Tenho a honra e a alegria de compartilhar, com os amigos, a entrevista intrigante e instigante feita com o poeta e historiador, professor universitário Alberto Lins Caldas, amigo amado:
Entrevista
1) Alberto Lins
Caldas, o escritor de densas e significativas imagens, de versos despreocupados
com métrica e formalismos gramaticais. Quem é Alberto Lins Caldas? Quem se
pensa e sente?
A primeira coisa é q
não sou alberto lins caldas. A segunda é q não sou escritor ou poeta. A
terceira é q não existe “língua portuguesa” ou “literatura brasileira”. Vamos
por partes:
1.
“alberto
lins caldas” é uma invenção/necessidade do estado, da família, do costume, da
polícia, coisa q serve apenas para imobilizar fluxos, redes em vibração,
discordâncias enfaixados num corpo, num nome, em números, em funções, em
obrigações e deveres, em orgulho e preconceito, em vaidades e pobrezas. só
imobilizado pode ser dominado e cobrado, pode ser punido, responsabilizado,
tornado “autor”, “filho”, “pai”, “homem” “brasileiro”, “professor”. jamais me
senti sendo um homem ou algo, sendo sujeito ou objeto, mas passagens q
encontram passagem, intensidades, loucuras, vertigens: precisamente por isso
não sou “brasileiro” nem digo “coisas em português”, não tenho um “sexo”, uma
“cor”: uma língua é uma imobilidade, um respeito, redes simbólicas de dominação
e impotencialização;
2.
não
“sou” escritor ou poeta porq isso seria ser contra a primeira resposta. não
assumo como prosa-poesia o escrito q dizem vir de “mim”: apenas deixo q as
vibrações simbólicas, signicas, violentas do existir das manadas passem por mim
e se expressem, tomem provisoriamente formas q fazem ver o horror q nos rodeia,
nos habita, nos perfura e mantem a manada ordeira, trabalhadora e reprodutora.
deixo passar, se condessarem, monstruosidades do existir na “máquina tribal”,
“nossa” tribo q criou e dominou um mundo;
3.
nada do
“escrito por mim” é escrito numa língua, a não ser q se creia possível uma
língua, como exige o estado, a religião, a família e seguindo/fazendo essa
coisa inútil e monstruosa q chamam de literatura (as palavras codificadas dos
senhores/barbárie codificada): literatura exige, como tudo, uma cumplicidade de
símbolos, de práticas, de crenças/principalmente de um deus e de palavras de
deus ou deuses/ q fazem parte precisamente das formas de existência da máquina
tribal (ocidente, cristandade, capitalismo). qualquer língua faz parte dos
elementos constitutivos e formativos de servos, de escravos, de trabalhadores,
de estados. não tem existência própria, mas existência formativa de servidões:
crer numa língua é participar dos processos de servidão, da manutenção do
horror, das misérias, dos tolos enganos, da agonia de viver numa desmesurada
colmeia campo de concentração;
4.
a
“literatura brasileira” não passa da escritura falsa de uma fantasmagoria de
senhores e servos (brasil, q não existe, não tem um povo, uma constituição
feita por esse povo, não tem cidadãos): é apenas a mais pura expressão do nada
dizer, da inutilidade de dizer, do dizer sem pensar: uma forma fraca de
fascismo literário;
2) Diga-nos um pouco
da sua trajetória literário-acadêmica. Que livros já foram publicados? Quais
sites em atividade? Como o ofício de professor de História influencia o poeta?
Quando se deu a descoberta de que era preciso escrever versos? Quando se deu a
consciência reflexiva de que você era/é poeta?
1.
nunca
fui “professor”. pra ser professor seria preciso crer na educação, na cultura,
no aprendizado, no melhoramento com os instrumentos da barbárie, ou melhor, os
instrumentos q preparam escravos para se deixarem roubar naquilo e só naquilo q
“possuem”, força de trabalho: a educação é o mais perverso, falso e deformador
instrumento da máquina tribal: sua única função é preparar carne pra ser
abatida no mercado, torcer o corpo até q ele faça o q é preciso no mundo do
trabalho;
2.
pra mim universidade,
enquanto “professor”, tentar abrir linhas de força, sempre foi um lugar de não
aprendizagem, mas de desformatação, multiplicar e dissolver formatações: se
“fui professor” sempre fui assim para o estado, a universidade, as redes
imóveis do horror: sempre fiz o q essa barbaria jamais poderia esperar, lutar
contra ela cada segundo: inutilmente – não há senhores, uns poucos, sem milhões
de servos, de cumplices. a luta contra o horror é absolutamente inútil. Depois
de 40 anos de sala de aula, sei q alunos querem apenas aprender porcamente para
o mercado, a triste reprodução do mesmo;
3.
daí por
uma “relação entre ser professor e poeta” só pode ser impossível: nunca houve
professor (sem “sierras maestras”, só resta a sala de aula), jamais poeta. a
luta com a escrita contra o horror, literariamente, só pode ser um engano de
quem lê: não há ali nenhuma poesia, nenhum verso, apenas um texto q chamo
“poema” como arma de exposição dos fragmentos do horror. cada leitor vai ler o
q desejar, o q acreditar, o q pensa – jamais, como os alunos, dando origem a um
pensamento, uma ação contra o horror, contra a máquina tribal. dessa maneira,
não sou poeta, jamais me descobri poeta. sempre, desde a infância, foi feito
uma guerrilha contra o existente como um todo: a forma q isso toma, depende de
vários fatores, como leitores (os piores servos por acreditarem na escrita, na
literatura, o imóvel, na respeitabilidade), editoras, universidades, amigos e
inimigos.
3) O que é, para
você, a ars poetica? Como você vê esteticamente um poema? É o poema um objeto
estético, uma finalidade sem fim? Um poema tem ontologicamente capacidade de
salvação?
- não existe “ars poetica”: para isso é preciso acreditar em coisas
demais, em coisas “verdadeiras” e “falsas”, em leis, ordens, argumentos,
fala, escrita, história e natureza (esses conceitos matam todo dia, toda
hora, mulheres, gays, negros, pobres, lesbicas e tudo q parece fraco e não
fazer parte): todo um arsenal, uma muralha, uma catedral – construções
para q todas as imobilidades sejam o q dizem ser: “ars poetica” é mais um
instrumento de imobilização e integração;
- um poema não pode ser visto esteticamente: apenas porq pode e deve
ser visto, antes de tudo, politicamente, eticamente, é q pode ser
transversalmente pensado esteticamente, mas a “beleza” esta comprometida
demais com a imobilidade para ser devidamente relevante;
- toda arte, todos os elementos das artes, são bobices pra alegrar
aos senhores. os artistas não passam de bobos da corte. a pergunta: “é o
poema um objeto estético, uma finalidade sem fim” nos deixa no centro
daquele pensamento q, sem saber, expos a arte a sua mais crua
inexistência, a sua mais cruel forma de se exercitar, q é ser um dos
divertimentos sem “finalidade” dos senhores (a “finalidade” é entorpecer
ou criar ser vos orgulhosos), o pensamento de kant, q tornou a arte o q
ela sempre foi, tolices pra formar tolos trabalhadores. nenhuma obra de arte
consegue ser mais q “divertimento de marionetes num teatro de sombras”;
- precisamente por sua condição circesca, coisa de bufonaria, de
inútil-inutilidade, a arte é o “ser”, o imóvel, o eixo,
deus/estado/fábrica, o “centro” patético dos labirintos do capital, da
burguesia, do capitalismo, uma fantasmagoria no centro das fantasmagorias
(marx, benjamin, agamben). lugar de exposição do ridículo desse lugar, da
ridícula inutilidade desse lugar.
4) O que importa no
poema? A beleza importa em que sentido? O que é então um belo poema? As
convenções têm validade estética quando delimitam cânones?
- o q importa seria a consciência do fragmento do horror, o narrador
(personagem q fala o poema), abrindo os olhos do pensamento sobre o
existente: mas essa “missão” é inútil. ela não acontece. o poema é apenas
um resto de ação inútil num mundo onde isso não passa de impotência real
de lutar. o poema inda ta preso a tudo q ele quer combater. serve aos
senhores, a coleta da força de trabalho da mesma maneira. criando, fazendo
parte da mesma coisa fria e ridícula da arte em geral, não uma “arma de
guerra” como se pretende, um instrumento de ação.
- dai porq a beleza é a visibilidade da impotência, sua perversa e
simétrica gozação. um “belo poema”, q não passa de um verso, não passa de
uma arma quebrada, ou um verso de marionetes, os poetas, pra seus senhores
passarem a página com a certeza do “reconhecimento” de classe q torna cada
um deles um diferente, alguém q conquistou um lugar: o “poema”, na verdade
sempre verso, é apenas uma armadilha, uma ilusão da vontade de ascensão e
reconhecimento;
- só existem cânones pro gozo perverso das convenções, do estado, da
nação, da vontade de imobilidade e dominação;
5) Quais influências
poéticas marcaram a sua infância poética? Como se deu a construção desse poeta
atual através das leituras de poemas alheios? Que poeta há mais no poeta
Alberto?
- o q nasce de poetas e versos são poetas e versos: poemas nascem de
um constante e vivenciam enfrentamento do horror, não nascem de livros,
mesmo podendo usar carcaças, pedaços de livros de todos os tipos: os
poemas se dão duma maneira diferente: apenas jorram dos fluxos de
linguagem: aqui cessa borges e começa marx;
- nenhum poeta me marcou ou marca, mas alguns filósofos como marx,
espinosa, hegel, nietzsche, foucault, deleuze, bachelard, blanchot,
barthes: a literatura apenas enquanto caixa de instrumentos para testar
ideias e sensações; porisso não carrego nas costas nenhum poeta, isso quem
faz é o leitor e projeta no poema, não conseguindo ler esse poema com a
devida precisão, cuidado, pensamento e ação.
6) Poesia como arte
e como mercado? O que devora o quê? Por que é importante ler livros de poemas?
- nenhuma importância ler livro algum, principalmente de poesias.
são integrados demais para valer a pena. poesia, arte, livros não passam
de produtos do mercado e não algo além dele, algo q possa fazer
compreender o q seria o próprio mercado. aqueles “livros” q escapam a isso
terminam fazendo parte e entrando na dança.
7) Os clássicos são
insuperáveis? Tendemos a superá-los?
- “clássico” é o q mantem a tribo com seus pilares imaginários, suas
certezas, domínios nos lugares bem colocados. eles são os pregos dos
tecidos das teias simbólicas tornadas realidade, naturalidade. sem deus,
estado, família, língua, povo não existe “clássico”, q é um dos elementos
necessários de estabilização, reconhecimento e identidade;
- clássicos pulam os círculos de modificação social para garantirem
novos reconhecimentos, identidades, respeitos e naturalizações –
continuidades: daí a sensação de não serem superados: eles são marcos de
qualquer boa ditadura do único, do mesmo, do igual q quer aparecer
diferente.
8 ) Como desmascarar o horror, como desnudá-lo e expô-lo ao público? Por
que o horror choca e escandaliza? Por que o horror é medida humana? Há poesia
no horror? Como a poesia atua na denúncia do horror?
- nada mais evidente q a maquina tribal, parafraseando o nada mais
evidente q deus ou substancia de espinosa. precisamente por isso ela não
pode ser exposta a não ser em pequenos fragmentos, o q precisamente
impossibilita um desmascaramento, só possível em quem esta numa totalidade
monstruosa onde a maquina tribal inteira se joga na destruição do outro:
só assim ela pode ser desmascarada: ou parcialmente desmascaradas naqueles
q dentro da maquina tribal é tratado a vida inteira como um monstro, uma
exceção, uma cois a parte da natureza, da beleza. expor o horror seria
descrever, seria representar, seria fotografar e isso apenas seria nada
mais q o próprio horror se escondendo, se tornando superfície,
visibilidade, apenas um momento, um traço, quando nada é mais evidente q o
horror, isto é, tudo é ele, precisamente tudo;
- o horror q choca é apenas o individualizado, o q pode ate ser
mudado, o feito pelo monstro ou por um momento de uma tribo: sem ser visto
em sua plenitude ele não pode chocar, nem ser sabido, nem ser mudado;
- o conceito de “humano”, “humanidade”, “homem” é o mesmo q
“natureza, “sociedade” “raça”, “gênero”, “universalização”, etc, q não
passam de conceitos q fazem parte de todos os tecidos do horror: esses
conceitos são instrumentos vivos do horror da maquina tribal,
principalmente pra dominar, excluir, explorar, desmoralizar e destruir.
todos esses conceitos-vivencias só existindo como instrumentos de
dominação e exploração (não existindo raça não pode haver racismo e com
isso se esconde a essência nazista da máquina tribal; não existindo
macho/fêmea podemos esconder essa essência como se fosse uma briga de
diferenças; não existindo heterossexual/homossexual se esconde q a questão
não é “natural”, porq não existe “natureza”)/ redes imaginarias,
ficcionais, simbólicas, todas crenças nazistas de funcionamento,
separação, produção, reprodução: garantias da normalidade.
- a poesia “não atua contra”, ela faz parte do horror e sempre fez,
principalmente nesses 200 anos (romantismo, modernidade) onde o
capitalismo se tornou a única realidade, a única ordem: o poeta é um fujão
dessa tribo nazista q criou um mundo nesses pouco mais de 500 anos. sua
função é esconder com a simetria e a beleza, com a norma e a língua
precisamente a essência nazista do “nosso existir”.
9) Quando o artista
trabalha com a realidade fatual, em poesia, com a política, por exemplo, corre
o risco de ser panfletário ou mesmo um ideólogo. Como evitar isso? Ou não
importa? A poesia aceita e legitima quaisquer discursos sob a alegação de que
tudo é poético?
- essa é uma questão geral q diz respeito a poesia, o q não é meu
caso. acho q responderia melhor um poeta sobre seus versos e a politica;
- quanto ao poema ele é, sempre, de esquerda, libertino, libertário,
livre, guerrilheiro, uma arma provisória: sua essência é a luta contra o
existente. ser panfletário ou ideológico diz respeito ao poeta, a poesia e
a literatura enquanto “escrituras falsas” da-nação.
10) Como delinear e
decidir que um objeto estético pode ser considerado uma obra de arte?
- essa é uma questão q diz respeito a uma disciplina, a estética,
deformação filosófica do pensar as coisas enquanto igualdade e não
enquanto diferença e multiplicidade: por exemplo, não existe “obra de
arte” no centro da estética porq essa seria de cada grupo e cada tribo,
não podendo haver mais um universal, o q deformaria e esvaziaria seu
sentido: apenas universal a “obra de arte” poderia ser pensada, logo,
negada e posta, “inconscientemente” enquanto “obra de arte” pra maquina
tribal.
11) Todo aquele que
faz versos é poeta? Harold Bloom diz que há poetas e versificadores. Como você
enxerga essa perspectiva?
- mais uma vez, essa é uma questão de poetas (faz versos, faz poesia),
não de poematas (faz poemas). Tanto poetas quanto versificadores tão no
mesmo lócus, mesma perspectiva, mesmo sistema de crenças.
12) Como o poeta vê
o Brasil atual? As instituições funcionam democraticamente? O fascismo está
ganhando forças? Por quê? A poesia pode ser corrompida e atender a objetivos
ideólogos ou mesmo nefastos?
- não existe nem jamais existiu “brasil”, país, povo, leis,
sociedade, história, cultura, civilização, isso “brasil”: essa
generalidade, esse global, esse universo “brasil” (já inexistente por sua
universalidade de existência querendo abarcar numa unidade e identidade as
inumeráveis formas do mesmo: o cada-um fazendo o torno “brasil” girar e
funcionar) sempre foi feito pela “servidão voluntária” do imenso cardume,
lixeiro, chorume – agregados, funcionários, empregados, servos,
trabalhadores – uma coisa média, uma alma pequena, uma coisa servil (“alma
brasil”): “brasil” é a fantasmagoria pesadelo “inicial” do capital
mercantil, não dum grupo, uma casta, uma rede financeira-industrial, dum
povo: específica junção/articulação entre
servidão-voluntária-classes-dominantes é apenas parte do visível, do
permitido, do quase sabido: a coisa, o isso, é mais simples e por isso
mesmo se escondeu normalmente, naturalmente, socialmente: só há servidão
voluntária e seus fantasmas (sua rede de crenças, uma normose) se
entendermos esse voluntário enquanto um não sabido involuntário, um
consciente sabichão, agregado com subclasses mamando o produzido por essa
servidão voluntária), “inconsciente”, um não dito porq não plenamente
sabido, aproveitado, feito segundo a segundo em práticas, crenças,
desejos, saberes, experiências e sonhos, mas não sabido – servido sabido
aos “senhores”: o espectro projeto martitica (“brasil”), o quase reprimido
porq não se viveu, é vivência construída dia a dia pela servidão
voluntária: “brasil” é o aparecer crente, o construído, a visibilidade de
martitica, a polpa q se apalpa sem ser e não se apalpa quase sendo, esse
nada, o permitido, o aceito, a ponta, a pele do espectro mantido,
reproduzido e guardado pela servidão voluntária como se fosse;
- se há o “brasil” há o “povo
brasileiro” – mas não há “povo” algum porq um “povo” se faz com uma ou
várias revoluções onde uma massa, uma “plebe” indigesta e cordeira, “passa
a se reconhecer e lutar em comum”: no “brasil” (matrix de martitica,
fantasmagoria monstruosa, carnaval onde a “plebe” imita os senhores, os
sonhos e desejos dos senhores) jamais houve revolução nem pode haver
enquanto houver o “brasil” enquanto pele dobrada de martitica, a pele, a
polpa do nada, o projeto dos senhores tornado quase realidade, quase
vivido, quase gente, transe entre fantasmagoria e existência – uma forma
de existência como a dos centauros, de gregor sansa ou k.): apenas depois
de revoltas, resistências, revoluções uma massa bruta, cordeira, se torna
“povo” e pode e tem o poder de fazer suas leis, ele mesmo, sua
constituição, feita por ele, por sua coragem depois de muito sangue onde
foi visto q “agora e daqui pra diante podemos”, logo, o “povo” se torna
“cidadão”, nasce a coragem e a confiança em sua força e poder, q se tona
ponto de partida dum “viver social”: no “brasil”, matrix de martitica,
jamais houve um “cidadão”, jamais houve leis, jamais uma constituição,
jamais um país, jamais liberdade alguma, sociedade, cultura: as
identidades (“brasil”, brasileiro, território nacional, literatura, arte,
costumes, branco, negro, macho, senhora, etc.) são apenas biombos
construídos pelas servidões voluntárias (imitações das “metrópoles”) e
seus instrumentos ou dispositivos como a educação, por exemplo (essa coisa
sempre falsa, sempre farsa, sempre útil ao “projeto martitica”, sempre
“cúmplice”), pelas mídias, pelas crenças, pelos discursos, pelas práticas
mantenedoras, pela literatura (letra falsa, oligarquia das letras,
realismo de botequim, crônicas, memorialismos, sociologismos: escritura
falsa): “aceitamos e obedecemos”: “mantemos os sonhos dos senhores”:
“agiremos como se fosse e terminará sendo”: “mentiremos tanto q se tornará
verdade: brasil”: mas não se sabe disso: o “brasil” como cenário perverso,
nazista, campo de extermínio, onde os “primeiros senhores” deixaram de
atuar e entregaram a outros senhores e outros senhores e mesmos senhores
uma matrix, um cenário, atores, palhaços, cretinos, trabalhadores e
defensores dessa péssima opera bufa “brasil” q criou seus próprios
senhores e cuidam deles com deleite cordeiro: esse cuidado dos cordeiros
com seus lobos, q são cordeiros com postura de lobo, é uma das forças
bufas da fantasmagoria “brasil”: parece política e não passa de teatro de
quintal;
- O “brasil” sempre foi um rosário de ditaduras e a literatura
apenas letra falsa e reza pra esse rosário.
13) Como você
percebe a relação entre poesia e crítica?
- inútil e ridícula. na verdade, uma relação obscena porque esconde
q nada uma tem a dizer a outra ou q uma nasça da outra: é preciso q se
acredite q as palavras de um deus criem livros, nasçam de autores, q
possam ordenar e vir de ordenações: apenas uma grande vergonha teológica.
14) Como você encara
a discussão poema e letra de música?
- simples: uma tolice cercada de música, q é outra tolice e uma
tolice sem música se é um poema a música nada acrescentará ou retirará.
nada mais a dizer.
15) Se tivesse que
nomear escritores não poetas (ou mesmo obras em prosa), quais são fundamentais
para o poeta Alberto?
- tenho com os livros uma relação diferente da maioria: não entendo
como algo a ser seguido ou q com ele se aprenda algo, mas um lugar de
luta, de roubo, de saque, de construção das minhas armas em minha luta.
todos os livros são insuficientes pra uma luta contra o horror, uma guerra
presente, política, ética. eles não são objetos de prazer, mas de depósito
de possíveis balas, pólvoras, lanças, flechas, tacapes, fuzis, pedras. mas
nada disso é certo. eles não são daqui e dagora. são apenas instrumentos
possíveis. a lista abaixo é o de um arsenal já usado, já gasto e reusado.
uma rede conhecida mínima pra luta dagora. nada quanto a "grandes
livros e grandes autores". eu detesto livros. acho uma coisa
desprezível, um artefato limitante. é por isso q não há nada da
"língua portuguesa": essa coisinha do senhor encravada na carne,
impotente e sem arsenais realmente violentos e radicais. o resto se dirá
com a vida.
- segue uma antiga lista (nada, jamais, da “língua portuguesa”), sem
ordem pessoal, de obras e autores q são a base mínima do meu solo
literário (solo construído pra ficar em pé e poder escrever segundo minha
perspectiva): ao redor e além centenas de outros autores e livros cada um
enfrentado conforme o tipo de batalha.
- Livros e Autores: O Mestre e Margarida – Bulgákov; Jakob von
Gunten – Walser; Otelo – Shakespeare; As Brasas – Marai; Juventude –
Conrad; A Metamorfose – Kafka; Todas as Manhãs do Mundo – Pascal Quignard;
Silvia – Nerval; O Perfume –
Suskind; Viagem ao Fim da Noite – Céline; A Casa das Belas Adormecidas –
Kawabata; Memória de Minhas Putas Tristes – Garcia Márquez; O Barão nas
Árvores – Calvino; À Espera dos Bárbaros – Coetzee; O Sobrinho de Rameau –
Diderot; Um Médico Rural – Kafka; O Jovem Törless – Musil; Morte em Veneza
– Mann; O Náufrago – Bernhard; A Tentação de Santo Antônio – Flaubert; O
Imoralista – Gide; Breve Romance de Sonho – Schnitzler; Bartleby –
Melville; Hamlet – Shakespeare; Woyzeck – Büchner; Baal – Brecht; Memórias
do Subsolo – Dostoievski; Édipo Rei – Sófocles; Crônica de uma Morte
Anunciada – Garcia Márquez; Odisséia / Ilíada – Homero; O Visconde Partido
ao Meio – Calvino; Billy Budd – Melville; O Penitente – Singer; O
Veredicto / Na Colônia Penal – Kafka; Macbeth – Shakespeare; O
Desaparecido – Kafka; Palomar – Calvino; No Coração das Trevas – Conrad; Michael
Kohlhaas – Kleist; Os Últimos Dias de Immanuel Kant – Thomas de Quincey; A
Canção de Amor de J. Alfred Prufrock – Eliot; Ricardo III – Shakespeare; O
Velho e o Mar – Hemingway; Morte a Crédito – Céline; O Duelo – Conrad; O
Declínio do Egoísta Johann Fatzer – Brecht; Retrato do Artista Quando
Jovem – Joyce; Ficções – Borges; O Castelo – Kafka; Alice / Alice Através
do Espelho – Carroll; Histórias Extraordinárias – Poe; As Cidades
Invisíveis – Calvino; Contos – Voltaire; O Deserto dos Tártaros – Buzzati;
Conversa na Sicília – Vittorini; Novecentos – Alessandro Barico; As Flores
do Mal – Baudelaire; O Nome da Rosa – Eco; As Mil e Uma Noites; O Processo
– Kafka; Ulysses – Joyce; Em Busca do Tempo Perdido – Proust; Omeros –
Walcott; Ana Karenina – Tolstoi; Jacques, o Fatalista e seu Mestre –
Diderot; Madame Bovary – Flaubert; Gargântua / Pantagruel – Rabelais; Aventuras
do Bravo Soldado Schweik – Hasek; Dom Quixote – Cervantes; Divina Comédia
– Dante; O Parasita – Luciano; Terra Desolada – T. S. Eliot; Rei Lear –
Shakespeare; Moby Dick – Melville; Danton – Büchner; Hadji Murat –
Tolstoi; O Livro de Areia – Borges; Um Artista da Fome – Kafka; Auto-de-Fé
– Elias Canetti; O Pequeno Zacarias – Hoffman; Balada do Velho Marinheiro
– Coleridge; Grandes Esperanças – Dickens; Clube da Luta – Chuck
Palahniuk; Ferdydurke – Witold Gombrowicz; Homem Invisível – Ralph
Ellison.
- Em guerra: Mary Shelley; Tchekhov; Cortázar; Beckett; Ibsen; Duras;
Beauvoir; Anaïs; Virginia Woolf; Kundera; Balzac;Austen; Agatha; J. K.
Rowling; Heiner Müller; Sófocles; Pirandello; Gogol; Dorothy Parker;
Katherine Mansfield; Swift; Sterne; Defoe; Lezama; Isabel Allende;
Marguerite Yourcenar; Cabrera Infante; Ionesco; Montaigne; Moliere; Toni
Morrison; Anne Rice; Aristofanes; Svevo; Sade; Dostoievski.
- Poemas de: Seferis; Corbiere; Gertrude; Dickinson; Rimbaud;
Ducasse; Celan; Akhmathova; Enzensberger; Benn; Lorca; Donne; Ingeborg;
Hopkins; Safo; Heine; Szymborska; Pound; Elizabeth Browning; Ginsberg;
Cummings; Milton; Villon; Plath; Brecht; Carlos Williams; Rilke; Stevens;
Bukowski; Marina Tsvetaïeva; Donne; Bishop; Juana Inés de la Cruz;
Kaváfis; Sexton; Creeley; Whitman; Hopkins; Marianne Moore; Lautréamont;
Yeats; Mallarmé; Laforgue; Laura Riding; Quasimodo; Hölderlin; Auden;
Trakl; Montale; Guido Cavalcanti; Blake; Arnaut Daniel; Catulo; Virgílio;
Ungaretti; Vasko Popa; Nelly Sachs; Óssip Mandelstam.
- Filósofos essenciais a esse solo literário: Heráclito, Platão,
Aristóteles, Agostinho, Maquiavel, Hobbes, Descartes, Espinosa, Rousseau,
Diderot, Kant, Shelling, Hegel, Marx, Nietzche, Freud, Benjamin, Blanchot,
Barthes, Foucault, Lacan, Deleuze, Agamben, Rancière.
16) Seus poemas têm
uma forte relação com o conceito de tribo/clã, ao que parece. Isso se dá por
causa de suas convicções acadêmicas e políticas? Até que ponto o historiador transparece no poeta enquanto
arauto da civilização? Somos civilizados ou bárbaros?
- como disse antes, fui professor de história e filosofia por 40
anos pra ser contra a imobilidade das coisas, não pra ensinar. a história
jamais existiu. não passa de uma mega construção imaginaria para garantir
a identidade da produção, dos servos e das naturalizações. daí não haver
nenhuma relação entre poemas e “história”, mas uma pequena relação entre
os poemas e a luta contra o horror e a “história” enquanto um dos seus
elementos.
- “civilização” e “barbárie” são componentes da mesma visão de
existência da história. duas inexistências inúteis por não poderem dar
conta de nada, nem mesmo do q ascene ou cai, relativismos num fluxo
múltiplo e violento;
17) Que poetas e
livros anda lendo Alberto Lins Caldas?
- sempre os mesmos há muitos anos: os da pergunta 15.
18) Por que a
culinária é um traço forte em seus escritos? Que relação há entre a denúncia do
horror e a culinária?
- a culinária, as coisas, os corpos são matérias repetidas tanto num
mesmo poema quanto em estruturas de poemas. assim como as mesmas palavras,
a mesma pobreza de palavras: sem estar na “literatura brasileira”, a
pobreza faz parte constitutiva por ser ela sempre a mesma: mesmo quando o
narrador é um fascista (o q é normal mesmo quando não parece) essa
pobreza, essa repetição esses elementos culinários tornam esses narradores
“animais”, “aquilo q come e só come”, a redução de tudo ao q é devorado.
19) Que poetas
contemporâneos são, para você, grandes poetas, isto é, que impressionam o poeta
Caldas?
- sem poetas. todos integrados, todos funcionários, todos fazendo
parte da-nação, no brasil martitica, a ilha brasil dos colonizadores,
quanto em outras línguas ocidentais e nenhuma violenta revolução em
línguas, em povos q foram colonizados, escravizados, destroçados;
humilhados: a poesia não redime nem faz revoluções. a poesia faz parte do
horror.
20) Há esperanças?
Há Deus? Há o instante em que a existência pode ser comemorada sem rancor ou
ódio?
- sem esperança nenhuma, nem para “nós” nem para “eles”/ sem deus,
sem natureza, sem sociedade, sem comunidade, sem a possibilidade da comunicação,
sem o amor (invenção reprodutiva quando enfraqueceu e cessou o pátrio
poder no ocidente, o poder q casava), sem a amizade, o existente apenas
como formas do ressentimento, rancor e ódio, a essência do capitalismo,
nazista há mais de 1000 anos, nada há q possa ser comemorado: a alegria é
apenas um conceito fraco diante do horror;
21) Você também
traduz. Que idiomas costuma traduzir e quais obras já foram por você traduzidas?
- Desde 1988 (quando passei a entender as existências da maneira da
“máquina tribal”) fui perdendo as línguas e me dedicando a escapar do
português, língua q detesto e me sinto mal quando ouço, principalmente de
portugueses;
- Nunca traduzi nenhuma obra. Eles não precisam disso. O caminho
seria a tradução do brasileiro, do poema, da diferença radical ser
traduzida pra eles, q inda pensam e escrevem em mundos ridículos, imóveis,
voltados pro dinheiro e pra verdade q matou bilhões de pessoas nesses 500
anos no mundo inteiro.
22) Uma citação. Um
livro de cabeceira. Uma canção. Um
filósofo. Um historiador. Um lugar. Uma comida. Um tempo/era. Um desejo. Um
medo. Uma alegria. Um amor.
- os livros aqueles lá de cima, mas nenhum de cabeceira;
- nenhuma canção: considero a música a mais perfeita forma fascista
de arte: ela nada significa e se mostra como se fosse o supremo, o pleno,
a essência: delírios fascistas compreensíveis;
- a “linhagem” de filósofos acima: heráclito, platão, aristóteles,
agostinho, maquiavel, hobbes, descartes, espinosa, rousseau, diderot,
kant, shelling, hegel, marx, nietzche, freud, benjamin, blanchot, barthes,
foucault, lacan, deleuze, agamben, rancière;
- nenhum historiador. todos eles não passam de servos imobilizadores
de uma coisa q é apenas o q se dissolve do existente, jamais da história,
uma ficção ridícula pra imobilizar os fluxos do existente;
- nenhum lugar. não gosto dos lugares, apenas são dimensões a serem
atravessadas;
- comidas: qualquer uma: quem já passou muita fome, quem já comeu
comida do lixo, não terá jamais uma comida preferida, apenas q haja
comida;
- nenhum tempo: o tempo é o q se esfarela sem se ver do existente;
- nenhum desejo, ou apenas uma certa vontade de morrer, pois já
estou velho e tudo doi e tudo cansa pra nada;
- nenhum desejo, nenhum medo, nenhuma alegria, nenhum amor: apenas a
vida enquanto não cessa.
*
essas ideias estão
espalhadas em livros e artigos desde o começo da década de 80 até o ano passado
2017 (quando me aposentei e fugi pra viver em paris antes de ser assassinado
por-nada nessa última ditadura), quando deixei de escrever a “escrita de ideias”
e fico mais desaparecido vendo aparecer narradores livres e plenos dizendo seu
horror, o horror nos poemas.
Alberto,muito obrigado!
Adriano Nunes