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29/12/2006

On The Corner

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Infelizmente serei obrigado a abandonar temporariamente os amigos navegantes. Volto somente dia 12 de janeiro de 2007. Mas, antes de partir, deixarei algumas faixas finais sobre o acid jazz, logo abaixo. A comparação com o álbum On The Corner, gravado em 1972 por Miles Davis, é inevitável. Trata-se do álbum Re-Animation Live, de Tim Hagans e Bob Belden, gravado ao vivo em Montreal, em 1999. Se o primeiro álbum, o de Miles, exerceu um terrível impacto sobre os ouvintes, principalmente para os tranqüilos amantes do Miles acústico dos anos 1950, o segundo álbum já não assusta muito, mas encanta com toda a parafernália eletrônica disponibilizada inteligentemente por Tim e Bob. Ao contrário dos cinco bateristas em On The Corner, aqui temos apenas Billy Kilson. Ao invés dos três tecladistas de On The Corner (Herbie Hancock, Chick Corea e Ivory Williams), aqui temos apenas Scott Kinsey. Ao contrário da batida quase hipnótica de On The Corner, aqui o contrabaixo de David Dyson pode dialogar de forma mais livre e complexa, sempre perseguido pelos apelos ácidos de DJ Kingsize, um dos melhores turntablists da atualidade. Mas, por sobre tudo, ficam os excelentes solos de Hagans (t) e Belden (ss). É isso: Feliz ano novo a todos!

24/12/2006

Toshinori Kondo & DJ Krush

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Quem conheceu Toshinori Kondo tocando feito um aloprado com John Zorn certamente vai estranhar o álbum Ki-Oku gravado com o DJ Krush em 1998. DJ Krush é um dos mais respeitados turntablists do mundo house e Kondo é um dos mais respeitados trompetistas do free bop. Dessa mistura resulta um álbum estranho, inusitado, mas que realmente me agrada. É inevitável a comparação de Kondo com o sopro de Miles Davis em certas passagens, embora Kondo seja proprietário de um estilo todo seu, moderno, introspectivo e bastante sedutor. Nas palavras de Rick Anderson, do All Music Guide: " Anyone who remembers trumpeter Toshinori Kondo's work with such thorny avant-gardists as John Zorn, Derek Bailey, Fred Frith, and Peter Brotzmann's Die Like a Dog Quartet may be a bit taken aback by the extreme accessibility of his collaboration with pioneering turntablist DJ Krush. Much of the music on Ki-Oku flirts with smooth-groove jazz — Kondo's muted trumpet line on "Mu-Getsu" sounds an awful lot like something Chris Botti would play, while the duo's instrumental take on the Bob Marley classic "Sun Is Shining" comes off just a little bit muzak-y. On the other hand, "Ki-Gen" and "Ko-Ku" both find Kondo using synthesized treatments in a way that evokes Jon Hassell's work with Brian Eno, while on the latter DJ Krush layers slightly menacing keyboard washes beneath Kondo's unassuming trumpet lines. This is one of those albums that reveals more with repeated listens; if it sounds too easy at first, listen again — there's lots of interesting stuff going on beneath what sometimes sounds like a merely pleasant surface." Para quem quiser conferir o experimentalismo de Kondo, basta ir até o Jazzseen Salad, logo acima, à direita.
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14/12/2006

Flip Fantasia

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Quando Alfred Lion e Francis Wolf criaram a Blue Note em 1939 talvez não tivessem idéia de que nascia ali uma das mais importantes gravadoras de jazz de todos os tempos. Nas décadas de 40, 50 e 60 a dupla gravou gente como Thelonious Monk, Bud Powell, Miles Davis, Clifford Brown, Art Blakey, Jackie McLean, John Coltrane, Lee Morgan, Dexter Gordon, Horace Silver, Sonny Clark, Hank Mobley, Sonny Rollins, Lou Donaldson, Jimmy Smith, Freddie Hubbard, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Grant Green, Andrew Hill, Cecil Taylor entre outros mestres inesquecíveis do jazz. Em 1967 Lion é obrigado a se afastar por problemas de saúde e Wolf vai tocando sozinho a Blue Note até sua morte, em 1971, época em que a gravadora cai num triste período de inatividade. Em 1985, mesmo doente, Alfred tenta reativar o selo relançando velhos clássicos e colocando no mercado algumas gravações antigas que não haviam sido lançadas. Ao mesmo tempo, a Blue Note resolve lançar jovens talentos e ampliar seu panorama musical, abrindo as portas para novos e arrojados projetos. Um deles tem a ver com nosso assunto de dezembro: o acid jazz. Já vimos que uma das vertentes do acid jazz é aquela voltada para o rap e o hip-hop. Mel Simpson e Geoff Wilkinson são dois apaixonados pelas antigas gravações da Blue Note, tanto que formaram o grupo chamado US3, em homenagem ao álbum de mesmo nome de Horace Parlan, lançado pela Blue Note em 1960. Convidados para manipular o que bem entendessem do catálago da Blue Note, Simpson (keyboards e programming) e Wilkinson (samples, programming e scratches) lançam em 1993 o álbum Hand On The Torch, repleto de referências a alguns clássicos do jazz. Para os amigos argonautas, deixo no Jazzseen Salad a faixa Flip Fantasia criada em torno de Cantaloupe Island, de Herbie Hancock. A faixa começa com a voz inconfundível de Pee Wee Marquette, o apresentador mais marcante dos shows do Birdland. O trompete fica por conta de Gerard Presencer. Quem disse que os bons tempos não voltam mais?
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09/12/2006

Ludovic Navarre

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O francês St. Germain, nascido Ludovic Navarre, é um dos poucos produtores de house music que eu consigo ouvir com prazer. Ok, o camarada não toca nada, apenas produz. Mas já tínhamos falado sobre isso na resenha que trata do Acid Jazz: o conceito atual de compositor tem que ser alterado, tanto quanto o de instrumentista. Já sabemos que hoje qualquer um pode ‘compor’ através de colagens, mixagens, manipulações de sons, trechos musicais ‘emprestados’, acelerando ou desacelerando o tempo através de baterias eletrônicas e outros instrumentos inusitados, como o turntable (toca-discos). Ainda que Bach e Beethoven arrepiem-se, cá estamos nós entrando no século XXI com novos conceitos de composição, arranjo e execução. St. Germain esbanja criatividade e bom gosto no seu álbum de estréia: Boulevard, gravado em 1996. Nele você encontra de tudo um pouco: sampling, looping, overdubbing, turntable além de músicos de carne e osso tocando instrumentos acústicos, como os competentes Edouard Labord no saxofone, Pascal Ohse no trompete e Alexandre Destrez no piano. Se você gosta de jazz e ela de dance music, St. Germain pode ser a solução. Como tira-gosto ficam as faixas Deep In It e Sentimental Mood, todas do álbum Boulevard. É logo ali – acima, à direita – no Jazzseen Salad.

07/12/2006

Acid Jazz

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Na década de 1980 os dj’s ingleses Chris Bangs e Gilles Peterson inventaram a expressão acid jazz. Eles estavam numa daquelas festas que duravam dias, chamadas raves (eventos que, curiosamente, hoje são considerados grandes novidades pelos jovens adolescentes). Na verdade, as raves já eram realizadas em Roma há 2.000 anos atrás e, mesmo no Rio de Janeiro de 1910, eram famosas as raves promovidas pelas denominadas “tias”. Entre elas está Tia Ciata, uma das mais famosas tias do Estácio. Ela pode ser considerada uma das criadoras daquilo que não seria impróprio denominarmos de acid samba, regado a muita cachaça e cavaquinho. Em todos os casos, tanto em Roma quanto no Rio de 1910 ou na Londres de 1980, as raves aconteciam em espaços amplos, com diversos ambientes, cada um deles apresentando um tipo de música diferente. No caso inglês, um dos tipos de som era a chamada house music, nascida em Detroit e Chicago numa época em que o ecstasy e o LSD rolavam solto. Todo iniciado sabe que o apelido do LSD era ácido, daí os termos acid house music (termo geral aplicado para designar os sons que rolavam numa rave) e acid jazz (termo aplicado especificamente ao jazz praticado nessas raves). Assim, de uma brincadeira criada por dois divertidos dj’s – misturando dance music com velhos lp’s de jazz, nascia um estilo com várias características próprias.

Bangs, Peterson e vários outros disc jockeys tinham predileção pelo hard bop mais funky, principalmente aquele gravado na década soul de 1960 para a Blue Note e para a Prestige. Com o sucesso da coisa, Peterson chegou a fundar o selo Acid Jazz, lançando vários músicos que definiriam o estilo, baseado fundamentalmente numa música para dançar ou, quando a intenção era arejar a cabeça e relaxar, o acid jaz recebia o nome de easy listening ou smooth jazz. Enquanto isso, nos EUA, os rappers passam a utilizar passagens de jazz em suas execuções, quase sempre apropriando breves trechos que serviriam simplesmente como introdução ou, de forma mais elaborada, como motivos (riffs) que dariam sustentação contínua às suas performances. Dos velhos lp’s, retiravam não apenas os ritmos e melodias que formariam o pano de fundo de suas obras, como também extraíam dali uma certa dose de valorização artística pelo simples fato de citarem passagens elementares de jazz, sabidamente a forma mais elaborada de música popular afro-americana.

Curioso, no caso do rap, é que há uma inversão da importância do solista de sopro (melodia) em relação à bateria (ritmo), sendo esta última colocada, como se sabe, num patamar extremamente privilegiado pelos rappers. Os curtos solos de sax e trompete passam a fornecer o pano de fundo (background) para o percussionista/vocalista (foreground), coisa até então inimaginável no mundo do jazz. Essa inversão de papéis é muito mais profunda e radical do que a conhecida valorização do ritmo (vide Art Blakey & friends) ocorrida durante o hard bop dos anos 1950. Nesse processo de manipulação de passagens jazzísticas em suas produções musicais, tanto os dj’s quanto os rappers utilizam uma série de procedimentos específicos para produzirem sua música: 1) sampling, que consiste na apropriação eletrônica de pequenos trechos (samples) de velhas gravações analógicas – nesse contexto surgem as mixagens (misturas e manipulações de solos de velhas gravações em lp, normalmente feitas ao vivo em dance clubs) e o programming (misturas e manipulações de solos de velhos lp’s usualmente realizadas em estúdios e lançadas em cd’s como obra nova, protegidas inclusive por direito autoral);

2) looping, que seria a repetição sistemática dos samples – trechos apropriados de antigos lp’s. A repetição contínua desses samples, que recebe o nome de looping, é enriquecida mediante uma alteração da batida (beat) através da utilização de baterias eletrônicas ou sintetizadores. É aqui que o conceito tradicional de músico merece ser revisto: se você considera que acid jazz é música, deve aceitar o fato de que ela não foi feita por músicos no sentido tradicional do termo. O acid jazz foi criado por disc jockeys e rappers que, ao invés de manipularem notas musicais, manipulam partes de músicas prontas, quase sempre lhes alterando o ritmo; 3) overdubbing, que é a velha prática – muito combatida pelos puristas do jazz – de um músico tocar consigo mesmo, seja através do acompanhamento de trechos já gravados anteriormente, quer através da prolongação forçada de um som ou de um trecho musical (como uma espécie de eco artificial) com o respectivo acompanhamento. Embora não seja nenhuma novidade, o overdubbing recebe novo status no acid jazz, uma vez que praticamente ocupa parte da idéia de “composição” nesse estilo;

4) turntablists, que são aqueles malabaristas de toca-discos, muitos deles capazes de manipular dois aparelhos de uma única vez (dois toca-discos ou um toca-disco e uma mesa de mixagem), misturando músicas, alterando a métrica, o tempo e a afinação de composições pré-existentes. Apesar de serem também denominados de DJ’s, não se limitam ao sampling e ao looping. Os toca-discos funcionam como verdadeiros instrumentos musicais, sendo muitas vezes adicionados aos demais instrumentos de uma banda, como é o caso das experiências feitas por Herbie Hancock e DJ Logic. Os turntablists tanto podem fornecer apenas o ritmo (background) quanto atuar melodicamente (foreground). A coisa se tornou tão popular que em algumas escolas de música você pode escolher entre ter aulas de bateria, flauta, piano ou turntable. Hoje, na verdade, há bandas de jazz em que o turntablist é muito mais conhecido do que os instrumentistas tradicionais e, em casos mais extremos, há bandas sem nenhum músico tradicional, apenas turntablists. Bem, creio que seriam essas as principais características do acid jazz. Você pode entendê-lo como um tipo de caldo preparado por disc jockeys que dão um pigmento jazzístico às suas músicas de dança, como a techno, o rap, o drum ‘n’ bass, o hip hop, a trance ou o trip hop, baseados, sobretudo, nas antigas gravações de hard bop dos anos 1960, carregados de blues, gospel, soul (funky) numa sonoridade groove que remonta aos chorosos campos de algodão ou às alucinantes igrejas negras.

Como o capitalista nunca dorme, várias gravadoras aproveitaram essa oportunidade para relançarem algumas dessas antigas gravações em cd, aplicando-lhes o rótulo de acid jazz. Outras, menos oportunistas, utilizaram o apelido mias adequado de roots of acid jazz, que vem contar bem o que são essas gravações. De qualquer forma, a meu ver, o termo acid jazz tem muito mais a ver com uma boa terminologia de marketing do que com um estilo de jazz propriamente dito. O que de fato existe – em se tratando de jazz – é o relançamento de uma série de gravações antigas, a maioria delas realizadas entre 1955 e 1965, baseadas numa seção rítmica sensual, envolvente, recheada de órgãos e guitarras (ver Jimmy Smith e Wes Montgomery), capazes de produzir aquele sentimento groove. Muita dessa música era despretensiosa, dançante, quase sem mudança de acordes e com harmonia e melodia, quando havia, muito simples. O que importava era o ritmo e a sonoridade, o sentimento antes do raciocínio. Nisso o acid jazz que nos interessa – e que será nosso tema de dezembro - está muito mais próximo da África do que da Europa, tendo em vista sua dedicação quase que exclusiva à pulsação e à sonoridade.

É por isso que sempre sorrio quando algum amigo procura as elucubrações discursivas complexas de um Charlie Parker no sopro de um Stanley Turrentine ou de um Houston Person. Não vai encontrar. De resto, apresentarei alguma coisa que considero interessante sobre o acid jazz propriamente dito, como St. Germain, US3, Buckshot LeFonque, Medeski, Martin & Wood e similares. Bom Natal e feliz ano novo a todos!

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