhecerem o que a deusa disse, para que não morram: ” θέσφαθ᾽ ἅ μοι Κίρκη μυθήσατο, δῖα θεάων:/ ἀλλ᾽ ἐρέω μὲν ἐγών, ἵνα εἰδότες ἤ κε θάνωμεν/ κεν ἀλευάμενοι θάνατον καὶ κῆρα φύγοιμεν”. Percebam que o verbo grego ἀλέομαι (ἀλευάμενοι) significa “evitar”, “afastar”, e a palavra θάνατος significa “morte” que, no texto, apresenta-se como θάνατον, ou seja, na forma acusativa singular cumprindo a função de objeto direto, isto é: evitar o quê? Θάνατον! Todavia, por que Circe afirma que Odisseu deve ouvir o canto das Sereias e os demais não? Por que ela quer dar esse privilégio apenas ao herói de Ítaca e não a alguns de seus companheiros, já que todos, obviamente, não poderiam ouvi-lo pois morreriam? Seria isso uma dádiva restrita a alguns (no caso, Odisseu) ou apenas o capricho de uma deusa apaixonada (a proximidade com a morte evidencia alguma espécie de prazer para os deuses?)? Por que Odisseu aceita ouvir o canto das Sereias sem ter a certeza de que os outros não ouvirão? Por que ele não tapa as orelhas, segundo o relato de Homero? Ou ele tapou as orelhas e nem mesmo Circe, os deuses, os companheiros e nem mesmo Homero sabia disso, já que o poeta grego costuma chamar Odisseu de astuto, sagaz, inteligente, usando epítetos tais como πολύτροπος (versátil, multifacetado), logo até no começo da Odisseia: “ἄνδρα μοι ἔννεπε, μοῦσα, πολύτροπον, ὃς μάλα πολλὰ/ πλάγχθη, ἐπεὶ Τροίης ἱερὸν πτολίεθρον ἔπερσεν”? Seria outra astúcia do personagem que, enfim, liberta-se do seu criador e de todo o destino, até do leitor? 


II


 Passemos, agora, para a intrigante e instigante versão do mito contada por Franz Kafka em “Das Schweigen der Sirenen”. Kafka afirma que “um sich vor den Sirenen zu bewahren, stopfte sich Odysseus Wachs in die Ohren und ließ sich am Mast festschmieden”(para se proteger das Sereias, Odisseu tapou, com cera, as orelhas e fez-se atar ao mastro). Neste primeiro relato kafkiano, temos uma diferença substancial do relato homérico, pois o escritor grego disse que Odisseu não tapou as orelhas com cera, mas que chegou a ouvir o canto das sereias amarrado ao mastro. Vejamos: “ὣς φάσαν ἱεῖσαι ὄπα κάλλιμον: αὐτὰρ ἐμὸν κῆρ/ ἤθελ᾽ ἀκουέμεναι, λῦσαί τ᾽ ἐκέλευον ἑταίρους/ὀφρύσι νευστάζων: οἱ δὲ προπεσόντες ἔρεσσον.” (então elas falaram, enviando a sua linda voz, e o meu coração foi feliz em ouvi-la, e eu disse aos meus companheiros que me soltassem, acenando-lhes com as minhas sobrancelhas; mas eles prostraram-se em seus remos e remaram). Como poderia saber Odisseu que a voz das Sereias era mesmo bela, se não a ouvisse? Como saber que não era uma armadilha de Circe, senão ouvindo tal ὄπα κάλλιμον (bela voz)? É preciso compreender outro fato importante: as Sereias fazem questão de afirmar que sabem de todas as coisas que acontecem “ἴδμεν δ᾽, ὅσσα γένηται ἐπὶ χθονὶ πουλυβοτείρῃ” (verso 191, Livro XII). Se sabem de todas as coisas, certamente estavam “cons-cientes” de que Circe havia ajudado o seu estimado guerreiro, o astuto Odisseu. Se sabiam da cera e da proteção, insistiriam em cantar ou manter-se em silêncio? Conta-nos Kafka que “der Sang der Sirenen durchdrang alles” (o canto das sereias penetrava tudo). Parece agora haver um grande paradoxo, já que Circe disse que a cera protegeria a todos. Para Kafka, a arma mais poderosa das Sereias não é o seu canto, mas o seu silêncio: “nun haben aber die Sirenen eine noch schrecklichere Waffe als den Gesang, nämlich ihr Schweigen. Es ist zwar nicht geschehen, aber vielleicht denkbar, daß sich jemand vor ihrem Gesang gerettet hätte, vor ihrem Schweigen gewiß nicht” (agora, todavia, as Sereias têm uma arma ainda mais terrível do que o canto, ou seja, o seu silêncio. Pode não ter acontecido isso, mas é concebível que alguém tenha se salvado de seu canto, certamente não do seu silêncio.). O problema epistemológico que resulta disso é que Kafka não diz exatamente qual seria o poder desse silêncio, como ele agiria para que ninguém escapasse. Se ninguém escapou para relatar tal silêncio, como Kafka poderia saber disto? Homero não se atreve a tanto em sua ingenuidade brilhante. Para escapar desse labirinto de sentidos complexos, Kafka utiliza-se justamente das características que Homero dera a Odisseu. Assim relata, ao fim da sua pequena história, que “Odysseus, sagt man, war so listenreich, war ein solcher Fuchs, daß selbst die Schicksalsgöttin nicht in sein Innerstes dringen konnte. Vielleicht hat er, obwohl das mit Menschenverstand nicht mehr zu begreifen ist, wirklich gemerkt, daß die Sirenen schwiegen, und hat ihnen und den Göttern den obigen Scheinvorgang nur gewissermaßen als Schild entgegengehalten” (Odisseu, diz-se, era tão astuto, uma raposa tão ardilosa que até a Deusa do Destino não conseguia penetrar em seu íntimo. Talvez, embora seja difícil compreender sob os ditames da razão, ele pode ter percebido que as Sereias estavam silentes, e meramente se opunha a elas e aos deuses tendo como escudo o ato dissimulado supradescrito.). Ao que parece, em uma pesquisa de seus textos disponíveis, Kafka não mais tentou ouvir a voz da Sereias. Não as cita em nenhum texto mais. Silenciou-as em si.


Adriano Nunes










sexta-feira, 2 de março de 2018

Adriano Nunes: entrevistando Alberto Lins Caldas, poeta e historiador



Tenho a honra e a alegria de compartilhar, com os amigos, a entrevista intrigante e instigante feita com o poeta e historiador, professor universitário Alberto Lins Caldas, amigo amado:


Entrevista

1) Alberto Lins Caldas, o escritor de densas e significativas imagens, de versos despreocupados com métrica e formalismos gramaticais. Quem é Alberto Lins Caldas? Quem se pensa e sente?

A primeira coisa é q não sou alberto lins caldas. A segunda é q não sou escritor ou poeta. A terceira é q não existe “língua portuguesa” ou “literatura brasileira”. Vamos por partes:

1.      “alberto lins caldas” é uma invenção/necessidade do estado, da família, do costume, da polícia, coisa q serve apenas para imobilizar fluxos, redes em vibração, discordâncias enfaixados num corpo, num nome, em números, em funções, em obrigações e deveres, em orgulho e preconceito, em vaidades e pobrezas. só imobilizado pode ser dominado e cobrado, pode ser punido, responsabilizado, tornado “autor”, “filho”, “pai”, “homem” “brasileiro”, “professor”. jamais me senti sendo um homem ou algo, sendo sujeito ou objeto, mas passagens q encontram passagem, intensidades, loucuras, vertigens: precisamente por isso não sou “brasileiro” nem digo “coisas em português”, não tenho um “sexo”, uma “cor”: uma língua é uma imobilidade, um respeito, redes simbólicas de dominação e impotencialização;
2.      não “sou” escritor ou poeta porq isso seria ser contra a primeira resposta. não assumo como prosa-poesia o escrito q dizem vir de “mim”: apenas deixo q as vibrações simbólicas, signicas, violentas do existir das manadas passem por mim e se expressem, tomem provisoriamente formas q fazem ver o horror q nos rodeia, nos habita, nos perfura e mantem a manada ordeira, trabalhadora e reprodutora. deixo passar, se condessarem, monstruosidades do existir na “máquina tribal”, “nossa” tribo q criou e dominou um mundo;
3.      nada do “escrito por mim” é escrito numa língua, a não ser q se creia possível uma língua, como exige o estado, a religião, a família e seguindo/fazendo essa coisa inútil e monstruosa q chamam de literatura (as palavras codificadas dos senhores/barbárie codificada): literatura exige, como tudo, uma cumplicidade de símbolos, de práticas, de crenças/principalmente de um deus e de palavras de deus ou deuses/ q fazem parte precisamente das formas de existência da máquina tribal (ocidente, cristandade, capitalismo). qualquer língua faz parte dos elementos constitutivos e formativos de servos, de escravos, de trabalhadores, de estados. não tem existência própria, mas existência formativa de servidões: crer numa língua é participar dos processos de servidão, da manutenção do horror, das misérias, dos tolos enganos, da agonia de viver numa desmesurada colmeia campo de concentração;
4.      a “literatura brasileira” não passa da escritura falsa de uma fantasmagoria de senhores e servos (brasil, q não existe, não tem um povo, uma constituição feita por esse povo, não tem cidadãos): é apenas a mais pura expressão do nada dizer, da inutilidade de dizer, do dizer sem pensar: uma forma fraca de fascismo literário;

2) Diga-nos um pouco da sua trajetória literário-acadêmica. Que livros já foram publicados? Quais sites em atividade? Como o ofício de professor de História influencia o poeta? Quando se deu a descoberta de que era preciso escrever versos? Quando se deu a consciência reflexiva de que você era/é poeta?

1.      nunca fui “professor”. pra ser professor seria preciso crer na educação, na cultura, no aprendizado, no melhoramento com os instrumentos da barbárie, ou melhor, os instrumentos q preparam escravos para se deixarem roubar naquilo e só naquilo q “possuem”, força de trabalho: a educação é o mais perverso, falso e deformador instrumento da máquina tribal: sua única função é preparar carne pra ser abatida no mercado, torcer o corpo até q ele faça o q é preciso no mundo do trabalho;
2.      pra mim universidade, enquanto “professor”, tentar abrir linhas de força, sempre foi um lugar de não aprendizagem, mas de desformatação, multiplicar e dissolver formatações: se “fui professor” sempre fui assim para o estado, a universidade, as redes imóveis do horror: sempre fiz o q essa barbaria jamais poderia esperar, lutar contra ela cada segundo: inutilmente – não há senhores, uns poucos, sem milhões de servos, de cumplices. a luta contra o horror é absolutamente inútil. Depois de 40 anos de sala de aula, sei q alunos querem apenas aprender porcamente para o mercado, a triste reprodução do mesmo;
3.      daí por uma “relação entre ser professor e poeta” só pode ser impossível: nunca houve professor (sem “sierras maestras”, só resta a sala de aula), jamais poeta. a luta com a escrita contra o horror, literariamente, só pode ser um engano de quem lê: não há ali nenhuma poesia, nenhum verso, apenas um texto q chamo “poema” como arma de exposição dos fragmentos do horror. cada leitor vai ler o q desejar, o q acreditar, o q pensa – jamais, como os alunos, dando origem a um pensamento, uma ação contra o horror, contra a máquina tribal. dessa maneira, não sou poeta, jamais me descobri poeta. sempre, desde a infância, foi feito uma guerrilha contra o existente como um todo: a forma q isso toma, depende de vários fatores, como leitores (os piores servos por acreditarem na escrita, na literatura, o imóvel, na respeitabilidade), editoras, universidades, amigos e inimigos.


3) O que é, para você, a ars poetica? Como você vê esteticamente um poema? É o poema um objeto estético, uma finalidade sem fim? Um poema tem ontologicamente capacidade de salvação?

  1. não existe “ars poetica”: para isso é preciso acreditar em coisas demais, em coisas “verdadeiras” e “falsas”, em leis, ordens, argumentos, fala, escrita, história e natureza (esses conceitos matam todo dia, toda hora, mulheres, gays, negros, pobres, lesbicas e tudo q parece fraco e não fazer parte): todo um arsenal, uma muralha, uma catedral – construções para q todas as imobilidades sejam o q dizem ser: “ars poetica” é mais um instrumento de imobilização e integração;
  2. um poema não pode ser visto esteticamente: apenas porq pode e deve ser visto, antes de tudo, politicamente, eticamente, é q pode ser transversalmente pensado esteticamente, mas a “beleza” esta comprometida demais com a imobilidade para ser devidamente relevante;
  3. toda arte, todos os elementos das artes, são bobices pra alegrar aos senhores. os artistas não passam de bobos da corte. a pergunta: “é o poema um objeto estético, uma finalidade sem fim” nos deixa no centro daquele pensamento q, sem saber, expos a arte a sua mais crua inexistência, a sua mais cruel forma de se exercitar, q é ser um dos divertimentos sem “finalidade” dos senhores (a “finalidade” é entorpecer ou criar ser vos orgulhosos), o pensamento de kant, q tornou a arte o q ela sempre foi, tolices pra formar tolos trabalhadores. nenhuma obra de arte consegue ser mais q “divertimento de marionetes num teatro de sombras”;
  4. precisamente por sua condição circesca, coisa de bufonaria, de inútil-inutilidade, a arte é o “ser”, o imóvel, o eixo, deus/estado/fábrica, o “centro” patético dos labirintos do capital, da burguesia, do capitalismo, uma fantasmagoria no centro das fantasmagorias (marx, benjamin, agamben). lugar de exposição do ridículo desse lugar, da ridícula inutilidade desse lugar.

4) O que importa no poema? A beleza importa em que sentido? O que é então um belo poema? As convenções têm validade estética quando delimitam cânones?

  1. o q importa seria a consciência do fragmento do horror, o narrador (personagem q fala o poema), abrindo os olhos do pensamento sobre o existente: mas essa “missão” é inútil. ela não acontece. o poema é apenas um resto de ação inútil num mundo onde isso não passa de impotência real de lutar. o poema inda ta preso a tudo q ele quer combater. serve aos senhores, a coleta da força de trabalho da mesma maneira. criando, fazendo parte da mesma coisa fria e ridícula da arte em geral, não uma “arma de guerra” como se pretende, um instrumento de ação.
  2. dai porq a beleza é a visibilidade da impotência, sua perversa e simétrica gozação. um “belo poema”, q não passa de um verso, não passa de uma arma quebrada, ou um verso de marionetes, os poetas, pra seus senhores passarem a página com a certeza do “reconhecimento” de classe q torna cada um deles um diferente, alguém q conquistou um lugar: o “poema”, na verdade sempre verso, é apenas uma armadilha, uma ilusão da vontade de ascensão e reconhecimento;
  3. só existem cânones pro gozo perverso das convenções, do estado, da nação, da vontade de imobilidade e dominação;

5) Quais influências poéticas marcaram a sua infância poética? Como se deu a construção desse poeta atual através das leituras de poemas alheios? Que poeta há mais no poeta Alberto?

  1. o q nasce de poetas e versos são poetas e versos: poemas nascem de um constante e vivenciam enfrentamento do horror, não nascem de livros, mesmo podendo usar carcaças, pedaços de livros de todos os tipos: os poemas se dão duma maneira diferente: apenas jorram dos fluxos de linguagem: aqui cessa borges e começa marx;
  2. nenhum poeta me marcou ou marca, mas alguns filósofos como marx, espinosa, hegel, nietzsche, foucault, deleuze, bachelard, blanchot, barthes: a literatura apenas enquanto caixa de instrumentos para testar ideias e sensações; porisso não carrego nas costas nenhum poeta, isso quem faz é o leitor e projeta no poema, não conseguindo ler esse poema com a devida precisão, cuidado, pensamento e ação.

6) Poesia como arte e como mercado? O que devora o quê? Por que é importante ler livros de poemas?

  1. nenhuma importância ler livro algum, principalmente de poesias. são integrados demais para valer a pena. poesia, arte, livros não passam de produtos do mercado e não algo além dele, algo q possa fazer compreender o q seria o próprio mercado. aqueles “livros” q escapam a isso terminam fazendo parte e entrando na dança.

7) Os clássicos são insuperáveis? Tendemos a superá-los?

  1. “clássico” é o q mantem a tribo com seus pilares imaginários, suas certezas, domínios nos lugares bem colocados. eles são os pregos dos tecidos das teias simbólicas tornadas realidade, naturalidade. sem deus, estado, família, língua, povo não existe “clássico”, q é um dos elementos necessários de estabilização, reconhecimento e identidade;
  2. clássicos pulam os círculos de modificação social para garantirem novos reconhecimentos, identidades, respeitos e naturalizações – continuidades: daí a sensação de não serem superados: eles são marcos de qualquer boa ditadura do único, do mesmo, do igual q quer aparecer diferente.

8 ) Como desmascarar o horror, como desnudá-lo e expô-lo ao público? Por que o horror choca e escandaliza? Por que o horror é medida humana? Há poesia no horror? Como a poesia atua na denúncia do horror?

  1. nada mais evidente q a maquina tribal, parafraseando o nada mais evidente q deus ou substancia de espinosa. precisamente por isso ela não pode ser exposta a não ser em pequenos fragmentos, o q precisamente impossibilita um desmascaramento, só possível em quem esta numa totalidade monstruosa onde a maquina tribal inteira se joga na destruição do outro: só assim ela pode ser desmascarada: ou parcialmente desmascaradas naqueles q dentro da maquina tribal é tratado a vida inteira como um monstro, uma exceção, uma cois a parte da natureza, da beleza. expor o horror seria descrever, seria representar, seria fotografar e isso apenas seria nada mais q o próprio horror se escondendo, se tornando superfície, visibilidade, apenas um momento, um traço, quando nada é mais evidente q o horror, isto é, tudo é ele, precisamente tudo;
  2. o horror q choca é apenas o individualizado, o q pode ate ser mudado, o feito pelo monstro ou por um momento de uma tribo: sem ser visto em sua plenitude ele não pode chocar, nem ser sabido, nem ser mudado;
  3. o conceito de “humano”, “humanidade”, “homem” é o mesmo q “natureza, “sociedade” “raça”, “gênero”, “universalização”, etc, q não passam de conceitos q fazem parte de todos os tecidos do horror: esses conceitos são instrumentos vivos do horror da maquina tribal, principalmente pra dominar, excluir, explorar, desmoralizar e destruir. todos esses conceitos-vivencias só existindo como instrumentos de dominação e exploração (não existindo raça não pode haver racismo e com isso se esconde a essência nazista da máquina tribal; não existindo macho/fêmea podemos esconder essa essência como se fosse uma briga de diferenças; não existindo heterossexual/homossexual se esconde q a questão não é “natural”, porq não existe “natureza”)/ redes imaginarias, ficcionais, simbólicas, todas crenças nazistas de funcionamento, separação, produção, reprodução: garantias da normalidade.
  4. a poesia “não atua contra”, ela faz parte do horror e sempre fez, principalmente nesses 200 anos (romantismo, modernidade) onde o capitalismo se tornou a única realidade, a única ordem: o poeta é um fujão dessa tribo nazista q criou um mundo nesses pouco mais de 500 anos. sua função é esconder com a simetria e a beleza, com a norma e a língua precisamente a essência nazista do “nosso existir”.

9) Quando o artista trabalha com a realidade fatual, em poesia, com a política, por exemplo, corre o risco de ser panfletário ou mesmo um ideólogo. Como evitar isso? Ou não importa? A poesia aceita e legitima quaisquer discursos sob a alegação de que tudo é poético?

  1. essa é uma questão geral q diz respeito a poesia, o q não é meu caso. acho q responderia melhor um poeta sobre seus versos e a politica;
  2. quanto ao poema ele é, sempre, de esquerda, libertino, libertário, livre, guerrilheiro, uma arma provisória: sua essência é a luta contra o existente. ser panfletário ou ideológico diz respeito ao poeta, a poesia e a literatura enquanto “escrituras falsas” da-nação.

10) Como delinear e decidir que um objeto estético pode ser considerado uma obra de arte?

  1. essa é uma questão q diz respeito a uma disciplina, a estética, deformação filosófica do pensar as coisas enquanto igualdade e não enquanto diferença e multiplicidade: por exemplo, não existe “obra de arte” no centro da estética porq essa seria de cada grupo e cada tribo, não podendo haver mais um universal, o q deformaria e esvaziaria seu sentido: apenas universal a “obra de arte” poderia ser pensada, logo, negada e posta, “inconscientemente” enquanto “obra de arte” pra maquina tribal.

11) Todo aquele que faz versos é poeta? Harold Bloom diz que há poetas e versificadores. Como você enxerga essa perspectiva?

  1. mais uma vez, essa é uma questão de poetas (faz versos, faz poesia), não de poematas (faz poemas). Tanto poetas quanto versificadores tão no mesmo lócus, mesma perspectiva, mesmo sistema de crenças.

12) Como o poeta vê o Brasil atual? As instituições funcionam democraticamente? O fascismo está ganhando forças? Por quê? A poesia pode ser corrompida e atender a objetivos ideólogos ou mesmo nefastos?

  1. não existe nem jamais existiu “brasil”, país, povo, leis, sociedade, história, cultura, civilização, isso “brasil”: essa generalidade, esse global, esse universo “brasil” (já inexistente por sua universalidade de existência querendo abarcar numa unidade e identidade as inumeráveis formas do mesmo: o cada-um fazendo o torno “brasil” girar e funcionar) sempre foi feito pela “servidão voluntária” do imenso cardume, lixeiro, chorume – agregados, funcionários, empregados, servos, trabalhadores – uma coisa média, uma alma pequena, uma coisa servil (“alma brasil”): “brasil” é a fantasmagoria pesadelo “inicial” do capital mercantil, não dum grupo, uma casta, uma rede financeira-industrial, dum povo: específica junção/articulação entre servidão-voluntária-classes-dominantes é apenas parte do visível, do permitido, do quase sabido: a coisa, o isso, é mais simples e por isso mesmo se escondeu normalmente, naturalmente, socialmente: só há servidão voluntária e seus fantasmas (sua rede de crenças, uma normose) se entendermos esse voluntário enquanto um não sabido involuntário, um consciente sabichão, agregado com subclasses mamando o produzido por essa servidão voluntária), “inconsciente”, um não dito porq não plenamente sabido, aproveitado, feito segundo a segundo em práticas, crenças, desejos, saberes, experiências e sonhos, mas não sabido – servido sabido aos “senhores”: o espectro projeto martitica (“brasil”), o quase reprimido porq não se viveu, é vivência construída dia a dia pela servidão voluntária: “brasil” é o aparecer crente, o construído, a visibilidade de martitica, a polpa q se apalpa sem ser e não se apalpa quase sendo, esse nada, o permitido, o aceito, a ponta, a pele do espectro mantido, reproduzido e guardado pela servidão voluntária como se fosse;
  2.  se há o “brasil” há o “povo brasileiro” – mas não há “povo” algum porq um “povo” se faz com uma ou várias revoluções onde uma massa, uma “plebe” indigesta e cordeira, “passa a se reconhecer e lutar em comum”: no “brasil” (matrix de martitica, fantasmagoria monstruosa, carnaval onde a “plebe” imita os senhores, os sonhos e desejos dos senhores) jamais houve revolução nem pode haver enquanto houver o “brasil” enquanto pele dobrada de martitica, a pele, a polpa do nada, o projeto dos senhores tornado quase realidade, quase vivido, quase gente, transe entre fantasmagoria e existência – uma forma de existência como a dos centauros, de gregor sansa ou k.): apenas depois de revoltas, resistências, revoluções uma massa bruta, cordeira, se torna “povo” e pode e tem o poder de fazer suas leis, ele mesmo, sua constituição, feita por ele, por sua coragem depois de muito sangue onde foi visto q “agora e daqui pra diante podemos”, logo, o “povo” se torna “cidadão”, nasce a coragem e a confiança em sua força e poder, q se tona ponto de partida dum “viver social”: no “brasil”, matrix de martitica, jamais houve um “cidadão”, jamais houve leis, jamais uma constituição, jamais um país, jamais liberdade alguma, sociedade, cultura: as identidades (“brasil”, brasileiro, território nacional, literatura, arte, costumes, branco, negro, macho, senhora, etc.) são apenas biombos construídos pelas servidões voluntárias (imitações das “metrópoles”) e seus instrumentos ou dispositivos como a educação, por exemplo (essa coisa sempre falsa, sempre farsa, sempre útil ao “projeto martitica”, sempre “cúmplice”), pelas mídias, pelas crenças, pelos discursos, pelas práticas mantenedoras, pela literatura (letra falsa, oligarquia das letras, realismo de botequim, crônicas, memorialismos, sociologismos: escritura falsa): “aceitamos e obedecemos”: “mantemos os sonhos dos senhores”: “agiremos como se fosse e terminará sendo”: “mentiremos tanto q se tornará verdade: brasil”: mas não se sabe disso: o “brasil” como cenário perverso, nazista, campo de extermínio, onde os “primeiros senhores” deixaram de atuar e entregaram a outros senhores e outros senhores e mesmos senhores uma matrix, um cenário, atores, palhaços, cretinos, trabalhadores e defensores dessa péssima opera bufa “brasil” q criou seus próprios senhores e cuidam deles com deleite cordeiro: esse cuidado dos cordeiros com seus lobos, q são cordeiros com postura de lobo, é uma das forças bufas da fantasmagoria “brasil”: parece política e não passa de teatro de quintal;
  3. O “brasil” sempre foi um rosário de ditaduras e a literatura apenas letra falsa e reza pra esse rosário.

13) Como você percebe a relação entre poesia e crítica?

  1. inútil e ridícula. na verdade, uma relação obscena porque esconde q nada uma tem a dizer a outra ou q uma nasça da outra: é preciso q se acredite q as palavras de um deus criem livros, nasçam de autores, q possam ordenar e vir de ordenações: apenas uma grande vergonha teológica.

14) Como você encara a discussão poema e letra de música?

  1. simples: uma tolice cercada de música, q é outra tolice e uma tolice sem música se é um poema a música nada acrescentará ou retirará. nada mais a dizer.

15) Se tivesse que nomear escritores não poetas (ou mesmo obras em prosa), quais são fundamentais para o poeta Alberto?

  1. tenho com os livros uma relação diferente da maioria: não entendo como algo a ser seguido ou q com ele se aprenda algo, mas um lugar de luta, de roubo, de saque, de construção das minhas armas em minha luta. todos os livros são insuficientes pra uma luta contra o horror, uma guerra presente, política, ética. eles não são objetos de prazer, mas de depósito de possíveis balas, pólvoras, lanças, flechas, tacapes, fuzis, pedras. mas nada disso é certo. eles não são daqui e dagora. são apenas instrumentos possíveis. a lista abaixo é o de um arsenal já usado, já gasto e reusado. uma rede conhecida mínima pra luta dagora. nada quanto a "grandes livros e grandes autores". eu detesto livros. acho uma coisa desprezível, um artefato limitante. é por isso q não há nada da "língua portuguesa": essa coisinha do senhor encravada na carne, impotente e sem arsenais realmente violentos e radicais. o resto se dirá com a vida.
  2. segue uma antiga lista (nada, jamais, da “língua portuguesa”), sem ordem pessoal, de obras e autores q são a base mínima do meu solo literário (solo construído pra ficar em pé e poder escrever segundo minha perspectiva): ao redor e além centenas de outros autores e livros cada um enfrentado conforme o tipo de batalha.
  3. Livros e Autores: O Mestre e Margarida – Bulgákov; Jakob von Gunten – Walser; Otelo – Shakespeare; As Brasas – Marai; Juventude – Conrad; A Metamorfose – Kafka; Todas as Manhãs do Mundo – Pascal Quignard; Silvia – Nerval;  O Perfume – Suskind; Viagem ao Fim da Noite – Céline; A Casa das Belas Adormecidas – Kawabata; Memória de Minhas Putas Tristes – Garcia Márquez; O Barão nas Árvores – Calvino; À Espera dos Bárbaros – Coetzee; O Sobrinho de Rameau – Diderot; Um Médico Rural – Kafka; O Jovem Törless – Musil; Morte em Veneza – Mann; O Náufrago – Bernhard; A Tentação de Santo Antônio – Flaubert; O Imoralista – Gide; Breve Romance de Sonho – Schnitzler; Bartleby – Melville; Hamlet – Shakespeare; Woyzeck – Büchner; Baal – Brecht; Memórias do Subsolo – Dostoievski; Édipo Rei – Sófocles; Crônica de uma Morte Anunciada – Garcia Márquez; Odisséia / Ilíada – Homero; O Visconde Partido ao Meio – Calvino; Billy Budd – Melville; O Penitente – Singer; O Veredicto / Na Colônia Penal – Kafka; Macbeth – Shakespeare; O Desaparecido – Kafka; Palomar – Calvino; No Coração das Trevas – Conrad; Michael Kohlhaas – Kleist; Os Últimos Dias de Immanuel Kant – Thomas de Quincey; A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock – Eliot; Ricardo III – Shakespeare; O Velho e o Mar – Hemingway; Morte a Crédito – Céline; O Duelo – Conrad; O Declínio do Egoísta Johann Fatzer – Brecht; Retrato do Artista Quando Jovem – Joyce; Ficções – Borges; O Castelo – Kafka; Alice / Alice Através do Espelho – Carroll; Histórias Extraordinárias – Poe; As Cidades Invisíveis – Calvino; Contos – Voltaire; O Deserto dos Tártaros – Buzzati; Conversa na Sicília – Vittorini; Novecentos – Alessandro Barico; As Flores do Mal – Baudelaire; O Nome da Rosa – Eco; As Mil e Uma Noites; O Processo – Kafka; Ulysses – Joyce; Em Busca do Tempo Perdido – Proust; Omeros – Walcott; Ana Karenina – Tolstoi; Jacques, o Fatalista e seu Mestre – Diderot; Madame Bovary – Flaubert; Gargântua / Pantagruel – Rabelais; Aventuras do Bravo Soldado Schweik – Hasek; Dom Quixote – Cervantes; Divina Comédia – Dante; O Parasita – Luciano; Terra Desolada – T. S. Eliot; Rei Lear – Shakespeare; Moby Dick – Melville; Danton – Büchner; Hadji Murat – Tolstoi; O Livro de Areia – Borges; Um Artista da Fome – Kafka; Auto-de-Fé – Elias Canetti; O Pequeno Zacarias – Hoffman; Balada do Velho Marinheiro – Coleridge; Grandes Esperanças – Dickens; Clube da Luta – Chuck Palahniuk; Ferdydurke – Witold Gombrowicz; Homem Invisível – Ralph Ellison.
  4. Em guerra: Mary Shelley; Tchekhov; Cortázar; Beckett; Ibsen; Duras; Beauvoir; Anaïs; Virginia Woolf; Kundera; Balzac;Austen; Agatha; J. K. Rowling; Heiner Müller; Sófocles; Pirandello; Gogol; Dorothy Parker; Katherine Mansfield; Swift; Sterne; Defoe; Lezama; Isabel Allende; Marguerite Yourcenar; Cabrera Infante; Ionesco; Montaigne; Moliere; Toni Morrison; Anne Rice; Aristofanes; Svevo; Sade; Dostoievski.
  5. Poemas de: Seferis; Corbiere; Gertrude; Dickinson; Rimbaud; Ducasse; Celan; Akhmathova; Enzensberger; Benn; Lorca; Donne; Ingeborg; Hopkins; Safo; Heine; Szymborska; Pound; Elizabeth Browning; Ginsberg; Cummings; Milton; Villon; Plath; Brecht; Carlos Williams; Rilke; Stevens; Bukowski; Marina Tsvetaïeva; Donne; Bishop; Juana Inés de la Cruz; Kaváfis; Sexton; Creeley; Whitman; Hopkins; Marianne Moore; Lautréamont; Yeats; Mallarmé; Laforgue; Laura Riding; Quasimodo; Hölderlin; Auden; Trakl; Montale; Guido Cavalcanti; Blake; Arnaut Daniel; Catulo; Virgílio; Ungaretti; Vasko Popa; Nelly Sachs; Óssip Mandelstam.
  6. Filósofos essenciais a esse solo literário: Heráclito, Platão, Aristóteles, Agostinho, Maquiavel, Hobbes, Descartes, Espinosa, Rousseau, Diderot, Kant, Shelling, Hegel, Marx, Nietzche, Freud, Benjamin, Blanchot, Barthes, Foucault, Lacan, Deleuze, Agamben, Rancière.

16) Seus poemas têm uma forte relação com o conceito de tribo/clã, ao que parece. Isso se dá por causa de suas convicções acadêmicas e políticas? Até que ponto o  historiador transparece no poeta enquanto arauto da civilização? Somos civilizados ou bárbaros?

  1. como disse antes, fui professor de história e filosofia por 40 anos pra ser contra a imobilidade das coisas, não pra ensinar. a história jamais existiu. não passa de uma mega construção imaginaria para garantir a identidade da produção, dos servos e das naturalizações. daí não haver nenhuma relação entre poemas e “história”, mas uma pequena relação entre os poemas e a luta contra o horror e a “história” enquanto um dos seus elementos.
  2. “civilização” e “barbárie” são componentes da mesma visão de existência da história. duas inexistências inúteis por não poderem dar conta de nada, nem mesmo do q ascene ou cai, relativismos num fluxo múltiplo e violento;

17) Que poetas e livros anda lendo Alberto Lins Caldas?

  1. sempre os mesmos há muitos anos: os da pergunta 15.

18) Por que a culinária é um traço forte em seus escritos? Que relação há entre a denúncia do horror e a culinária?

  1. a culinária, as coisas, os corpos são matérias repetidas tanto num mesmo poema quanto em estruturas de poemas. assim como as mesmas palavras, a mesma pobreza de palavras: sem estar na “literatura brasileira”, a pobreza faz parte constitutiva por ser ela sempre a mesma: mesmo quando o narrador é um fascista (o q é normal mesmo quando não parece) essa pobreza, essa repetição esses elementos culinários tornam esses narradores “animais”, “aquilo q come e só come”, a redução de tudo ao q é devorado.

19) Que poetas contemporâneos são, para você, grandes poetas, isto é, que impressionam o poeta Caldas?

  1. sem poetas. todos integrados, todos funcionários, todos fazendo parte da-nação, no brasil martitica, a ilha brasil dos colonizadores, quanto em outras línguas ocidentais e nenhuma violenta revolução em línguas, em povos q foram colonizados, escravizados, destroçados; humilhados: a poesia não redime nem faz revoluções. a poesia faz parte do horror.

20) Há esperanças? Há Deus? Há o instante em que a existência pode ser comemorada sem rancor ou ódio?

  1. sem esperança nenhuma, nem para “nós” nem para “eles”/ sem deus, sem natureza, sem sociedade, sem comunidade, sem a possibilidade da comunicação, sem o amor (invenção reprodutiva quando enfraqueceu e cessou o pátrio poder no ocidente, o poder q casava), sem a amizade, o existente apenas como formas do ressentimento, rancor e ódio, a essência do capitalismo, nazista há mais de 1000 anos, nada há q possa ser comemorado: a alegria é apenas um conceito fraco diante do horror;

21) Você também traduz. Que idiomas costuma traduzir e quais obras já foram por você  traduzidas?

  1. Desde 1988 (quando passei a entender as existências da maneira da “máquina tribal”) fui perdendo as línguas e me dedicando a escapar do português, língua q detesto e me sinto mal quando ouço, principalmente de portugueses;
  2. Nunca traduzi nenhuma obra. Eles não precisam disso. O caminho seria a tradução do brasileiro, do poema, da diferença radical ser traduzida pra eles, q inda pensam e escrevem em mundos ridículos, imóveis, voltados pro dinheiro e pra verdade q matou bilhões de pessoas nesses 500 anos no mundo inteiro.

22) Uma citação. Um livro de cabeceira. Uma canção.  Um filósofo. Um historiador. Um lugar. Uma comida. Um tempo/era. Um desejo. Um medo. Uma alegria. Um amor.

  1. os livros aqueles lá de cima, mas nenhum de cabeceira;
  2. nenhuma canção: considero a música a mais perfeita forma fascista de arte: ela nada significa e se mostra como se fosse o supremo, o pleno, a essência: delírios fascistas compreensíveis;
  3. a “linhagem” de filósofos acima: heráclito, platão, aristóteles, agostinho, maquiavel, hobbes, descartes, espinosa, rousseau, diderot, kant, shelling, hegel, marx, nietzche, freud, benjamin, blanchot, barthes, foucault, lacan, deleuze, agamben, rancière;
  4. nenhum historiador. todos eles não passam de servos imobilizadores de uma coisa q é apenas o q se dissolve do existente, jamais da história, uma ficção ridícula pra imobilizar os fluxos do existente;
  5. nenhum lugar. não gosto dos lugares, apenas são dimensões a serem atravessadas;
  6. comidas: qualquer uma: quem já passou muita fome, quem já comeu comida do lixo, não terá jamais uma comida preferida, apenas q haja comida;
  7. nenhum tempo: o tempo é o q se esfarela sem se ver do existente;
  8. nenhum desejo, ou apenas uma certa vontade de morrer, pois já estou velho e tudo doi e tudo cansa pra nada;
  9. nenhum desejo, nenhum medo, nenhuma alegria, nenhum amor: apenas a vida enquanto não cessa.

*

essas ideias estão espalhadas em livros e artigos desde o começo da década de 80 até o ano passado 2017 (quando me aposentei e fugi pra viver em paris antes de ser assassinado por-nada nessa última ditadura), quando deixei de escrever a “escrita de ideias” e fico mais desaparecido vendo aparecer narradores livres e plenos dizendo seu horror, o horror nos poemas.



Alberto,muito obrigado!
Adriano Nunes

segunda-feira, 5 de junho de 2017

"Entrevista com Frejat" (por Adriano Nunes)

"ENTREVISTA COM FREJAT" (por Adriano Nunes)



Para dar uma pequena introdução, Frejat é um dos grandes, um dos maiores compositores/cantores brasileiros, autor de belíssimas canções. Viva Frejat!

1) Quando se deu a consciência reflexiva de que música estava definitivamente ligada à sua existência?

Muito cedo, desde muito novo comecei a comprar discos e ouvir música de uma forma bastante atenta, acho que de uns dez anos em diante isso se cristalizou no fato de eu me tornar um ávido consumidor de discos e com o tempo ampliei os meus interesses iniciais do rock para outras formas de música, mas ter certeza que era isso que eu queria fazer na vida acho que só a partir dos dezesseis, dezessete anos, mesmo assim, sem ter a menor ideia de como isso aconteceria.

2) Como se deu a amizade com os integrantes do Barão Vermelho? Como surgiu a ideia da banda?
Fui convidado a participar de um evento que o Guto e o Maurício tinham marcado para a apresentação da banda que estavam formando, esse foi o motivo para o meu encontro com eles e o Dé, e também para a chegada do Cazuza uma ou duas semanas depois, assim se formou o núcleo original do Barão Vermelho.
Não os conhecia anteriormente, com exceção do Dé que cursava a mesma escola de música que eu.
Fui indicado por um amigo em comum chamado Edon de Oliveira, um grande guitarrista, por sinal.

3) Como era compor com Cazuza? Que fatos marcantes, durante as composições, você poderia dizer como memoráveis e impactantes para a sua vida pessoal?

Nós dois nos descobrimos compositores juntos e havia claramente o deslumbramento de perceber que estávamos fazendo algo que tinha consistência, mas era totalmente novo para nós dois.
Acho que a nossa alegria ao terminar essas canções era imensa e isso certamente fortaleceu a nossa amizade e a levou a um nível muito especial.

4) Até que ponto confundem-se o artista e o cidadão Roberto Frejat?

Acho que tem muitos pontos em comum, mas eu não saberia dizer quais são. risos
É muito difícil você não refletir nas suas canções a sua maneira de pensar, por outro lado, existe claramente o personagem de cada música e ele não sou eu.

5) Em 2001, você lançava "Amor pra recomeçar" que impulsionaria a sua carreira solo. De lá para cá, que mudanças aconteceram em seu modo de compor e ver-se artista?

Acho que tenho mais conhecimento do ofício e pude apresentar algumas canções de forma diferente do contexto de uma banda de rock.
Aprendi a entender um pouco mais as minhas obrigações dentro do meu dia a dia.

6) Você já compôs com vários nomes consagrados da música brasileira. Que composições e parceiros você toma como fundamentais para a completitude de sua obra?

Nomear uns em detrimento de outros seria muito constrangedor e indelicado.
Eu tenho um carinho enorme por todos os meus parceiros, pois dividir uma parceria é muito mais profundo que o resultado final, tudo que acontece no meio do processo da criação de uma canção também tem uma importância muito grande.
Tenho parceiros que trabalhei com mais frequência e isso torna nossa parceria mais visível, mas tenho um sentimento profundo por todos eles, inclusive você.

7) Você compôs "Bagatelas" com o filósofo e poeta Antonio Cicero. É uma belíssima canção. Como se deu a parceria e a composição?

Ela aconteceu imediatamente após a saída do Cazuza da banda. A maneira que encontrei para ocupar o espaço de letrista que ele exercia na banda com tanta qualidade.
Fui atrás de quem poderia me dar letras de qualidade para musicar e o Cícero foi uma dessas pessoas.
Agora recentemente fizemos outra, desta vez com Mauro Santa Cecília também na parceria, que ainda está inédita, mas brevemente devo gravá-la

8) O Mauro Sta Cecília tornou-se um parceiro constante e, juntos, vocês fizeram grandes sucessos musicais, sendo elogiadas essas composições tanto pelo público quanto pela crítica. Como é compor com Mauro? Como se deu essa bela amizade? Parece haver uma relação familiar entre vocês e suas respectivas famílias. Seus filhos são músicos e tocam juntos, certo?

Eu e Mauro fomos colegas de turma durante alguns anos e mantivemos nossa amizade mesmo depois de pararmos de estudar juntos.
Nossa parceria é fruto de muitas conversas e pensamentos convergentes, além da sensibilidade de cada um que estimula o parceiro a fazer algo à altura do que está sendo proposto.
Hoje além de parceiros musicais, temos a alegria de assistir a parceria dos nossos filhos numa banda muito legal que se chama Amarelo Manga.

9) Vê-se que você é admirado por jovens e pelos fãs da época do Barão. Como você explicaria tal fenômeno e o que ele representa para o Frejat?

Não tenho explicação, mas acredito que seja pelo fato do discurso não ficar datado.
Isso me traz uma alegria enorme e me considero presenteado por ter esse tipo de resposta de várias gerações, mas não faço isso premeditadamente,
até porque acho que seria impossível.

10) O que há de bom na nova música brasileira? Quem Frejat anda ouvindo?

Gosto da Céu, do The Baggios , de O Terno , Criolo, SILVA, não ouço mais coisas porque não tenho tido o tempo que gostaria para me atualizar.

11) E a poesia... Qual a sua relação com poetas e poemas? Que anda lendo o compositor?

Eu leio de forma dispersa. Adoro Quintana, Drummond, Manoel de Barros, Ricardo Chacal, os poetas beats e por aí vou.

12) Fizemos uma composição juntos. Como foi que aconteceu musicar um poema de um poeta alagoano, tão aparentemente distante do circuito artístico sul-sudeste?

Meu parceiro Mauro Santa Cecília me mostrou uma letra que tinha feito a partir de algo que você tinha escrito, não lembro se um poema ou um texto, eu gostei e disse que faria música para ela.
Algum tempo depois fiz e agora estou gravando.
Ela será lançada em breve junto com outra canção inédita.
Gosto muito da canção e estou tentando fazer um arranjo que lhe dê uma apresentação bonita.
13) Previsão de disco novo? E o show atual, em que se baseia, qual o formato?

Não pretendo lançar disco novo.
Penso em lançar músicas em grupos, como farei com essas duas em breve nas plataformas digitais, pois nesse momento, com exceção de um consumo de nicho como o vinil, não existe um formato físico que atenda o público de música.
Eu tenho dois shows que acontecem paralelamente: o "Frejat ao vivo", que é com minha banda e tem um conceito mais festeiro e dançante e o "Frejat voz e violão" que só faço em teatros com um repertório autoral que inclui músicas que nem sempre toquei ao vivo misturado com canções mais conhecidas.

14) O Brasil atual para Frejat: qual a sua visão político-crítica de tudo que está acontecendo?

A população tem obrigação de ficar atenta e mobilizada para que a classe política não faça mal maior ao país, pois nesse momento só se mobilizam para resolver seus problemas e não os interesses nacionais.
A necessidade de novos nomes é urgente, e temos de ficar atentos para não dar espaço para os "salvadores da pátria".
Não se constrói um país numa década, mas pelo menos o caminho certo tem de ser escolhido, caso contrário , anda-se para o lado errado que é o que fizemos e ainda não conseguimos resolver de forma definitiva.
Isso é motivo de muita angústia para mim, pois sempre acreditei no potencial do país de se tornar uma grande força mundial, mas acho que perdemos a grande chance e agora temos que colocar as coisas nos lugares certos.


Obrigado, grande amigo! Beijos mil
Adriano Nunes