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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A(s) image(ns) do dia



A primeira imagem deste post apareceu nesta sexta-feira no Twitter do Felipe Meira e de uma certa maneira, lembrou-me de outra foto e de outra cena de "Ferrari", que estreou esta quinta-feira nos cinemas brasileiros. E como estou a escrever para uma grande quantidade de leitores de lá, conto estas histórias, porque.. por um lado, valem a pena. E por outro, está tudo ligado. 

Como encontrei as fotos, falarei não do piloto, mas dela. Afinal de contas, foi uma atriz importante nos anos 50, com uma origem eclética, e com consequências em, pelo menos, três países. E as fotos tem pouco mais de três meses, ambos tirados em 1957.

Linda Christian chamava-se - na certidão de nascimento - Blanca Rosa Henrietta Stella Welter Vorhauer. Nascera a 13 de novembro de 1923 no México, e o seu pai era engenheiro na Royal Dutch Shell. O facto de ter um pai neerlandês e de uma mãe mexicana, mas com ancestrais vindos de Espanha, Alemanha e França a fez uma beleza exótica, não só no México, como nos Estados Unidos, onde tentou a sua sorte em Hollywood. Convenceu os executivos cinematográficos, mas quando Errol Flynn decidiu financiar uma cirurgia aos dentes, ela aproveitou dois dentes tortos a fez uma cirurgia geral. Claro, a conta foi mais alta, assustou o velho ator e quando a viu de novo, disse: "Sorri, garota. Quero ver como mordem, afinal, a primeira dentada foi comigo!"   

Casou-se com Tyrone Power em 1949, e foi espantoso, por causa da diferença de idades: nove anos. Ele era de uma linhagem de atores que tinha começado em meados do século 18, na Irlanda, e depois chegara ao Reino Unido e finalmente, na América. Tiveram duas filhas, Romina e Tayrin. 

Para a história que nos interessa, temos de ir a 1956. Linda Christian divorciara-se de Power - este iria morrer de ataque cardíaco em setembro de 1958, aos 44 anos, enquanto filmava uma cena de um filme bíblico, em Madrid - e ele conhece a apaixona-se pelo nobre e piloto de automóveis Alfonso de Portago. Nobre de nascimento - o seu nome completo é (respirem fundo...) Alfonso Antonio Vicente Eduardo Ángel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton. O seu padrinho foi o rei Alfonso XIII de Espanha, e ele, para além de ter sido piloto de automóveis, fora, aviador, esquiador, (fora quarto classificado no bobsleigh dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1956, em Cortina D'Ampezzo) jogador de polo, golfista e claro, o XIº Marquês de Portago.

De olhos azuis e uma enorme cabeleireira negra, e uma personalidade desafiante, era claro que iria ter todas as mulheres do mundo. E começara a dar nas vistas quando, em adolescente, pediu um avião emprestado e meteu-o abaixo de uma ponte, só para ganhar uma aposta de 500 libras!  

Christian e De Portago tiveram uma relação ardente. E claro, ela apaixonou-se pelo automobilismo. Não era raro estar ao lado de um Ferrari, como se pode ver nas fotos. E a cena que se vê no "Ferrari", onde o Commendatore agarra nas nádegas dela porque elas tapam o símbolo icónico do Cavalino, se não é verdadeira, é bem verosímil.

Mas é a fotografia abaixo que se torna famosa. Foi em Roma, porque Christian tentava a sua sorte no cinema italiano, porque as suas chances de Hollywood tinham secado um pouco. E também para acompanhar a carreira do seu amado, ele que agora era piloto da Ferrari, a equipa mais prestigiada do mundo. E claro, foi durante as Mille Miglia de 1957, com o americano Eddie Nelson como navegador. Dois dias depois, De Portago, Nelson e mais nove espectadores estavam mortos, quando o pneus do seu Ferrari explodiu em Guidizzolo, acabando com as Mille Miglia como competição.

Christian continuou a atuar até 1988, casou-se mais uma vez e acabou por morrer em 2011, aos 87 anos. Mas não sem mais alguns dramas. A sua filha mais velha, Romina Power, nascida em 1951, tentou a sua sorte como atriz aos 12 anos, e na adolescência, assentou-se em Itália, onde deu nas vistas quando fez um filme chamado "Como Aprendi a Amar As Mulheres". Ela tinha 16 anos e a sua aparência passou a ideia de "Lolita", causando escândalo na Igreja Católica e tudo. E tudo nem altura em que ela já estava... noiva de Stanislas "Stash" Klossowski de Rola, o filho mais velho do pintor suíço Balthus. Mas o casamento acabou por não acontecer.  

Passado o escândalo, no anos 70 teve sucesso como cantora, casando com Albano Carrisi. Al Bano e Romina tornou-se no dueto mais famoso de Itália nos 20 anos seguintes, com dezenas de musicas de sucesso, incluindo vitórias do Festival de Sanremo, e duas passagens pelo Festival da Eurovisão, uma em 1976 e outra em 1985. Al Bano chegou a cantar o hino italiano no GP de Itália de 2022, no circuito de Monza.

Ambos tiveram quatro filhos, a mais velha chamava-se Yelenia. Nascida em 1970, quando Romina tinha 19 anos, desapareceu em janeiro de 1994, quando estava de férias em Nova Orleães, causando comoção em Itália. Tinha 23 anos, e o seu corpo nunca foi encontrado, ao ponto de ser declarada morta "in absentia" vinte anos depois, em 2014.

Romina regressou em 2007 aos Estados Unidos para cuidar da sua mãe, porque ela lutava contra um cancro no colon, e quando ela morreu, em 2011, divorciou-se de Al Bano e radicou-se nos Estados Unidos. O dueto ainda continua a cantar, com o seu mais recente álbum a sair em 2020.   

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

A imagem do dia





Existiam expectativas, e aparentemente, foram cumpridas. Em Veneza, "Ferrari", o filme realizado por Michael Mann, sobre a vida de Enzo Ferrari, com Adam Driver a interpretá-lo, foi aplaudido por seis minutos no final da sua antestreia no cinema Lido, na cidade italiana. E fala-se que ele teve dificuldade em segurar as lágrimas por causa do prolongado aplauso que o público deu à obra. 

A critica na revista "Variety", fala dele como "obra-prima", "absorvente" e "negra". Prossegue:

"Na inebriante, intrincadamente sombria e arrebatadora de Michael Mann, há uma cena tranquila que acontece na noite anterior às Mille Miglia, uma espetacular corrida de resistência com 1500 quilômetros de extensão, Enzo Ferrari (Adam Driver), o magnata italiano dos carros desportivos que precisa vencer a corrida (disso depende a sobrevivência da empresa que leva seu nome), tem cinco pilotos escalados para competir. Numa espécie de ritual, uma calma antes da tempestade, vários deles escrevem bilhetes às suas namoradas, dizendo-lhes o quanto os amam, caso não sobrevivam à corrida.

Isto não é uma mera formalidade supersticiosa. Nas Mille Miglia, a possibilidade de colisão e incêndio, à medida que os carros disparam a 250 quilómetros por hora pelas estradas abertas de Itália (e, a dada altura, mesmo pelo centro de Roma), é demasiado real. Esse é o lado nefasto do poder das corridas. A velocidade é emocionante porque representa um desafio para o universo, uma oportunidade para o homem enfrentar e expandir os limites que Deus lhe deu. É melhor você acreditar que esse consumo de liberdade tem um custo."

A história é simples. Estamos em 1957, e Ferrari está no limite. Dino morreu há um ano, ainda está a navegar às cegas, e ainda por cima, a sua vida dupla - tem Laura, sua mulher, e a Lina Lardi, sua amante e mãe de Piero Lardi - ameaça rebentar, como uma barragem cheia e uma parede com rachas. E aposta tudo na vitória numa das corridas que mais admirou, a par da Formula 1 e de Le Mans. E no meio destes pilotos, há dois em particular: o impetuoso nobre espanhol Alfonso de Portago e o mais veterano Piero Taruffi, que Ferrari prometeu que lhe daria a vitoria. Este, em troca, afirma que se ganhar, pendura o capacete de imediato - tem 49 anos em 1957.

E claro, já se fala deste filme entrar na corrida para os prémios da Academia - isto, se entretanto se resolver a greve dos atores e argumentistas. E a concorrência será grande, e cheia de "biopics": desde "Oppenheimer" a "Napoleão", parece que o Commendatore terá a companhia do cientista do projeto Manhattan e do imperador de França. Creio que ele teria um sorriso bem aberto. 

Michael Mann, o realizador, concretizou um velho sonho e está a colher os frutos disso. E nós, adeptos de automobilismo - e também de cinema - parece que teremos de arranjar espaço para colocar mais um filme na nossa galeria de favoritos, ao lado de "Le Mans", "Ford vs Ferrari", "Rush" e "Grand Prix". A parte chata é que temos de esperar mais três meses até que este chegue às salas de cinema, com ou sem IMAX.

domingo, 27 de agosto de 2023

A imagem do dia


Eu por estes dias de agosto, aproveitei para ler a autobiografia de Enzo Ferrari, "As Minhas Alegrias Terríveis". É uma biografia bem interessante sobre ele, os pilotos que viu e teve na sua equipa, e considerações sobre regulamentos e situações na sua vida, nunca fugindo do assunto da polémica, especialmente o acidente de Guizzodolo, em 1957, onde nas Mille Miglia, o carro de Alfonso de Portago bateu forte e matou 11 pessoas. 

Contudo, soube por estes dias que o "biopic" de Ferrari, feito pelo Michael Mann, se estreará esta semana no Festival de Veneza, um ano depois das filmagens, em Modena. Só aparecerá nos ecrãs no Natal, mas o realizador disse que o filme se centra no ano de 1957, que foi muito dificil na Scuderia - as mortes de Castelloti e Portago, por exemplo.  

E falam que o filme é... forte. Parece que há imagens do acidente de Le Mans, em 1955 (ironicamente, sem Ferraris incluídos...), onde morreram 82 espectadores quando o Mercedes do Pierre Levegh mergulhou nas bancadas. E mais outros - não ficaria admirado que haja também mais acidentes na Formula 1 e o que aconteceu ao Portago nas Mille Miglia. Aliás, Stephen Rodrick, nesse artigo, escreve sobre “partes do corpo cortadas e torsos decapitados”.

O filme é baseado na excelente biografia "Enzo Ferrari – The Man and the Machine", de Brock Yates, e Mann revelou ao jornal Variety que o filme é ‘forte’ e não aconselhável a espectadores mais sensíveis. Adam Driver fará o papel do Commendatore.

Ou seja, iremos ver um Ferrari realista, com uma verdade nua e crua. Parece ser bom, eu gosto deste tipo de filme.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

No Nobres do Grid deste mês...


(...) Em 1955, Moss, então com 25 anos, é contratado pela Mercedes para ser seu piloto ao lado de Juan Manuel Fangio e dos alemães Karl Kling e Hermann Lang, este último ativo desde os tempos dos Grand Prix dos anos 30, quando corria ao lado dos Auto Union, no domínio alemão das pistas. O pai de Stirling, Alfred Moss, tinha insistido no talento do seu filho, mas Neubauer tinha desconfianças. Para fazer quebrar essa desconfiança, Moss pai adquire um Maserati 250F e consegue um terceiro posto no GP da Bélgica de 1954, suficiente para ser contratado pela equipa para o resto da temporada.

No ano seguinte, Moss é contratado pela Mercedes, graças aos seus dotes de condução. É muito jovem, comparado com os pilotos mais maduros, como Fangio e Kling, ambos então com 43 anos, ou Lang, com 45. E naquele ano, existiam muitas provas para a equipa alemã competir, e esperavam eles, ganhar. A primeira das quais eram as Mille Miglia, uma prova de longa distância entre Brescia e Roma, e regresso, totalizando cerca de 1600 quilómetros, ou as Mil Milhas. Nesse ano, iria acontecer no fim de semana de 30 de abril e 1 de maio.

A Mercedes tinha inscrito oficialmente quatro Mercedes na corrida: um para Moss, outro para Fangio, outro para Kling e outro para Hans Hermann. Moss escolheu outro britânico, Dennis Jenkinson, então jornalista da Motorsport e piloto com experiência nos sidecars - tinha sido campeão do mundo em 1949 - para ser seu navegador. Jenkinson decidiu levar consigo um rolo de papel onde ia ditar as notas dos obstáculos e dos cruzamentos existentes no caminho, de forma a que Moss pudesse ir à vontade na sua condução e ser o mais veloz possível. Para além disso, tinham estado a treinar durante meses nas estradas italianas, e eram um dos favoritos à vitória. Fangio, por exemplo, decidiu guiar sozinho todo o caminho. (...)

Depois das Mille Miglia, a Mercedes apontou armas para a próxima grande prova do calendário, as 24 Horas de Le Mans. Fangio e Moss, que tinham 18 anos de diferença entre eles, começavam a ter uma relação de respeito um com o outro, com o mais velho a vê-lo como um possível sucessor, e do qual poderia ensinar algo ao mais novo. E por uma vez guiaram juntos: nessas 24 Horas de Le Mans,  que aconteceria no fim de semana de 11 e 12 de junho, partilhariam um carro, numa equipa que teria mais dois carros: um com André Simon e Karl Kling, e outro com o americano John Fitch e o francês Pierre "Levegh". Essa foi a infame edição onde "Levegh" perdeu o controle do seu carro quando o Jaguar de Mik Hawtohrn travou à sua frente com os seus travões de disco, e causou o acidente que matou mais de 80 espectadores.

Com esse acidente, as coisas mudaram: Moss e Fangio estavam a caminho da vitória quando a marca alemã decidiu retirar os carros da prova, e no rescaldo, grande parte dos organizadores decidiu cancelar as corridas de Formula 1 do calendário. A Suíça, por exemplo, proibiu as provas de circuito até aos dias de hoje, abrindo recentemente a excepção à Formula E. Naquele verão, o automobilismo esteve muito perto de terminar, devido à falta de segurança, que começava a ser intolerável.

Mas houve poucas corridas que se mantiveram. Grã-Bretanha era uma delas, e nesse ano iriam correr em Aintree, numa pista desenhada na mítica pista de cavalos nos arredores de Liverpool. Os Mercedes dominram nos treinos, ficando com quatro dos primeiros cinco lugares da grelha, o único a incomodá-os foi Jean Behra, terceiro no seu Maserati. Mas na corrida, eles andaram à vontade, com Fangio na frente, seguido por Moss. O britânico passou-o na terceira volta, até ir às boxes, onde o argentino ficou de novo na frente. Depois das paragens, Moss ficou na primeira posição, enquanto Fangio o seguia de perto.

O jovem britânico pensava que iria ver um sinal das boxes, de Neubauer, para que deixasse passar o argentino e ficar com o primeiro lugar, mas dali, nada apareceu. As coisas foram assim até à meta, quando Moss atravessou no primeiro posto, perante o júbilo dos locais. Afinal de contas, era o primeiro britânico a vencer em casa. No final, perguntou a Fangio se o deixou ganhar. Este negou: "não, hoje simplesmente foste o melhor". O argentino manteve a narrativa até morrer, e Moss foi para a tumba convencido do contrário. (...)

Stirling Moss morreu a 12 de abril, com 90 anos de idade, depois de uma longa vida onde andou uma parte a correr e vencer provas, algumas delas de modo épico, e depois do seu acidente em 1962, em Goodwood, a recuperar e a contar as histórias da sua carreira, como um herói vivo de uma era onde um erro e era praticamente "a morte do artista".

Moss era o último grande representante de uma era onde correu ao lado de Juan Manuel Fangio, Alberto Ascari, Mike Hawthorn e Jim Clark, correu em carros da Mercedes, Maserati e Lotus, e nunca correu em Ferraris, pelo menos na Formula 1. E paradoxalmente, ficou mais famoso pelos títulos que esteve quase a ganhar a não conseguiu, mas acima de tudo, foi capaz de permanecer nas mentes de toda uma geração de amantes de automobilismo.

E com a sua morte, é uma era a chegar ao fim. Sobre ele, conto três grandes momentos da sua carreira, recordados este mês no Nobres do Grid.   

sábado, 11 de agosto de 2018

A personagem do dia - Enzo Ferrari (Parte 2)

(continuação do capítulo anterior)


"PARECE QUE MATEI A MINHA MÃE"


Em 1951, Ferrari andava atrás da Alfa Romeo, mas a sua rival vencia sempre num Grande Prémio de Formula 1. Mas a Ferrari, com o modelo 375, evolução do 275, melhorava cada vez mais e fazia suar a sua rival. A equipa era grande e valorosa: para alem de Alberto Ascari e Luigi Villoresi, tinha também Piero Taruffi e o argentino Froilan Gonzalez.

A equipa coleccionava pódios, mas não vitórias. Contudo, tudo isso mudou quando chegaram a Silverstone, palco do GP da Grã-Bretanha. Froilan Gonzalez conseguiu contrariar os Alfa Romeo de Nino Farina e do seu compatriota Juan Manuel Fangio e venceu, depois de dez tentativas. Ferrari ficou exultante por ter por fim batido a Alfa Romeo numa corrida oficial, e disse depois que "sentia que tinha matado a sua própria mãe". A ideia de que queria provar que poderia ser vencedor com os seus próprios carros tinha acontecido. 

A Alfa Romeo acabaria por ganhar o Mundial de 1951 com Fangio ao volante, mas anunciou o abandono logo a seguir, deixando a Ferrari sem rivais. Nos dois anos seguintes, com Alberto Ascari ao volante, iria dominar a Formula 1, dando dois títulos mundiais e também uma incursão nas 500 Milhas de Indianápolis, em 1953, sem sucesso.

Ferrari continuava a andar nos Sportscars, especialmente nas 24 Horas de Le Mans e nas Mille Miglia, que ajudava no sucesso desportivo e comercial da sua marca. E aos poucos, atraia mais pilotos de renome. Mas em 1954, a Mercedes e a Lancia fazem os seus carros e estreiam-se na Formula 1, vencendo e deixando a Ferrari em crise. Parecia que as coisas iriam acabar mal, mas em maio de 1955 acontece a salvação. Com muita amargura à mistura.

Tudo começa quando Alberto Ascari mergulha para as águas do Porto do Mónaco com o seu Lancia D50. Três dias depois, já recuperado, está em Monza para ver o seu compatriota Eugenio Castelloti a andar no modelo 750 Monza, preparando-se para uma prova de Sportcar - presume-se que seria os 1000 km de Monza. Depois de Castelloti ter dado voltas no carro durante a manhã, Ascari vai dar umas voltas antes do almoço, para ver se os seus reflexos ainda estavam em condições depois do seu acidente. Na Vialone - agora Variante Ascari - despistou-se e acabou por morrer.

O acidente foi um golpe para Enzo Ferrari, mas quem acusou mais foi Vicenzo Lancia, filho do fundador da marca. Decidiu abandonar a Formula 1 e entregou os seus carros a Ferrari para poder ter um carro competitivo contra a Mercedes. Ele aceitou o acordo, e correu com pilotos como Castelloti e o seu compatriota Luigi Musso, e dois ingleses: Mike Hawthorn e Peter Collins. E em breve, outros pilotos lhes juntariam, como o espanhol Alfonso de Portago, o americano Phil Hill e o alemão Wolfgang Von Trips.

E no final de 1955, a Mercedes retira-se, consequência do seu acidente nas 24 Horas de Le Mans, onde morreram 80 pessoas por causa dos restos desgovernados do carro de Pierre Levegh. Com os seus principais pilotos sem volante, Stirling Moss opta pela Maserati, já Juan Manuel Fangio vai correr para a Ferrari. A relação entre os dois não é a melhor, pois não gosta dos seus métodos, mas dá à Scuderia o título de 1956, antes de rumar à Maserati. Era o seu terceiro título mundial na Formula 1 em poucos anos, numa equipa onde tinha Castelloti, Musso Collins e Hawthorn. E ainda teve o episódio de Monza, onde Collins cede o seu lugar ao argentino, afirmando que "era cedo demais para ser campeão". Na realidade, o plano inicial era que Musso cedesse o lugar em caso de necessidade, mas ele recusou.

E é por esta altura que começam a acontecer as tragédias pessoais. Desde cedo que Enzo prepara Alfredo - "Dino" para os mais íntimos - para ser o seu sucessor. Ele é um engenheiro por natureza, mas pouco depois de fazer 21 anos, é diagnosticada distrofia muscular, sem cura. Na sua cama de hospital, discutia com Vittorio Jano os planos do que viria a ser o motor Dino, um V6 de 1,5 litros que iria estar nos carros de estrada e de pista ao longo da década seguinte. A 30 de junho de 1956, aos 24 anos de idade, Dino morria.

Mal sabia que era o começo de uma temporada terrível. A 14 de março de 1957, Eugenio Castelotti sofre um acidente fatal enquanto testava em Modena, ao volante de o carro de Formula 1 para aquela temporada, e depois de fazer uma viagem de Milão, que durou toda a noite. Muitos culparam Ferrari pela ordem que tinha dado, pois o piloto tinha sido chamado à última da hora e não pretendia fazer aquele teste. Menos de dois meses depois, a 12 de maio, durante as Mille Miglia, o espanhol Alfonso de Portago puxou pelos limites do seu Ferrari 335S quando um pneu furou a alta velocidade em Cavriana, perto de Brescia. No acidente, para além de Portago e do seu navegador, o americano Edmund Nelson e mais dez espectadores, sete dos quais crianças.

Nesse momento, o nome Ferrari passou a significar "infâmia" e foi acusado de homicidio involuntário. As Mille Miglia deixaram de acontecer de modo competitivo e a Ferrari, era cada vez mais um sitio onde todos queriam correr, mas onde poderiam acabar mortos.

O campeonato de 1957 foi perdido para a Maserati e para Fangio, mas em 1958, com Mike Hawthorn e Peter Collins ao volante, tinha uma dupla disposta a vencer. Mas o sucesso e a tragédia não andavam longe: no GP de França, a 4 de julho, enquanto Mike Hawthorn vencia a corrida, Luigi Musso morria vitima de despiste. E menos de um mês depois, a 3 de agosto, Peter Collins, que duas semanas antes tinha vencido o GP da Grã-Bretanha, morria vitima de despiste durante o GP da Alemanha. Hawthorn competiria até ao final da temporada, venceu o campeonato e retirou-se da Formula 1, apenas para morrer em janeiro de 1959, num acidente de automóvel.

(continua amanhã)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A imagem do dia

Stirling Moss faz hoje 86 anos de idade, e a cada dia que passa, parece ser o último elo de um passado cada vez mais distante, aquele onde as coisas eram vistas de forma mais "romântica" para muita gente, mas na realidade, a segurança era zero e a possibilidade de morte era bem alta.

Moss chegou à Formula 1 na "altura certa", fazendo parte de uma geração que era demasiado jovem para correr nos anos 30, e era adolescente quando aconteceu a II Guerra Mundial. Como ele, apareceram pilotos como Mike Hawthorn, Peter Collins ou Graham Hill, que apanharam os seus rivais quando estes já eram demasiado velhos, mas que corriam na mesma, como Juan Manuel Fangio ou Nino Farina.

Moss teve também a estrela da sorte ao seu lado: sobreviveu a uma era onde era normal os pilotos sofrerem um grande acidente a cada cinco anos, e na maior parte dessas vezes, o acidente era fatal. Talvez tenha aprendido uma ou duas coisas do seu companheiro de equipa Fangio, que sempre andava no limite sem o passar. Antes do seu grande acidente em Goodwood, em abril de 1962, Moss sofrera outro grande acidente no GP da Belgica de 1960, a bordo de um Lotus da Rob Walker Racing.

Outra grande ironia é que Moss nunca venceu o campeonato do mundo, apesar de todos disserem que era um dos melhores da décda de 50, e ter conseguidos grandes feitos com carros inferiores e em circunstâncias desfavoráveis. As suas vitórias no Mónaco, em 1960 e 1961, a bordo dos Lotus, são um bom exemplo disso. E também o seu "fair-play", especialmente no GP de Portugal de 1958, fez com que impedisse Mike Hawthorn de ser desclassificado, e assim ter uma real chance de título. Pode não ter ganho títulos mundiais, mas ganhou o respeito de toda a gente.

Mas não foi só na Formula 1 que marcou o seu nome. A Endurance e os ralis também têm o seu nome marcado em várias corridas. Participou nas 24 Horas de Le Mans e nas Mille Miglia, e a sua vitória na ediçao de 1955 foi memorável, especialmente com as notas tiradas pelo jornalista Dennis Jenkinson, que com um rolo, lhe dizia os atalhos e os perigos existentes na estrada. Acabou por ser o protótipo do navegador nos ralis, graças à vitória retumbante - com recorde - que tiveram na corrida italiana.

Quando Moss teve o seu acidente em Goodwood, tinha apenas 32 anos, mas uma carreira que tinha começado doze anos e meio antes, em 1949. Caso não tivesse tido o acidente, seria altamente provável vê-lo correr até meados dos anos 70, tal como fez Hill. Não saberiamos se corresse até essa altura, se morreria pelo caminho, ou se conseguisse algum título mundial, mas teria sido interessante ver se ele faria mais de duas décadas de automobilismo, como fez Graham Hill, por exemplo.

Contudo, no final, ficou a pessoa, as suas histórias, e a sua aura de campeão, sem o ser. Moss ainda é acarinhado pelas pessoas sempre que vai aos eventos de carros antigos, como Goodwood, por exemplo. E a Grã-Bretanha já reconheceu os seus feitos, condecorando-o e chamando-o de "Sir". E merece.