[este texto é dedicado a duas pessoas: José da Conceição Estêvão Lopes e Ezequiel da Anunciação Estêvão Fernandes. Eles sabem porquê (e eu também)]
No meio do barrocal algarvio ergue-se, imponente, bela, imaculada, soberba, branca, a igreja de Santo Estêvão. O mais importante templo que a humanidade já construiu.
As suas duas torres, simétricas e altivas, são como duas espadas enterradas, verticalmente, na terra. Firmes, elegantes, extraordinárias.
A importância desta igreja percorre a História e foi inspiração para artistas, músicos, escritores, marinheiros, pintores, caçadores, guerreiros, filósofos, homens de Estado.
Desde logo, Taj-Mahal. Onde foram os arquitetos buscar aquela cor branca? À igreja de Santo Estêvão!
O homem de Alcala de Henares onde foi buscar aquela frase com que inicia o seu livrito... “En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme” era o quê? A igreja de Santo Estêvão! Ele não se queria recordar do nome porque não lhe convinha. E para um espanhol de perto de Madrid tudo era La Mancha. Os ciúmes eram muitos e a soberba não o deixava ver.
Jimenez, quando comparava a sua igrejita em Moguer com a Giralda não o faz com a igreja de Santo Estêvão porquê? Por uma razão simples: a igreja de Santo Estêvão tem duas torres e as outras só têm uma…
E qual a diferença entre as catedrais de Sevilha, a Sagrada Família de Barcelona, a Notre-Dame de Paris, as catedrais de Milão, a Basílica de São Pedro, a Catedral de Colónia, Santa Sofia, Bruges, Chartres, e etc e tal e a igreja de Santo Estêvão? Todas elas têm um aspeto encardido e a igreja de Santo Estêvão é alva, pura, linda.
A baleia de Neville não era cinzenta, mas o reflexo das torres da igreja de Santo Estêvão no Oceano que, por razões da refração da luz, parecia cinzenta.
Ortega y Gasset não disse, nunca, que o homem é ele e a sua circunstância, mas sim “a beleza é a igreja de Santo Estêvão e a sua envolvência”.
A Persistência da Memória, de Salvador Dali, baseou-se em quê? No relógio da torre de Santo Estêvão. Dali era genial, mas foi ao ver a torre da igreja de Santo Estêvão que teve aquele lampejo de genialidade.
Madame Bovary seria menos propensa àqueles desejos carnais se tivesse ido à missa à igreja de Santo Estêvão.
Se Benjamin Britten tivesse ouvido o sino maior da igreja de Santo Estêvão, nunca teria produzido war requiem, um som agudo e sem alma. Só no Requiem de Mozart se atinge uma dor e profundidade que se aproxima do som sublime debitado por aquele sino.
Napoleão produziu aquela frase famosa... séculos de história vos contemplam, supostamente aos seus soldados, foi proferida ao sair da sacristia da igreja de Santo Estêvão e quando, abrindo a braguilha, se encostou à parede da igreja e aí, encostando o seu instrumento (como dizia o Marlon Brando) de três centímetros e meio, para se aliviar da pressão mictórica.
E foi na Pedra da Verdade, arrimada à igreja da Santo Estêvão que o Corso, bruto, rude, xucro, escreveu a carta a Josephine que revolucionou a indústria dos perfumes e hábito de higiene das francesas “Josephine, chego dentro de duas semanas. Não te laves”. Esta a frase que revolucionou a indústria titubeante dos cheiros e, sobretudo, a bien-être. Quanto ao hábito higiénico então iniciado, mantém-se.
O sorriso irónico da Mona Lisa deve-se a terem-lhe mostrado uma pintura da Notre Dame de Paris e afirmarem-lhe “é mais bonita que a igreja de Santo Estêvão!”.
O brilho que se vê na moça de brinco de Jan Vermeer é o da igreja de Santo Estêvão. Nenhuma pedra brilha por si só, sem uma luz que lhe incida. E aquela luz não engana ninguém: é a da luz da igreja de Santo Estêvão!
Acham que o êxtase de Santa Teresa de Bernini se deveu à espada do anjo a trespassá-la? Nan! Alguém tem um êxtase orgástico ao seu perfurado por uma espada? Não! Atrás do anjinho estava o desenho da Igreja de Santo Estêvão! O mesmo com Caravaggio.
Colombo, vindo de Palos de la Frontera, ao avistar a igreja de Santo Estêvão hesitou. “Não é possível encontrar tamanha beleza na Índia…”. E não encontrou! Ao regressar, encostou na praia do Homem Nu, caminhou, a pé, da Torre de Aires até Santo Estêvão para render uma sentida e profunda homenagem à Igreja que o tinha maravilhado. Disto não reza a história, pois o alentejano não quis fazer alarde e não queria que o Fernando e a Isabel, os reis de Espanha, sonhassem com tal preito (a ciumeira, amigos, a ciumeira…).
E o Ulisses, meu Deus, o Ulisses não esteve tantos anos perdido, ao contrário do que o livrito diz. Não! Ele veio do Mediterrâneo, encalhou na Torre D´Aires e, do terraço, ficou cinco longos anos a admirar aquelas torres. Qual Grécia, qual meia Grécia! Tamanha beleza nunca se tinha visto. E se não fosse Penélope já ter a lã gasta, ainda o veríamos, hoje, no Fialho a banquetear-se com umas ameijoas abertas ao natural.
Alice, portuguesa de Santo Estêvão, tinha sido empregada do homem. Alice morreu e Beethoven veio ao funeral. Quando ouviu o sino maior da igreja ficou extasiado, rendido, fascinado com aquele som. E assim saiu a quinta sinfonia. Sublime, mas o génio do surdo não se tinha despertado sem aquele som grave e profundo. Isto no início do século XIX.
Raskolnikov nunca teria matado a velha se tivesse avistado a igreja de Santo Estêvão. Nem Karenine caído em amores proibidos.
A História, a grande História, teria sido diferente se os seus protagonistas tivessem tido a oportunidade de conhecer a igreja de Santo Estêvão, a única igreja que, depois de soarem as badaladas de quaisquer horas, as repete dois minutos depois e o ponteiro das horas, mandrião, assinala uma hora antes…
Churchill, outro invejoso e com a mania das grandezas, pronunciou que “a igreja de Santo Estêvão é a mais feia das igrejas, tirando todas as outras”. O homem gostava destes paradoxos sem sentido. Mas nunca pintou a Igreja de Santo Estêvão. Livra! Do que nos livrámos!
A passarola de que o Saramago fala, não foi jogada no Rossio, foi de cima da Igreja de Santo Estêvão! O Gusmão vivia perto do Poço das Bruxas, recolhido, com muita fé, beato, e arranjou aquela geringonça com canas da ribeira da Asseca.
O coronel Buendía ainda seria vivo, se tivesse avistado a Igreja de Santo Estêvão. Se Llosa conhecesse a Igreja de Santo Estêvão, a catedral teria saído do seu livro mais famoso. Os moinhos de vento eram as torres da Igreja de Santo Estêvão que o Sancho avistou primeiro da Torre D´Aires. A melancolia do Proust nasceu da impossibilidade de visitar aquela Igreja de que tanto se falava. Hugo, que palmilhou sessenta quilómetros para ir ver a sua amada a Dreux, estava preparado para ir a Santo Estêvão, a pé, mas foi apunhalado pelo corcunda de Notre Dame quando se aprestava a iniciar a caminhada, com um mapa Michelin nas mãos. Foi na sacristia da Igreja de Santo Estêvão que Yourcenar surpreendeu Adriano debaixo de um soldado, e não na Igreja do Santo Anjo. A indiferença de Meursault perante o mundo derivou de não ter dinheiro para visitar aquela magnífica Igreja. Pessoa, o poeta-filósofo, referia-se a quê quando escreveu o sino da minha aldeia? Pois claro! O Álvaro de Campos, que havia nascido em Tavira, disse tais coisas sobre a sonoridade do sino da Igreja de Santo Estêvão, que o homem foi, todo lampeiro, escrever “o sino da minha aldeia/…/Cada tua badalada/soa dentro da minha alma”.
Tudo isto, e muito mais, haveria para contar, mas estão-me a chamar para a consulta, aqui, na Avenida do Brasil. Querem experimentar um latex novo. Até já.
escrito por
Carlos M. E. Lopes
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