Mostrando postagens com marcador China. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador China. Mostrar todas as postagens

27/01/2010

Elas também tocam jazz - Toshiko Akiyoshi

Os autores clássicos, bem como os medievais, sempre desprezaram as mulheres. Para Filémon, Estrabão e Menandro "a mulher é um mal necessário". Para Arsênio "a mulher é uma tempestade em casa". Eurípides, em sua Electra, afirma que é torpe que a mulher mande na casa e Aristóteles (em seu Política) e Ésquines (em seu Adversus Timarchum), teorizaram sobre os perniciosos efeitos do governo feminino. Nos Monósticos de Menandro encontramos que "em mulher não acredites nem morta". Na Odisséia, de Homero, a sombra de Agamêmnon adverte Ulisses a não revelar à mulher a sua identidade, para não correr o risco de ter o mesmo fim que ele. Hesíodo, em seu Os trabalhos e os dias, faz a mesma recomendação, assim como Eurípides, Terêncio, Propércio, Horácio e Plauto. Também na Eneida, em seu quarto livro, Mercúrio aparece em sonho a Enéias e o adverte sobre possíveis e repentinas vinganças da irada Dido. São Jerônimo, em seu Comentário ao Eclesiastes, afirma que "a mulher é sempre variável e mutável". Sêneca e Calpúrnio Sículo já alertavam sobre a variabilidade de humor e de opinião das mulheres. No Rigoletto, de Verdi, há o famoso dístico "Donna e luna, oggi serena e domani bruna" (mulher e lua, hoje clara, amanhã escura). O mesmo ocorre em Le roi s'amuse, de Vitor Hugo, Canzioniere, de Petrarca, Filostrato, de Boccaccio, Aminta, de Tasso e Queen Mary, de Tennyson. Em sua Ifigênia em Táurida, Eurípides utiliza a gnoma segundo a qual "a astúcia das mulheres é pior do que qualquer ardil". Bebel, em seu Adagia Germanica, comenta que "as mulheres têm cabelos longos e idéias curtas" e Sófocles, em Ajax, diz que "o silêncio embeleza todas as mulheres". Juvenal comentava que três mulheres reunidas produziam o mesmo ruído de um grande mercado, enquanto Teócrito destaca a natureza curiosa das mulheres, capazes de descobrirem até mesmo o que o rei disse ao ouvido da rainha. Vovó Tícia dizia que, quando brigam as comadres, descobrem-se as verdades. A incapacidade feminina de guardar segredos é lembrada por La Fontaine e, segundo Rabelais, o papa João XXIII não permitia que as freias se confessassem entre elas porque a confissão deveria permanecer em segredo. Juvenal dizia que é raro encontrar beleza e castidade, idéia que é ampliada por Catulo, Petrônio, Esopo, Fedro, Goethe (Fausto) e nos Carmina Burana (In trutina), onde a beleza raramente anda junto com a virtude ou a inteligência. Durante muito tempo, era comum a seguinte inscrição fúnebre: Domi mansit casta vixit lanam fecit, ou seja, ficou em casa, viveu casta, fiou a lã, indicando a mulher virtuosa, dedicada ao lar e aos afazeres domésticos. Mas agora, tudo mudou. Temos uma candidata à presidência incapaz de mentiras e ardis. Temos também Toshiko Akiyoshi, pianista, compositora e líder chinesa do hard bop, nascida em 1929. Faz anos vem produzindo alguns dos melhores arranjos desde Duke Ellington, com certa influência de Gil Evans e de sutis elementos da música japonesa (sim, seus pais eram japoneses). Como pianista, seguiu inicialmente os passos de Bud Powell, criando, mais tarde, um estilo próprio e original. É considerada, sem exagero algum, a mais importante musicista do jazz de todos os tempos, ao lado da pianista Mary Lou Williams. Numa primeira fase, Toshiko trabalhou com seu primeiro marido, Charlie Mariano (as), em quarteto com Gene Cherico (b) e Eddie Marshall (d). Infelizmente sua gravadora à época era a pequena Candid, de Nat Hentoff, cuja promoção e distribuição não estavam à altura do talento de Toshiko e Mariano. Sua segunda fase acontece ao lado de seu segundo marido, Lew Tabackin (f, ts), e tem início em 1972, com a formação de sua tão sonhada big band. O resto, só mesmo ouvindo. Para os amigos, ficam algumas sugestões de audição, bem como a faixa Mr. Jelly Lord, retirada do álbum Finesse, gravado em 1978 para a Concord, com Monty Budwig (b) e Jake Hanna (d). É como sempre dizia vovô Acácio para vovó Tícia: não posso viver sem ti nem contigo.

Toshiko-Mariano Quartet – 1960 – Candid – Um dos mais importantes álbuns gravados logo após Kind of Blues, de Miles Davis. Aqui não há concessões à modalidade, com exceção da faixa Little T. O destaque fica por conta da faixa Long Yellow Road, que, doze anos mais tarde, viria a ser orquestrada por Toshiko. Com Gene Cherico (b) e Eddie Marshall (d).
The Toshiko Akiyoshi-Lew Tabackin Big Band – 1974-1976 – Novus – Coletânea do excelente trabalho orquestral de Toshiko para a RCA, pessimamente divulgado pela gravadora. Prova disso é que nem mesmo no Japão encontramos em cd os excelentes álbuns Tales of a Courtesan, de 1975, ou Road Time, de 1976. Aqui você tem uma boa mostra da maestria de Toshiko, com destaque para os excepcionais arranjos com leves pitadas orientais e um belíssimo trabalho com sopros. Com Bobby Shew (t), Phil Teele, Jimmy Knepper (tb), Gary Foster (f, cl, as), Tom Peterson (ts), Gene Cherico (b) e Peter Donald (d).
Wishing Peace – 1986 – Ken Music – Outro excelente álbum, fundamental para quem procura um trabalho de jazz orquestral no nível de Duke Ellington. Destaque para a faixa Liberty Suite, composta para comemorar o centenário da estátua. Com John Eckert, Brian Lynch, Joe Mosello, Chris Passin (t), Conrad Herwig, Kenny Rupp, Hart Smith (tb), Matt Finders (btb), Frank Wess (f, ss, as), Lew Tabackin (picc, f, ts), Jim Snidero (f, cl, as), Walt Weiskopf (cl, ts), Mark Lopeman (bcl, bs), Jay Anderson (b), Jeff Hirschfield (d) e Daniel Ponce (perc).
Carnegie Hall Concert – 1991 – Columbia – Se você acha que o jazz estava acabado, esse álbum demonstra que o jazz está em plena forma, cada vez mais criativo e belo. Com Freddie Hubbard, Mike Ponella, John Eckert, Greg Gisbert, Joe Magnarelli (t), Herb Besson, Conrad Herwig, Larry Farrel (tb), Matt Finders (btb), Frank Wess (f, as), Jim Snidero (picc, f, cl, ss), Lew Tabackin (picc, f, ts), Walt Weiskopf (f, cl, ss, ts), Scott Robinson (bcl, bs), Peter Washington (b), Richie Flores (perc), Terry Clarke (d) e Nnenna Freelon (v).

01/10/2008

Dizzy for President

Em face do triste quadro eleitoral que se agiganta diante de nossos olhos, confirmando a História da democracia, só nos resta mesmo o bom humor. E bom humor Dizzy Gillespie, o genial trompetista que infligiu severas sunfas em Miles Davis, tinha de sobra. Foi assim que, ainda no início de sua carreira, é expulso da banda de Cab Caloway por lançar bolinhas de papel nas costas do líder. O atrevimento de Dizzy desconhecia limites, o que o levou a candidatar-se duas vezes à presidência dos EUA. A primeira delas, e a que causou maior impacto, foi divulgada na capa da Down Beat de 5 de novembro de 1964: lá estava Dizzy, de fraque e cartola, jurando sua candidatura diante de Chris White, Rudy Collins, James Moody e Shelly Manne. Estava lançada a dúvida: seria mais uma inacreditável brincadeira de Dizzy ou estaria ele se candidatando mesmo à presidência? O texto da Down Beat não esclarecia, limitando-se a informar que “o trompetista de 47 anos, nascido em Cheraw, N.C., prossegue em sua campanha política, baseada em sólidos princípios, tais como: inteligência e humor perante a vida, dedicação à defesa dos direitos dos negros e muito jazz. Na entrevista concedida à revista, Dizzy comenta que “o verdadeiro problema dos direitos civis nos EUA não é a discriminação em si mesma, mas o sistema que leva a ela. Nas escolas, por exemplo, não se ensina que todos os homens são iguais. A discriminação gerada pela escravidão teve motivação essencialmente econômica e, ainda hoje, temos discriminação gerada por motivação econômica.” Gillespie defende também a maior tributação das grandes fortunas e a menor tributação da classe média, além da legalização do jogo clandestino, tributando-o. Algumas de suas primeiras providências, caso eleito, seriam: 1) mudar o nome da Casa Branca (White House) para Casa Azul (Blues House); 2) fechar o FBI (a Polícia Federal de lá) e criar uma CPI do Senado para investigar as atividades de todos aqueles que andam cobertos por lençóis brancos (clara alusão aos integrantes da Ku-Klux-Klan); 3) todos os juízes e advogados do sul do país passariam a ser negros, de modo a recuperar um pouco do tempo perdido; 4) fazer com que o Congresso retire a nacionalidade de George Wallace (célebre e racista governador do Alabama), que será deportado para o Vietnã; 5) retirar as tropas do Vietnã; 6) eliminar o termo “Secretary”, substituindo-o por “Ministers”, uma vez que se trata de palavra de origem feminina e Dizzy não queria nenhum afeminado em seu governo (talvez hoje Dizzy tivesse sérios problemas nesse ponto de sua plataforma). Alguns deles seriam: Duke Ellington para Ministro de Negócios Estrangeiros, por sua elegância natural e sua capacidade de enganar qualquer pessoa; Charles Mingus para Ministro da Paz; Louis Armstrong para Ministro da Agricultura, pois nasceu em New Orleans e sabe tudo acerca de plantar e colher produtos do campo; Miles Davis seria o Diretor da CIA e Ray Charles o Diretor da Biblioteca do Congresso. Sobre os temas mais polêmicos da política internacional, Dizzy defendia que Cuba, como qualquer outro país, precisa ser respeitada e qualquer diferença com a Ilha deveria ser resolvida de forma diplomática. Quanto à China, também comunista, Dizzy afirmava que não há como ignorar um mercado de 700 milhões de pessoas. O ideal seria promover o maior número possível de festivais de jazz na China, onde os músicos de jazz poderiam passar uns dez anos tocando sem parar. Sem falar nas vendas de discos! Para os amigos fica a faixa ( ) retirada do álbum Sonny Side Up, com Dizzy Gillespie (t, v), Sonny Rollins (ts), Sonny Stitt (as), Ray Bryant (p), Tommy Bryant (b) e Charlie Persip (d), gravado em 1957.