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segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Seu Vavá ganha sala no Cineteatro São Luiz

Legenda da foto: Com 45 lugares, Sala Seu Vavá é espaço de difusão e memória do audiovisual cearense - (Crédito da foto: Fabiane de Paula / Divulgação)

Legenda foto: O diretor do Cineteatro São Luiz José Alves Netto (à esquerda) com 
Duarte Dias (penúltimo à direita) e a família de Seu Vavá 
na solenidade especial de abertura da sala
Crédito da foto: Guilherme Silva

Duarte Dias, programador e curador do cinema do Cineteatro São Luiz


Acervo do seu Enondino Bessa, cinéfilo e crítico de cinema ligado ao Clube de Cinema,
 foi doado pela Academia Cearense de Cinema ao Cineteatro São Luiz






Publicação compartilhada do DIÁRIO DO NORDESTE VERDES MARES, de 30 de maio de 2024

Guardião do último cinema de bairro de Fortaleza, Seu Vavá ganha sala no Cineteatro São Luiz

Por João Gabriel Tréz 

Vida e obra de Raimundo Carneiro de Araújo (1930-2022), proprietário do Cine Nazaré, no bairro Otávio Bonfim, são homenageadas

Patrimônio conhecido de Fortaleza, o Cineteatro São Luiz acolhe em si outro espaço de salvaguarda da memória audiovisual cearense. No 5º andar do prédio anexo ao equipamento, desponta para o público da Cidade a Sala Seu Vavá, batizada em homenagem a Raimundo Carneiro de Araújo (1930-2022).

Proprietário do Cine Nazaré, último cinema de bairro de Fortaleza, no Otávio Bonfim, ele é considerado nome “incontornável” do parque exibidor da cidade. Incorporada ao circuito público de cinema do Governo do Estado, a Sala Seu Vavá deve abrir oficialmente em agosto, mas já recebe programação especial para “se apresentar” à plateia a partir desta quinta-feira (30). Em visita, o Verso destaca planos e vocações do espaço.

Sala de memória e afeto

“É uma sala construída em torno da memória e do afeto”, atesta Duarte Dias, curador e programador de cinema do São Luiz. A afirmação vem tanto por conta do envolvimento da família de seu Vavá no projeto, quanto pela relação histórica dele com o, hoje, cineteatro.

Tela, poltronas, projetores históricos e películas de filmes antigos foram doados pelas filhas do homenageado. Os assentos, inclusive, são originais do São Luiz. Em uma das reformas do equipamento, seu Vavá adquiriu parte das poltronas que seriam trocadas. 

“Quer dizer, elas estão voltando para casa e, ao mesmo tempo, trazendo a memória ligada a ele”, define Duarte. 

Como foi o caso com os móveis, ele montou o Cine Nazaré — que assumiu entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970 — “através de doações e compras” de itens de outros exibidores, como explica Duarte.

“O cinema dele, de certa forma, constitui um memorial desse circuito, porque ele ia montando equipamentos de outros cinemas, então acabava funcionando como uma espécie de museu vivo, atuante”, caracteriza.

A aproximação de seu Vavá com o Cine São Luiz é ainda anterior e vem dos anos 1950. “Na época, o papai ainda não era proprietário de nenhum cinema. Ele trabalhava para o Cine Familiar (ligado a padres franciscanos e que também funcionava no Otávio Bonfim) e a relação com o São Luiz era porque ele ia pegar as películas lá”, lembra Inalba Araújo, filha do homenageado.

Acervos

Filmes que vieram do Cine Nazaré serão identificados, catalogados e recuperados em parceria com o Museu da Imagem e do Som do Ceará

Entre as películas doadas ao Cine São Luiz, há mais de 100 rolos de filmes de 8, 16 e 35 mm. Segundo Duarte, está sendo estudada uma parceria com o Museu da Imagem e do Som do Ceará para avaliação, identificação, catalogação e eventual recuperação das obras. Uma vez restaurados, os filmes devem compor uma futura mostra na sala principal do São Luiz. 

Além do acervo ligado ao Cine Nazaré, o equipamento também recebeu outro acervo histórico e robusto, este ligado ao cinéfilo, crítico e engenheiro civil Enondino Bessa. Dezenas de livros sobre cinema, DVDs, blu-rays e CDs foram doados pela viúva, Evan Bessa, à Academia Cearense de Cinema.

A instituição, então, repassou o rico acervo para a guarda do São Luiz. “Nós estamos catalogando e a ideia é que esses livros e filmes possam ser disponibilizados à comunidade para consulta e eventuais sessões, já que a gente também quer construir ao longo do segundo semestre um processo que abrigue cineclubes (na Sala Seu Vavá)”, adianta Duarte.

Programação

Ainda em janeiro de 2024, a Sala Seu Vavá ganhou uma solenidade especial de abertura para as famílias do proprietário do Cine Nazaré e de seu Enondino Bessa. De lá para cá, o espaço recebeu programações pontuais e menores, por exemplo, em parceria com a ACC.

O diretor do Cineteatro São Luiz José Alves Netto (à esquerda) com Duarte Dias (penúltimo à direita) e a família de Seu Vavá na solenidade especial de abertura da sala

“Durante esse processo de pequenas exibições, a gente estava correndo paralelamente com a solicitação de registro (da sala) na Ancine (Agência Nacional de Cinema), porque ela precisava reunir determinadas condições técnicas para ser reconhecida como capaz de entrar no circuito nacional de cinema”, explica Duarte.

O processo foi concluído em maio e, desde o dia 13, a Sala Seu Vavá entrou oficialmente para o circuito público de cinema do Ceará, somando-se à sala principal do Cineteatro São Luiz e às duas salas do Cinema do Dragão. Com isso, ela poderá acolher exibições comerciais.

A partir desta quinta-feira (30) e seguindo até o sábado (1º de junho), o espaço irá acolher uma mostra de filmes do espanhol Pedro Almodóvar. A experiência, define Duarte, é para “dar conhecimento ao grande público” sobre o local de exibição.

“Daí a gente vai fazer uma parada em junho e julho e fazer alguns pequenos ajustes para recepcionar o público de uma maneira ainda mais interessante quando do início das atividades”, segue. A data prevista para essa ação plena da Sala Seu Vavá é agosto deste ano.

Como Duarte reconhece, “em uma sala de 45 lugares a programação tende a ser diferente de uma de 1050”. “A ideia é que a gente abra o espaço para filmes do circuito brasileiro e, particularmente, cearense, para que a gente possa radicalizar mais ainda essa proposta”, adianta o curador.

"Pensando em termos de Brasil, o número de salas de cinema não é suficiente, ideal para o tamanho da população. Cada sala de cinema que chegue, em qualquer que seja o lugar, é preciosa no sentido de você poder oferecer à produção brasileira mais uma possibilidade de encontro com o público”, celebra.

História eternizada e dinamizada

Além da história presente nos acervos e nos itens da própria Sala Seu Vavá, o Cineteatro São Luiz estuda construir, na antessala do espaço, “uma espécie de memorial” do audiovisual cearense. 
“O São Luiz é o último cinema de rua de todo um ciclo muito importante do cinema cearense em termos de exibição, que se concentrava aqui na (rua) Major Facundo”, ressalta Duarte.

O curador avança: “A gente está muito empenhado em fazer um espaço que contribua para o circuito exibidor, mas também para a preservação dessa memória que passa pelo seu Vavá, pelo Severiano (Ribeiro, empresário fundador da rede de cinemas homônima e do Cine São Luiz) e por esses outros cinemas que existiram aqui”.

“Aqui é uma sala que as pessoas vão poder usufruir de cinema, mas ao mesmo tempo ter contato com esse histórico do cinema no Ceará, preservado por essa pessoa tão apaixonada pela sétima arte que é o seu Vavá”

“Foi a coisa que ele mais amou na vida, sabe? Ele amou a sétima arte. Desde que eu me entendo, o papai foi focado em filme, cinema, nas artes”, partilha dona Inalba, que lista “sensibilidade”, “dons artísticos”, “visão crítica”, “não ao preconceito” e “gosto pelas artes” como importantes legados simbólicos recebidos enquanto filha de seu Vavá.

“A importância desse legado é para um contexto geral: agora a gente tem faculdade de cinema, de audiovisual, de teatro, tanta coisa. Não é só para a gente”, aprofunda a herdeira, ressaltando a doação do acervo do Cine Nazaré como um “momento histórico”.

Seu Vavá tem legado 'incontornável' na história do audiovisual cearense

“Fico muito feliz se puder ajudar, contribuir de uma forma pequena, modesta. Isso é estar dando um pouco do que ele tanto amou. Ele, embora não esteja vivo, foi quem mais ganhou: é a eternização dele através do cinema”, considera Inalba.

Duarte reforça o caráter dinâmico e atual dessa história. “A gente tem a oportunidade de revê-la, resgatar personalidades e acontecimentos, ver o que está sendo feito e projetar o que pode ser feito em termos de preservação desse legado e desse momento de produção muito forte”, reflete. 

“Efemérides são importantes pelo que podem dialogar com o mundo contemporâneo e pelo que isso pode suscitar. Todo o movimento que a gente vem fazendo aqui no São Luiz — e a Sala Seu Vavá também está inserida nisso — é buscando, de alguma maneira, fortalecer a consciência em torno da memória e da importância da nossa história”, finaliza.

Seu Vavá em São Paulo

Exposição 'Uma Rua Chamada Cinema', do fotógrafo Sergio Poroger, traz registros de seu Vavá

Além da homenagem no Cineteatro São Luiz, seu Vavá também está sendo lembrado na exposição "Uma Rua Chamada Cinema", do fotógrafo Sergio Poroger. O projeto do artista reúne fotos de salas e trabalhadores de cinemas de rua de todo o mundo, incluindo o tradicional Cine Nazaré e seu proprietário. 

A mostra compõe o projeto "Maio Fotografia", do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. No total, são 36 obras assinadas pelo fotógrafo e também jornalista. A pesquisa de Sergio começou ainda em 2017, nos Estados Unidos. Além de seu Vavá, o próprio Cineteatro São Luiz também foi registrado pelo paulistano.

Texto e fotos reproduzidos do site: diariodonordeste verdesmares com br

sábado, 18 de maio de 2019

Um cinema que ficou mudo



Publicdo originalmente no site do Portal do Envelhecimento, em 18/03/2014 

Um cinema que ficou mudo
Por Alcides Freire Melo

No endereço de número 54 da Rua Padre Graça, Parque Araxá, em Fortaleza, ainda moram importantes personagens do cinema mundial. Os cowboys Butch Cassidy (Paul Newman) e Sundance Kid (Robert Redford), amigos inseparáveis, e Etta (Katharine Ross), namorada de Sundance que, depois de incansáveis fugas pararam neste endereço. Rick (Humphrey Bogart) e Isla Lund (Ingrid Bergman), também. E, desde 2010, ouvem em silêncio absoluto, no mesmo endereço, o piano de Elliot Carpenter, interpretado por Dooley Wilson, “As Time Goes By”, no Rick’s Café Américain, em Casablanca. Seu Vavá, também. Personagem desde que nasceu, quando a pedido do pai, foi batizado com o nome de Getúlio Vargas. E hoje, aos 81 anos é Seu Vavá, proprietário do Cine Nazaré, na Rua Padre Graça, 54.

Atores, atrizes, beijos, crimes misteriosos, tiros e histórias de um grande amor ou paixões vistas a partir de uma “janela indiscreta”, ainda estão fechados em latões redondos e enferrujados a espera de um grande milagre. O milagre da luz, para ascender o velho projetor do Cine Nazaré que, há anos, não cobra ingresso. Cobra esperanças, projeta sonhos ao revelar as infinitas marcas deixadas pelos pés do Seu Vavá, gravadas no carpete empoeirado da fama. Embora rebatizado de Expedito, agora por escolha própria, para acabar com o primeiro personagem que interpretou na vida, continua Seu Vavá, que chora e faz chorar, quando fala da atriz mais importante de sua vida, sua mulher, Maria Carneiro de Araújo.

E assim, uma a uma, com as histórias do Seu Vavá, as lágrimas caem e abrem furos na poeira das poltronas vermelhas – cem ao todo -, que um dia pertenceram ao famoso Cine São Luiz.

Agora refletem o brilho da lâmpada fluorescente que faz de conta ser abajur e, viram estrelas brilhantes projetando dor e saudades da esposa, nos tempos em que Maria ficava na bilheteria. É a magia do homem, do cinema, que usava a moviola para cortar as imagens, durante os anos da ditadura militar, como cenas de sexo ou de argumentos políticos esquerdistas e subversivos. Hoje, Seu Vavá usa a velha moviola para cortar o tempo, aproximar o passado do presente e fazer recortes nas histórias doídas e voltar a sorrir.

Na oficina que fica ao lado do cinema, Seu Vavá, de mãos ainda habilidosas, conserta ventiladores, aparelhos de som e ferros elétricos. Também já foi “ator” no filme “O Cangaceiro”, de Lima Barreto.

Na verdade, foi só a mão para rodar a manivela do projetor de filmes mudos.

O portão de ferro, com o cartaz escrito a mão, anunciando Branca de Neve para as 17 horas, um dia do número 54, da Rua Padre Graça, se fecha e Seu Expedito, aos 81 anos, vira o solitário ator Vavá, diretor de sonhos e inventor de uma porção mágica, para fazer voltar a ter vida o Cine Nazaré.

Texto e imagens reproduzidos do site: portaldoenvelhecimento.com.br

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Homenagem a Seu Vavá e seu Cine Nazaré

 Foto reproduzida do blog: gurgel-carlos.blogspot.com

 Foto reproduzida do site: papocult.zip.net

Seu Vavá na platéia do Cine Nazaré
Imagem reproduzida do site youtube.com

Foto reproduzida do: blogdofarias.com

Memória - Projeto Cine Mu(n)do

Sergio Poroger fotografa Cine Nazaré para o projeto Cine Mu(n)do.

Publicado originalmente no site do jornal O POVO, em fevereiro de 2019

A sessão de cinema das cinco

Memória - Com o projeto Cine Mu(n)do, fotógrafo paulista Sergio Poroger registra cinemas de rua no Brasil e no exterior para valorizar a influência histórica da sétima arte na sociedade

Por Bruna Forte

O escritor colombiano Gabriel García Márquez comentou, certa feita, que "um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho". As sessões às três e cinco da tarde, desenroladas preguiçosamente no cair da tarde, eram características comuns em Fortaleza entre 1908 e 1959. Salas como Amerikan Kinema, Polytheama, Cinematógrafo Di Maio ou Art-Nouveau, Riche, Cine Diogo e Majestic-Palace se espalhavam pelas praças e avenidas da Capital, levando projeções aos olhares curiosos de quem descobria então o prazer da sétima arte. Atualmente enclausurados em shoppings, os cinemas de rua praticamente desapareceram ao longo da história - mas, na contramão do esquecimento, o fotógrafo paulista Sérgio Poroger percorre cidades ao redor do mundo fotografando "aqueles cinemas que resistem de forma heroica".

Jornalista graduado pela Universidade de São Paulo nos anos 1980, Sérgio começou a fotografar há 10 anos. "A coisa audiovisual sempre foi muito presente dentro de mim e a fotografia foi uma forma de manifestar as minhas emoções", explica. No flerte com as imagens, conheceu o trabalho de outros jornalistas e fotógrafos como William Eggleston e Robert Frank - o último, um suíço radicado nos Estados Unidos nos anos 1940 e autor do livro The Americans. Inspirado pela contemplação atenta aos detalhes simples e cotidianos de Frank, Sérgio lançou-se a uma viagem de carro por locais como Geórgia, Tennessee e Mississippi para registrar o percurso sonoro do sul norte-americano. Da experiência quase beatnik, o paulista lançou o livro de fotos Cold Hot. Agora, volta-se aos cinemas para explorar a influência histórica da experiência cinematográfica na sociedade. O novo projeto chama-se Cine Mu(n)do.

Em Fortaleza para lançar Cold Hot no Museu da Fotografia no fim de fevereiro, Sérgio dedicou-se a descobrir os cinemas de rua ainda resistentes na Cidade - como o Cineteatro São Luiz e o Cine Nazaré. "Ao contrário do Cold Hot, que eu fotografei só os Estados Unidos, eu resolvei ampliar e fotografar os personagens que habitam na magia de alguns lugares do mundo. Minha ideia é ampliar para mais cidades do Ceará em breve", adianta. Sérgio pretende registrar ainda salas de projeção antigas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Pernambuco.

"Procuro fotografar o bilheteiro, o projetista, essas figuras marcantes dos cines de rua. A minha ideia é resgatar essa arte pulsante, já que a tendência mundial é que esses cinemas sejam engolidos. Em Fortaleza, fotografei sessões do Cineteatro São Luiz e a incrível troca do letreiro", explica Sérgio. Inaugurado em 1958 e tombado como patrimônio histórico em 1991, o Cine São Luiz resiste no Centro da Cidade com uma programação diversa em filmes, espetáculos, peças de teatro e festivais.

Sérgio também percorreu as ruas do Parque Araxá para conhecer o Cine Nazaré, que descobriu por meio de uma reportagem do Vida&Arte no início de 2018. Cuidado com atenção pelo aposentado Raimundo Carneiro de Araújo, o conhecido Seu Vavá, o cinema das cadeiras vermelhas inaugurado em 1941 é o último cinema de bairro ativo em Fortaleza. "O Seu Vavá é um cara incrível e me contou toda a história do Cine Nazaré. Sinceramente, eu vou manter isso daqui para sempre", emociona-se o fotógrafo. "Ele recebe os espectadores, organiza algumas sessões especiais em 35 milímetros, convida os amigos... É interessante porque ele recebeu do Cine São Luiz as poltronas antigas, sucatas que ele aproveita e são as cadeiras do Cine Nazaré hoje. Minha visita foi incrível, ele projetou o filme em rolo mesmo, foi lindo", complementa.

Entre capitais nacionais e pequenas localidades ao redor do globo, Sérgio conheceu mais da história dos povos a partir do que vemos e preservamos. "Na região leste dos Estados Unidos, há cinemas mais atípicos. No exterior, é perceptível que sempre havia muita riqueza relacionada ao cinema. No Brasil, o pensamento é outro, é uma coisa bem diferente. Existiam grandes redes que investem em cinemas antigos de rua, mas agora é fundamental não deixar essa realidade se perder", pontua. Com curadoria do renomado fotógrafo Bob Wolfenson, Cine Mu(n)do estreará no Metrô de São Paulo neste mês de março, onde permanecerá por três meses em diferentes estações. O fotógrafo deve voltar ao Ceará ainda no segundo semestre deste ano para continuar os registros no Estado. Até lá, é possível adquirir o livro Cold Hot na livraria do Museu da Fotografia por R$120.

Texto e imagem reproduzidos do site: opovo.com.br

terça-feira, 12 de junho de 2018

Do corte à projeção

Películas de 16mm e 35mm são a grande relíquia do local. 
"Pra um filme, é preciso quatro rolos", explica Seu Vavá

Publicado originalmente no site do jornal O Povo, em 29/01/2018

Do corte à projeção

Sempre ligado ao cinema, sua paixão, Seu Vavá não só aprendeu a mexer com a técnica — é ele quem corta os filmes, projeta, etc. — como também saiu do Estado para montar cinemas de bairro por algumas cidades do Brasil. “Já estava com 24 anos, ainda era solteiro (só casei em 1955). Como eu já tinha conhecimento de eletrônica, pagaram outro curso pra mim”, relembra.

Quando terminou todos os estudos, já tinha conhecimento de rádio, cinema e televisão. “Aí fui pra São Paulo. Quando o Cinema Familiar (outro local onde ele trabalhou) fechou, comecei a receber convite pra fazer montagem de cinema em Belém, Castanhal (PA), Santarém (PA), Imperatriz (MA), etc”.

É clara também sua lembrança dos tempos difíceis pelos quais o cinema passou no Brasil daquela época. “Trabalhei direto de 1970 a 1973. Aí veio exatamente a crise e, como não tinha como escapar, o meu cinema fechou também. Aí no prédio, colocaram então uma oficina mecânica”.

"Esses shoppings de hoje em dia têm umas televisões grandes!"
Raimundo Carneiro de Araújo (Seu Vavá) Proprietário do Cine Nazaré

Antes do Cine Nazaré, Seu Vavá se aventurou por outras profissões. “Já trabalhei com moldura de quadro, daqueles (em formato) oval que hoje em dia nem tem mais, trabalhei com conserto de fechadura, móveis”. Mas seu negócio era conseguir um emprego no cinema. “Até que um dia, um padre me convidou pra fazer a limpeza do Cine Familiar (bairro Otávio Bonfim)...”

Depois veio o Cine Nazaré. Fechado por conta da crise, Seu Vavá conseguiu reativá-lo. “Até então, eu continuava pagando o aluguel do prédio. Tive muita dificuldade pra conseguir ele, tive que fazer as maiores estripulias. A luta foi grande, mas eu consegui vencer. Ele é de minha propriedade”.

E essa paixão, Seu Vavá, seguiu para os filhos? “Ave Maria, eles não querem nem saber! Eu até entendo o porquê: eu os colocava, ainda crianças, pra trabalharem comigo...”.

A memória do cinema permanece, até segunda ordem, com seu único guardião.

Texto e imagem reproduzidos do site: opovo.com.br

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Cinema Paradiso em Terras Alencarinas



Cinema Paradiso em Terras Alencarinas.

Em um dia de sol escaldante, procurando há quase uma hora a Rua Padre Graça, finalmente a encontramos. Uma ruela que abrangia dois quarteirões, tão desligada da correria da cidade que nos sentimos transportados ao interior. Era um lugar quase bucólico: as crianças brincando na rua, as senhoras conversando sentadas na calçada e os homens jogando xadrez na praça. O Cine Nazaré, com todo o seu jeitão de cinema antigo de cidade pequena, não poderia estar mais bem localizado.

Fomos recebidos por Raimundo Carneiro de Sousa, o Seu Vavá. Um senhor aparentemente comum. Aparentemente. Foi só começarmos a gravar para que cada fio de cabelo que tínhamos se arrepiasse. Sentíamos como se estivéssemos conversando pessoalmente com o personagem Totó, de Cinema Paradiso. Descobrimos que, assim como os filmes, um projecionista também é capaz de nos encantar.

A paixão de Seu Vavá pelo cinema vem desde criança, quando se esgueirava para ver os filmes pela fresta da porta do cinema, pois não tinha dinheiro para o ingresso. Daí a fazer suas próprias sessões de cinema para os amigos não custou muito. Ele mesmo criou o projetor, parco e improvisado, mas era um sucesso. O jovem sonhador cresceu, mas a vida o impelia ao cinema. Seu Vavá começou a trabalhar, primeiramente para frades alemães pertencentes à Ordem Franciscana Menor, que fundaram o Cine Familiar, em 1935. Encomendaram a ele quadros e molduras para a Igreja. Posteriormente, as encomendas passaram a ser também para o cinema, como tabuletas para propaganda dos filmes, conserto e confecção de cadeiras, entre outros. Seu Vavá sempre procurava entregar as encomendas na hora das sessões, podendo, assim, assistir ao maior número de filmes e seriados possíveis.

Somente em 1949 Seu Vavá foi de fato contratado como funcionário do Cine Familiar. De início, fazia a limpeza do salão, passando mais tarde a assumir o encargo de entregar os rolos de filme 35mm ao escritório do Grupo Severiano Ribeiro, que alugava filmes aos exibidores locais.

O Grupo Severiano Ribeiro, à época, exibia os filmes bem antes dos exibidores de bairro. Já assumindo a tarefa de ajudante de operador, Seu Vavá assistia ao máximo de filmes que podia no Cine Majestic, no Cine Moderno ou no Cine Diogo, que eram os grandes exibidores da época. Como os frades só alugariam o filme meses depois, Seu Vavá anotava todas as cenas que os frades achariam impróprias (como uma mulher com trajes de banho, ou um beijo acalorado), para depois serem feitos os cortes necessários.

Não demorou muito para que, habilidoso, assumisse o cargo de projecionista efetivo do Cine Familiar. Os frades ainda lhe deram uma passagem de avião e lhe enviaram para a grande cidade de São Paulo, para que ele fizesse cursos de mecânica e eletrônica em uma fábrica. Quando voltou para Fortaleza, os frades aparelharam novamente o cinema, com equipamentos mais modernos, e o reformaram. Seu Vavá tornou-se então o novo gerente do Cine Familiar em 1952.

Empolgado e orgulhoso, Seu Vavá nos contou que, com a reforma e com a nova gerência, o Cine Familiar tornou-se o único entre os cinemas de rua que tinha ar condicionado também na cabine de projeção, além de quatro amplificadores, cabine com dois projetores e tela cinemascope importada, o que também tinha como benefício o fato de o cinema nunca ter parado uma sessão sequer por falha nos equipamentos.

Com tantas vantagens, o novo cine Familiar contava com os mesmos confortos e qualidades de cinemas grandes, o que começou, segundo Seu Vavá, a incomodar o Grupo Severiano Ribeiro. Começaram a aparecer, então, dificuldades de se alugar filmes da distribuidora. O jeito foi fazer amizades com a Cinemar, que trazia filmes de Recife, que era um centro de referência na distribuição de filmes pelo Brasil. Mesmo conseguindo o apoio de bons fornecedores, a Severiano Ribeiro ainda detinha maior quantidade de filmes, o que resultou em um recuo de fornecimento, uma vez que o Severiano deixaria de alugar tais filmes e o Cinemar perderia vários clientes.

Foi quando Seu Vavá conheceu o gerente que coordenou a Metro no Recife, que forneceu a ele os filmes da programação para o Cine Familiar. Com a volta de tais filmes depois de muitos anos sem serem exibidos, o sucesso foi certeiro. O cinema dos frades voltou a fervilhar, mesmo com a mutilação que a ação do tempo provocou neles. Mas até nisso o Seu Vavá conseguiu se virar: ele inventou uma máquina que permitia ver o filme na mão, de modo a coordená-lo. Deste modo, os filmes foram “reeditados”, fazendo com que os danos não fossem tão evidentes.

Foi então que um dia apareceu à porta do Cinema Familiar o dono do Severiano Ribeiro em pessoa para oferecer uma grande quantidade de filmes para que o Cine Familiar voltasse a ser parte do grande grupo. O acordo foi aceito, uma vez que estava cada vez mais difícil conseguir filmes dos distribuidores de Recife. O acordo trouxe vantagens para a nova fase do cinema dos frades. O cinema de bairro lançava os filmes não mais meses depois do lançamento deles em grandes salas de cinema, mas simultaneamente a tais exibidores.

Seu Vavá, estranhando tantas vantagens, acabou descobrindo que em São Paulo uma nova e grande distribuidora visava atrair cinemas independentes de todo o país, inclusive os nordestinos. Foi quando o Cine Familiar rompeu com a Severiano Ribeiro e fechou contrato com a empresa paulista Fama Films. Como esta distribuidora pertencia a dois irmãos italianos, o Cine agora exibia filmes italianos de arte, fazendo com que iniciasse os tempos de glória do Cine Familiar. Filas de virar as esquinas se formavam para as exibições dos novos filmes.

Mas, em 1968, o Cine Familiar estava fechando. Segundo Seu Vavá, os motivos eram claros: a igreja não mais suportava os filmes não tão censurados que o cinema dos frades exibia, o que ocasionou o fechamento da sala. Já os frades anunciaram que a exibição de mais filmes causaria prejuízo para eles, o que não fazia muito sentido, uma vez que o cinema estava a todo vapor, lotando em todas as seções e lucrando em sua bilheteria.

Foi então que nosso Totó particular decidiu ter seu próprio cinema. Achando que finalmente poderia ter liberdade para projetar os filmes que bem entendesse, comprou o Cine Nazaré, que já havia funcionado anos antes. No entanto, era o auge da ditadura militar. Seu Vavá se viu obrigado a dançar conforme a música. Ao início de cada sessão, 4m de filme com a carta da censura eram projetados na tela, mesmo as sessões da tarde eram proibidas para menores de 18 anos e, novamente, Seu Vavá viu-se obrigado a mutilar filmes e mais filmes para que se adequassem à censura. Sucumbindo à pressão, o cinema fechou em 1974.

No entanto, quando a sua mulher adoeceu, Seu Vavá sentiu-se impelido a reabrir o cinema. Em 2008, aquelas poltronas vermelhas serviram de encosto para ávidos cinéfilos mais uma vez. Diferentemente dos caríssimos multiplex de hoje em dia, o Cine Nazaré é democrático. Uma urna de madeira na entrada deixa bem claro: paga quem puder, e o quanto quiser. Difícil é decidir um preço justo a pagar pela nostalgia de assistir a filmes clássicos em um dos poucos cinemas de rua remanescentes.

Texto reproduzido do site: cinemaeaudiovisual.ufc.br

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