O mais antigo funcionário da sala, Mercídio Scarpelli, conhecido por todos como Cid, já foi ameaçado de morte por cinéfilos que se sentiram "roubados"
Sala recebeu mostras completas de Charles Chaplin, Alfred Hitchcock e Howard Hawks
Sala foi reformada em 2013, recebendo equipamentos de projeção e som de última geração
Publicado originalmente no site Hoje em Dia, em 09/04/2018
Cine Humberto Mauro completa 40 anos
Por Paulo Henrique Silva
Projecionista do Cine Humberto Mauro há mais de 30 anos,
Mercídio Scarpelli já sentiu na pele até aonde pode ir o amor ao cinema. “Nosso
projetor era aquele de rolinhos, que tinham que ser trocados a cada dez
minutos. Quando estava exibindo ‘Ben-Hur’, houve uma pequena diferença de cenas
nesta passagem e um espectador foi à minha fala me dizer que eu estava roubando
filme!”, lembra ele, divertido.
Apesar do medo que ficou, precisando ser acompanhado até o
ponto de ônibus por um policial que estava na plateia, na hora de ir para casa,
Scarpelli gosta de contar essa história para diferenciar o tipo de público da
sala do Palácio das Artes, que comemorará 40 anos de atividades em outubro.
Criada após um grupo de cinéfilos de Belo Horizonte se
reunir para ver filmes no Grande Teatro, o cinema não perdeu o papel: dar
acesso a obras importantes de todo mundo.
Mônica Cerqueira foi responsável por dar a cara que o cinema
tem hoje, apresentando uma programação regular e diversificada. Antes de virar
a coordenadora, ela era uma das secretárias da presidência que sonhava um dia
em trabalhar no cinema, uma de suas paixões.
A oportunidade chegou, mas não sem polêmica. “O pessoal da
área pediu a minha destituição nos jornais e na Coordenação de Cultura do
Estado. Afinal, quem era aquela menina? Não era do cinema”, recorda Mônica, que
acabou ficando dez anos à frente do espaço, criando mais tarde outras salas
cult, como o Savassi Cineclube e o Usina.
Criou mais controvérsia ao exibir um filme dos Beatles, até
então visto como entretenimento puro. “Queria que a sala fosse conhecida,
queria abrir a roda. Ele ficou aquecido e nunca deixei isso esfria",
lembra Mônica, que, para não perder público, cheogu a substituir o
projecionista que havia quebrado a perna. "Não iria fechar a sala após
chegar a esse ponto. Então eu mesmo fui ser a operadora”.
Não é nenhuma “maldição”, mas, uma vez que se passa pelos
bastidores do Cine Humberto Mauro, o vínculo com o espaço parece se tornar
vitalício, com as pessoas sempre retornando a ele, de uma forma ou de outra.
Ana Siqueira foi coordenadora da sala em 2008 e saiu para
ter a sua filha, Rosa. Voltou cinco anos depois, para ficar à frente do
Festival Internacional de Curtas-Metragens de Belo Horizonte, criado em 1994
por José Zuba Jr., outro nome fundamental na história do Humberto Mauro.
“É muito gratificante trabalhar num cinema que tem esse
perfil. Além da possibilidade formativa, tendo na plateia gente que mais tarde
estaria dirigindo seus filmes, havia o trabalho cotidiano com a história do
cinema. Não passava um dia sequer que eu não entrava na sala, mesmo que por
alguns minutos”, registra Ana.
A história de Bruno Hilário, atual gerente da sala, começa
em 2009, quando entrou como estagiário na gestão de Daniel Queiroz. “Na época,
eu estudava cinema e tinha no Humberto Mauro um espaço democrático que unia
divertimento e filmes de diferentes lugares”, destaca.
Ele acompanhou de perto a transformação da sala,
primeiramente aos olhos do próprio Palácio das Artes, que passou a dar ao
cinema o mesmo status de suas óperas e apresentações de balé. “Foi muito significativa
essa passagem para gerência, ganhando maior autonomia e um lugar mais
estabelecido na política interna”, observa.
Assim o Humberto Mauro se tornou referência nacional na
realização de mostras retrospectivas, várias delas acontecendo na gestão de
Rafael Ciccarini. Eram verdadeiras buscas arqueológicas, com cópias vindas do
exterior, para não deixar nenhum filme de fora.
Acompanhadas por debates e catálogos, as mostras de Alfred
Hitchcock, Charles Chaplin e Howard Hawks chamaram a atenção para a programação
oferecida pela sala pública.
"É um lugar democrático, que abriga todos os tipos de
filmes", observa atual gerente
A busca por ampliação e diversificação do público levou o
cinema a um grande desafio, há quatro anos, quando passou a exibir filmes que
não exatamente clássicos absolutos do cinema mundial.
“Quando promovemos uma mostra de Elvis Presley, um grupo
muito reduzido de cinéfilos chegou a questionar. Não esquecemos os clássicos,
mas buscamos dar uma outra cara”, destaca Hilário.
O cinema realizou, em seguida, mostras de “Star Wars”, de
filmes de terror dos anos 90 e, com início nesta quinta-feira, uma dedicada às
obras de artes marciais.
“Os filmes não são exibidos sem contextos. Há toda uma
discussão que se dá em torno deles, propondo um outro olhar”, explica o atual
gerente, lembrando que a quadrilogia “Pânico” foi apresentada no mesmo dia,
coincidentemente, que a Cinemateca Francesa promovia uma sessão especial destes
filmes.
No lado de infra-estrutura, a sala também passou por uma
grande reforma em 2013, com novos sistema de som e imagem, tornando-se uma das
primeiras de Belo Horizonte a ter projeção em DCP (Digital Cinema Packpage), que
substitui as películas.
“O Cine Humberto Mauro se tornou um templo do cinema. Não só
como um lugar sagrado, como a casa do cinema, mas também este lugar
democrático, que abriga todos os tipos de filmes. Falar do valor de uma obra é
sempre subjetivo e que temos nos permitido é chegar a risco, a um confronto.
Isso é promover o diálogo”, analisa.
Texto e imagens reproduzidos do site: hojeemdia.com.br